Texto de autoria da Olguitcha na Pands publicado no Facebook no perfil pessoal dela, com a devida autorização e convite do blogs Tubo de Ensaio.

Oi, pessoal. Olguitcha na pands aqui. Senta que lá vem história da DEXA.

Então, como vocês sabem, eu não tenho limites. Vou começar dizendo que a Oxford mais uma vez está sambando na cara das universidades de vocês sabem onde… [a piada é interna, mas eu to rindo]. Mas isso é para outro post. hihihi

Os dados obtidos para a dexametasona são bem-vindos sim, esse grande estudo demonstrou que a dexametasona melhora a sobrevida de pacientes mais graves da COVID-19 que necessitam de ventilação. No entanto, o estudo ainda não foi publicado ou submetido ao escrutínio científico.

Isso não impede a polvorosa do galerê, e os trocentos posts que já devem ter saído… Êêêê todos ama ciência agoraaaaaaa. SEUS CARA DE CONCHA.

Animated GIF - Find & Share on GIPHY

Desde fevereiro/março, uma iniciativa de ensaios clínicos denominada RECOVERY* está avaliando o potencial uso de um monte de medicamentos para COVID-19 (RECOVERY: Randomised Evaluation of COVid-19 thERapY; é cafona, sim, o que você espera de um monte de nerds recebendo atenção…rsrs). Eles estão revisitando drogas já conhecidas dada a emergência da pandemia, além de intervenções médicas outras. A rede RECOVERY conta com 175 hospitais da rede pública do Reino Unido (NHS-UK), logo tudo mais bem integrado do que a maioria dos trials que vemos.

Dizem os responsáveis pelo RECOVERY que mais de 10 mil pacientes já participaram de ensaios por lá.

Digamos com bondade no coração então que tudo isso sugere maior consistência entre os dados observados e, provavelmente, dados melhor/mais bem coletados para a análise. Digo isso porque quem manja de estatística na área clínica sabe, você faz o que quiser com um monte de números… mas se a fonte deles não é padronizada e confiável, esqueça, é xaxixo. Pode ser um xaxixo lindo, mas na beira do leito, não dá pra brincar e dizer que foi uma escolha difícil com ente amado alheio. 😉 Também não adianta ter um número infinito de amostras, para superar a variabilidade natural entre pacientes, se todas foram adquiridas de qualquer jeito e sem coerência.

No final das contas, as interpretações na ciência dependem e se baseiam em ética e confiabilidade metodológica (percebam que essa é uma crítica razoável que posso fazer a estudos multicêntricos independentes, como aquele que foi retratado na The Lancet, que ganham em randomicidade pelo grande número de amostras/pacientes, mas perdem em robustez e padronização.

É uma faca de dois legumes, dependendo da droga ou pergunta a ser testada, eu poderia dizer que chega a ser um universo amostral viciado o do RECOVERY, ou seja, um estudo bem britânico, imagine vários Príncipes Charles tomando chá com sorinho no braço… hahaha zoei. A tendência é o resultado ser ótimo para pessoas da família real. Sacaram? Mas não sejamos assim chatonildos e pessimistas, a população de UK que usa o NHS é mais variada, se formos pensar em diversidade, UK toda não é royal assim faz muito tempo.

Enfim, no RECOVERY não só a dexametasona tem sido avaliada, mas outras drogas como antivirais usados no HIV e anticorpos provenientes do plasma de pacientes convalescentes também, incluindo a aminoquinolona que mais desperta paixões no planeta -hidroxicloroquina – (a qual já foi descartada por esse grupo de Oxford por não ter mostrado benefício *oh shoot*).

Pois bem, vamos à dexametasona:

A dexametasona é um antiinflamatório esteroidal bem conhecido, com diversas aplicações, dosagens e formulações farmacêuticas (comprimido, injetável, pomada e o escambau), o que pode mudar completamente sua efetividade e propósito.

A DEXA (para os íntimos) é vastamente utilizada em inúmeras patologias e intervenções medicamentosas combinadas. A DEXA é mais comumente usada para tratar condições como inflamação, alergias graves, problemas adrenais, artrite, asma, problemas de sangue ou medula óssea, problemas renais, condições da pele e crises de esclerose múltipla.

