Resolvendo o enigma das tartarugas: A evolução da carapaça

As tartarugas são criaturas únicas. Foram por muito tempo encaradas como grandes enigmas. Como teria evoluído algo tão estranho como um ser com as vértebras e as cinturas escapular e pélvica dentro de sua própria caixa torácica (dentro das próprias costelas)?! Parece anti-natural e difícil de explicar, mas encontrar a resposta para esse “mistério” era questão de tempo… Cientistas acabaram de anunciar, na edição de hoje da Current Biology (veja AQUI), um estudo que veio esclarecer pontos importantes dessa enigmática questão.

Carapaça de quelônio atual e fóssil sul-africano de 260 milhões de anos

Os fósseis mais antigos de quelônios – até pouco tempo atrás – datavam de aproximadamente 210 milhões de anos (final do período Triássico). Esses fósseis, todavia, não forneciam pistas muito úteis no entendimento da evolução de uma das modificações mais extraordinárias desse grupo de tetrápodes: sua armadura óssea. As “tartarugas” do Final do Triássico já apresentavam sua carapaça e plastrão  completamente formados, fato que deixava os cientistas no mínimo, embaraçados.

odontochelys
Odontochelys

Foi então, que em 2008, uma descoberta fantástica foi anunciada: Odontochelys semitestacea, um tipo basal de tartaruga que tinha o seu plastrão (a parte inferior de sua armadura óssea, que recobre a barriga) completamente desenvolvido, mas apenas parte do escudo ósseo das costas formado. Suas costelas eram notavelmente alargadas, e esse foi o primeiro grande passo na solução do abominável mistério (Ver figura ao lado. Os fósseis dessa criatura foram encontrados em depósitos de 220 milhões de anos de idade, na China).

Com base nos avanços obtidos com os estudos de Odontochelys, cientistas então se voltaram para alguns espécimes recém-descobertos de Eunotosaurus africanusuma criatura 40 milhões de anos mais antiga, comumente encontrada em depósitos sedimentares permianos da África do Sul. Eunotosaurus, há muito tempo já havia sido proposto como uma forma possivelmente ligada ao início da ramificação evolutiva dos quelônios (Veja AQUI – e até mesmo reavaliado recentemente pelo mesmo grupo de autores, veja AQUI). Ele, assim como Odontochelys, também apresenta um evidente alargamento pronunciado das costelas.

eunotosaurus
Un dos novos espécimes de Eunotosaurus

Os novos fósseis, todavia, ajudaram a esclarecer mais alguns detalhes anatômicos antes não tão óbvios. Foi possível observar que muitas características de Eunotosaurus são de fato compartilhadas com (e unicamente encontradas em) quelônios, como a configuração dos músculos intercostais, as costelas abdominais (gastrália) pareadas e o modo de desenvolvimento das costelas. Os cientistas então, montaram um novo modelo para explicar a evolução da carapaça e plastrão em quelônios e posicionam Eunotosauros em um dos ramos mais basais da árvore evolutiva das tartarugas.

Sem título

Eunotosaurus preenche um hiato de mais de 40 milhões de anos no registro fóssil dos quelônios. Sua morfologia mostra aspectos intermediários do desenvolvimento da carapaça e plastrão, lançando luz sobre o entendimento desse grande mistério. Ele nos faz compreender melhor a ponte entre esse grupo de animais e os outros répteis.

Normalmente, as costelas servem para proteger os órgãos internos e ajudar a ventilar os pulmões, tendo um importante papel na respiração. O fato das costelas terem se modificado tanto nas tartarugas, também mudou o seu modo de respirar, demandando músculos especializados para tal função. De acordo com os cientistas responsáveis pelo estudo recém publicado, esse é o seu próximo desafio. Eles planejam examinar as peculiaridades do sistema respiratório dos quelônios e compreender como isso evoluiu em conjunto com o desenvolvimento da sua impressionante armadura óssea.

Essa animação resume o modelo proposto por Tyler Lyson e colaboradores. Ela mostra a ponte morfológica entre um plano corporal generalizado basal de um organismo possivelmente ancestral e aquele altamente modificado de um quelônio atual.

Encontre o artigo original e maiores informações aqui: http://www.sciencedirect.com.sci-hub.org/science/article/pii/S0960982213005666#fx1

Lyson, T.R., Bever, G.S., Scheyer, T.M., Hsiang, A. Y. & Gauthier, J. A. 2013. Evolutionary origin of the turtle shell. Current Biology, 23:1-7

Chun, L., Wu, X., Rieppel, O., Wang, L. &  Zhao, L., 2008. An ancestral turtle from the Late Triassic of southwestern China. Nature 456: 497-501.

 

Sobre o(a/s) autor(a/es):

Aline é bióloga, especialista em paleontologia de vertebrados e criadora da rede de divulgação científica "Colecionadores de Ossos". Atualmente é professora adjunta de Paleontologia do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em Natal, RN.

3 comentários em “Resolvendo o enigma das tartarugas: A evolução da carapaça”

  1. Oi Roberto!
    Isso é fato. É uma proposta antiga e realmente não deixamos isso exposto no texto! Vou fazer uma pequena modificação de forma a deixar marcado!
    Obrigada pela consideração!
    Abraços!

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