Texto escrito por Fellipe Mello, Carla Maneira da Silva e Ana Arnt

Existem vários testes diagnósticos para a Covid-19, com maior ou menor precisão. Além de ter um resultado altamente confiável, uma das questões que é relevante pra este momento é, termos também uma agilidade nos resultados, com o menor valor possível!

No Laboratório de Genômica e bio-Energia (LGE) da Unicamp, tivemos a ideia de aplicar leveduras na fabricação de um novo tipo de teste diagnóstico para COVID-19. Este laboratório é especializado, há mais de vinte anos na engenharia genética e aplicação de leveduras em processos industriais.

O diagnóstico foi denominado CORONAYEAST e será baseado em leveduras que mudam de cor e emitem fluorescência na presença do vírus. Mas antes de falar do teste diagnóstico, vamos conhecer um pouco melhor as leveduras!

Mas porque leveduras?

Leveduras são microorganismos unicelulares pertencentes ao reino Fungi. Apesar de não ouvirmos muito falar seu nome, algum dos alimentos mais comuns do nosso cotidiano, como pães e vinhos, são produzidos com uma ajudinha desses pequenos seres. Além disso, leveduras podem ser aplicadas na fabricação de diversos outros produtos industriais, muitas vezes substituindo matérias-primas não-renováveis.

Devido à sua grande importância histórico-econômica as leveduras – principalmente a espécie Saccharomyces cerevisiae – foram um dos primeiros seres a terem seu genoma sequenciado! E, a partir daí, diversas ferramentas genéticas, capazes de realizar modificações genéticas direcionadas e específicas foram desenvolvidas para esses organismos. Uma das ferramentas mais conhecidas e utilizadas por pesquisadores para a edição genética, não apenas de leveduras, mas também de diversos outros organismos, é o CRISPR/Cas9. É essa técnica que está sendo aplicada pelos pesquisadores do LGE para construir o CORONAYEAST. Ficou curioso? Acesse este vídeo e saiba mais sobre o CRISPR.

De levedura alimentar à levedura para diagnóstico

A utilização de leveduras como biossensores não é de hoje. Biossensores são organismos capazes de identificar compostos e acusar sua presença por meio de mudanças estruturais visíveis e/ou mensuráveis. A ideia por trás desse conceito fundamenta-se na compreensão de como as leveduras são e se “comportam” para detectar potenciais parceiros sexuais. Isso acontece através de uma série de reações químicas, com respostas fisiológicas bem específicas. São estas reações que nos interessam, quando estudamos biossensores, pois elas podem ser, digamos assim, “hakeadas” por meio da realização de edições genéticas.

Basicamente, o que acontece é que leveduras apresentam em sua parede celular um receptor de hormônios reprodutivos (também conhecidos como feromônios). Esse receptor faz parte da classe dos Receptores Acoplados à Proteína G (GPCRs). Estes receptores, apesar deste nome longo e difícil, são comuns em uma variedade de espécies e particularmente  abundantes em mamíferos.

O que fazemos em laboratório é substituir o GPCR original da levedura por outros GPCRs provenientes de outros organismos. Dessa forma, esta levedura será capaz de perceber outros tipos de sinais – pois cada receptor reconhece hormônios bem específicos. Assim, a substituição do tipo de ação efetuada por esse sinal permite que leveduras tornem-se verdadeiras plataformas de detecção de compostos diversos. No caso do CORONAYEAST, o GPCR que inserimos conseguirá detectar mudanças extracelulares causadas pelo vírus  da COVID-19: SARS-CoV-2!

Como a levedura detecta o vírus

É por meio de uma linhagem modificada geneticamente da levedura S. cerevisiae que funcionará o diagnóstico por CORONAYEAST. A linhagem biossensora será capaz de expressar um sistema de recepção viral, assim como um GPCR humano que percebe mudanças fisiológicas que ocorrerem apenas mediante a infecção. Ficou confuso?

Isto quer dizer que a levedura, funcionando com um GPCR modificado, também expressará (vai produzir proteínas específicas que são) um sistema de recepção viral – como um sensor de movimento, que detecta quando algo passa na frente, por exemplo, só que neste caso, detecta apenas o SARS-CoV-2! 