Barata e de fácil produção. Espero que ainda a DEXA só possa ser aviada com receita médica e não por live presidencial. Portanto, tem efeitos colaterais que muitos de vocês já talvez até tenham experimentado… vou listar uns que eu lembro de cabeça: retenção de líquidos (danos na circulação e rins), disfunção dos níveis glicêmicos tendendo a hiperglicemia (diabetes), fraqueza muscular, fragilidade de vasos sanguíneos, hipersensibilidade, refluxo gástrico, dificuldade de cicatrização… e tem mais uma cacetada se for uso bem crônico, até distúrbios psicológicos e catarata, e outros que nem citei aqui porque eu tô com preguiça real e oficial.

E tem um que eu quero destacar: DEXA é imunossupressor, ou seja, deprime o sistema imunológico, reduz nossas defesas. Tem seus vieses se pensarmos em pessoas hospitalizadas utilizando, uma vez que diminuir a inflamação é o objetivo para evitar o progresso do quadro clínico da COVID-19, contudo a DEXA pode tornar o paciente mais suscetível a outras infecções secundárias. Todos sabem que um dos maiores problemas em hospitais são as mortes por infecções hospitalares secundárias à causa que levou o paciente à internação. E tascar um monte de antimicrobianos espartanos no paciente não ajuda muito não…

Ou seja, DEXA não é bala Xaxá. NADA DE SAIR COMPRANDO ANTIINFLAMATORIO ESTEROIDAL PARA POR NA RECEITA DE BROWNIE. Caray. Já tô braba aqui.

Pois bem, vamos aos resultados obtidos no ensaio com doses consideradas baixas de dexametasona no RECOVERY.

Dois grupos de pacientes foram randomizados, ou seja, aleatoriamente selecionados e comparados:

1 – 2104 pacientes com um tratamento convencional paliativo de COVID-19 com adição de dexametasona 6 mg uma vez por dia (por via oral ou por injeção intravenosa) por 10 dias.

2- 4321 pacientes apenas para os cuidados habituais.

Entre os pacientes que receberam os cuidados usuais isoladamente (grupo 2 sem droga), a mortalidade em 28 dias foi mais alta naqueles que necessitaram de ventilação (41%), intermediária nos pacientes que precisaram apenas de oxigênio (25%) e menor entre aqueles que não necessitaram de intervenção respiratória (13%).

A DEXA reduziu aproximadamente 33% das mortes nos pacientes ventilados (razão de taxa 0,65 [intervalo de confiança de 95% 0,48 a 0,88]; p = 0,0003) e reduziu um quinto em outros pacientes recebendo apenas oxigênio (0,80 [0,67 a 0,96]; p = 0,0021). Não houve benefício entre os pacientes que não necessitaram de suporte respiratório (1,22 [0,86 a 1,75]; p = 0,14).

Em geral, no grupo 1 com droga, os pacientes que receberam a DEXA, houve redução de 17% a taxa de mortalidade em 28 dias (0,83 [0,74 a 0,92]; P = 0,0007), com uma tendência significativamente alta mostrando maior benefício entre os pacientes que necessitam de ventilação (teste para tendência p <0,001).

Alert GIF by memecandy - Find & Share on GIPHY

📍📍📍 Os autores do ensaio dizem que é importante reconhecer que não encontraram evidências de benefício para pacientes que não precisavam de oxigênio e que não estudaram pacientes fora do ambiente hospitalar. O acompanhamento está completo para mais de 94% dos participantes.

PAUSA PIADISTICA 1: não fiquem brabos comigo, estou me estendendo e colocando até os dados estatísticos de valor de p e tudo, porque estão muito lindos demais… se não foram manipulados. hahaha Mas é o que está lá no RECOVERY e os caras colocaram disponíveis só isso aí. 🤘

PAUSA PIADISTICA 2: pessoal por aí deu uma confundida na tradução. Tá escrito lá: “Dexamethasone reduced deaths by one-third in ventilated patients”, o que em português significa dizer que antes morriam 10 e agora morreriam 6 ou 7 usando DEXA. Redução de um terço. Não a um terço. Teve gente que achou que era milagre. “Reduced by” é pegadinha.

Lost In Translation GIF by The Good Films - Find & Share on GIPHY

Com base nesses resultados, dizem eles, que 1 morte seria evitada pelo tratamento com DEXA a cada 8 pacientes ventilados ou a cada 25 pacientes que necessitavam apenas de oxigênio. Dada a importância desses resultados para a saúde pública, dizem eles “agora estamos trabalhando para publicar todos os detalhes o mais rápido possível.”

POIS. Não é o feijão mágico ainda, mas bem animador mesmo. YAY 🤘🤘🤘

Queremos o artigo publicado sim. Mais detalhes. Já tenho uma lista de comentários e perguntas:

Os pacientes que necessitam de oxigênio ou ventilação geralmente apresentam pneumonia e desenvolvem falta de ar, insuficiência respiratória e síndrome da angústia respiratória aguda (SDRA, do inglês, ou SRAG, sindrome respiratoria aguda grave no português) – quando os pacientes não conseguem respirar porque há inflamação e fluido preenchendo alvéolos de ar nos pulmões. Uma vez que a SRGA se desenvolve, a taxa de mortalidade aumenta significativamente e a necessidade de cuidados intensivos e suporte à vida aumenta.

Recomenda-se sempre cautela e mais dados antes de introduzir a dexametasona na prática atual.

Mas, de fato, uso de esteroidais é realmente algo esperado já vendo outros trabalhos: Em março, pessoal de Wuhan na China liberou um estudo no JAMA** – “O tratamento com metilprednisolona pode ser benéfico para pacientes que desenvolvem SRAG.”

Precisamos dos dados para descobrir o que havia de diferente nos pacientes estudados na China e no tratamento habitual combinado em UK (ou seja, uso de antibióticos empíricos?) O que determinou diferenças de outros grupos? Os dados de UK também nos ajudarão a selecionar melhor os pacientes que mais se beneficiariam.

O estudo não mostrou nenhum benefício em pacientes que não precisavam de ajuda para respirar. Apenas uma minoria de pacientes com COVID-19 precisa de oxigênio ou ventilação mecânica – este é o único grupo que pode se beneficiar da dexametasona? Não sei.

Diversidade na população, comentei isso um pouquito, a baixa dose de DEXA pode ser nada eficaz pra alguns grupos étnicos… é algo a se analisar.

Agora fica a minha crítica PESSOAL. Depois de todas as retrações e PALHAÇADAS nessa pandemia, é inaceitável divulgar os resultados de estudo por meio do comunicado à imprensa sem liberar todos os dados em revistas científicas minimamente sérias antes. Qual o motivo pra isso? Vocês listem aí.

Era isso, pessoal, se ficar alguma dúvida de entendimento ou técnica, faz um mimimi carinhoso que eu respondo.✌️

Edit.: esqueci de dizer sobre a quantidade de verba PÚBLICA que financiou esse estudo em hospitais PÚBLICOS. Muitas libras esterlinas. Muitas. 🤑

Aqui fica o link do press release do Recovery: https://www.recoverytrial.net/news/low-cost-dexamethasone-reduces-death-by-up-to-one-third-in-hospitalised-patients-with-severe-respiratory-complications-of-covid-19

O paper de Wuhan em março: https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/fullarticle/2763184

Olguitcha na Pands é project scientist na Farmacologia da School of Medicine na Universidade da Califórnia (EUA). Professora Associada da UFPR (tá de licença sem salário, antes que perguntem). “Vim pra cá convidada pra trabalhar num projeto de glioblastoma. Tenho anos de experiência em Toxinologia (venenos de animais peçonhentos), sou Doutora em Ciências com ênfase em Biomol pela UNIFESP e Mestre em BioCel pela UFPR. Farmacêutica Bioquímica.”

Este post foi escrito originalmente no blog Tubo de Ensaio, do Blogs de Ciência da Unicamp

logo_

Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


editorial


0 comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *