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>As pegadas fósseis do interior paulista – O Grande deserto Botucatu, Parte I

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Texto original por Marcelo Adorna Fernandes – adaptações por Aline Ghilardi

Há aproximadamente 140 milhões de anos, durante o final do Período Jurássico e início do Período Cretáceo, a região onde hoje se localizam as cidades de Araraquara e São Carlos, no interior de São Paulo, era coberta por um imenso deserto que se extendia por uma superfície de cerca 1.600.000 km2 (do sul de Minas Gerais até o Uruguai).

Imagem ilustrativa de como se pareceria o antigo deserto de Botucatu.

Este antigo deserto, chamado de Botucatu, foi um dos maiores que já existiu na história do Planeta Terra, e nele, dinossauros e pequenos mamíferos caminharam em busca de água, que brotava em pontuadas lagoas – oásis – formadas entre as gigantescas dunas de areia. Estes animais pré-históricos deixaram suas pegadas enquanto prosseguiam em suas jornadas diárias, e fortuitamente, estes registros fossilizaram, deixando pistas valiosas sobre a vida misteriosa do passado.
As pegadas fossilizadas são encontradas hoje em lajes de arenito retiradas de algumas pedreiras de Araraquara e São Carlos. Estas lajes foram vastamente utilizadas durante os séculos passados para o calçamento público de diversas cidades do interior paulista. Hoje, as calçadas dessas cidades guardam um tesouro precioso de dezenas de milhões de anos….

Reconstituição da fauna extinta do antigo deserto Botucatu. Por Ariel Milani e Aline Ghilardi.

Como as pegadas fossilizaram?

Pegada de dinossauro carnívoro.

As pegadas deixadas pelos animais que habitavam o paleodeserto de Botucatu eram delicadamente recobertas pela areia trazida pelo vento, que formava camadas sobrepostas protegendo a pista do animal. Depois de milhões de anos, a areia das dunas compactou-se de tal maneira – por cimentação natural dos grãos devida aos sais minerais de sua composição – que transformou-se em rocha (arenito), preservando o registro da vida extinta.
As dunas do antigo deserto continham um certo teor de umidade que também ajudava na preservação das pegadas. Porém, a umidade não era suficiente para favorecer a fossilização dos restos ósseos de animais que ali caminhavam. O clima rigoroso, associado ao desgaste pela ação erosiva dos grãos de areia e o vento, destruía completamente os corpos dos animais. Por isso não encontramos fósseis corporais de dinossauros – ou outros bichos -, mas somente suas pegadas.

Pista de pequeno mamífero.

A raridade de fósseis nesse tipo de ambiente faz com que todas as informações a respeito da vida nos paleodesertos restrinja-se sempre à impressões – vestígios indiretos – como pegadas e escavações para fuga ou habitação, por exemplo.

Pista de pequeno dinossauro carnívoro e detralhe de uma pegada.

Os arenitos da Formação Botucatu

Com o passar do tempo, a areia deste imenso deserto foi sofrendo um processo de compactação. As camadas inferiores de areia foram sendo gradativamente cobertas por novas camadas que o vento trazia, e as pegadas foram “guardadas” num “arquivo sedimentar”. Camada após camada, a areia endureceu formando as rochas conhecidas como arenito, da Formação Botucatu, pertencente à Bacia do Paraná, a mesma rocha que compõe o Aqüífero Guarani.

Diagrama litoestratigráfico indicando o posicionamento da F,. Botucatu dentro da Bacia do Paraná.

Pedreira na cidade de Araraquara, SP, onde afloram os arenitos da Formação Botucatu. Ainda pode-se observar a inclinação da antiga paleoduna.

Calcamento de arenito em Araraquara, SP.

Pegadas no calçamento. Algumas são cobertas com cimento: Alguns moradores as tinham como ‘defeitos’ na calçada.
O arenito foi muito utilizado para calçamentos de vias públicas em Araraquara e região, conseqüentemente muitas pegadas são encontradas ainda hoje nas próprias calçadas de diversas cidades do interior paulista e inclusive na Capital.