E como a levedura nos avisa que o está presente na amostra? 

Vocês podem estar se perguntando como a levedura nos indica a presença do vírus! Esta é uma das partes interessantes! Quando há presença no novo coronavírus, a levedura muda de cor e emite fluorescência (basicamente: a levedura brilha!). Isso acontece porque o SARS-CoV-2, ao se ligar a este receptor viral, irá causar uma mudança fisiológica no meio onde está a levedura. O GPCR irá captar exatamente essa mudança e isso irá desencadear uma cascata de sinalização dentro da célula que irá orientá-la a mudar de cor. 

Sua aplicação poderá ocorrer de duas formas:

(1) Como um teste quantitativo de laboratório. Neste caso, as amostras incubadas com a levedura poderão ser lidas por um aparelho capaz de medir fluorescência – a intensidade de fluorescência das amostras corresponderá a quantidade de partículas virais na amostra ou;

(2) Como um teste qualitativo em domicílio. Este teste funcionará como um aparato de leitura, semelhante a um teste de gravidez, acusará a presença viral por meio de mudança de cor, após a adição de saliva.

Finalizando

Neste primeiro texto, apresentamos um pouquinho do projeto que o LGE, da Unicamp, vem desenvolvendo, ainda com resultados iniciais apenas. Vamos explicar ainda como funciona a pesquisa e de que maneira trabalhamos no laboratório, para alcançar os resultados, nos próximos textos. Aguarde e acompanhe esse trabalho!

Este texto foi elaborado a partir de uma pesquisa financiada pela FAPESP, cujo processo é n.2018/03403-2

Força Tarefa da Unicamp

O artigo que embasou esta postagem faz parte de um conjunto de postagens sobre as pesquisas científicas que a Unicamp vem fazendo desde o início da pandemia, no que chamamos “Força Tarefa”. O Especial Covid-19, do Blogs de Ciência da Unicamp, participa da Força Tarefa desde o início, com a divulgação científica sobre a doença. Mas também vai se dedicar à publicação destes conhecimentos produzidos especificamente pelos pesquisadores da Unicamp cada vez mais! Acompanhe as próximas postagens!

Nossos sites institucionais:

Força Tarefa da Unicamp

Unicamp – Coronavírus

Para saber mais

Adeniran A, Sherer M, Tyo KEJ (2015) Yeast-based biosensors: Design and applications. FEMS Yeast Res ;15:1–15.

Lengger B, Jensen MK (2020) Engineering G protein-coupled receptor signalling in yeast for biotechnological and medical purposes. FEMS Yeast Res ;20:87

Morales-Narváez E, Dincer C (2020) The impact of biosensing in a pandemic outbreak: COVID-19. Biosens Bioelectron ;163:112274.

Outros textos do Especial Covid-19

Diagnóstico por RT-qPCR, o que é isso?

Como se detecta o coronavírus?

Os Autores

Ana Arnt é Bióloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia, do Instituto de Biologia (DGEMI/IB) da UNICAMP e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (PECIM). Pesquisa e da aula sobre História, Filosofia e Educação em Ciências, e é uma voraz interessada em cultura, poesia, fotografia, música, ficção científica e… ciência! 😉

Carla Maneira da Silva Mestranda em Genética de Micro-organismos pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), realiza suas atividades de pesquisa no Laboratório de Genética e Bio-Energia (LGE), possui experiência na área de genética e engenharia metabólica, mais especificamente na produção de compostos de interesse econômico a partir de micro-organismos, assim como na produção de biossensores baseados em levedura.

Fellipe Mello é Engenheiro químico (2014) e doutor em ciências (2019) pela Universidade Estadual de Campinas, atualmente é post doc em engenharia genética no Laboratório de Genômica e bioEnergia no Instituto de Biologia da Unicamp. Tem experiência na área de engenharia química, com ênfase em termofluidodinâmica, no reaproveitamento de biomassas e purificação de proteínas; e na área de genética, com ênfase em engenharia metabólica e estudo de QTLs.

Este texto é original e escrito com exclusividade para o Especial Covid-19

logo_

Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores. Os autores produzem os textos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e que são revisados por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.


editorial


0 comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *