Texto escrito por Ana Arnt e Isaac Schrarstzhaupt

Vivemos um momento em que há uma tensão no ar, com impasses difíceis de resolver. Por um lado, temos crianças e adolescentes que estão afastados da escola e de tudo o que isto implica – vivência social, aprendizados do espaço coletivo, contato com amigos, etc. Por outro lado, temos uma doença que assola o mundo – e nosso país de maneira intensa – e cujo os contatos interpessoais é a grande propulsora dos contágios e adoecimento.

Sim, as escolas são fundamentais para a estrutura social que nós vivemos no mundo contemporâneo. Mas será que temos condições de abrirmos com segurança sanitária para todos?

Assim, temos noção que precisaríamos urgentemente de um planejamento para retomar inúmeras atividades presenciais, tendo em vista a continuidade da pandemia, por mais tempo do que outrora imaginado.

Recomendações para aberturas

É imprescindível olharmos para algumas recomendações para o planejamento de abertura do espaço escolar, embasando-nos em princípios científicos e pressupostos da Organização Mundial da Saúde (OMS), além das regulamentações, leis e normativas do estado, para que a retomada seja repensada para um planejamento mais seguro a todos os trabalhadores da educação.

Vamos olhar, por estarmos situados no estado de São Paulo, para as resoluções daqui, tendo em vista a abertura desde o dia 08 de Fevereiro. Segundo a Resolução SEDUC 11, de 26-01-2021, publicada no diário oficial (SÃO PAULO, 2021a), é considerado que, para o retorno existe

“a necessidade de se assegurar as condições que favoreçam a realização de atividades escolares presenciais de forma segura para estudantes e profissionais da educação”.

Dentre as condições, nós gostaríamos de destacar a distribuição de Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs), prevista pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, que aponta o uso de máscaras de tecido como obrigatória para servidores.

É sabido que máscaras de tecido de algodão, com duas camadas, são eficientes como barreira mecânica. Entretanto, não são um equipamento de proteção individual. Ou seja, elas funcionam como barreiras de proteção a terceiros, caso o indivíduo em questão esteja contaminado, para minimizar riscos de outros indivíduos próximos. Isto é, por ser uma barreira mecânica, ela impede a dispersão de aerossóis. Mas para o indivíduo que utiliza a máscara, tem um efeito menor de proteção. Além disso, as máscaras de tecido frequentemente tem escapes de aerossóis, por não terem um isolamento adequado.

Tendo em vista a necessidade de proteção dos servidores, como manutenção do serviço prestado à comunidade, os EPIs adequados deveriam atentar-se não apenas à proteção de quem convive no mesmo espaço, mas dos indivíduos trabalhadores em si.

Dessa maneira, alguns especialistas têm indicado as máscaras N95 ou PFF2, que no início da pandemia eram desencorajadas, por estarem em falta para o corpo médico que atuava na linha de frente. A indicação destas máscaras não se restringem ao ambiente de trabalho, mas a espaços como transporte público e escolar.

Todavia, na ausência destas máscaras, a OMS têm preconizado o uso de máscaras de tecido, com 3 camadas: uma camada hidrofílica interna, duas camadas (uma intermediária e uma externa) com características hidrofóbicas.

Assim, a OMS ainda aponta fortemente a necessidade de testes e rastreamento de contatos, não limitando-se ao aparecimento de sintomas e casos suspeitos.

Parece exagerado falar isso? Tal como já temos debatido em outros textos, reforçamos o fato de que o Brasil é o 3º país do mundo em casos confirmados de Covid-19. Não bastando este número, somos também o 2º do mundo em quantidade de óbitos. Todavia, em números totais de testes, somos o 11º país do mundo. Mas, pior que isto, em testes por milhão de habitantes, estamos em 116º lugar no mundo (WORLDOMETERS, 2021).

Afinal, o que estes números indicam?

Isto indica que, à revelia da intencionalidade de rastreio e testagem das escolas, nós temos falhado (E MUITO) nas testagens de qualquer brasileiro.

Outras informações relevantes

Ao olharmos o documento Volta às aulas Seguras, 2021 (SÃO PAULO, 2021b), consta que o retorno deveria ser feito após a testagem negativa, em casos suspeitos. No entanto, nossa pergunta, neste caso, é: onde este teste será feito? Como serão os encaminhamentos de testes? Haverá garantia para testes a todos os estudantes e servidores da rede? Isto deveria ser respondido, tendo em vista a baixa testagem em nosso país, ainda.