O estudo do registro icnofossilífero

O estudo de um icnofóssil (vestígio preservado da atividade de um organismo) é de grande importância, pois pode auxiliar nas interpretações paleoambientais e paleoecológicas de um determinado período de tempo geológico, assim como evidenciar o comportamento dos diversos organismos fósseis.

As pegadas fósseis podem estar preservadas basicamente como impressões (epirrelevo côncavo), correspondendo a moldes das plantas dos pés do animal, e como contra-moldes (hiporrelevo convexo) produzidos pelos sedimentos sobrejacentes nas impressões originais. Devido ao peso, alguns animais poderiam ainda provocar deformações nas camadas inferiores do sedimento, formando as undertracks ou subpegadas.
A partir das pegadas fossilizadas é possível reconstruir o esqueleto do pé do animal, saber como era a pele e musculatura do pé. Também é possível conhecer relações ecológicas destes seres primitivos e sua influência nos ecossistemas. O estudo destes vestígios torna-se algo fascinante e que nos permite reconstruir, passo a passo, a trajetória da vida no Planeta.
O final da existência dos dinossauros do deserto no interior paulista foi selado por um grande evento magmático (registrado como a Fm. Serra Geral), no qual grandes fissuras na crosta terrestre derramaram magma sobre o paleodeserto, mudando o clima e a paisagem e determinando o fim do antigo ambiente do Botucatu. Isso se deu há pelo menos 135 milhões de anos.

Pegadas de pequeno mamífero.

Ilustração representando a antiga fauna do deserto Botucatu. Por Ariel Milani.

Maiores informações sobre o sítio paleontológico de Araraquara no site:
— Em próximos posts: “A fauna do Paleo-Deserto Botucatu”, “Xixi de dinossauro” e “Um estranho gigante nas dunas”

>Um lindo exemplar de Rauisuchia!

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Muitos devem ter acompanhado ontem pela televisão a curta notícia sobre o achado fóssil de um grande réptil de 238 milhões de anos na região do município de Dona Francisca, Rio Grande do Sul.  O material foi referido como pertencente a Prestosuchus chiniquensis, uma espécie de rauissúquio já conhecida pela ciência desde a primeira metade do século XX. O exemplar encontrado, porém, merece destaque! O estado de conservação está magnífico e o bicho encontra-se em grande parte articulado. Nas imagens é possível identificar o crânio do animal em excepcional estado de conservação.


Apesar de parecer, aviso antecipadamente: NÃO É UM DINOSSAURO. Trata-se de um Rauisuchia! – O que diabos? – Bem… já vamos entender toda história.

No Rio Grande do Sul, próximo ao município de Dona Francisca, cerca de 260km de Porto Alegre,  uma equipe de pesquisadores da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) anunciaram a descoberta de um fóssil quase completo de um superpredador do período Triássico. O animal, que teria cerca de 7 metros de comprimento e 238 milhões de anos, trata-se, segundo os envolvidos na descoberta, de um exemplar de Prestosuchus chiniquensis, uma espécie de rauissúquio que já fora descrita em 1942 por Friedrich von Huene, pesquisador alemão que na época explorava afloramentos fossilíferos do sul do Brasil.

           
Crânio e reconstituição em vida de Prestosuchus chiniquensis Barberena & Bonaparte, 1978

Prestosuchus é uma espécie de rauissúquio, grupo de grandes animais carnívoros quadrúpedes, terrestres, semelhantes a crocodilos, da linhagem dos Crurotarsi. Os Crurotarsi por sua vez são um dos dois grandes braços dos Archosauria, sendo dessa forma, grupo irmão dos Ornitodira. Os Crurotarsi englobam todos os crocodilos modernos e seus parentes pré-históricos, enquanto os Ornitodira, os pterossauros e dinossauros e aves.
Cladograma demonstrando as relações de parentesco entre os grupos citados acima

Isso ajuda a esclarecer uma questão: o animal encontrado é apenas como um primo distante dos dinossauros, apesar das semelhanças. E vale ressaltar ainda, que ele viveu num período um pouco anterior ao início da grande radiação dos seus parentes, que se deu há cerca de 230-225 milhões de anos atrás.

Qual a importância dessa descoberta?

O fóssil quase completo representa um dos mais importantes achados deste grupo de répteis. Os prestosuquídeos foram descobertos na primeira metade do século XX, em 1938, na região de Chiniquá, município de São Pedro do Sul, RS, em rochas correspondentes à Formação Santa Maria. Friederich von Huene foi quem recolheu os materiais, que constituíam-se de partes de um crânio e alguns outros ossos. Todos esses foram levados para estudos na Alemanha, onde permanecem até hoje no museu de Tübigen.


Mais tarde, na década de 70, um crânio completo foi encontrado. Ele estava associado a vértebras isoladas e outros materiais pouco preservados. Até hoje não se conhecia com detalhes, no entanto, como eram os membros posteriores desses animais.

A nova descoberta, sob essa perspectiva, veio abrir uma janela na compreensão da anatomia dos rauissúquios prestosuquídeos. “Este é o único fóssil deste grupo de animais a apresentar uma pata traseira preservada”, destaca Sérgio Furtado Cabreira, um dos paleontólogos envolvidos no achado. “Ele poderá trazer novas informações sobre a locomoção desses animais e favorecer uma reconstrução mais precisa do esqueleto”, adiciona o paleontólogo.

As rochas sedimentares do local da escavação correspondem ao que seria um lago primitivo. Herbívoros triássicos deveriam se reunir ali para matar a sede e esses predadores estariam prontos para a emboscada. O que tudo indica, pelo estado de preservação e articulação do material, é que logo após a sua morte o animal foi soterrado rapidamente. Nas rochas do entorno foram encontrados também restos de grandes dicinodontes e de pequenos cinodontes herbívoros, provavelmente presas comuns desses animais.

Os pesquisadores envolvidos na descoberta integram um projeto da Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação associada ao Museu de Ciências Naturais da ULBRA Canoas. Deve levar cerca de dois anos até que o material seja devidamente preparado e sejam publicados os seus primeiros estudos descritivos.

Mais detalhes sobre a descoberta

Há cerca de três anos Sérgio Cabreira e Lúcio Silvia encontraram duas grandes vértebras isoladas na área de estudo, um afloramento da Formação Santa Maria. De acordo com os pesquisadores, essas foram as pistas de que poderiam encontrar mais materiais naquela localidade, e que, pelo tamanho do material, poderiam pertencer a algum tipo de grande predador.

Foram as fortes chuvas do último verão que acentuaram a erosão do terreno rochoso e acabaram por expor as demais partes do esqueleto do animal ali sepultado. Nas fotos é possível ver o material preparado para retirada dentro dos bolsões de gesso.



 — O Rio Grande do Sul é umas das principais zonas de escavação paleontológicas brasileiras e é reconhecido mundialmente pela importância de seus fósseis. As rochas sedimentares mesozóicas, como a da área na qual foi encontrado o Prestosuchus, afloram preferencialmente na região central do estado e constituem uma destacada área de geoturismo.


— Quando se fala do Rio Grande do Sul não se pode deixar de falar do chamado Geoparque Paleorrota. Os afloramentos do geoparque abrangem rochas de idades permiana (Permiano Superior) e triássica (Inferior, Médio e Superior), entre 270 e 210 milhões de anos, das conhecidas unidades litoestratigráficas Santa Maria, Caturrita, Sanga do Cabral, Rio do Rasto e Irati.


— Foram as Formações Santa Maria e Caturrita que nos forneceram os registros dos mais antigos dinossauros brasileiros e dentre esses, algumas das formas mais basais de dinossauros do mundo. Os dinossauros gaúchos ajudaram e continuam a ajudar na elucidação do início da história evolutiva desses animais. 


— Em março desse ano pesquisadores da UFRGS anunciaram também a descoberta de um outro predador Triássico, Trucidocynodon riograndensis, um animal do tamanho de um lobo que viveu há cerca de 220 milhões de anos atrás.

Para saber mais: