Mais um capítulo da novela "Fósseis brasileiros vendidos no exterior"…

Nos capítulos anteriores: Paleontólogos brasileiros urgem em defesa do Brasil e do patrimônio fossilífero da nação! ,  Fósseis brasileiros a venda no E-bay e Qual a forma legal de pesquisar fósseis no Brasil …

Agora é a vez de uma excêntrica alemã vender fósseis do Araripe, de qualidade extraordinária, pelo seu site pessoal. Ignorância quanto as leis brasileiras ou muita “cara-de-pau”?

Acredito que a mudança vem com a insistência (nunca com a desistência!). Apesar de não termos conseguido NENHUMA, repito N.E.N.H.U.M.A mudança com relação ao status DESTE FÓSSIL – que CONTINUA a venda no e-bay (obrigada autoridades!!! Sim, isso é sarcasmo) – é importante continuar lutando.

Como paleontóloga brasileira confesso que as vezes me canso. Parece uma luta invencível. Todavia, ainda acredito que ‘a semente da mudança é o conhecimento’. Disseminar o conhecimento é parte fundamental do processo de formação de uma sociedade saudável: autônoma e capaz de refletir sobre a sua condição e as formas de resolver os seus problemas.

Cada um que lê essa notícia, por exemplo, funciona como um vetor ou um pequeno inseto faminto devorando a estrutura doentia na qual se baseia a sociedade moderna: a ignorância em prol do controle.

Sob esta perspectiva, o papel da divulgação científica (séria) é fundamental. Trazer assuntos que ficariam confinados ao círculo de discussão de acadêmicos para trato do povo é um dever. O conhecimento dá ao povo armas para lutar: Saber sim é poder. Na verdade, é a principal chave da mudança.

E de qualquer forma, para que existiria a ciência se não estivesse a serviço do povo?

Neste post trago um assunto que não é novo no blog. Na verdade já foi tratado diversas vezes recentemente e abriu espaço para uma saudável discussão.

Meu intuito não é exaurir o tema ou impor um ponto de vista. É esclarecer, expor e colocar em debate.

Venho fazer mais uma denúncia e um apelo:

Como já esclareci em outras oportunidades (aqui e aqui), o comércio de fósseis brasileiros é crime e a exportação dos mesmos é igualmente ilegal de acordo com o DECRETO-LEI 4.146 de 1942. De acordo com este documento, fósseis são considerados bens da união ou partes do patrimônio cultural e natural do Brasil.

Recentemente, todavia, tivemos mais um exemplo de isso não é de fato cumprido.

Por apontamento do colega Renan Bantin, da UFPE, um site veio ao conhecimento da comunidade paleontológica brasileira, “annsus.com” (Acesse o site AQUI). Este sítio virtual, mantido por uma alemã, disponibiliza para o comércio de decoração, mais de uma centena de fósseis brasileiros de qualidade excepcional, incluso alguns espécimes de raridade considerável (e.g. o crânio de pterossauro abaixo, disponível para venda).

Isso por si só não é muita novidade, já que  pelo e-bay ou por outros sites de leilões virtuais é muito comum encontrar fósseis brasileiros a venda (infelizmente). PORÉM… não da mesma forma descarada.

Mesmo que todos saibam que estes fósseis comercializados pela internet tenham sido retirados ilegalmente do país, normalmente os vendedores utilizam-se alguns subterfúgios para escapar de sanções da lei. Como por exemplo, dizer que estes fósseis foram retirados do Brasil antes de 1942! Ora, perfeito, não temos como provar o contrário! Que esperteza a deles (!).

Veja exemplares de fósseis brasileiros ao fundo.

TODAVIA, esta senhora alemã (foto ao lado esquerdo) não se preocupou muito com isso… Já como nossas autoridades não se movimentam muito mesmo, ela não se incomodou em deixar claro o seu negócio:

“For more than 30 years fossils have been my life. It started out as a hobby towards the end of the 1970’s and finally developed into being my full-time job today. After finishing school I started an education as a tax inspector at the fiscal authorities in Frankfurt-Höchst. After my certification I worked in this field for another three years.

Then I decided to become self-employed and started to work with Michael Schwickert. He had started a fossil business three years earlier, excavating and preparing fossils in the German province of Rheinland-Pfalz. At the time, my responsibilities were mainly in the organizational and marketing aspect. Excavations in other parts of Germany as well as in several other countries followed, always searching for rare and unusual specimens. Preparation was done at our own facility, and the finished specimens were then made available to museums, institutes, collections and at international fossil shows. Fossils from our prep lab are now represented world-wide in well-known institutions.” (Fonte: http://www.annsus.com/index_en.html)

“Por mais de 30 anos os fósseis tem sido a minha vida. Isso começou como um hobby no final da década de 1970, mas finalmente tornou-se meu emprego de tempo integral na atualidade. Depois de terminar meus estudos, comecei um curso de inspetor fiscal em Frankfurt-Höchst. Depois de ganhar meu certificado eu trabalhei neste ramo por aproximadamente 3 anos. Então, decidi trabalhar por conta própria e comecei um negócio com Michael Schwickert. Ele entrou no ramo dos fósseis 3 anos antes que eu, escavando e preparando este material na província alemã de Rheinland-Pfalz. Naquela época, as minhas responsabilidades eram basicamente aspectos da organização e do marketing. Escavações em outras partes da Alemanha, assim como em outros vários países se seguiram, sempre procurando por espécimes raros e excepcionais. A preparação era feita no nosso próprio estabelecimento e depois de preparadas, as peças eram disponibilizadas para museus, institutos, coleções e mostras internacionais de fósseis. Fósseis do nosso laboratório de preparação estão representados em instituições renomadas do mundo inteiro.”

O interesse de contrabandistas – principalmente alemães – pela riqueza fossilífera do Brasil começou entre as décadas de 1980 e 1990. Naquela época, o comércio de fósseis abastecia museus renomados da europa, como o de Hamburgo, Frankfurt e Munique.

Nesse cenário, Michael Lothar Schwickert é um dos maiores contrabandistas de fósseis em atuação no mercado internacional. Sua atuação trouxe prejuízos incalculáveis para o patrimônio paleontológico brasileiro e transformou a região do Cariri, no nordeste do Brasil, num bem organizado núcleo de exportação.

Depois de estabelecer contatos na região, Schwickert implantou um sofisticado sistema de coleta de fósseis no interior do Ceará. Sua organização contava com estação de rádios comunicadores, equipamentos pesados como compressores e técnicas extremamente eficientes de extração nas minas. Ele montava as equipes e trabalhava à noite. As peças eram enviadas para a Europa em caixotes colocados em contêineres despachados sob o disfarce de outro material, como pedras e calcário, nos portos ou aeroportos de Recife, São Paulo e Rio.

Schwickert chegou a ser preso no aeroporto em Fortaleza em 2002, depois de uma longa investigação que começou em meados de 1996. Todavia foi solto porque não portava material fóssil. Foi extraditado e respondeu ao processo em liberdade.

Proprietário da empresa ms-fossil, seu esquema contava com dezenas de colaboradores locais, como Francisco Ronaldo Correia e Euclides Praxedes, que cobriam grande parte da Chapada do Araripe. Muitos  de seus antigos ‘ajudantes’ continuam em atividade ilegal até hoje.

Pelo que podemos observar, Scwickert continua colhendo frutos de seu ‘negócio lucrativo’ até hoje. É por isso que este site  não pode ser considerado simples fruto da ignorância por parte de estrangeiros quanto as leis brasileiras, mas sim, MUITA CARA DE PAU!! Ah, sim, Aproveite, visite o site e faça “um incrível tour 360 graus” em uma das mostras deles na Alemanha (!).

O prejuízo para o país com a exportação deste tipo de material é impossível de ser calculado. Encaixa-se no mesmo quadro da biopirataria. Trata-se da retirada ilegal e comercialização de um aspecto científico-cultural. Um fóssil não é um simples recurso mineral, não é como uma pedra preciosa. São itens únicos. Eles  não são enfeites, mas sim ajudam a elucidar questões ambientais e evolutivas do passado do nosso planeta! São parte de nossa história. Atividades como a do Sr. Schwickert fazem com que este potencial seja perdido para as mãos de colecionadores excêntricos ou museus descontextualizados para com os interesses científicos e avanços feitos por cientistas brasileiros. O fóssil passa a ter uma única função: expositiva. Sem dúvida também são itens para ser apreciados, mas essa não é sua única função!!!

A proteção aos depósitos de fósseis é uma preocupação cada vez maior em âmbito mundial. Em diversos países já existem leis que procuram controlar a extração de material fóssil (leia AQUI – Heritage Auctions: Stop the auction of illegally collected Mongolian dinosaur fossils.). O êxito varia em função do estado ou país onde as leis são aplicadas. Entre as soluções para amenizar o problema estão a ampla divulgação, desenvolvimento de ações educativas e a criação de parques para desenvolvimento da indústria turística paleontológica, que levariam um retorno econômico para a população, afim de coibir o seu envolvimento com o tráfico ilegal (veja o exemplo do GeoPark Araripe, que apesar de ter sido um grande passo nessa batalha, por si só não é suficiente). É sobretudo necessário mostrar a população a importância e os benefícios que o patrimônio paleontológico pode fornecer.

Qual o seu papel como cidadão frente a isso? Denunciar, promover, divulgar, discutir. Participe, isso é cidadania.

Denúncias de venda e extração ilegal de fósseis devem ser reportadas ao DNPM e a Polícia Federal.

Quem quiser se engajar, deixe um recado de repudio aos nossos colegas de “annsus.com” pelo seu próprio site ou pelo e-mail: office@annsus.com. Endereço e telefones também encontram-se disponíveis aqui.

– Qual o seu posicionamento quanto a comercialização de fósseis?

Para se informar mais: 
Além dos outros posts aqui do blog sobre essa temática, fortemente aconselho a leitura desta reportagem: Tráfico no parque dos Dinossauros, Mixaria no sertão e ouro no exterior: fósseis brasileiros fazem a fortuna de contrabandistas

Mundo Perdido de Lago Barreales

Você já teve vontade de trabalhar num Centro Paleontológico, participar de escavações, e morar no meio de um deserto? Bom, eu já tive essa oportunidade, e posso dizer, foi uma das melhores experiências de toda minha vida!

Venho através deste post para falar do Centro Paleontológico Lago Los Barreales, localizado no meio do deserto da Patagônia, Argentina.

Se você já assistiu Jurasic Park I, e se lembra do início do filme em que o Dr. Alan Grant e a Dra Ellen Sattler comandam uma expedição para escavar a ossada de um velociraptor, você irá se deparar com um cenário parecido ao do Centro Lago Barreales também conhecido como Proyecto Dino.

Portão temático

A Patagônia, região ao Sul da Argentina, é conhecida mundialmente como o império do dinossauros. Por suas características climáticas desérticas, os fósseis chegam a “florescer” nas rochas que com o tempo vão sendo erodidas. A região do Proyecto Dino é uma região riquíssima em fósseis, principalmente dinossauros, e ali se instalou por financiamento da Universidad Nacional de Comahue, sendo direcionado e comandado pelos paleontólogos argentinos Jorge Calvo, Juan Porfiri e a brasileira Domênica Santos

Visão do Centro

Além de ser uma região riquíssima em fósseis, o cenário é incrível. O proyecto está instalado perto dos grandes lagos Los Barreales onde os invernos são demasiado frios com temporadas de neve e os verões calorosos, num ambiente desértico sem fim.

Neve em Barreales

Os fósseis

Os fósseis mais famosos encontrados nesta região são dos saurópodes Futalognkosaurus dukei e restos de terópodes como Megaraptor namunhuaiquii e Unenlagia paynemili, além de outros ornitópodes, pterossauros, fósseis de plantas e troncos fossilizados.

A experiência

A estadia foi curta porém valiosa. Durante a permanência tivemos contato com técnicas de escavação, limpeza de fósseis, criação de réplicas que são expostas no museu, com orientação dos técnicos e dos próprios diretores do projeto.

Limpeza de fósseis

 
Escavação

 
Réplica de Megaraptor no Museu do Centro

Com a estadia, também nos deparamos com as dificuldades da manutenção e progresso de um Centro Paleontológico, com escassez de verbas, sendo este, financiando e suportado pela Universidade de Comahue e pela atividade turística. Com todas as dificuldades, e apoio de diversos paleontólogos por todo o Mundo, o centro está crescendo cada vez mais e certamente novos fósseis estão por ser encontrados.

Se você quer saber mais sobre o proyecto dino, entre no site e tire suas dúvidas. É um local que recebe visitações com monitoria. Se você for à Patagônia, não deixe de visitar o Centro, é muito didático, e como já dito, o cenário é incrível!

Site do Proyecto: www.proyectodino.com.ar