E se o DNA dos dinos de Jurassic World fosse 100% puro?

Já sabemos que recriar dinossauros a partir de sequências de DNA recuperadas do sangue preservado no ‘estômago’ de mosquitos pré-históricos é impossível. O mesmo é válido para “recuperar sequências de DNA a partir de fósseis excepcionalmente bem preservados”. Mas e se acreditássemos na ficção de ‘Jurassic Park’ e realmente pudéssemos recriar dinossauros? Com o quê eles se pareceriam, de verdade?

—- SPOILER ALERT —-

Se você ainda não assistiu o filme “Jurassic World”, não continue lendo a postagem!

Nos filmes, apesar de o genoma dos dinossauros (e outras criaturas pré-históricas, como pterossauros e o mosassauro) ser muito bem conhecido, ele ainda é incompleto. Para solucionar esse problema, os geneticistas da “InGen” completaram as sequências de DNA dos dinossauros com o DNA de algumas espécies vivas nos dias atuais, como rãs e um tipo de sépia – que é um parente das lulas. Como ficou bem claro ao longo da série, isso gerou alguns problemas, como a troca de sexo nos animais (primeiro filme) e a capacidade de se camuflar e controlar a temperatura corporal (no novo filme). Aparentemente, os cientistas também manipularam o genoma dos bichos com a finalidade de cativar mais o público, com dinossauros “maiores e mais assustadores”.

Agora, se os cientistas tivessem conseguido recuperar 100% do genoma desses animais e de fato os tivessem recriado “100% puros”. Com o que eles se pareceriam?

Abaixo fizemos uma listagem das espécies que aparecem no filme ‘Jurassic World’ (não só os dinossauros) e destacamos, a partir dos mais recentes conhecimentos científicos na área, com o que esses animais realmente teriam se parecido:

Gallimimus versão JPxJW
Gallimimus versão JPxJW

Gallimimus: Os Gallimimus teriam o corpo coberto de penas e inclusive deveriam ter penas longas nos braços. Evidências disso foram encontradas em animais bem proximamente relacionados a essa espécie, os Ornithomimus. A propósito, os braços dos Gallimimus seriam um pouco mais longos do que como é mostrado nos filmes.

Considerando a arte desses bichos, em ‘Jurassic Park’, o primeiro filme, os bichos têm uma anatomia muito melhor do que em ‘Jurassic World’. Em ‘Jurassic World’ eles não parecem tão naturais pois têm os braços inseridos no lugar errado do corpo. Além disso, é importante lembrar, que esses bichos não tinham dentes na boca: se você observar com cuidado, pode ver que alguns deles aparecem com pequenos dentes no novo filme da série.

Os punhos também estão errados, e isso se repete para todos os outros dinossauros terópodes dos filmes. Ao invés de dobrarem-se “para frente”, como é retratado, as mãos dobravam-se para a lateral, como nas aves.  Por isso, aos olhos de um paleontólogo, quase todos os dinossauros de ‘Jurassic Park’ parecem ter os punhos quebrados. Essa questão da posição dos punhos somente foi melhor entendida – cientificamente falando – depois da produção dos três primeiros filmes da série.

Acima: como retratado nos filmes. Abaixo: como realmente era.
Acima: como retratado nos filmes. Abaixo: como realmente era.

Por fim, os Gallimimus tinham entre 6 a 8 metros de comprimento. Quando completamente adultos deveriam ser um pouco maiores do que como são retratados nos filmes.

Um ponto positivo foi que mandaram bem na questão dos bandos. É possível que esses animais se organizassem dessa forma, principalmente quando jovens. Há sítios fossilíferos na China que indicam essa estruturação para animais do mesmo agrupamento  filogenético.

Gallimimus by ZeWq
Gallimimus by ZeWq, Deviantart

Dilophosaurus: Em ‘Jurassic World’, o Dilophosaurus aparece somente como um holograma no ‘centro de visitantes’.  A questão da gola coriácea, como observada no lagarto vivente Chlamydosaurus kingii, é muito difícil ser comprovada, pois, até o momento, nenhuma evidência semelhante foi encontrada em qualquer dinossauro. Já a questão de cuspir veneno é quase 100% furada. O único dinossauro encontrado até hoje, que, por meio dos fósseis, permite dizer que seria ‘venenoso’, é o Sinornithosaurus, devido a presença de pequenos canais em seus dentes (semelhantes à canais de veneno). Porém, isso também é apenas uma inferência, já que não temos como ter 100% de certeza sobre qual era a verdadeira função dessas estruturas nos dentes desses animais.

É difícil dizer se o Dilophosaurus possuía penas. Há algum tempo, sugeriu-se que haveriam evidências de penas em uma impressão de repouso atribuída a esses animais. Porém, a má qualidade de preservação do fóssil não permitiu que essa hipótese fosse confirmada. É altamente provável que esse animal tivesse o corpo coberto por filamentos simples, pelo menos. Proto-penas e estruturas semelhantes a penas estão presentes em diferentes grupos de dinossauros, o que indica que essa é uma característica basal do grupo, ou seja, que estava presente desde os primeiros dinossauros. No grupo dos terópodes (o qual inclui o dilofossauro) essa característica é bastante comum em diferentes ramos filogenéticos.

Um Dilophosaurus adulto teria cerca de 2m de altura e aproximadamente 7m de comprimento.

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Dilophosaurus, por stasiuk, em Deviantart.

Pachycephalosaurus: Estes animais chegavam a ter 4,5m de comprimento e pesar até 450kg. Apesar de aparecer bem rápido em ‘Jurassic World’, o Pachycephalosaurs aí retratado parece um pouco grande demais. O resto parece ok.

Apatosaurus: As narinas foram bem colocadas e o tamanho do animal parece estar mais ou menos dentro do esperado. Talvez um pouco maior, apenas, do que esse bicho era na realidade (em média eles teriam 22m de comprimento). A posição do pescoço também está ok. No todo, a anatomia animal está bem próximo do real. A cabeça pode estar um pouco grande proporcionalmente, mas o que faltou mesmo foram as escamas. No filme, o bicho parece ter pele elefante. Temos evidências de impressões de pele de saurópode e eles tinham escamas grandes e arredondadas, alguns, até mesmo osteodermos no dorso (como os titanossauros).

Fora isso, a minha opinião particular é que eles podiam ter usado um pouco mais de cores nesses saurópodes, como listras na cauda ou no pescoço, o que, observando os mamíferos modernos, ajudaria a confundir os predadores. Mas ainda assim está ok!

Pata da frente de um Triceratops
Pata da frente de um Triceratops

Triceratops: Os bebês Triceratops estão mais ou menos corretos, com os chifres apontando para cima, como observado nos fósseis de juvenis desses animais. O ‘closeup’ do pé da frente do bicho, todavia, mostra uma anatomia errada. O mais correto seria como a ilustração ao lado, com o pé mais esparramado, não compacto como o de um elefante.

Os Triceratops adultos, fora talvez alguns detalhes no formado de partes do crânio, também estão com uma anatomia relativamente bem convincente. Todavia, há evidências de impressão de pele para esses animais e eles tinham escamas grandes e mais ou menos hexagonais, não “pele enrugada de elefante (de novo)”.

Devido a alguns fósseis de Ceratopsia basais apresentarem “bristles” na anca (Psittacosaurus), alguns pesquisadores acreditam que é possível que formas derivadas, como os Ceratopsidae (incluindo Triceratops), também apresentassem tais estruturas. É provável, filogeneticamente falando, mas ainda são necessárias melhores evidências.

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Cena de ‘Jurassic World’
Ontogenia de Triceratops.
Ontogenia de Triceratops.
Impressão de pele de Triceratops.
Impressão de pele de Triceratops.
Triceratops com "bristles"
Triceratops com “bristles”, arte de Aaron Doyle

bloggif_55830d185f4baStegosaurus: Estegossauros definitivamente não arrastavam a cauda no chão e nem próximo ao chão. Eles tinham a cabeça *bem* pequena e seriam INCAPAZES de galopar, como retratado no filme. As placas nas costas deveriam ser mais coloridas já que aparentemente, elas têm forte relação com extravagância sexual e comunicação desses bichos.

Impressões de pele desses animais mostram pequenas escamas pentagonais e uma ‘armadura gular’.

'Armadura gular'
‘Armadura gular’

Os Stegosaurus  de ‘The Lost World: Jurassic Park’ são muito mais acurados, cientificamente falando, do que os do novo filme. Os estegossauros que aparecem próximos ao rio em ‘Jurassic World’, também parecem mais acurados do que aqueles que aparecem pastando e galopando nas planícies.

Algumas estimativas indicam que Stegosaurus armatus poderia alcançar até 9m de comprimento. S. ungulatus S. stenops eram bem menores.

Stegosaurus, por John Conway
Stegosaurus, por John Conway
Velociraptor mongoliensos, por John Conway
Velociraptor mongoliensos, por John Conway

Velociraptor: Como todo mundo já deve saber, velociraptores não eram tão grandes como retratados no filme. Os verdadeiros Velociraptor tinham cerca de 60cm de altura e até 2m de comprimento. Além disso, tinham o corpo coberto de penas e evidências da presença de penas de haste longa nos braços, como as aves atuais.

O problema dos punhos é o mesmo do Gallimimus.

Existiram raptores maiores que o Velociraptor, como o Deinonychus e o Utahraptor. No início dos anos 1990, o pesquisador  Gregory Paul chegou a propor que o gênero Deinonychus (espécie que chega a ter 3,4m de comprimento e é encontrada na América do Norte) poderia ser, na verdade, um sinônimo para Velociraptor (espécie asiática). Essa proposta foi considerada inválida, mas isso pode ter gerado a confusão de tamanho observada no livro de Michael Crichton e nos filmes, já que tal hipótese coincide com a época de publicação e estreia dos mesmos.

Estudos com Deinonychus indicam que estes animais utilizariam a “garra terrível” principalmente para escalar, e, secundariamente para abater suas presas.

Os raptores, de fato, eram animais muito inteligentes e poderiam se organizar em grupos. Esqueletos de Utahraptor já foram encontrados em associação.

Ankylosaurus: Eles não tinham espinhos laterais tão pronunciados quanto os que aparecem no filme. O resto parece mais ou menos ok.

Parasaurolophus: Podiam ter colocado mais cores nesses bichos e como bem observado pelo paleontólogo Thomas Holtz, eles aparecem mastigando errado. Parasaurolophus walkeri alcançavam até 9,5m de comprimento.

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Parasaurolophus, por Julius Csotonyi

Tyrannosaurus rex: A anatomia e o tamanho estão relativamente bem aceitáveis nos filmes. Atualmente acredita-se na possibilidade de eles terem apresentado cerdas ou plumas espalhadas pelo corpo como o seu parente próximo Yutyrannus. Mesmo que essas estruturas se perdessem no adulto, é altamente provável que estivessem presentes em bebês, juvenis e até mesmo jovens adultos.

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Mosasaurus, por Andrey Atuchin
Mosasaurus, por Andrey Atuchin

Mosasaurus: No filme reinou a regra do quanto maior melhor. Mosassauros definitivamente não alcançavam esse tamanho. Os maiores espécimes de Mosasaurus hoffmanni encontrados até agora apresentam no máximo 18m de comprimento e eles deveriam levar dezenas de anos para alcançar esse tamanho. Eles tinham os tais dentes palatais, como mostrados no filme, mas provavelmente tinham a língua bifurcada, como muitas cobras e lagartos nos dias atuais.

Pterossauros: Primeiramente, eles seriam muito mais coloridos. Em segundo lugar, a maioria das espécies de pterossauro, mesmo algumas bem grandes, como o Pteranodon, retratado no filme, não seriam capazes de levantar uma pessoa no ar. Eles eram relativamente frágeis e um soco bem dado seria capaz de esmigalhar o seu crânio, principalmente o de um Dimorphodon.

Dimorphodon tinha cerca de 1m de comprimento, no máximo, incluindo a cauda, e até 1,5m de envergadura alar. Seu crânio era mais estreito do que como foi apresentado no filme.

Pteranodon não tinham dentes (no filme ‘Jurassic Park III’ eles são retratados com dentes) e alcançavam até 5,5m de envergadura alar.

Por meio de diversos fósseis de pterossauros muito bem preservados, hoje sabemos que essas criaturas tinham o corpo coberto por estruturas semelhantes a pelos (o que, pelo menos para mim, os torna ainda mais assustadores).

Dimorphodon, por Mark Witton
Dimorphodon, por Mark Witton

É sempre bom aproveitar um filme que a gente gosta para falar um pouco de ciência. Não se chateie muito com as matérias sensacionalistas entrevistando paleontólogos, que acabaram criticando negativamente o filme por aí. Todo mundo sabe que toda série ‘Jurassic Park’ é uma ficção moldada pra o entretenimento. A questão é que os paleontólogos foram os nerds que deram um passo além ;)… E, não se pode deixar de dizer, que em respeito da mídia: uma polêmica vende muito mais do que um elogio.

A série ‘Jurassic Park’ continua sendo uma inspiração para muitos futuros cientistas.
Fique ligado na nossa próxima postagem: “Jurassic Park: a ficção que está inspirando a realidade”.

Sobre o(a/s) autor(a/es):

Aline é bióloga, especialista em paleontologia de vertebrados e criadora da rede de divulgação científica "Colecionadores de Ossos". Atualmente é professora adjunta de Paleontologia do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em Natal, RN.

3 comentários em “E se o DNA dos dinos de Jurassic World fosse 100% puro?”

  1. nessa Jurassic Park eu assistir tudo partes mais quase tudo errou e hoje começa eu ver novo no cinema Jurassic park ver talvez todos errou?

  2. essa ultima parte de 'todo mundo sabe q é um filme de ficção'' ta errada, eu ja cansei das criancinha vindo reclama de quando eu falava q o velociraptor nao tinha nada a ver com o do filme

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