“Simiosauria”: os “répteis-macaco” do Triássico

Simiosauria!!! Isso mesmo. Na imagem do enigma está representada a ponta da cauda de um Simiosauria. Esses bichinhos são répteis típicos do período Triássico  e viveram entre 220-216 milhões de anos atrás. Pouca gente já ouviu falar, mas eles têm tem uma história muito interessante pra contar.

Ainda no início do Era Mesozóica os répteis começaram a dominar todos os cantos do planeta, seja terra, água ou ar. Por mais de 150 milhões de anos, eles seriam reis absolutos de todo ecossistema terrestre. Do seu reinado, os personagens mais famosos são os dinossauros, os pterossauros e os répteis marinhos. Ora, entre tantos gigantes, quem daria atenção algo tão pequeno e discreto quanto um camaleão…? Os Simiosauros não tem quase nenhuma relação com esses répteis da atualidade, mas sabiam fazer muito bem  uma coisa que os camaleões também sabem: escalar árvores!

Os Simiosaurios deveriam ser mestres da escalada. Uma série de adaptações favoreceu a conquista a copa das árvores como a presença de dedos opositores nas mãos – e em alguns casos nos pés – e o auxílio de uma poderosa cauda preênsil (com exceção de uma única espécie, Hypuronector). Foi o inferido comportamento arborícola desses animais, que rendeu o nome ao grupo, que signica, nada mais, nada menos, que “réptil macaco”.

Na ponta da cauda preênsil de pelo menos duas espécies – das seis conhecidas – está uma das mais curiosas modificações: Uma “garra”! Não é uma garra verdadeira. Na verdade as últimas vértebras foram fundidas para formar uma estrutura semelhante a uma garra, cujo formato também lembra muito a do aguilhão dos escorpiões. A função? Possivelmente ajudar a manter o animal firme no alto das árvores.

Fóssil de Drepanosaurus, proveniente do norte da Itália. Clique na imagem para ampliar e ver o detalhe da “garra” na ponta da cauda.

Outra curiosidade sobre os Simiosauria é o formato do seu crânio. Veja bem a imagem ao lado. Lembra muito o crânio das aves. Alguns pesquisadores chegaram inclusive a sugerir que os Simiosauria poderiam ser bons canditados a ancestrais desses animais emplumados. O que mostrou-se um grande engano, todavia.

Evidências mais do que suficientes indicam que os dinossauros são a verdadeira origem aviana. Ou seja, que aves são nada mais que dinossauros com bico, sem dente e penas. O que aconteceu no caso dos Simiosauria é um exemplo de convergência evolutiva. Isso quer dizer: o seu ancestral não é comum ao das aves, mas ambos os grupos desenvolveram características semelhantes independentemente.

Fósseis de Simiosauria são conhecidos da Itália (Megalancosaurus, Drepanosaurus e Vallesaurus),  dos Estados Unidos (Dolabrosaurus e Hypuronector) e há um único registro na Inglaterra. O bicho da foto do enigma só podia ser da Itália, já que os únicos simiossáurios com a tal “garra” na cauda foram encontrados ali..

O estudo mais recente sobre simiossáurios foi publicado em 2010 por Silvio Renesto e colaboradores. No trabalho, a equipe de cientistas descreve uma nova espécie de Vallesaurus e refaz o estudo filogenético do grupo inteiro. Eles destituem o clado Simiosauria e criam um novo,  Drepanosauromorpha, que inclui Elyurosauria e Hypuronector, a espécie mais bizarra das 6 conhecidas (Veja a última figura deste post).

Elyurosauria englobaria as duas espécies de Vallesaurus, além de Dolabrasaurus, Drepanosaurus e Megalancosaurus (Veja imagem abaixo).

Elyurosauria=“réptil de cauda enrolada”.

Clique para ampliar!
Megaloncosaurus por Emilio Rolandi. Visite o Portifolio: http://rolandi.deviantart.com/
O estranho Hypuronector por Alain Beneteau. Visite o Portifolio: http://dustdevil.deviantart.com/

Esses animais possivelmente se alimentavam de insetos e tinham um bote poderoso a julgar pelo pescoço flexível e as vértebras fusionadas  sobre os ombros, que formavam um tipo de corcova fornecendo uma superfície ampla para a fixação dos músculos cervicais. Essa adaptação permitiria uma movimentação rápida e precisa na hora de capturar a presa.

Devido ao fato de quase todas as espécies apresentarem um certo nível de achatamento caudal e serem encontradas unicamente em depósitos lacustres, chegou-se a propor – no início dos estudos – um hábito de vida aquática para esses animais. Essa hipótese hoje é absolutamente descartada, frente o melhor conhecimento anatômico do grupo.

Espero que tenham gostado! Enquanto isso, fiquem espertos e se preparem para o próximo paleo-enigma!!
Para saber mais:
Renesto, S., Spielmann, J.A., and Lucas, S.G. (2009). “The oldest record of drepanosaurids (Reptilia, Diapsida) from the Late Triassic (Adamanian Placerias Quarry, Arizona, USA) and the stratigraphic range of the Drepanosauridae.” Neues Jahrbuch für Geologie und Paläontologie Abhandlungen252(3): 315-325. doi: 10.1127/0077-7749/2009/0252-0315.

Renesto, S. (2000). “Bird-like head on a chameleon body: new specimens of the enigmatic diapsid reptile Megalancosaurus from the Late Triassic of northern Italy.”Rivista Italiana di Paleontologia e Stratigrafia106: 157–180. Abstract

Senter, P. (2004). “Phylogeny of Drepanosauridae (Reptilia: Diapsida).” Journal of Systematic Palaeontology2(3): 257-268.

Colbert, E. H., and Olsen, P. E. (2001). “A new and unusual aquatic reptile from the Lockatong Formation of New Jersey (Late Triassic, Newark Supergroup).” American Museum Novitates, 3334: 1-24.

Renesto, S. (1994). “Megalancosaurus, a possibly arboreal archosauromorph (Reptilia) from the Upper Triassic of northern Italy.” Journal of Vertebrate Paleontology14(1): 38-52.

Silvio Renesto, Justin A. Spielmann, Spencer G. Lucas, and Giorgio Tarditi Spagnoli. (2010). The taxonomy and paleobiology of the Late Triassic (Carnian-Norian: Adamanian-Apachean) drepanosaurs (Diapsida: Archosauromorpha: Drepanosauromorpha). New Mexico Museum of Natural History and Science Bulletin. 46:1–81

O antigo post do Colecionadores de Ossos sobre Simiosauria está AQUI.

Paleo-enigma 1 – Que criatura é essa?

Os colecionadores decidiram lançar uma brincadeira para seus leitores, paleontólogos ou não! Periodicamente vamos lançar um enigma para vocês solucionarem. Você deve deixar o seu palpite nos comentários e se quiser, uma breve explicação.

Para cada enigma, dependendo da dificuldade, haverá um tempo para encontrar a solução.  Passado o tempo previsto, revelaremos a resposta correta para aqueles que participaram!

O enigma de hoje é fácil!!  Ou não…

Você sabe dizer que criatura é essa????


Fácil demais? Então responda: Que parte do animal está representada na foto? De onde é o fóssil e qual sua idade geológica??? Ahá!
 
A resposta estará disponível em 48h!

Boa sorte!!!

O Parque Cretácico

Aposto que você já ouviu falar de “Parque Jurássico” ou Jurassic Park, mas será que conhece o Parque Cretácico? Pois é, o primeiro é fruto da incrível ficção de Michael Crichton, em que, financiados por um milionário excêntrico, cientistas recriam dinossauros para compor um tipo de zoológico pré-histórico, que acaba em desastre… Mas o segundo é absolutamente real e está localizado aqui, logo ao lado do Brasil, na Bolívia!

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Entrada do ‘Parque Cretácico’

Sucre é uma pequena cidade na Bolívia central, que poucos sabem constituir-se da capital constitucional deste mesmo país. Com um estilo colonial muito charmoso, é destino comum de viajantes do mundo todo. Possui diversos atrativos turísticos, entre eles museus, belas praças, igrejas históricas e paisagens incríveis.

Nós, todavia, fomos visitá-la por um motivo um pouco diferente…

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Paisagens de Sucre

Sucre é bastante conhecida no universo paleontológico por possuir um dos mais incríveis afloramentos de pegadas de dinossauro do mundo. Trata-se do mais extenso e está todinho na vertical! Possui mais de 1500 x 110 metros de exposição, com pistas dos mais variados dinossauros, entre eles saurópodes (gigantes de pescoço longo), terópodes (os carnívoros), ornitópodes (que incluem os dinos “bico-de-pato”) e possivelmente anquilossauros (dinos de armadura). É quase uma Avenida Paulista do tempo dos dinossauros!

Até o último estudo eram mais de 5055 pegadas individuais de 8 icnoespécies diferentes. São 456 pistas no total, sendo que muitas delas que se cruzam, formando uma trama incrível do passado. – Sherlock Holmes iria se deliciar…

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Afloramento

As pegadas são do final do período Cretáceo e pertencem a Formação El Molino. Elas retratam justamente o período de tempo logo antes da extinção em massa dos dinossauros (entre 70 e 65 milhões de anos atrás). A importância deste sítio reside não somente na sua extensão e idade geológica, mas na sua importância paleobiológica. Pegadas constituem um registro muito especial, pois guardam informações sobre o comportamento de animais extintos, coisas que dificilmente podem ser obtidas com um punhado de ossos.

Ao que tudo indica os animais em questão se reuniam no entorno de um grande palolago e nas suas margens foram preservadas as pegadas. A orientação preferencial das pistas, por exemplo, pode ajudar a desvendar antigas rotas de migração, assim como a forma como se dispõem as pegadas pode ajudar a evidenciar comportamentos gregáriosa constituição e conformação de “manadas” (p.ex. adultos e jovens. Os jovens seguiam os mais velhos ou eram protegidos por eles?). Outra informação importante é a postura e a velocidade dos dinossauros. Por meio da distância entre as pegadas, tudo isso pode ser inferido. Entre outras coisas, é por isso que as pegadas de Sucre são tão importantes.

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Vista do mirante

O afloramento está em terras da empresa boliviana de cimento FANCESA, que se responsabiliza por seus cuidados. A administração da empresa recém reformou a infraestrutura existente no entorno do afloramento para os turistas que desejam visitá-lo. Um maravilhoso parque foi montado, que conta com belíssimas e acuradas esculturas de dinossauro em tamanho real, além de um museu, atraentes painéis explicativos, um mirante, uma sala didática com biblioteca para as crianças, um pequeno cinema, um restaurante e uma loja. A entrada custa alguns bolivianos e cobra-se também para utilizar a câmera fotográfica. Apesar disso, vale a pena passar a tarde admirando a incrível paisagem do afloramento, logo atrás do jardim tão bem cuidado com as réplicas quase vivas de dinossauros.

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Pegadas na vertical

Você deve estar curioso, todavia, sobre como este afloramento pode estar na vertical. Os dinossauros por acaso subiam pelas paredes?
Na verdade não. O que acontece é que esta região está localizada em uma área muito tectonicamente ativa e as suas rochas foram prensadas de forma a dobrarem-se umas sobre as outras. Isso ocorreu ao longo de milhões de anos na Era Cenozóica, durante o processo de elevação dos Andes. O pacote inteiro de rocha em questão foi colocado quase na vertical – a 72 graus, para ser mais preciso. Ocasionalmente, por erosão natural, o horizonte das pegadas foi revelado e um sortudo fez a descoberta.

Até agora nenhum resto corporal de dinossauro foi encontrado na área. Nem um ossinho sequer. Porém novas camadas com pegadas estão surgindo! Abaixo da camada principal podem ser identificadas pelo menos umas outras 3, que também contêm pegadas. Além disso, podem ser vistas marcas de onda e outras estruturas sedimentares de fluxo aquoso. Isso pode ajudar a contar detalhadamente a história deste paleolago. Quanto tempo ele durou? Qual era sua extensão? Os níveis de água? E quanto a fauna, ela mudou ao longo do tempo?

Este afloramento é realmente uma raridade.
Se você gosta de turismo paleontológico, este é um destino certo. Se estiver passeando pela Bolívia, não deixe de visitar.

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Para mais informações sobre o parque: http://parquecretacicosucre.com/esp/
* Todas as fotografias deste post tem direitos autorais. Se utilizar, cite a fonte e o autor: Aline M. Ghilardi.