Todas estas questões somam-se ao fato de que o Estado de São Paulo tem registrado diariamente mais do que 10 mil casos, com óbitos que ultrapassam 300 por dia. Por outro lado, analisando-se a Média móvel de internações, nas últimas semanas vemos um aumento da taxa de internações, mesmo com a mobilidade urbana estável, ou diminuindo.

Figura 1. Internações de confirmados com COVID-19 em 2021 – Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, São João da Boa Vista e Taubaté. Fonte: SEADE, São Paulo

Figura 2. Internações de confirmados com COVID-19 em 2021 – Marília, Presidente Prudente, Piracicaba, Registro. Fonte: SEADE, São Paulo
Figura 3. Internações de confirmados com COVID-19 em 2021 – Bauru, Campinas, Barretos e Granca. Fonte: SEADE, São Paulo

O que as Médias Móveis de Internação representam?

Mais do que apenas a taxa diária de ocupação dos leitos, é fundamental em uma crise sanitária como esta, observar a tendência de internações – se estamos aumentando ou diminuindo em um tempo determinado e analisar quais os motivos estão nos levando a esta tendência (de aumento ou diminuição das internações).

Segundo os dados do SEADE, pode-se ver que à revelia de termos UTIs não ocupadas (temos ocupação de 66,7% segundo os dados de hoje, 10/02), conforme indicado pela Secretaria de Saúde do Estado, vivemos atualmente um aumento de casos de internação, considerando a manutenção do isolamento – e fechamento e controle de horários de estabelecimentos de comércio, bares e restaurantes durante o final de semana.

E o que o aumento de casos de internação nos diz? Que estamos com aumento de pessoas contaminadas! Ainda assim, lembramos sempre que as internações se referem à infecções ocorridas há pelo menos 10 dias. Isto levando-se em conta o período de incubação da doença e mais o atraso na notificação da internação. Como podemos propor um aumento de mobilidade em uma situação de aumento de internações?

Sobre as escolas e o isolamento

O retorno das escolas representa exatamente o avesso da “manutenção de isolamento”. Isto é, um aumento significativo de pessoas circulando, especialmente em transporte público e escolar. Além disso, o óbvio aumento do contato direto diariamente – mesmo seguindo-se todas as recomendações apontadas em documentos oficiais e restringindo-se a 35% de crianças dentro do ambiente escolar.

Estamos vivendo um momento de apreensão, com as novas variantes aparecendo – e se espalhando. Ao que tudo indica, com uma transmissibilidade maior do que o vírus original. Também temos vivido um relaxamento das regras de isolamento social em vários setores da sociedade.

Percebemos, sim, as falas de: cansaço de pessoas, falta de convívio social das crianças com outras crianças, trabalho das mães que não podem fazer home office e cuidados necessários por avós que ficam das crianças.

Entendemos que a escola também não é apenas conteúdo técnico e científico. Pois as perdas são muito maiores do que aprender regras de subtração, divisão celular, ou capitais de estados e países. A vivência escolar é incomensuravelmente maior que tudo isto. E jamais diríamos o contrário.

E a APEOESP?

Por fim, alertamos que a APEOESP – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo – tem lançado os comunicados com escolas em que casos de contaminação estão acontecendo e, até o momento, há 100 escolas com contaminação registradas, inclusive com servidores em estado grave e registro de óbitos.

Em suma, o retorno se apresenta com poucas condições para a manutenção segura e saudável dos nossos alunos e servidores – ainda considerando-se a quantidade de contatos que cada indivíduo tem (familiares próximos) que potencializa o risco iminente de surtos com complicações em pouquíssimo tempo.

Entretanto…

A centralidade de nosso ponto é que estamos falando em um aumento da média móvel de internações, estamos batendo recordes de mortes diárias, novamente. Temos uma campanha de vacinação que avança muito lentamente – e está longe de chegar ao alcance de servidores das escolas (que não foram priorizados nesta primeira fase) e familiares próximos.

Vivemos um momento em que absolutamente todas as decisões têm sido tomadas em âmbitos individuais, pressionadas por posicionamentos do Estado que parecem não olhar para estes números de mortes, médias móveis de internações e para as condições precárias que milhões de famílias estão passando.

A título de ilustração, abordamos um estudo (ainda em preprint) analisando cenários de retorno das atividades escolares na Europa. Neste estudo, levou-se em conta a diferença de transmissibilidade da Covid-19 em crianças e adolescentes. Assim, seria importante analisar a necessidade de abertura das escolas em cada uma das etapas de ensino. Nesta pesquisa, evitar a retomada do ensino fundamental e médio, em situações de aumento de casos – ou mesmo estabilidade – foi a recomendação.

Além disso, em qualquer cenário analisado, os testes e rastreamentos seriam uma das ferramentas imprescindíveis para controle da Covid-19 (Domenico, 2021).

Outra pesquisa, brasileira, também em preprint aponta que os critérios para abertura das escolas têm seguido parâmetros de:
– Redução na propagação do vírus.
– Sistema de Saúde com condições de abarcar casos graves;
– Monitoramento (testes em larga escala e rastreamento de contatos)

A partir destas questões

O nosso ponto é: como podemos olhar para a escola como PRIORIDADE quando há denúncias de falta de condições, professores com medo e estabelecimentos comerciais não essenciais abertos? Assim, como priorizar escolas sem um plano em que servidores estejam vacinados e, com isso, protegidos entre si, e também em relação às crianças (que não poderão se vacinar ainda)?

A pressão pelo retorno não poderia esperar por mais um mês? Em tempos em que estamos em uma corrida contra o tempo para os processos de vacinação, talvez fosse importante investir em diminuição dos casos. Isso enfatizando que, até que uma nova fase da vacinação se desenrolasse e tivéssemos, de fato, uma possibilidade de estes profissionais terem sua saúde garantida.

Por fim, o retorno das escolas como política pública – mesmo que em âmbito de escolas privadas – deve ter recomendações específicas, com estratégias que visem proteção e segurança sanitária de servidores, crianças e familiares. Isto é, incluir EPIs adequados, testes em massa, rastreamento de contatos. Assim como, também seria fundamental repensar a retomada a partir de critérios específicos. Por exemplo, tomando estudos de lugares que fizeram a abertura das escolas e, também, análise de cenários destas aberturas.

Nossos Materiais:

Como Funciona a N95?

Vamos abrir as escolas?

Materiais de Parceiros

Kokubun, F, Schrarstzhaupt, I, Fontes-Dutra, M, Santana, L (2020) Reabertura das escolas, Rede Análise Covid-19

Mori, Vitor (2021) Qual máscara usar

Material de referência

Di Domenico, L, Pullano, G, Sabbatini, CE, Boëlle, PY, Colizza, V (2021) Modelling safe protocols for reopening schools during the COVID-19 pandemic in France

SÃO PAULO (2021a) Resolução SEDUC 11, de 26-01-2021, Diário Oficial de São Paulo,Volume 131, Número 16, São Paulo, segunda-feira, 25 de janeiro de 2021.

SÃO PAULO (2021b) Volta às aulas segura 2021.

Letícia Soares, Teresa Helena Schoen (2021) Medidas de prevenção à Covid-19 no retorno às aulas:Protocolos de 13 países

SEADE (2021) Leitos e Internações (Data até 06/01/2021).

WHO (2020). Mask use in the context of COVID-19

WORLDOMETER (2021) Coronavírus (6 de Fevereiro de 2021)

Os Autores

Isaac Schrarstzhaupt é Cientista de dados e Coordenador na Rede Análise Covid-19 (@analise_covid19) e gentilmente nos ajudou a levantar os dados, analisá-los para debatê-los com vocês.

Ana de Medeiros Arnt é licenciada em Ciências Biológicas, pesquisadora do Grupo Pesquisa em Educação em Ciências (PEmCie) e coordena o Blogs de Ciência da Unicamp e o Especial Covid-19

Este texto foi escrito originalmente no blog PEmCie, teve sua primeira versão publicada dia 10 de fevereiro, e revisado (especialmente o final do post) dia 12 de Fevereiro

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Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Dessa forma, os textos foram produzidos a partir de campos de pesquisa científica e atuação profissional dos pesquisadores e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Assim, não, necessariamente, representam a visão da Unicamp e essas opiniões não substituem conselhos médicos.


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