Exu: A Chapada, Gonzagão e os fósseis – Tesouros do Araripe

Exu é um município do interior do Estado de Pernambuco, nordeste do Brasil. Sua população é de pouco mais de 30.000 habitantes. O clima é semi-árido e quente. A vegetação dominante, a Caatinga. Sua zona rural encontra-se aos pés da belíssima Chapada do Araripe, onde a terra é fértil e nascentes brotam da terra.

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Chapada do Araripe. Foto de Alcina Barreto.

Nessa região, a água é tão preciosa quanto o ouro. Exu esta incluída na zona conhecida como Polígono da Seca. A falta d’água judia do gado e das plantações, mas há muita riqueza nessa terra.

Luís Gonzaga, o rei do baião
Luís Gonzaga, o rei do baião

Exu é terra de Luiz Gonzaga e de Bárbara de Alencar, foi o lar dos índios Ançus e muito antes disso, bem antes do tempo dos homens, foi um pedaço de mar. Na verdade, um grande lago perto da costa, como hoje é a Lagoa dos Patos no Rio Grande do Sul.

Exu está localizada em uma das regiões mais conhecidas, paleontologicamente falando, do mundo. Em seu território afloram rochas de um tempo em que os dinossauros eram soberanos e nos céus reinavam os répteis alados. Inserida na zona de abrangência da Bacia do Araripe, toda área no sopé da chapada rende fósseis excepcionalmente bem preservados, pertencentes a uma unidade geológica conhecida como Formação Romualdo

A maioria dos fósseis da Formação Romualdo está preservada dentro de concreções calcíferas, que se formaram ainda nos primeiros estágios de fossilização. Condições físico-químicas muito especiais permitiram a preservação detalhada dos fósseis.

"Pedra-de-peixe" - concreção fossilífera da Fm. Romualdo. Foto de Aline Ghilardi.
“Pedra-de-peixe” – concreção fossilífera da Fm. Romualdo. Foto de Aline Ghilardi.

Localmente, as concreções fossilíferas são conhecidas como “pedras de peixe” e normalmente são encontradas em áreas de ocorrência de solo massapê (intemperismo das rochas associadas as concreções é que gerou esse tipo de solo). Os próprios agricultores da região conseguem diferenciar as áreas de ocorrência de fósseis. Eles aprenderam por meio da observação e da convivência diária, durante a qual, para tornar o solo agriculturável, tinham que retirar e empilhar as centenas de duras concreções, que podiam danificar as ferramentas.

Esse é o cenário do projeto desenvolvido pela Profa. Alcina Barreto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que procura aliar a preservação do patrimônio fossilífero local com o desenvolvimento sócio, cultural e econômico da região, focando na sustentabilidade do recurso.

Profa. Alcina Barreto, curso de formação de Prof. em Exu. Foto: Aline Ghialrdi
Profa. Alcina Barreto, curso de formação de Prof. em Exu. Foto: Aline Ghilardi

O Projeto é financiado pela Pró-Reitoria de Extensão da UFPE e conta com a participação de estudantes de graduação e prós-graduação da instituição e também da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ao longo do seu estudo na região do Araripe pernambucano, a Profa. Alcina Barreto pode perceber o grande potencial paleontológico da área, pouco explorado em relação ao que já foi feito em seu estado vizinho, o Ceará, que apresenta praticamente as mesmas riquezas geo-paleontológicas, mas abriga uma série de museus, o famoso Geopark Araripe e também se empenhou em criar diversos de cursos focados na paleontologia da região.

Junto com a sua equipe, foi possível identificar um crônico desconhecimento por parte da população do lado pernambucano do Araripe sobre o que é, como são importantes e o quê se deve fazer com os fósseis. Enquanto isso, outros moradores locais estavam envolvidos no conhecido tráfico de fósseis, uma atividade comum na região, mas ilegal perante a lei brasileira, que leva a perda desse patrimônio e o não aproveitamento de seu potencial.

O projeto da Profa. Alcina Barreto visa levar o conhecimento para a população sobre esse importante patrimônio natural e cultural da região. O primeiro município a fazer parte do projeto é o distrito de Exu. Aonde, além disso, o grupo visa colaborar na criação de museu paleontológico local, que possa incentivar o desenvolvimento de uma economia solidária na região.

Lançamento do livro "Tesouros do Araripe" - Foto de Aline Ghilardi
Lançamento do livro “Tesouros do Araripe” – Foto de Aline Ghilardi

O projeto encontra-se nas suas fases iniciais e a equipe já teve uma participação no curso de formação de professores de Exu e região, ajudando a criar multiplicadores da ideia. Na mesma ocasião também foi lançado o livro “Tesouros do Araripe”, uma publicação didática focada para público infanto-juvenil.

Assista o vídeo feito pela equipe para divulgação da fase inicial do projeto, conheça um pouco mais sobre essa ideia e compartilhe:

Mais sobre o novo gigante brasileiro e as pesquisas de dinossauros no Brasil

Elaine Batista Machado, doutoranda no programa de pós-graduação em Zoologia da UFRJ, fala um pouco mais sobre Brasilotitan, o mais novo dino brasileiro, e nos conta sobre as perspectivas futuras quanto ao estudo de dinossauros no Brasil.

Col.: Quais as relações desse novo animal com os dinos já conhecidos no nosso país?

Elaine: A nova espécie, Brasilotitan nemophagus, é a nona espécie de titanossauro brasileiro (contando somente as que são consideradas válidas), e dentre todas estas, este é apenas a terceira a apresentar material craniano. Brasilotitan nemophagus é também a segunda espécie de titanossauro da região de Presidente Prudente, SP, e a quinta proveniente da Formação Adamantina (Bacia Bauru).

Titanossauros
Reconstituição artística de titanossauros

Col.: O que Brasilotitan traz de novo? O que o torna uma importante descoberta?

Elaine: Um dos pontos principais desta nova espécie é a presença da mandíbula preservada, que é bastante peculiar. Diferente da maioria das espécies a mandíbula do Brasilotitan possui uma forma “quadrada”, sendo semelhante à dos titanossaurideos Bonitasaura salgadoi e Antarctosaurus wichmannianus. Além da mandíbula, este dinossauro apresenta também novas características nas vértebras cervicais, que o diferencia dos demais.

Col.: Algum outro aspecto interessante desse animal que você queira destacar?

Elaine: Um aspecto interessante que pode ser observado é que em parte dos ossos desse animal foram encontradas marcas de mordidas, o que indica que ele foi vítima de predadores ou necrófagos.

CT Scan do dentário de Brasilotitan, mostrando um dos alvéolos dentários com três dentes inseridos.
CT Scan do dentário de Brasilotitan, mostrando um dos alvéolos dentários com três dentes inseridos.

Neste estudo, além da descrição formal da nova espécie, pudemos também realizar algumas observações sobre as estruturas internas dos ossos através de tomografias. Nas vértebras foi possível ver o padrão de estrutura pneumática camelada comum a titanossaurídeos, enquanto que no dentário pode-se observar a presença de até 3 dentes dentro de um mesmo alvéolo, o que nos dá a ideia de quão rápida era a troca dentária desse animal.

Col.: O que, na sua opinião, ainda temos por descobrir quanto aos dinos do Brasil? Quais os próximos passos?

Elaine: As perspectivas futuras sobre o conhecimento dos dinossauros brasileiros são boas pelos seguintes motivos: O Brasil tem um enorme potencial para a preservação dos fósseis, suas bacias fossilíferas são não somente ricas, mas extensas – algumas abrangendo vários estados; e outro é que cada vez mais vemos o crescimento de interesse e também incentivos a pesquisas na área.

Devemos lembrar que a paleontologia no Brasil ainda é uma área de pesquisa recente se comparada com outros países, e esperamos que com o tempo e investimento muitas outras descobertas fantásticas sejam realizadas.

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Elaine B. Machado é doutoranda do programa de pós-graduação em Zoologia da UFRJ, pelo Setor de Paleovertebrados do Museu Nacional. Seus estudos são focados em paleontologia de dinossauros e ela já participou de diversas escavações e da descrição de outros dinossauros brasileiros, como Oxalaia quilombensis.

Os Colecionadores de Ossos agradecem a atenção e disposição de Elaine em conversar conosco!

Referência:

MACHADO, E.B.; AVILLA, L.S.; NAVA, W.R.; CAMPOS, D.A.; KELLNER, A.W.A.. (2013). “A new titanosaur sauropod from the Late Cretaceous of Brazil”. Zootaxa 3701 (3): 301–321. DOI:10.11646/zootaxa.3701.3.1.

Não deixe de ler também “A descoberta de um titã”, postagem anterior à essa, que também fala sobre o novo dino brasileiro e apresenta uma entrevista com o seu descobridor, William R. Nava.

Ilustração (Titanossauros): autoria de Aline Ghilardi.

A descoberta de um titã

Um novo titã recém integrou a lista de dinossauros do Brasil: Brasilotitan nemophagus.

Descrito na revista Zootaxa, a nova espécie de dinossauro brasileiro foi definida com base em um peculiar fragmento de mandíbula (imagem abaixo), além de vértebras, um elemento ungueal e fragmentos do quadril. O animal pertence ao grupo dos saurópodes titanossaurídeos, dinos herbívoros de pescoço longo, abundantes na América do Sul e demais continentes do Gondwana durante o final do Cretáceo (~100-66 milhões de anos atrás).

Segundo os autores, o novo animal pode ser considerado proximamente relacionado à Bonitasaura e Antarctosaurus, dois gêneros de dinossauros saurópodes da Argentina. Brasilotitan foi encontrado na região de Presidente Prudente, interior de São Paulo, no contexto geológico da Bacia Bauru, e, além de acrescentar à diversidade de dinossauros do Brasil, vem enriquecer o conhecimento sobre a anatomia do aparato mastigatório dos saurópodes, esses grandes animais herbívoros.

Dentário (parte da mandíbula) em formato de L de Brasilotitan nemophagus
Dentário (parte da mandíbula) em formato de L de Brasilotitan nemophagus

Etimologia do nome: Brasilotitan = Titã brasileiro / nemophagus = comedor de plantas.

A equipe dos Colecionadores teve a oportunidade de conversar com os colegas William Nava (Museu de Paleontologia de Marília) e Elaine Machado (UFRJ, Museu Nacional, Rio de Janeiro), alguns dos autores do artigo de Brasilotitan

Acompanhe hoje e nos próximos dias as suas entrevistas.

Hoje William Nava nos revela alguns detalhes sobre a descoberta do novo titã brasileiro:

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Col.: Como e quando foi feita a descoberta, William?

William: O achado dos fósseis se deu por volta de janeiro do ano 2000, quando precisei ir a P. Prudente para resolver algumas questões pessoais. Na ocasião observei centenas de blocos e pedaços de rochas depositados às margens de um terreno próximo à rodovia SP-270, a Raposo Tavares, perto da cidade de P. Prudente. Estavam alargando a rodovia e muitas rochas foram então retiradas. Ninguém notou, mas no meio delas havia muitos e muitos fósseis, entre os quais esses do Brasilotitan. 

Voltei algumas vezes ao local durante o ano 2000 para resgatar esses e outros materiais, senão acabariam se perdendo. Aliás, muitos já estavam se deteriorando pela ação do tempo e não tive como recuperá-los. Podemos dizer que foi um verdadeiro resgate paleontológico!

Me lembro que um dos fósseis os quais mais me chamou a atenção foi uma grande vértebra caudal (que media cerca de 40 cm de altura!) num arenito fino, mas muito duro. A posição do bloco onde ela estava dificultava bastante sua remoção. Não consegui retirar e ela se perdeu!  Um dos materiais que consegui recuperar foi um pequeno bloco contendo em vista lateral esse fragmento de dentário (foto acima), que na época imaginava pertencer a um crocodilo…

Col.: Como se estabeleceu o convênio de estudo com os pesquisadores do Rio de Janeiro?

William: Os materiais fósseis permaneceram comigo até agosto de 2004, quando vieram a Marília alguns pesquisadores da Universidade Federal Rio de Janeiro e diversos alunos para realização de um trabalho de campo. Mostrei a eles os fósseis do agora Brasilotitan e lhes chamou atenção justamente o ramo mandibular. Eles me pediram emprestado o material para que fosse melhor preparado no Rio de Janeiro e foi o que fiz. Cedi também, por empréstimo, os outros fósseis que aparecem no artigo. Ficaram aqui em Marília apenas alguns fragmentos de costelas (foto), um fragmento de tíbia, uma falange e um possível tarsal, todos coletados juntos com o material levado. Os materiais ficaram um bom tempo aguardando preparação e depois seguiram para estudo.

Costela encontrada junto aos materiais de Brasilotitan.
Costela encontrada junto aos materiais de Brasilotitan. Foto de William R. Nava.

Col.: Outros materiais foram encontrados no mesmo sítio de onde saiu Brasilotitan?

William: Além dos restos do Brasilotitan, no mesmo local haviam dentes de saurópode, terópodes (dinossauros carnívoros) e de crocodilomorfos,além de muitos coprólitos, pedaços de carapaças e plastrão de tartarugas e escamas de peixes. Não tive tempo suficiente para examinar cuidadosamente todas as rochas depositadas, porque “um belo dia”, no fim do ano 2000, não mais as encontrei. Procurei saber o que tinha acontecido e me disseram que foram utilizadas para preencher focos de erosão no próprio leito da rodovia. Lamento por que tirei só uma foto, a da costela (acima). 

Col.: Quais são as perspectivas de estudos na região?

William: Quando vou a Prudente, vez ou outra passo por esse local. Hoje é um terreno vazio e cheio de mato. Nunca mais encontrei nada. A área de onde as rochas possivelmente saíram também está soterrada: é o atual pavimento e acostamento da rodovia. Seria possível encontrar algo nos barrancos dos 2 lados da estrada, mas não encontrei nada significativo até agora, talvez porque ainda não realizei nenhuma escavação no local, apenas faço algumas varreduras superficiais.

A região de Presidente Prudente é uma área rica em fósseis, sempre há novas perspectivas. Há muitos locais promissores nos arredores. Estou trabalhando em um afloramento no qual encontrei pequenos ossinhos de aves enantiornithes, é um local excepcional! Mas isso é outra história…

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319072_439128632790487_1161231198_nWilliam Roberto Nava é coordenador do Museu de Paleontologia de Marília e foi responsável não só pela descoberta de Brasilotitan, como de muitos outros animais pré-históricos brasileiros. Alguns até mesmo levam o nome dele como Adamantinasuchus navae, um crocodyliforme do Cretáceo do Brasil. William convida a todos para visitarem o Museu de Paleontologia em Marília e conhecerem mais sobre o passado brasileiro.

Acompanhe notícias sobre o Museu de Paleontologia de Marília no Facebook: https://www.facebook.com/museudepaleontologia.marilia?fref=ts

Referência:

MACHADO, E.B.; AVILLA, L.S.; NAVA, W.R.; CAMPOS, D.A.; KELLNER, A.W.A.. (2013). “A new titanosaur sauropod from the Late Cretaceous of Brazil”. Zootaxa 3701 (3): 301–321. DOI:10.11646/zootaxa.3701.3.1.

 

Para encerrar a Semana do Tubarão: O Terror do Permiano

Em Busca do Permiano – Parte 4 from Tito Aureliano on Vimeo.

Acompanhe a expedição Piauí-Maranhão 2013 em busca de fósseis de vertebrados permianos no nordeste brasileiro. A expedição faz parte de um extenso projeto realizado por um convênio de instituições do mundo todo, mas com base na Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Na Parte 4, Dr. Juan Cisneros desvenda o mistério de Anisopleurodontis, um estranho peixe cartilaginoso (seria ele um tubarão ou quimeiróide?!) encontrado unicamente em depósitos de idade permiana (Formação Pedra de Fogo, Bacia do Parnaíba) do Maranhão e do Piauí.

Assista às outras partes dessa jornada: https://vimeo.com/titossauro/videos

Semana do Tubarão: Entrevista com Artur Chahud

Artur Chahud, pesquisa Chondrichtyes desde o seu mestrado e hoje está em curso do seu pós-doutoramento na USP, de onde arrumou um tempinho para conversar com a gente.

Esse é mais um dos posts especiais para comemorar a nossa “Semana do Tubarão”.

Afloramento do Sitio Santa Maria, Rio Claro, Estado de São Paulo, onde foram coletados a maior parte dos principais fósseis de tubarões estudados por Artur
Afloramento do Sitio Santa Maria, Rio Claro, Estado de São Paulo, onde foram coletados os fósseis de tubarões estudados por Artur

 

Col.: Oi Artur, primeiro nos fale um pouco sobre a fauna de tubarões da(s) unidade(s) geológica(s) que você estuda.

Artur: Os tubarões que eu estudo são exclusivos da fácies arenosa do Membro Taquaral, que é a unidade basal da Formação Irati, de idade permiana. É uma fácies que raramente ultrapassa 50 cm de espessura e é praticamente exclusiva do Estado de São Paulo.

Os fósseis nela são encontrados desarticulados e ocorrem como espinhos de nadadeiras, dentes, escamas e ossos isolados.

Quando comecei a trabalhar nesta unidade, sobe orientação do Dr. Thomas Rich Fairchild, não havia nenhuma ambição de encontrar algo significativo, pois a unidade tinha sido “abandonada” há mais de 25 anos após o mestrado do Dr. Ewaldo Helmut Ragonha, em 1978. Nenhum artigo havia sido publicado (nem mesmo resumos). Ragonha tinha descrito três Chondrichthyes que haviam sido observados na Formação Pedra de Fogo, também do Permiano.

Quando o Professor Thomas Fairchild coletou os primeiros fosseis na região de Rio Claro, imediatamente ficou claro que a unidade não era tão “sem graça” quanto todos pensavam e que existia um potencial muito bom de estudo! Muita coisa precisava de revisão e ainda existiam fósseis que ninguém havia visto no Brasil!

De todos os tubarões que apareceram o mais comum é Taquaralodus albuquerquei Silva Santos 1947 (antigo “Pleuracanthus” albuquerquei Silva Santos 1947), um tipo de Xenacanthiformes identificado por meio de dentes que também são encontrados na Formação Pedra de Fogo (Bacia do Parnaíba, NE do Brasil), onde foi descrito primeiramente por Silva Santos.

Xenacanthus, arte de Petr Modlitba (http://petrmodlitba.cz/)
Xenacanthus, arte de Petr Modlitba (http://petrmodlitba.cz/)

Outros xenacantos foram observados, mas muito raros e diminutos e eu não me atrevi a batizar, na esperança de encontrar fósseis melhores, mas um deles é claramente um representante do gênero Xenacanthus (provavelmente o mais antigo da Bacia do Paraná).

Porém os tubarões de maior impacto são os de espinhos, que foram a grande surpresa da unidade e também os mais difíceis de serem encontrados. O único formalmente publicado é o Sphenacanthidae Sphenacanthus sanpauloensis que foi o primeiro espinho de nadadeira de tubarão de um exemplar adulto encontrado na unidade (Ragonha tinha um único exemplar infantil). O fantástico é que durante o meu doutoramento outras variedades apareceram como: a primeira ocorrência do gênero Amelacanthus, já citado e ilustrado em artigo que tratava da unidade, e outras que estão sendo pesquisadas atualmente no pós-doutoramento.

Ainda tem o que fazer e os trabalhos continuam.

Col.: Conte alguma aventura interessante que ocorreu durante o seu estudo com esses bichos. Você teve a oportunidade de encontrar uma nova espécie, encontrar um gênero inusitado, registrar a primeira ocorrência ou, por exemplo, encontrar um material espetacular?

Artur: Difícil a pergunta, pois, na minha visão quase tudo foi excitante ou surpreendente! Mas aconteceu algo bastante “inusitado” quando eu descobri o Sphenacanthus sanpauloensis a mais ou menos uns 10 anos atrás.

Eu estava no Sitio Santa Maria debaixo de uma chuva muito forte, fazendo coleta, sozinho. Só havia um pescador por perto pescando com rede no Rio da Cabeça, que é um córrego que fica nas margens do afloramento.

De repente eu consegui arrancar uma placa do afloramento e apareceu um espinho de tubarão, lindo. Eu dei um pulo e um berro, comemorando, pois sabia da importância que tinha aquilo. O pescador viu a cena e ficou com cara de assustado, sem reação. Eu olhei para ele e disse que tinha descoberto o espinho da nadadeira de um tubarão! Ele me olhou com aquela expressão “Ihh o cara pirou, deixa eu sair daqui”, então se afastou e sumiu.

Mas a aventura não havia acabado! Eu estava na chuva, num afloramento sem proteção e tinha que tirar aquele fóssil dali bem rápido, para não ser destruído. Eu deveria chegar na garagem da sede do sítio que ficava uns 700 m de onde eu estava, mas não ia ser fácil: os donos do lugar criavam cabeças de gado e um touro não ia muito com a minha cara. Tive que criar coragem e sair correndo! Até que esse fóssil ficasse finalmente a salvo, foi um sufoco. Só me tranquilizei quando o cobri, protegi e coloquei dentro do carro. Fui investigá-lo muito tempo depois, no instituto.

Col.: Qual seu tubarão fóssil favorito?

Artur: Pode parecer estranho, pois não é nenhum da época que eu estudo. O tubarão que eu mais gosto é o Antarctilamna.

Possível reconstituição de Antarctilamna, por Alain Bénéteau.
Possível reconstituição de Antarctilamna (parte inferior da img.), por Alain Bénéteau.

O Antarctilamnaé um tubarão do Devoniano (um dos mais antigos) que inicialmente foi descrito na Antártida e Austrália, mas existem evidências em outros lugares com África do Sul, Espanha e Bolívia.

Eu gosto dele por ele ter sido uma inspiração para que eu continuasse a trabalhar com o Paleozoico. Ele é um desafio e a partir dele vi que isso era comum nos grupos de tubarões do Paleozoico que eu estudo!

Quando comecei a pesquisa com tubarões do Permiano (11 anos atrás) ele era considerado um xenacanto, devido aos dentes (ainda tem quem acredite nessa hipótese), tempos depois ele foi considerado um ctenacanto, por causa do espinho da nadadeira, e outros ainda acreditavam que ele poderia ser um intermediário entre ambos (como um “Archaeopterix dos tubarões”). Hoje ele tem ordem e família próprias e é considerado um gênero a parte de Elasmobranchii.

É o maior exemplo de desafio: de quanto temos que aprender ainda e como estamos longe de qualquer solução. Até o ambiente em que esse animal vivia hoje é colocado em dúvida, pois durante um tempo ele era considerado um tubarão de água doce, mas já foi encontrado em depósitos estuarinos e, até mesmo, marinhos.

Col.: O que você acha de mais espetacular nesse grupo de animais, tendo a oportunidade de estudá-los tão de perto? E por que você acha que eles fascinam tanto as pessoas?

Artut: Olha não posso negar que eles me proporcionaram o que eu sempre sonhei em fazer nas áreas de geociências e paleontologia desde que eu estava na graduação. E por que isso?

Eu normalmente olho para o conjunto todo e não só para o fóssil e a contribuição para as pesquisas dada pelos tubarões incluíram taxonomia, paleoecologia, estudos de paleoambientes e até mesmo bioestratigrafia.

Agora no geral os tubarões são “campeões” na história do nosso planeta foram poderosos predadores, dominadores, diversificados e superaram extinções que poucos grupos de seres vivos conseguiram. A imagem da força e da vitória dentro dos metazoários e provavelmente ainda estarão por aqui nos próximos milhões de anos.

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Artur Chahud é Bacharel em Geologia pelo Instituto de Geociências da USP, tem Mestrado em Paleontologia e Bioestratigrafia e Doutorado em Geoquímica e Geotectônica pela mesma instituição, onde atualmente também desenvolve seu pós-doutoramento em Geologia Sedimentar e Paleontologia do Permiano da Bacia do Paraná. Os Chondrichthyes foram os protagonistas nos seus estudos durante toda sua pós graduação.