Os "anfíbios de fogo" do Nordeste

Publicadas hoje na revista Nature Communications duas novas espécies de anfíbios fósseis do Brasil. O estudo também abre uma nova janela para compreensão de como eram os ecossistemas do Nordeste há 278 milhões de anos e amplia o entendimento sobre a diversidade e dispersão de alguns grupos de organismos fósseis.

Uma reconstrução da antiga comunidade lacustre do Nordeste brasileiro, mostrando em primeiro plano as novas espécies Timonya anneae (esquerda) e Procuhy nazariensis (direita). © Andrey Atuchin.
Uma reconstrução da antiga comunidade lacustre do Nordeste brasileiro, mostrando em primeiro plano as novas espécies Timonya anneae (esquerda) e Procuhy nazariensis (direita). © Andrey Atuchin.

Resultado de uma grande contribuição internacional, com participação do pesquisador Juan Carlos Cisneros da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o artigo publicado hoje na revista Nature Communications trás várias grandes contribuições para a Paleontologia. As primeiras são de grande relevância para a paleontologia nacional, com a adição de duas novas espécies ao “Bestiário Fóssil” do Brasil e a expansão do conhecimento sobre a paleontologia do Nordeste. As outras são de importância internacional, já que o estudo ajuda a preencher uma lacuna no conhecimento sobre os organismos que viveram no Hemisfério sul durante o período Permiano (entre 300 e 250 milhões de anos atrás) e também amplia o entendimento sobre a diversidade e dispersão de alguns grupos de organismos fósseis.

Timonya anneae e Procuhy nazariensis foram duas espécies de animais muito semelhantes à salamandras. Ambas espécies tinham hábitos essencialmente aquáticos e viveram há mais de 270 milhões de anos no que hoje é a região leste do Maranhão e o estado do Piauí. Timonya recebeu seu nome em homenagem ao município de Timon, no Maranhão, onde foi encontrada. O organismo era de pequeno tamanho e tinha o o corpo alongado e esguio como de uma enguia. Diversos espécimes em diferentes estágios de desenvolvimento foram encontrados e puderam ser estudados detalhadamente, inclusive com o uso de tomografias computadorizadas. Procuhy nazariensis, por sua vez, foi encontrado no município de Nazária, próximo à Teresina, no Piauí. Essa espécie era era um pouco maior apenas, tendo sido batizada na língua timbira, nativa do Maranhão, Piauí e Tocantins. Seu nome significa “sapo de fogo”, em alusão à Formação Pedra de Fogo, subunidade da Bacia sedimentar do Parnaíba, onde seus restos foram recuperados.

A Formação Pedra de Fogo é de onde provêm todos os fósseis do estudo e já era conhecida dos paleontólogos brasileiros pelos abundantes achados de troncos petrificados, muitos dos quais afloram dentro da cidade de Teresina, às margens do Rio Poti. Essa unidade geológica ganhou esse nome devido à elevada ocorrência de sílex, rocha muito usada para produzir fogo.

Até o momento, pouco se conhecia sobre as espécies de animais que ocorriam na Formação Pedra de Fogo, ou seja, que teriam habitado o Nordeste do Brasil durante o período Permiano. De acordo com o paleontólogo da UFPI Juan Cisneros, agora é possível ter um panorama muito mais detalhado sobre vida naquele tempo, “sabemos que no Permiano havia uma antiga floresta, que era parte de um bioma de lagos alcalinos, com uma fauna dominada por anfíbios.”

Além das duas espécies fósseis encontradas, restos de um anfíbio do tamanho de um pequeno jacaré e as mandíbulas de um pequeno réptil semelhante à uma lagartixa também foram recuperados. Estes organismos não puderam ser nomeados devido a qualidade e quantidade de material obtida, porém seu registro é muito significativo. Semelhanças morfológicas indicam que seus parentes mais próximos teriam vivido no Paraná, na África do Sul e também na América do Norte. O fato destas espécies terem sido registradas no Nordeste ajudam os paleontólogos a ter uma ideia sobre como estes animais se dispersaram durante o Permiano e como colonizaram novas regiões do grande paleocontinente Pangeia no passado.

“Quase todo o nosso conhecimento sobre os animais terrestres desse tempo (Permiano) é proveniente de um punhado de regiões na América do Norte e na Europa Ocidental, as quais estavam localizadas próximas ao equador,” disse o paleontólogo do Field Museum (Chicago, EUA) Ken Angielczyk, um dos autores da pesquisa. “Agora finalmente temos informação sobre que tipos de animais estavam presentes em áreas mais distantes ao sul, e das suas similaridades e diferenças com os animais vivendo próximos ao equador.”

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Crânio e parte do esqueleto do anfíbio Timonya anneae. Timonya é um anfíbio arcaico que habitou lagos tropicais do Nordeste durante o Período Permiano (aprox. 278 milhões de anos atrás). Este espécime foi encontrado em Timon, MA. Este crânio pertence a um animal jovem. Foto: Juan Cisneros.
Equipe de campo procurando fósseis em Nazária, PI. De esquerda a direita, em sentidohorário: Christian Kammerer, Jörg Fröbisch, Juan Cisneros, Martha Richter, Renata Quaresma.Foto: Kenneth Angielczyk.
Equipe de campo procurando fósseis em Nazária, PI. De esquerda a direita, em sentido horário: Christian Kammerer, Jörg Fröbisch, Juan Cisneros, Martha Richter, Renata Quaresma. Foto: Kenneth Angielczyk.
rânio do anfíbio Timonya anneae. Timonya é um anfíbio arcaico que habitou lagostropicais do Nordeste durante o Período Permiano (aprox. 278 milhões de anos atrás). Esteespécime foi encontrado em Timon, MA. Seu nome homenageia o município de Timon. Este crâniopertence a um animal adulto. Foto: Juan Cisneros.
Crânio do anfíbio Timonya anneae. Este crânio pertence a um animal adulto. Foto: Juan Cisneros.

Cisneros, J. C. et al. New Permian fauna from tropical Gondwana. Nat. Commun. 6:8676 doi: 10.1038/ncomms9676 (2015).

Sobre o(a/s) autor(a/es):

Aline é bióloga, especialista em paleontologia de vertebrados e criadora da rede de divulgação científica "Colecionadores de Ossos". Atualmente é professora adjunta de Paleontologia do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em Natal, RN.

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