O que nos dizem as rochas?

Por Rafael Gomes de Souza

Como já dizia Raul Seixas “aprendi aprendi aprendi o segredo da vida… vendo as pedras que choram sozinhas no mesmo lugar”. Embora a terminologia mais acurada nesse contexto fosse rocha, esta frase nunca foi tão verdadeira.

Mas afinal, o que é uma rocha? E uma pedra?
Bom, rochas seriam todos os produtos consolidados, resultante da união natural de minerais. Como, por exemplo, rochas sedimentares que são formadas pelo acúmulo de sedimentos (material sólido desagregado originário do intemperismo e com potencial a ser transportado e depositado) que por meio do processo diagenético são compactadas e modificadas se tornando produtos consolidados. Já as pedras são, também, materiais minerais consolidados formados em conjunto com as rochas e que, em geral, apresenta valor comercial, como diamante e ouro.

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Imagem ilustrando, em ordem, uma rocha ígnea, sedimentos de uma praia e uma pedra preciosa (diamante)

Bom tendo esses conceitos mais ou menos fichados na mente, agora finalmente podemos nos perguntar: “Qual a sua relação com a Paleontologia e o estudo da vida?

A ciência responsável por estudar as rochas desde sua origem até sua destruição e todos os processos relacionados a isso é conhecida como Geologia, enquanto que a ciência responsável por estudar todos os vestígios orgânicos nelas preservadas é conhecida como Paleontologia. Nesse contexto, fica evidente a interelação entre essas duas ciências.

Nessa postagem irei me restringir apenas à importância que a geologia tem para todos os estudos paleontológicos. No entanto, que fique claro, como falei acima, a paleontologia também presta grandes serviços para o entendimento da geologia como, por exemplo: o auxílio na datação de fácies pela bioestratigráfia; entendimento da formação de paleosolos; estudo de rochas biologicamente depositadas ou alteradas; entre outros…

Talvez a área mais importante da paleontologia e que tenha uma maior dependência do entendimento geológico seja a Tafonomia. A tafonomia foi inicialmente definida por Efremov (1940) como estudo das leis que governam a transição dos restos orgânicos da biosfera para a litosfera. Ou seja, trocando em miúdos, essa definição nos mostra que sua principal preocupação e entender os restos orgânicos que “sobreviveram” a decomposição e por meio de inúmeros processos. Ao fim destes processos tais materiais são transformados e preservados na forma de um material não mais orgânico e sim mineral, que pertence à litosfera. Esses materiais são por nós referidos como Fósseis. Na paleontologia definimos como fóssil todo e qualquer restos e vestígios (por exemplo, ossos de animais, troncos, folhas, ovos…) ou evidências de vida (por exemplo, pegadas, modificações em substratos rochosos pretéritos) do passado geológico com mais de 11.000 anos!

A maioria esmagadora dos fósseis encontra-se preservados em depósitos de rochas sedimentares, ou seja, bacias pretéritas que apresentavam um potencial de acúmulo de sedimentos por algum agente transportador como, por exemplo, rios, ventos, gravidade, ou vários fatores atuando em conjunto. Esses mesmos agentes transportadores também são responsáveis por acumular junto aos sedimentos restos orgânicos que após a diageneses serão reconhecidos como fósseis. Uma característica bem interessante das rochas é que elas guardam em si marcas de sua evolução deposicional, ou seja, rochas sedimentares cujos sedimentos foram provenientes de rios apresentaram inúmeras características em sua rocha que nos permitirá reconhece-la como tal. A geologia nos equipa com a habilidade de reconhecer tais características, como granulometria, composição química, sucessão de fácies, elementos arquiteturais e entre outros. Com tais ferramentas conseguiremos oferecer uma explicação bem suportada quanto ao paleoambiente responsável pela deposição de tal material sedimentar. Interpretações paleoambientais são extremamente relevantes no entendimento da preservação dos fósseis e do ambiente onde tais animais viveram antes de sua morte.

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Imagem mostrando o ambiente de rios meandrantes de alta sinuosidade e suas “marcas” deixadas pelos e em seus sedimentos depositados (Fonte: Ghazi & Mountney, 2009)

No entanto, tais bacias não são formadas pelo acaso muito menos os sedimentos que a preencheram. A geologia também nos mostra o quão dinâmico é nosso planeta! Hoje sabemos que as placas tectônicas estão em constante movimentação, devido às forças geotérmicas de nosso planeta. Toda essa movimentação é a principal responsável por elevar na forma de montanhas ou rebaixar na forma de bacias rochas depositadas na crosta terrestre. Além disso, a constante destruição e produção das placas tectônicas em suas regiões de falhas é uma das principais razões de perda do nosso registro geológico. Pois todas as rochas depositadas sobre uma placa são com elas destruídas caso volte ao manto do planeta. Outro fator extremamente importante para a dinâmica terrestre é a energia solar responsável por regular a pluviometria e a orientação/força dos ventos. Estes são agentes fundamentais para os processos de intemperismo e transporte de sedimentos. Sendo assim, o entendimento de tais dinâmicas e o ciclo das rochas a ela atreladas nos possibilitam entender e explicar as modificações que aconteceram na Terra ao longo dos anos. Dados muito importantes para entender a evolução da vida no planeta.

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Imagem esquematizando o ciclo das rochas (fonte: http://cienciasdavidaedaterra25.blogspot.com.br/2011/09/ciclo-das-rochas.html)

Portanto, respondendo a pergunta do título desta postagem e dando mais significado ao trecho da música de Raul Seixas, o estudo das rochas (geologia) nos possibilita acessar de diversas formas os eventos que aconteceram no passado e ficaram preservados. Graças a esse entendimento somos capazes de: reconhecer e entender a formação de um fóssil; interpretar e compreender os paleoambientes responsáveis pela deposição dos sedimentos hoje preservados na forma das rochas que estudamos; compreender a dinâmica do planeta Terra expressa pelo tectonismo e o ciclo das rochas; e, tantos outros tipos de dados e informações que abordaremos ao longo de outras postagens. De tal forma, o conjunto dessas informações nos possibilita compreender onde, como e quando certos organismos viveram na Terra, quais os ambientes que eles ocuparam e como tais ambientes juntamente com a Terra se modificaram ao longo do tempo!

Aproveito para desejar um Feliz dia do Paleontólogo a todo que os são de fato e aqueles que o são de coração!

Algumas bibliográficas para os interessados em prosseguir seus estudos:
CARVALHO, I.S. (2009). Paleontologia. 3a Edição, volumes 1, 2 e 3, Editora Interciência.

HOLZ, M. & Simões, M.G. (2002). Elementos fundamentais de Tafonomia. Editora da
UFRGS, 231p.

PRESS, F., SIEVER, R., GROTZINGER, J. & JORDAN, T.H. (2006). Para entender a Terra. Bookman, Porto Alegre.

TEIXEIRA, W. TOLEDO, M.C.M. DE, FAIRCHILD, T.R. & TAIOLI, F. (2000): Decifrando a Terra. Oficina de Textos, São Paulo.

Referências:

EFREMOV, J. A. (1940). Taphonomy: new branch of paleontology. PanAm, Geol., V. 74, p. 81-93.

GHAZI, S. & MOUNTNEY, N. P. (2009) Facies and architectural element analysis of a meandering fluvial succession: The Permian Warchha Sandstone, Salt Range, Pakistan. Sedimentary Geology, 221: 99-126.

 
 

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