A espécie humana está na Terra há apenas 300 mil anos. Somos jovens nesse pequena planeta azul e dinâmico. Os dinossauros, por sua vez, estão por aqui há pelo menos 233 milhões de anos, desde o Período Triássico e, não custa lembrar, permanecem vivos até hoje na forma das aves. Esse grupo de animais tolerou e se adaptou a uma grande variedade de climas e mudanças dramáticas na configuração dos continentes ao longo do tempo. Por isso são um modelo excelente para estudarmos evolução biológica. Eles têm muito a nos ensinar sobre os segredos da sobrevivência.
Durante o auge do reinado dos dinossauros, na Era Mesozoica, o clima do nosso planeta era muito mais quente do que hoje. Uma das características que favoreceu este grupo de animais foi a evolução de sacos aéreos, um tipo de upgrade do sistema respiratório. Os sacos aéreos são estruturas conectadas aos pulmões, que se espalham por toda cavidade toráxica e abdominal desses animais, penetrando inclusive os ossos. Estão presentes nas aves atuais e não apenas tornam sua respiração mais eficiente, mas também ajudam a deixar os seus esqueletos mais leves, o que favorece, por exemplo, o voo. Apesar de muito característicos das aves, os sacos aéreos não são uma exclusividade dos delas. Eles também estavam presentes nos dinossauros não-avianos (todos os outros dinossauros, que não as aves) muito antes da evolução do voo.
Imagina-se que os sacos aéreos originalmente favoreceram os dinossauros por funcionarem como um sistema eficiente de captação de oxigênio e também por serem um sistema de refrigeração natural. Se você, hoje, fica ofegante fazendo exercícios no verão quente, saiba que os dinossauros eram (e são!) muito mais eficientes que você em captar oxigênio e se refrigerar. Não é à toa que eles saíram na frente na corrida evolutiva (enquanto nosso grupo, o dos mamíferos, ficou por quase 150 milhões de anos no banquinho de reservas evolutivo).
Já é bem sabido que dinossauros do Período Cretáceo, como o T. rex e alguns pescoçudos, como o Ibirania, tinham um extenso sistema de sacos aéreos pelo corpo. Inclusive, bem parecido com os das aves atuais. Só que a origem e evolução deste sistema tem sido um enigma por várias décadas. Será que os primeiros dinossauros, lá do período Triássico, já tinham sacos aéreos?
O que sabíamos era que a pneumaticidade do esqueleto relacionada a um sistema de sacos aéreos estava presente tanto em dinossauros derivados, ou seja, aqueles que viveram durante o Período Cretáceo, quanto em pterossauros, répteis voadores parentes próximos dos dinossauros. Ambos os grupos seguiram um caminho evolutivo independente a partir do Período Triássico. Uma explicação para a presença de sacos aéreos tanto em dinossauros quanto em pterossauros seria que a origem dessas estruturas se deu bem antes deles terem seguido seu caminho evolutivo independente, isto é, ainda em seus ancestrais.
Porém, a questão permaneceu em aberto. Faltavam estudos avaliando a presença dessas estruturas tanto em dinossauros mais antigos quanto em ancestrais dos pterossauros e dinossauros…
Para nossa sorte, o Brasil têm os fósseis dos mais antigos dinossauros e é aí que entra o estudo publicado agora em Dezembro de 2022 pelo nosso grupo de pesquisa, na revista Scientific Reports:
Para tentar solucionar este enigma, um grupo de pesquisadores brasileiros da Unicamp, UFRN, UFSCar e UFSM e um colaborador da Western University of Health Sciences, dos E.U.A., analisaram três fósseis de alguns dos mais antigos dinossauros do mundo, Buriolestes, Pampadromaeus e Gnathovorax, do Período Triássico do Rio Grande do Sul. Estes são alguns dos dinossauros mais antigos conhecidos até o momento, com 233 milhões de anos de idade!
Foi possível notar que os ossos da coluna vertebral (vértebras) desses animais apresentavam pequenos orifícios nas laterais. Sabemos que os sacos aéreos ingressam no esqueleto através de estruturas semelhantes a isso. Porém, os orifícios encontrados eram muito pequenos, o que talvez indicasse uma outra função.
Realizamos, então, tomografias de alta resolução (micro-tomografias) para investigar a estrutura interna dos fósseis. A análise revelou uma arquitetura bastante densa nas vértebras desses animais, bem diferente do que conhecemos em esqueletos permeados por sacos aéreos de dinossauros que viveram no Cretáceo ou mesmo as Aves. Porém, Buriolestes e Pampadromaeus mostraram uma vascularidade mais complexa no interior das vértebras, do que Gnathovorax. Uma vascularidade mais desenvolvida pode ter servido de alicerce para o surgimento das estruturas pneumáticas conhecidas como câmaras e camelas, típicas da invasão das vértebras por sacos aéreos.
A ausência de pneumaticidade no esqueleto pós-craniano desses dinossauros mais antigos contradiz a hipótese de que os sacos aéreos invasivos presentes em dinossauros e pterossauros são homólogos, ou seja, de que teriam surgido no ancestral comum desses animais. Isso indica que a pneumaticidade óssea associada à sacos aéreos evoluiu pelo menos três vezes independentemente em Avemetatarsalia, grupo que inclui dinossauros, pterossauros e seus parentes. Ou seja, evoluiu de forma independente em pterossauros, dinossauros terópodes (grupo dos dinossauros carnívoros) e sauropodomorfos (grupo dos dinossauros pescoçudos).
Essa descoberta muda a forma como compreendíamos os dinossauros e seus parentes. Passo a passo estamos entendendo melhor a sua evolução e o segredo do seu sucesso. É possível que algum fator ambiental tenha sido o gatilho para a evolução desse sistema sacos aéreos em diferentes grupos de avemetatarsalianos, mas isso são cenas para os próximos capítulos!
Gostaríamos de agradecer as agências de fomento que tornaram possível esta pesquisa: o CNPq, a FAPESP e a FAPERGS.
Acesse o artigo completo: Aureliano et al. 2022. The absence of an invasive air sac system in the earliest dinosaurs suggests multiple origins of vertebral pneumaticity. Scientific Reports. https://www.nature.com/articles/s41598-022-25067-8
Hoje (quarta-feira 9/12/2020), acaba de ser publicado um trabalho que traz informações importantes para a compreensão de um grande enigma da paleontologia: a origem dos pterossauros, répteis voadores que dominaram os céus durante a Era Mesozoica.
O trabalho foi publicado na revista Nature e conta com a participação de alguns cientistas brasileiros, que ajudaram a investigar em detalhes um grupo de pequenos répteis que viveu durante o Período Triássico, os lagerpetídeos.
A origem dos pterossauros sempre foi um daqueles problemas cabeludos da Paleontologia. Os pterossauros, para quem não conhece ou não se recorda, são aqueles répteis voadores com asas membranosas, que viveram durante a chamada “Era dos Dinossauros”, intervalo do tempo que se estende de 251 à 66 milhões de anos atrás.
O problema com os pterossauros é que seus fósseis mais antigos (que tem cerca de 208 milhões de anos), já apresentam características tão diferenciadas, que é difícil traçar a origem evolutiva do grupo. Eles já apresentam, por exemplo, dedos das mãos hiper-alongados, crânio super modificado e diversas outras características derivadas muito bem adaptadas para o voo. A comparação com outros grupos de répteis que viveram no mesmo período é bastante difícil, pois não temos registros de fósseis de organismos com características intermediárias. Logo, descobrir onde o grupo se encaixa na árvore da vida tornou-se um desafio.
Diversos grupos independentes de cientistas têm se debruçado sobre a questão ao longo do tempo. Os resultados específicos são bastante contrastantes, mas em uma coisa, pelo menos, temos concordado, eles pertencem a um grupo chamado de Archosauromorpha, que inclui, por exemplo, os dinossauros e os crocodilos atuais. É um grupo muito amplo. Isso serve para você entender a gravidade da questão.
Há muita discordância sobre em que ponto exato dentro dos Archosauromorpha se encaixam os pterossauros. Alguns pesquisadores sugerem que eles teriam derivado de Archosauromorpha basais. Outros, que eles são parentes bem mais próximos dos dinossauros, derivados de avemetatarsálios basais próximo aos lagerpetídeos. Aí entra o estudo publicado hoje.
O estudo publicado hoje na revista Nature é assinado por 18 autores, entre eles os brasileiros Mário Bronzati, Sergio F. Cabreira, Lúcio Roberto da Silva e Max Langer. O que os 18 pesquisadores fizeram foi investigar mais a fundo um grupo específico de pequenos répteis arcossauromorfos do Período Triássico (cerca de 237 a 210 milhões de anos atrás), conhecidos como lagerpetídeos. A equipe analisou não apenas detalhes da aparência externa do esqueleto desses organismos, como utilizou também a tecnologia de tomografia computadorizada para observar dentro de seus ossos. Mais especificamente, dentro do crânio.
Os lagerpetídeos viveram onde hoje é a América do Sul, América do Norte, África e Madagascar. Durante o Triássico, estas massas de terra estavam unidas, formando o supercontinente Pangea. Aqui no Brasil, fósseis de lagerpetídeos são encontrados apenas no Rio Grande do Sul, em rochas da Bacia do Paraná.
Um exemplo de lagerpetídeo brasileiro é Ixalerpeton polesinensis, um animal com cerca de 40 cm de comprimento e 15 centímetros de altura, descrito em 2016. Seu fóssil foi encontrado no município de São João do Polêsine, RS. Ixalerpeton é uma das espécies de lagerpetídeos incluída no estudo. Ele tem preservado parte de sua caixa craniana, o que permitiu aos pesquisadores reconstruir o cérebro e ouvido interno do animal.
Outras espécies de lagerpetídeos foram analizadas, como Lagerpeton chanarensis, da Argentina, Dromomeron romeri e Dromomeron gregorii, dos E.U.A. e Kongonaphon kely, de Madagascar. Até pouco tempo atrás, lagerpetídeos eram conhecidos apenas com base em ossos das pernas e do quadril (que se preservam mais facilmente nesse grupo), mas descobertas mais recentes têm revelado mais detalhes sobre a anatomia desses animais, como a aparência do crânio, coluna e membros anteriores.
Os pesquisadores reuniram, então, esses fósseis e fizeram um estudo anatômico comparativo, avaliando diversas características destes animais e comparando-as com de outros Arcosauromorpha. A análise filogenética resultante do estudo (uma forma matemática de análise de parentesco) revelou grandes semelhanças anatômicas entre os lagerpetídeos e os primeiros pterossauros. Apontou, inclusive, a existência de um grupo independente, que incluiria ambas as linhagens, chamado de Pterosauromorpha.
No trabalho são destacadas várias características únicas compartilhadas apenas por pterossauros e lagerpetídeos, incluindo, por exemplo, alongamento dos ossos do antebraço e das mãos. O parentesco muito próximo surpreendeu bastante, pois anteriormente pensava-se que lagerpetídeos deveriam ser mais aparentados aos silesaurídeos e dinossauros. Assim, o atual estudo estabelece um marco importante para o entendimento da origem dos pterossauros.
Outro resultado fascinante do estudo publicado hoje, envolve a biologia dos lagerpetídeos. Algumas características anatômicas indicam adaptações a um estilo de vida bastante ágil. As análises com tomografia computadorizada e reconstrução do cérebro e ouvido interno desses animais, por exemplo, demonstraram que eles tinham sistemas sensoriais típicos de organismos capazes de movimentos rápidos da cabeça e bom controle do movimento dos olhos e do pescoço. Adaptações como essa são observadas em organismos voadores e/ou arborícolas da atualidade. Talvez os lagerpetídeos utilizassem essa sua característica para a captura de presas ágeis, como insetos. O que é reforçado pela anatomia dos seus dentes.
Se comparado ao sistema sensorial dos pterossauros, lagerpetídeos tinham basicamente as mesmas adaptações no cérebro e ouvido interno. Isso pode sugerir que características sensoriais vantajosas para o vooevoluíram antes mesmo do voo em sinos Pterosauromorpha (uma pré-adaptação).
Outro ponto interessante é o formato das garras das mãos dos lagerpetídeos, bastante curvadas, o que indica uma função diferenciada dos membros anteriores. Os autores sugerem que elas podem ter sido selecionadas devido a um estilo de vida arborícola (para ajudar a escalar) e/ou utilizadas para a aquisição de presas. O que é interessante , pois pode sugerir um cenário em que o voo nos pterossauros teria evoluído como uma vantagem para se mover de uma árvore para a outra.
Embora este estudo tenha demonstrado um parentesco entre lagerpetídeos e pterossauros, muitas questões ainda permanecem. Entre elas, talvez a mais perturbadora ainda seja como a principal característica dos pterossauros, as asas, evoluíram. Pode parecer frustrante não ter todas as respostas de uma vez, eu sei. Mas estamos chegando cada vez mais perto. Este estudo nos aproxima um pouco mais da “solução” do grande enigma. Pense pelo lado bom: pelo menos, agora sabemos melhor onde procurar respostas!
Nesta sexta-feira, dia 11/12, às 19h, vamos bater um papo ao vivo no nosso canal do Youtube com um dos autores do estudo. Ative o lembrete para não perder:
Bem no início da história evolutiva dos tetrápodes, inúmeros animais eram adaptados para a sobrevivência no ambiente aquático. Os ditos anfíbios, na verdade, compunham uma grande diversidade de animais (ex. temnospôndilos, lepospôndilos – Fig. 1), que aterrorizavam áreas inundadas e outros corpos d’água. No entanto, nesse ambiente hostil, surgiram pequenos e frágeis tetrápodes com uma especialização reprodutiva inovadora: o ovo amniótico.
Geralmente é ensinado que a presença de membranas diferenciadas e externas ao embrião fizeram com que os tetrápodes conquistassem definitivamente o ambiente terrestre e se diversificassem em formas gigantescas e até mesmo voadoras. Dessa forma, os Amniota ganharam o título de colonizadores do ambiente terrestre. Mas, e o ambiente aquático? Ficou para os anfíbios? Os amniotas deram as costas para o ambiente aquático?
A resposta é NÃO e no Brasil temos um dos grupos fósseis mais importantes para contar essa história: os mesossauros!
Mesossauros?
Talvez os Mesosauridae sejam os amniotas melhor representados e conhecidos no registro fossilífero do nosso país. Seus fósseis são abundantes em rochas permianas da Formação Irati e sua ampla distribuição geográfica (de Goiás até o Rio Grande do Sul) garantiu um bom conhecimento acerca do seu modo de vida e aspectos osteológicos, principalmente da região pós-craniana (Modesto, 2009; Sedor & Ferigolo, 2001).
Os mesossauros fazem parte de um grupo de amniotas conhecido como Parareptilia. Os “pararrépteis” formam uma pequena linhagem que surgiu no Carbonífero e apresenta uma grande diversidade de formas com especializações variadas e novidades evolutivas. Para vocês terem ideia da importância do grupo, nos pararrépteis encontramos: formas herbívoras de grande porte (como os pareiassauros); o mais antigo réptil com capacidade de locomoção bípede conhecido (Eudibamus cursoris); os primeiros amniotas com implantação dentária do tipo tecodonte (dentes implantados em alvéolos, e.g. Bolosaurus grandis) e o primeiro grupo de amniotas a apresentar especializações para o ambiente aquático: sim, os mesossauros.
As características que indicam que esses animais eram adaptados para a vida no meio aquático são bastante evidentes (Fig. 2): eles apresentam crânio com rostro alongado (i.e. focinho comprido), narinas próximas às órbitas, coluna vertebral longa, principalmente na região caudal, pés espalmados e ossos com paquiostose e osteosclerose (explico a seguir).
Os mesossauros viviam em um mar extenso (mar Irati-Whitehill) confinado, que cobria áreas que atualmente correspondem ao Brasil, África do Sul, Paraguai e Uruguai (Oelofsen & Araújo, 1983). Nesse grande corpo d’água, os mesossauros compartilhavam o ambiente com… bom, com nenhum outro tetrápode! É isso mesmo! Até o momento, esses pararrépteis são os únicos tetrápodes conhecidos para a Formação Irati. Curioso né?
Na unidade, também ocorrem outros vertebrados (e.g. Chahud & Petri, 2009; 2010), tais como fósseis de peixes (tubarões, celacantos e paleonisciformes) e um dente de um provável anfíbio, mas em camadas de rocha distintas, tornando muito difícil inferir que esses vertebrados compartilhavam o mesmo ambiente numa mesma época.
Se eles não compartilhavam o ambiente com outros vertebrados, então os dentes compridos dos mesossauors eram usados para que?
Entre os mesossaurídeos são reconhecidas três espécies (Fig. 3): Brazilosaurus sanpauloensis, Stereosternum tumidum e Mesosaurus tenuidens. Nem todos os mesossauros apresentavam dentes compridos. B. sanpauloensis, por exemplo, apresenta os dentes mais curtos entre os Mesosauridae, mostrando que haveria uma certa variação de dieta entre eles. Sobre a alimentação dos mesossauros, temos fortes pistas: fósseis de crustáceos são encontrados em abundância nas mesmas rochas que nossos pararépteis. Dessa forma, é inferido que pelo menos M. tenuidens se alimentasse desses crustáceos, sendo os dentes utilizados como uma espécie de filtro, que prenderia os invertebrados. Além disso, alguns pesquisadores também sugerem canibalismo e necrofagia, devido a presença de pequenos ossos encontrados em conteúdos gástricos e coprólitos associados de mesossaurídeos (Silva et al. 2017).
Voltando ao assunto dos ossos: Paquiostose? Osteosclerose? O que é isso?
O osso é um tecido vascularizado, composto por células e uma matriz extracelular mineralizada. É um tecido vivo, que tem a função de suporte, proteção, produção de células sanguíneas e também atua como regulador do equilíbrio mineral do organismo (Hall, 2005).
Se pegarmos um osso longo (ex.: fêmur, úmero ou costela) e fizermos um corte na porção média dele, é bem provável veremos uma parte externa mais compacta e outra interna menos mineralizada, mais porosa (variações existem, é claro). A porção periférica é chamada de córtex (osso cortical na imagem), enquanto a interna é chamada de cavidade medular (que contém a medula óssea) (Fig. 4). Em estudos microanatômicos, são detalhadas as variações dessas regiões nos ossos, tais como a espessura do córtex, diâmetro do canal medular e porosidade. O aspecto microanatômico do osso é importante para entender a paleobiologia do vertebrado fóssil, pois sua organização está intimamente relacionada com o hábitat, modo de vida e aspectos biomecânicos do organismo (Krillot et al. 2008). Portanto, é uma ferramenta útil para quem deseja entender como determinado animal vivia em um passado distante.
Para exemplificar, vou tentar caracterizar os aspectos microanatômicos de ossos longos em espécies terrestres:
Nestas formas, a relação entre espessura cortical, diâmetro do canal medular e seu preenchimento ou não por trabéculas ósseas, parece depender muito do porte do animal.
No geral, amniotas terrestres apresentam ossos dos membros com córtex delgado, canal medular amplo e sem a presença de trabéculas. No entanto, a situação muda quando o animal se torna muito grande. Imaginem um osso extremamente comprido e com poucos milímetros de espessura cortical: será que ele aguentaria suportar toneladas e ao mesmo tempo resistir ao estresse mecânico provocado pela locomoção? É bem provável que não. Dessa forma, é comum que o osso desses animais apresente córtex espesso e cavidade medular preenchida por osso trabecular (i.e. em forma de travas) (Fig. 5).
Já a vida no meio aquático impõe uma série de restrições mecânicas diferenciadas, devido à água apresentar maior densidade e viscosidade que o ar. Nos ossos é comum o aumento em massa e densidade, que ocorre devido à grande quantidade de deposição de osso cortical e o aumento da compacidade interna. Dessa forma, ossos paquiostóticos possuem aspecto inchado, devido à grande quantidade de osso cortical depositado, enquanto que ossos osteoscleróticos são extremamente compactos, quase não apresentando canais vasculares e, quando apresentam, são geralmente de pequeno calibre. Nos mesossaurídeos, tanto a paquiostose, quanto a osteosclerose ocorrem em vértebras e costelas (Fig. 6). Tal característica é denominada de paquiosteosclerose.
No entanto, essa adaptação tem um preço: o aumento da massa esquelética tem consequências na locomoção subaquática (Taylor, 2000). A paquiostose parece ocorrer com mais frequência em espécies que habitam áreas rasas aonde o animal tem a possibilidade de alcançar o fundo com certa facilidade. Táxons de uma mesma linhagem, mas adaptados ao ambiente pelágico (que vivem em mar aberto) tendem a não apresentar tal característica o que não acontece em formas “menos ágeis” (Houssaye, 2009). De fato, os mesossauros não alcançavam grande velocidade na água e, além disso, os indivíduos encontrados em rochas depositadas em ambiente mais profundo (ex. folhelhos), são geralmente os de maior tamanho (Oelofsen & Araújo, 1983; Villamil et al. 2015).
Além dos aspectos ósseos, há outras evidências que sugerem o habitat preferencial dos mesossauros?
Além dos fósseis de mesossauros ocorrerem apenas em rochas que foram depositadas em ambiente marinho, também temos evidências icnológicas. Sedor & Silva (2004), descreveram pela primeira vez marcas subaquáticas de mesossaurídeos em calcários da Formação Irati no Estado de Goiás. As marcas foram produzidas pelo toque dos pés no sedimento durante o impulso para aumento de velocidade ou mudança de curso. Posteriormente, Silva et al. (2009) estudaram pegadas de mesossauros semelhantes de material oriundo do Estado do Paraná e descreveram a icnoespécie Mesosaurichnium natans (Fig. 7).
Apesar do estudo microscópico dos fósseis se dar a partir de métodos destrutivos (lembrem-se de ter muito cuidado na escolha dos espécimes!), ele fornece detalhes muito interessantes acerca da paleobiologia e paleoecologia dos táxons fósseis. Neste texto, descrevi brevemente o que podemos inferir a partir dos detalhes microanatômicos dos ossos. No entanto, existem outros aspectos que podemos interpretar a partir de lâminas delgadas de fósseis: detalhes do crescimento, a taxa de deposição óssea e a possibilidade de se inferir a idade de um indivíduo são apenas algumas delas.
Nos mesossauros a análise da microestrutura óssea ainda está no início e tem muita coisa para ser mostrada.
Até mais!
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Quer saber mais sobre esses fofos? Corre lá no canal pra conferir dois vídeos super bacana que a gente fez sobre eles!
CHAHUD, A., PETRI, S. (2009). Novos Xenacanthidae (Chondrichthyes, Elasmobranchii) da base do Membro Taquaral, Formação Irati, Permiano da Bacia do Paraná. Revista do Instituto Geológico, 30(1-2), 19-24.
CHAHUD, A., PETRI, S. (2010). Anfíbio e Paleonisciformes da Porção Basal do Membro Taquaral, Formação Irati (Permiano), Estado de São Paulo, Brasil. Geologia USP: Série Científica, 10(1), 29-37.
HALL, B. K. (2005). Bones and cartilage: Developmental and and evolutionary skeletal biology. Elsevier, 2005, 792p.
HOUSSAYE, A. (2009). “Pachyostosis” in aquatic amniotes: a review. Integrative Zoology, 4 (4), 325-340.
HOUSSAYE, A. et al. (2015). Biomechanical evolution of solid bones in large animals: a microanatomical investigation. Biological Journal of the Linnean Society, 117, 50-371.
KRILLOF, A. et al. (2008). Evolution of bone microanatomy of the tetrapod tibia and its use in palaeobiological inference. Journal of Evolutionary Biology, 21, 807-826.
MODESTO, S. P. (2010). The postcranial skeleton of the aquatic parareptile Mesosaurus tenuidens from the gondwanan Permian. Journal of Vertebrate Paleontology, 30(5), 1378-1395.
OELOFSEN, B. W. & ARAÚJO, D. C. (1983). Palaeoecological implications of the distribution of mesosaurid reptiles in the Permian Irati Sea (Paraná Basin), South America. Revista Brasileira de Geociências, 13, 1-6.
SEDOR, F. A. & FERIGOLO, J. (2001). A coluna vertebral de Brazilosaurus sanpauloensis Shikama & Ozaki, 1966 da Formação Irati, Permiano da Bacia do Paraná (Brasil) (Proganosauria, Mesosauridae). Acta Biologica Paranaense, 30, 151-173.
SEDOR, F. A. & SILVA, R. C. (2004). Primeiro registro de pegadas de Mesosauridae (Amniota, Sauropsida) na Formação Irati (Permiano Superior da Bacia do Paraná) do Estado de Goiás, Brasil. Rev. Bras. Paleontol. 7, 269–274. doi: 10.4072/rbp.2004.2.21
SILVA, R. C., SEDOR, F. A., FERNANDES, A. C. S. (2009). Ichnotaxonomy, functional morphology and paleoenvironmental context of Mesosauridae tracks from Permian of Brazil. Rev. Bras. Geociências. 39, 705–716.
SILVA, R. C. & SEDOR, F. A. (2017). Mesosaurid swim traces. Frontiers in Ecology and Evolution, 5: 22.
SILVA, R. R. et al. (2017). The feeding habits of Mesosauridae. Frontiers in Earth Science, 5: 23.
TAYLOR, M. A. (2000). Functional significance of bone ballast in the evolution of buoyancy control strategies by aquatic tetrapods. Historical Biology 14, 15–31.
VILLAMIL, J. et al. (2015). Optimal swimming speed estimates in the Early Permian mesosaurid Mesosaurus tenuidens (Gervais, 1865) from Uruguay. Historical Biology, 28, 963-971.
Você já se perguntou “como era a cara dos nossos ancestrais, antes deles serem o que somos”? Por exemplo, que cara teria o primeiro hominídeo? Ou o primeiro primata?
Essa pergunta habita o nosso imaginário, principalmente quando diz respeito aos nosso ancestrais e, na maioria das vezes, quem pode nos ajudar a obter essas respostas são os pesquisadores que trabalham com o passado, como os paleontólogos.
Onde sua imaginação te levaria se eu te perguntasse: que cara tinha o primeiro mamífero? Muitos talvez tenham pensado nos grandes mamíferos do passado, como os mastodontes (como Stegomastodon waringi), ou os poderosos tigres-dentes-de-sabre (como Smilodon), ou ainda nas preguiças enormes (como Eremotheriumlaurillardi) e tatus gigantes (como Glyptodonclavipes). Porém, sinto lhe informar, que você viajou pouco no tempo.
Quando pensamos em um mamífero, o grande grupo de animais ao qual nós, os seres humanos, pertencemos, fica difícil escolher um modelo que represente o todo. Vemos hoje em dia, a enorme diversidade do grupo, que foi capaz de ocupar praticamente todos os ambientes do nosso planeta, das savanas quentes do Brasil e da África, às geleiras mais frias do pólo-norte, das montanhas mais altas do Himalaia, às profundezas do oceano, dos céus, ao interior de cavernas e do solo. Em todos esses ambientes você encontra um exemplo diferente de mamífero. Este grupo de animais se diversificou de tal forma e foi tão moldado pelos ambientes que colonizaram, que é difícil considerar que um elefante, um morcego e um golfinho pertençam ao mesmo grupo e sejam parentes. Talvez, isso se deva ao fato de que a diversidade de formas dos mamíferos hoje é maior em relação aos outros grupos de tetrápodes viventes. Pense nas aves ou nos lagartos ou nos crocodilos, que apresentam, na atualidade, uma variedade bem menor de formas e tamanhos do que os mamíferos (no passado não foi assim, mas esta é outra história). Pensando em tudo isso, qual animal você escolheria para representar os mamíferos? Que mamífero vivo hoje você diria que se assemelha mais ao ancestral de todos os mamíferos, ao primeiro mamífero?
Temos certeza que sua imaginação te deu várias opções, mas, sem querer te decepcionar, a cara do primeiro mamífero seria mais parecida com a de um musaranho ou de uma cuíca (não, não estamos falando do instrumento! Estamos falando do marsupial… Colocamos uma foto abaixo pra ajudar).
O primeiro mamífero era um bicho pequeno, mais ou menos do tamanho de um pequeno gambá, correndo por entre as folhagens de uma floresta, durante uma noite quente do Jurássico (sim, a história dos mamíferos começa no Jurássico).
Atualmente, por consenso, o táxon apontado como o ‘primeiro mamífero’ é Morganucodon, um organismo fóssil encontrado nos EUA, Europa e China. Queremos chamar a atenção aqui para a expressão “atualmente apontado”, porque estes consensos taxonômicos podem mudar a luz de novos estudos, fósseis e evidências.
O grupo chamado de ‘Mammalia’ (ou “mamíferos”, em bom português), é definido por um conjunto de características morfológicas compartilhadas por todos os seus membros. Colocando de forma mais simples: pra você ser um mamífero, você tem que ter, ou ter tido, um conjunto de características físicas apontadas como “coisa de mamíferos”. Mas tem um problema aqui. Vários organismos fósseis, muito próximos dos mamíferos já tinham algumas dessas “características típicas de mamíferos”. Isso é um pesadelo para muitos pesquisadores, que acabam por discutir e rediscutir definições…
A definição mais atual e com maior consenso, é a definição filogenética de mamífero, que englobaria Morganucodon e todas as espécies viventes de mamíferos (placentários, marsupiais e monotremados). Nessa definição, varias espécies de mamíferos extintos, que viveram durante a era Mesozoica, estão inclusas no grupo. Basicamente, isso significa que todos os animais que são agrupados numa árvore filogenética entre Morganucodon e os mamíferos atuais, são considerados mamíferos (calma, calma, a gente coloca uma figura, só olhar aí embaixo). Mas, essa definição também é bastante discutida, principalmente porque Morganucodon foi “eleito” como o primeiro mamífero, ou seja, essa é uma escolha arbitrária. Essa problemática de “eleger um primeiro” não é exclusiva dos mamíferos, esse é um conflito constante nos estudos sistemáticos e evolutivos, já que as formas biológicas formam um contínuo, quem tenta classificá-las em grupos artificiais somos nós.
No fim, cada novo achado acrescenta uma nova peça a esse quebra cabeça da evolução e as definições se atualizam com o tempo.
Quais são características presentes hoje nos mamíferos que definem o grupo como tal? Certamente você já ouviu que são as glândulas mamárias, os três ossículos do ouvido, entre outras. Mas para saber mais sobre elas, precisamos voltar no tempo. Mais precisamente, até os períodos Permiano e Triássico (entre cerca de 298 a 201 milhões de anos atrás), quando tais “características de mamífero” começam a ser observadas, gradualmente, em formas mais basais de animais aparentados dos mamíferos.
Durante a transição entre o Permiano e o Triássico, a Terra passou pelo seu maior evento de extinção, conhecido como a Extinção Permo-Triássica. Este evento foi bem maior do que a famosa extinção que dizimou os dinossauros. Essa tal Extinção Permo-Triássica foi tão grande, que causou um “reset” na fauna e na flora do planeta. Durante o final do Permiano (cerca de 255 milhões de anos atrás), os primeiros fósseis de criaturas conhecidas como cinodontes são registrados. Porém, é durante o Triássico que esses animais começam a brilhar no cenário biológico. Infelizmente, todos os holofotes acabam por se voltar para os dinossauros no final deste período, mas, o mundo dá voltas, como vocês verão.
Os cinodontes apresentavam uma grande diversidade de formas e tamanhos durante o Triássico e alguns já apresentavam algumas das tais “características mamalianas”. O curioso é que essas características não estavam presentes somente na linhagem que deu origem aos mamíferos. Alguns grupos de cinodontes completamente extintos, de uma linhagem paralela a nossa (mammaliana), também apresentavam algumas dessas características, que hoje, são consideradas como “coisa de mamífero”. Essa é a razão pela qual o debate sobre a origem dos mamíferos está sempre se modificando atualmente… Uma vez que vários grupos paralelos apresentam características mamalianas, é difícil associar com segurança, que determinado grupo de cinodontes deu origem aos mamíferos ou não.
Voltando para o assunto “que cara teria o primeiro mamífero?”, você deve estar se perguntando agora “que cara teriam os cinodontes?”. Se você pensou no musaranho ali em cima… você não está de todo errado, porém se você prestou atenção neste texto, você já sacou que eles têm uma grande diversidade de formas, e pasmem, em termos fósseis, o Brasil é um dos países que apresentam a maior diversidade de cinodontes do mundo! Todos eles provenientes do Rio Grande do Sul, o local que apresenta as formações de idade triássica mais fossilíferas do país. O Brasil trouxe ao mundo, por exemplo, os Brasilodontideos, o atual grupo apontado como o clado de origem dos mamíferos.
A Diversidade de Cinodontes Brasileiros
Antes de tudo, a gente precisa entender como são separados os cinodontes. Basicamente, existem dois grandes grupos dentro do grande grupo Cynodontia, os Cynognathia e os Probainognathia. Calma, a gente vai explicar um pouquinho de cada grupo abaixo:
Cynognathia inclui organismos completamente extintos. Eles eram em sua maioria herbívoros/onívoros, com exceção de apenas uma espécie, que era carnívora. Eram bichos relativamente grandes, variando do tamanho de um cachorro pequeno até o maior de todos, que podia ter mais de 2 metros de comprimento e pesar cerca de 200kg. Neste grupo existem organismos que já apresentavam algumas características que podem ser interpretadas como “coisa de mamífero”, por exemplo, uma das principais características do grupo (e que pode ser comparável a mamíferos), é a enorme complexidade dos dentes pós-caninos. Os mamíferos possuem um padrão dentário altamente especializado, chamado de tribosfênico. Os Cynognathia, embora não tivessem padrão tribosfênico, possuíam especializações dentária até então não encontradas em outros grupos de Synapsidas. Além da grande especialização dos dentes, recentemente foi encontrado em um cinodonte Cynognathia, chamado de Menadon, com um padrão de dente hipsodonte, de crescimento contínuo, tipo os encontrado hoje em mamíferos como o cavalo e roedores (se você não sabia disso, aqui vai mais uma curiosidade, o dente do seu ratinho cresce pra sempre…por isso ele está sempre roendo algo. Não só ele, como vários outros animais). Essa ocorrência de dente hipsodonte no Menadon é única, e este é o único gênero além dos mamíferos com esse padrão de dente. O mais interessante, é que o grupo de Menadon foi completamente extinto, então a característica que era tida como exclusiva de mamíferos, já tinha aparecido na história dos cinodontes muito tempo antes! Infelizmente, toda a linhagem de Cynognathia foi extinta, então nunca teremos a oportunidade de ver um vivo e verificar como eles realmente seriam.
O segundo grupo, Probainognathia, abrange uma variedade de formas gigantesca, já que Mammalia está inclusa neste grupo. Mas, levando apenas os fósseis em consideração, o grupo apresentava mesmo assim uma diversidade de tamanho e de hábitos enorme, variando de um bicho com o tamanho de um cachorro grande (como o Aleodon, que podia ter mais de 1,5 metros), até os Brasilodontídeos (que tinham o tamanho de um pequeno gambá, com cerca de 15cm). Os animais desse grupo são, em sua maioria, classificados como insetívoros ou seja, eles comiam insetos, porém, alguns pesquisadores apontam que eles poderiam ser oportunistas (onívoros, assim como os gambás atualmente), com alguns exclusivamente carnívoros, como o Trucidocynodon. Neste grupo estão incluídos os Brasilodontidae, atualmente tido como grupo irmão de mamíferos, mas que pode ter sido o grupo de cinodontes que deu origem a nós, os mamíferos.
A parte mais fantástica disso tudo, é que muitos desses bichos faziam parte da fauna triássica do Brasil. Eles estão entre os achados fósseis do Rio Grande do Sul, onde é encontrada a maior diversidade de Cynognathia do mundo, além de alguns dos registros mais importantes de Probainognathia, como os já mencionados Brasilodontideos. Talvez, devido ao pequeno tamanho, os cinodontes acabem por perder espaço para os grandes dinossauros na mídia e também no imaginário das pessoas… Apesar disso, imaginar um “pequeno musaranho”, correndo de um dinossauro, numa noite quente do Triássico, está carregado de informações sobre como nós, os mamíferos, conseguimos nos tornar o que somos hoje. Enfim, agora você sabe como era “a cara dos primeiros mamíferos” e também como os fósseis do Brasil são importantes para contar essa história.
Referências
Forasiepi A, Martinelli A. Bestiario fósil: mamíferos del pleistoceno de la Argentina. Albatros; 2007.
Guignard ML, Martinelli AG, Soares MB. The postcranial anatomy of Brasilodon quadrangularis and the acquisition of mammaliaform traits among non-mammaliaform cynodonts. PloS one. 2019 May 10;14(5):e0216672.
Lautenschlager S, Gill PG, Luo ZX, Fagan MJ, Rayfield EJ. The role of miniaturization in the evolution of the mammalian jaw and middle ear. Nature. 2018 Sep;561(7724):533-7.
Martinelli AG, Soares MB, Schwanke C. Two new cynodonts (Therapsida) from the Middle-Early Late Triassic of Brazil and comments on South American probainognathians. PloS one. 2016 Oct 5;11(10):e0162945.
Melo TP, Ribeiro AM, Martinelli AG, Soares MB. Early evidence of molariform hypsodonty in a Triassic stem-mammal. Nature communications. 2019 Jun 28;10(1):1-8.
Pertencentes à grande linhagem que daria, posteriormente, origem aos mamíferos, os dicinodontes eram os principais herbívoros durante boa parte do Período Triássico, há cerca de 240 milhões de anos. No Brasil, o dicinodonte mais comum é encontrado em algumas localidades do Rio Grande do Sul e chama-se Dinodontosaurus. Ele era um animal razoavelmente grande, podendo chegar a 500 kg e medindo até 2,5 metros de comprimento. Assim como o que acontece com vários grandes herbívoros atuais, sempre se especulou que o dinodontossauro andava em grandes bandos, em um comportamento que protegeria os animais dos ferozes predadores da época, como os répteis quadrúpedes Prestosuchus e Decuriasuchus, parentes dos atuais crocodilos e jacarés.
Recentemente, pesquisadores da Universidade Federal do Pampa fizeram uma descoberta surpreendente na cidade de Dona Francisca, Rio Grande do Sul: restos de pelo menos seis filhotes de dinodontossauro foram encontrados aglomerados uns sobre os outros, em uma associação bastante rara para os paleontólogos.
“Estava tudo uma confusão. Crânios e pedaços de mandíbulas misturados a ossos de braços, vértebras e costelas. Em uma análise cuidadosa, pudemos comprovar a existência de seis animais, mas é bastante provável que existisse muito mais do que isso”, relata Gianfrancis Ugalde, autor principal do trabalho científico publicado na revista internacional Historical Biology. Além de pesquisadores da Unipampa, o estudo contou com a participação de paleontólogos da Universidade Federal de Santa Maria e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Embora tivessem grandes presas que os defendiam de predadores, os dinodontossauros eram bastante vulneráveis ao ataque de grandes répteis. “A formação de manadas é bastante comum em herbívoros atuais”, diz o professor Felipe Pinheiro (Unipampa), que também assina o trabalho. “Além de ajudar na proteção contra predadores, as manadas contribuem em uma maior taxa de sobrevivência dos filhotes a riscos como fome e doenças. Os novos fósseis comprovam que esse comportamento surgiu muito antes da origem dos próprios mamíferos”, explica Felipe.
Embora a causa da morte dos bichinhos continue incerta, é provável que as carcaças tenham ficado expostas por um tempo razoável antes de serem soterradas e, centenas de milhões de anos depois, acabarem na bancada de estudo dos paleontólogos.