Discutindo a nova filogenia dos dinossauros

Há algumas semanas, um estudo publicado na prestigiosa revista ‘Nature’ chamou a atenção do mundo e veio abalar as estruturas de um consenso secular na paleontologia de dinossauros. O estudo publicado na revista Nature foi desenvolvido por Baron (Universidade de Cambridge) e colaboradores, e contou com uma amostragem abrangente de espécies basais de dinossauros e outros Dinosauromorpha.

A novidade do estudo de Baron e colegas é que uma nova topologia para a árvore evolutiva dos dinossauros foi obtida, onde os dinossauros ornitísquios (que incluem desde os estegossauros até os dinossauros “bico de pato”, veja imagem a seguir) caem como grupo irmão dos dinossauros terópodes (grupo de dinossauros que inclui basicamente todos os dinossauros carnívoros), formando um clado denominado de ‘Ornithoscelida’. Esse resultado altera completamente o consenso tradicional sobre a evolução dos dinossauros, que colocava os dinossauros terópodes e sauropodomorfos (grupo dos dinossauros herbívoros de pescoço e cauda longa)  juntos, formando o clado clássico conhecido como Saurischia.

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Dinossauros ornitísquios. Arte de Franz Anthony (http://franzanth.com/).
Dinossauros terópodes. Arte de Franz Anthony.
Dinossauros terópodes. Arte de Franz Anthony.
Dinossauros sauropodomorfos. Arte de Franz Anthony.
Dinossauros sauropodomorfos. Arte de Franz Anthony.
Cladograma de acordo com a filogenia clássica dos dinossauros. Imagem por Darren Naish.
Cladograma de acordo com a filogenia clássica ou mais convencional dos dinossauros. Imagem por Darren Naish.
Cladograma ilustrando a filogenia proposta por Baron et al. (2017), separando os dinossauros terópodes e sauropodomorfos e sustentando o clado denominado de 'Ornithoscelida'. Imagem por Darren Naish.
Cladograma ilustrando a filogenia proposta por Baron et al. (2017), separando os dinossauros terópodes e sauropodomorfos e sustentando o clado denominado de ‘Ornithoscelida’ (Theropoda + Ornitischia). Imagem por Darren Naish.

A filogenia  tradicional dos dinossauros, que se sustenta há quase 130 anos, sempre partiu do princípio de que dinossauros terópodes e sauropodomorfos formavam um grupo monofilético, ou seja, que consistiam de um agrupamento verdadeiro, que reunia uma espécie ancestral e todos os seus descendentes.

Apesar do trabalho de Baron desafiar a proposta convencional das relações evolutivas dos dinossauros, o ordenamento que ele propõe em seu artigo não é muita novidade. Propostas alternativas, incluindo essa de Ornithoscelida, sempre existiram e foram consecutivamente testadas ao longo do tempo.  O que acontece é que, nos últimos anos, novas espécies de dinossauros basais foram descobertas e descritas e pudemos ter acesso a novas informações sobre como se deu o seu processo evolutivo  de certos aspectos morfológicos dos dinossauros. Isso deu mais resolução à nossa compreensão sobre a evolução desse grupo. O que Baron fez foi reunir essa informação em uma ampla matriz de dados morfológicos e testá-la. O resultado foi que, com a nova amostragem de táxons basais de dinossauros, o arranjo filogenético que melhor explica o que observamos é a união de Theropoda e Ornithischia em um mesmo grupo: Ornithoscelida.

As grandes propostas alternativas sobre a evolução de Dinosauria.
As grandes propostas alternativas sobre a evolução de Dinosauria.
Já posso queimar toda a minha bibliografia sobre dinossauros? Foto de Darren Naish.

Não preciso nem dizer que isso causou um reboliço na paleontologia e uma acalorada discussão entre paleontólogos, né?

Mas, calma, você não precisa sair por aí queimando todos os seus livros sobre dinossauros. Toda nova proposta que muda drasticamente uma ideia merece ser testada e reavaliada antes de definitivamente adotada.

Com a ascensão desse trabalho, vários paleontólogos do mundo todo se reuniram para analisar minuciosamente a matriz de dados morfológicos usada por Baron e colegas. Há muito tempo precisávamos de uma amostragem abrangente, incluindo mais táxons basais de Ornithischia e isso o trabalho de Baron tem de positivo! Porém, onde aparentemente o trabalho de Baron falha, é na matriz de dados em si. Muitos colegas paleontólogos do mundo têm apontado falhas na codificação da matriz filogenética apresentada no estudo publicado na Nature, e eles já estão trabalhando em uma réplica. Nos próximos meses, uma publicação reunindo paleontólogos de diversas nacionalidades deverá ser publicada reavaliando a matriz de dados de Baron.

“Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias” Carl Sagan

A hipótese de Ornithoscelida não pode ser totalmente desconsiderada, já que a topologia filogenética obtida por Baron e colaboradores explica muito bem a distribuição de alguns caracteres morfológicos em dinossauros. O caracter mais claro para exemplificar essa questão talvez seja a presença de estruturas tegumentárias (i.e. penas e estruturas similares à penas) tanto em Ornithischia quanto em Theropoda. Estruturas as quais ainda não foram encontrada em fósseis de Sauropodomorpha (o que não significa que eles definitivamente não as possuíam!!!).

Fóssil de Psittacosaurus, um dinossauro Ornithischia, com estruturas tegumentárias possivelmente homólogas às penas.
Fóssil de Psittacosaurus, um dinossauro Ornithischia, com estruturas tegumentárias possivelmente homólogas às penas encontradas em dinossauros terópodes.

Alguns paleontólogos argumentam que, apesar de explicar bem a distribuição de alguns caracteres, essa proposta filogenética não sustenta tão bem outras questões anatômicas muito importantes, como a pneumaticidade nos ossos, observada tanto em Theropoda como em Sauropodomorpha – mas não em Ornithischia -, ou mesmo o clássico formato do quadril trirradiado.

A questão, pelo visto, continuará sendo quais caracteres morfológicos evoluíram independentemente ou não…

Presença/ausência de pneumaticidade óssea em Ornithodira.
Presença/ausência de pneumaticidade óssea em Ornithodira.
Pneumticidade em vértebra de um dinossauro terópode. Característica também presente em Sauropodomorpha.
Pneumticidade em vértebra de um dinossauro terópode. Característica também presente em Sauropodomorpha.

Outra grande crítica ao trabalho de Baron foi que a sua proposta filogenética aponta a origem dos dinossauros como sendo europeia, o que para a grande maioria dos paleontólogos não faz sentido algum.

A lição maior do trabalho de Baron é que ainda temos muito o que investir no estudo de dinossauros basais. Vamos aguardar o trabalho sobre a revisão da matriz de dados que sustenta Ornithoscelida ser publicado e torcer para novas descobertas de dinossauros basais sejam feitas!

Assista o vídeo sobre essa questão em nosso canal. Entrevistamos o paleontólogo argentino Diego Pol, um dos especialistas envolvidos na re-avaliação da matriz de dados do trabalho de Baron:

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Leia mais sobre o assunto:

TetZoo: https://blogs.scientificamerican.com/tetrapod-zoology/ornithoscelida-rises-a-new-family-tree-for-dinosaurs/
Theropoda Blog: http://theropoda.blogspot.com.br/2017/03/ornithoscelida-20-saurischian-paraphyly.html
The Theropoda Database Blog:
1)https://theropoddatabase.blogspot.com.br/2017/03/ornithoscelida-lives.html
2) https://theropoddatabase.blogspot.com.br/2017/03/ornithoscelida-tested-adding-taxa-and.html

Referências:

Baron, M. G., Norman, D. B. & Barrett, P. M. 2017. A new hypothesis of dinosaur relationships and early dinosaur evolution. Nature doi:10.1038/nature21700

Sobre o(a/s) autor(a/es):

Aline é bióloga, especialista em paleontologia de vertebrados e criadora da rede de divulgação científica "Colecionadores de Ossos". Atualmente é professora adjunta de Paleontologia do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em Natal, RN.

2 comentários em “Discutindo a nova filogenia dos dinossauros”

  1. Muito bom! Sou pesquisador e me senti estimulado a fazer divulgação desta forma. Só não sei se terei tanto talento. Foi objetiva, didática...Eu encontrei o blog durante uma pesquisa para trabalho escolar dos meus filhos. Parabéns!
    Leandro Travassos, Rio de Janeiro

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