Coleções informais de fósseis

Hoje tropecei nesta notícia, de um senhor já conhecido por sua coleção particular de fósseis na região de Cruzeiro do Sul, no Acre (clique na imagem para ler a notícia): Captura de Tela 2017-06-06 às 14.14.24

O que me fez refletir sobre as coleções informais de fósseis. Devo admitir, que essas são muito mais comuns pelo Brasil a fora do que a gente imagina e isso demanda uma discussão aberta sobre o assunto e não uma “varrida pra debaixo do tapete”.

Abaixo segue uma breve reflexão sobre o caso específico do Sr. Renato Bezerra, retratado na notícia. Procurei atentar para os dois lados da balança, mas, claro, como paleontóloga, sinto a necessidade de esclarecer qual o problema (para a sociedade e a ciência) envolvido nisso.

É polêmico e muito difícil lidar com situações assim. É necessário sempre usar a parcimônia e a lei do bom senso, principalmente pelo fato do Sr. Renato Bezerra ter começado suas atividades há muitos anos e hoje ser um senhor de idade. Certamente, Sr. Renato não reuniu os fósseis por maldade ou ganância. Sua intenção, acredito que posso afirmar, não era vender ou enriquecer com isso. No fundo, ele é um curioso e tem “alma” de cientista (ou pelo menos gostaria de ter), assim como muitos de nós. O que acontece, apenas, é que ele não teve preparo e/ou conhecimento de causa para compreender que o melhor lugar para um fóssil estar é na mão de paleontólogos, em um instituto de pesquisa.

Uma coisa é certa: do jeito que os fósseis estão acondicionados (veja a foto na notícia), eles NÃO podem ficar. Precisam ser curados, precisam ser cuidados (ter um repositório adequado, proteção, etc.). Estamos no século XXI, fóssil não é mais só peça de exposição ou objeto de curiosidade. Fóssil é, sobretudo, informação paleobiológica e paleoecológica (é um pedaço da história da vida no planeta), e precisa ser estudado! Fóssil tem que ter dados de coleta, coleta controlada, identificação adequada e, sobretudo, acesso irrestrito a pesquisadores. Colecionar fósseis implica em problemas sérios como esses: você tem a peça, não sabe direito o que é, de onde saiu, qual era a sua associação, qual o seu contexto, além de ela ficar fechada para toda (ou pelo menos grande parte) da comunidade acadêmica. É um objeto curioso, sem história nenhuma, que não contribui em nada. Fósseis bons já são raros, aí acabam nesses becos sem saída.

É urgente discutir melhor a legislação sobre fósseis. E o que fazer em casos como esse. Proibir? Liberar? Fiscalizar? Melhor fiscalizar? Mais inteligentemente fiscalizar? Aproximar? Afastar? Reprimir? Auxiliar? Orientar?

A coleção do Sr. Renato é uma coleção importante. No mínimo, deveria ser avaliada cuidadosamente por um paleontólogo especialista no estudo dos táxons envolvidos (aparentemente a maioria é megafauna, do Mioceno ao Pleistoceno, alguns fósseis raros) e os fósseis de relevância científica (possíveis novos táxons, etc.) resgatados para uma instituição competente de pesquisa, ou então devidamente curados, para garantir a sua preservação a longo prazo. No último caso, que seja garantida pelo menos a sua exposição ao público (como deseja o senhor), para que não se tornem peças de absoluto inúteis. Assim, pelo menos, mesmo como fósseis vazios, sacrificados pela vaidade e/ou egoísmo humano (ainda que na sua mais ingênua intenção), eles poderiam servir ao nobre propósito de instruir a população sobre a importância dos fósseis e como deveríamos tratar o nosso patrimônio fossilífero. Um sacrifício que se faz com uns, mas é para salvar outros mais.

E você, qual a sua opinião?

Sobre o(a/s) autor(a/es):

Aline é bióloga, especialista em paleontologia de vertebrados e criadora da rede de divulgação científica "Colecionadores de Ossos". Atualmente é professora adjunta de Paleontologia do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em Natal, RN.

13 comentários em “Coleções informais de fósseis”

  1. A paleontologia muitas vezes é alvo de atenção de aficionados pelo assunto. Muitos não conhecem a fundo a importância dos devidos cuidados que devem ser tidos com os fósseis e acreditam que apenas guardá-los já é o suficiente para sua preservação. Repenso o papel que a academia tem com a comunidade, como é importante esse diálogo ser levado para além dos eventos, museus, etc. O público em geral não tem acesso ao conhecimento acadêmico, por isso meios de comunicação (como esta página, blog e canal), são importantes nesse processo. 🙂

  2. Obrigada pela participação na discussão, Tamires! Eu particularmente também acredito que a divulgação é uma das vias mais importantes para ajudar a mudar esse cenário para melhor. <3

  3. Tem a questão da educação do público para a questão. Paleontólogos amadores, com certo treinamento, podem ser de ajuda muito grande para a ciência.
    Concordo negociar para que espécimes particularmente raros e informativos da coleção do senhor sejam entregues a uma instituição adequada e substituídas por réplicas de qualidade.
    Desconheço a situação exata do local, mas baseando-me no fato do baixo conhecimento do brasileiro sobre ciências em geral e paleontologia em particular, a coleção do senhor poderia ser a base uma exposição privada, mas devidamente licenciada, com decido acesa a pesquisadores, e servindo como instrumento para educação da comunidade local.

  4. Sei que seria quase utópico, mas não impossível, montar uma equipe/grupo de colaboradores por estado e ou região do país, para levantamento da qualidade dessas coleções. Após essa investigação e registro, avaliar juntamente com todos os colaboradores da equipe como proceder com os fósseis de importância à ciência.
    Falo em regionalizar essas equipes para minimizar o custo de deslocamento e outros, pois sabemos das dificuldades de apoio encontradas pelas equipes de paleontologia em nosso país.

    1. Coisa semelhante existe em outros países onde o comércio de fósseis e a coleta por amadores é parcialmente ou totalmente liberada, por exemplo (como em alguns estados dos E.U.A. ou alguns países da Europa). Equipes de paleontólogos ou um paleontólogo regional são contratados pelo governo responsável por avaliar esses casos e regular que fósseis podem ou não ser mantidos/vendidos por coletores amadores.

  5. Infelizmente, temos esse problema dentro mesmo de instituições "curada", onde os materiais são tratado como algo inalcançável. Eu já tive problemas em acessar/ver materiais devidamente depositados em diversas universidades. Tive o prazer de conhecer o Sr. Renato quando estive no Acre, é claro que a vontade dele é ter esse material disponível para estudo e público, mas que fique na sua região, podendo incrementar a ciência lá.

  6. Ganancia e egoísmo é querer que essas coleções fiquem restritas apenas a PALEONTÓLOGOS...nos USA as maiores descobertas são por pessoas amadoras e que sabem muito quando o assunto é paleontologia...eu acho é graça com esse tipo de poste...ainda tem a cara de pau de falar de EGOÍSMO HUMANO...vai entender!

  7. Vai que Cola, disse tudo o que pensei. Em muitos países, descobrir petróleo em suas terras é sinal de ficar rico. O Brasil vive uma falsa democracia onde quase tudo é do estado. Fósseis ainda não são, mas pelo texto do post isso está com os dias contados. Se eu achasse fósseis, moedas de ouro em um Galeão naufragado, meteoritos e etc, podem ter certeza que eu venderia tudo para quem pagasse mais. Principalmente estrangeiros.

  8. O camarada por que é diplomado em paleontologia acha que tudo só pode pra ele..,as universidades estão abarrotadas de fósseis que nem cabe mais e quase nunca ouvimos nem ao menos falar em alguma descoberta "RELEVANTE" sobre o estudo de tais fósseis...falam que nesse pais de merda não pode manter um fóssil em casa por que é crime e pertence a UNIÃO ( QUERO MAIS QUE A UNIÃO SE FODA)...um pequeno exemplo é a marmita "tanque de granito" localizado em Fazenda Nova PE que os ditos SABICHÕES fizeram o cata lá e deixaram pra traz CENTENAS de fragmentos que poderiam servir para serem distribuidos nas escolas como material didáticos mas não...estão lá há mas de uma década jogados a beira do tanque levando sol e chuva...ai eu pergunto...SERA REALMENTE JUSTO SER CRIME MANTER UM FÓSSIL EM CASA E AO MESMO TEMPO OS PRÓPRIOS PALEONTÓLOGOS FAZER ESSE TIPO DE SAFADEZA? estão lá jogados fragmentos esses que vi e fotografei...AS LEIS DESSE PAIS DE BOSTA SÓ SERVE DE GOZAÇÃO MESMO....e volto a repetir ( UNIÃO É MEUZOVO!) inveja é foda mesmo.

  9. Concordo com o que foi dito logo acima. A nossa politica está totalmente contaminada por ladroes, cabe aqui falar sobre o nosso niobio que esta sendo distribuido quase de graca para o exterior.

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