Os terópodes são um grupo de dinossauros que surgiu há mais de 200 milhões de anos e habitam todos os continentes ainda hoje. Eles são conhecidos por suas adaptações que os tornaram os mais rápidos e aerodinâmicos de todos os dinossauros. Uma das principais características que contribuíram pra sua agilidade e resistência foi o sistema de sacos aéreos, que permitiu uma respiração mais eficiente e a capacidade de invadir os ossos do esqueleto com câmaras pneumáticas. Esse sistema é fundamental para entender a evolução dos terópodes e sua adaptação pra estes diferentes ambientes.
Hoje vamos falar sobre nosso artigo recente que desvendou um mistério sobre a evolução dos dinossauros terópodes. Este artigo, publicado na revista Journal of Anatomy, investiga a evolução do sistema de sacos aéreos em terópodes, esse grupo de dinossauros que inclui os mais longevos e os únicos que sobreviveram até hoje, na forma das aves.
Recentemente, pesquisadores descobriram que o sistema de sacos aéreos evoluiu pelo menos três vezes de forma independente nos avemetatarsalianos, um grupo que inclui pterossauros, saurópodes e terópodes. Enquanto os saurópodes apresentam uma arquitetura pneumatizada complexa em suas vértebras, os terópodes ainda são menos compreendidos nesse aspecto.
Nesse estudo, nós analisamos o esqueleto axial de dois dinossauros terópodes: Majungasaurus, um ceratosauriano, e Rahonavis, um paraviano. Ambos foram encontrados na Formação Maevarano, no norte da Madagascar, durante expedições realizadas nos últimos 30 anos. Nossa equipe utilizou a tomografia computadorizada desses fósseis pra detectar padrões de pneumatização nos ossos e comparar com outros grupos de terópodes.
O estudo revelou que o Majungasaurus, um dinossauro cuja linhagem se encontra mais próxima à origem dos terópodes, apresenta algumas vértebras com espinhos neurais e centros sem pneumaticidade. Isso sugere que a pneumatização nos terópodes pode ter evoluído de forma diferente da observada nos saurópodes. Por outro lado, Rahonavis, um paraviano próximo aos raptores e das aves, apresenta uma pneumatização mais complexa, o que pode ter proporcionado vantagens em voos e escaladas.
Comparando com outros dinossauros terópodes representantes dos grandes grupos, é possível observar um aumento na pneumaticidade e na complexidade destas estruturas desde o Majungasaurus até as cegonhas de hoje em dia.
A compreensão da evolução do sistema de sacos aéreos nos terópodes tem implicações para a biologia evolutiva e para a paleontologia. Ela pode ajudar a elucidar como os dinossauros se adaptaram a diferentes ambientes e como essas adaptações influenciaram na sua sobrevivência. Além disso, futuros estudos sobre os primeiros terópodes vão poder fornecer mais informações sobre a evolução deste sistema.
Essa pesquisa foi financiada pela Fundação Norte-Rio-Grandense de Pesquisa e Cultura, e pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Vídeo do nosso canal sobre esta pesquisa:
Bibliografia:
Aureliano, T., Almeida, W., Rasaona, M., & Ghilardi, A. M. 2024. The evolution of the air sac system in theropod dinosaurs: Evidence from the Upper Cretaceous of Madagascar. Journal of Anatomy. Link: https://doi.org/10.1111/joa.14113
Poucos imaginariam que um dinossauro do tamanho de um ganso desencadearia uma das maiores polêmicas da Paleontologia nos últimos anos. Para bem ou para mal, “Ubirajara jubatus” tem chamado a atenção como poucos fósseisna história da Paleontologia.
Quando foi revelado ao mundo no dia 13 de dezembro de 2020, “Ubirajara jubatus” deveria ter sido visto como uma descoberta interessante do ponto de pista científico, pois tratava-se do primeiro dinossauro não-aviano com penas do Hemisfério do Sul. Contudo, a sua importância foi rapidamente ofuscada por um emaranhado de problemas éticos e legais. O estudo de “Ubirajara” representa um típico caso de colonialismo científico: um fóssil brasileiro que foi parar de maneira suspeita num museu alemão (Museu Estadual de História Natural de Karlsruhe) e uma pesquisa feita exclusivamente por cientistas estrangeiros.
O conceito de colonialismo científico foi definido em 1967 por Johann Galtung como “o processo pelo qual o centro de adquisição do conhecimento sobre uma nação está fora a própria nação”. Isto se aplica ainda à Paleontologia de vários países, cujas pesquisas, em pleno século XXI, são predominantemente feitas por estrangeiros.
Além do Brasil, países como China, Mongólia, Marrocos, República Dominicana e Myanmar, têm estado na mira, tanto de traficantes de fósseis, como de pesquisadores sem escrúpulos. Os fósseis atraem a curiosidade do público e são um valioso recurso em muitos aspectos: científico, educacional, cultural e até econômico, gerando turismo e beneficiando o comércio local. Porém, todos estes benefícios ficam num país estrangeiro, quando os fósseis são levados (legal ou ilegalmente) ao exterior e terminam estudados por equipes de outros países, o que cria dependência científica e perpetua desigualdades sociais.
No Brasil, assim como em toda a América Latina e na maior parte dos países do mundo, os fósseis pertencem legalmente à Nação onde são encontrados. Durante décadas, contudo, milhares de fósseis têm saído ilegalmente da região do Araripe, no Nordeste do Brasil, região muito rica em termos paleontológicos, mas com um baixo índice de desenvolvimento humano. Estes fósseis são adquiridos a preços irrisórios por estrangeiros, chegam ilegalmente a feiras e leilões na Europa e terminam em coleções privadas ou em museus estrangeiros.
Centenas destes fósseis no exílio têm sido estudados por cientistas estrangeiros de maneira impune nas últimas décadas. Este problema é mais do que conhecido pela comunidade científica brasileira, porém estamos acostumados a que as nossas vozes não sejam escutadas no exterior. Problema que não enfrentam, por exemplo, os autores do estudo de “Ubirajara ” e de vários outros fósseis extraídos irregularmente do Brasil. Eberhard Frey (ex-curador da coleção de vertebrados do museu onde ainda hoje está “Ubirajara”) era, até 2021, nada menos que o presidente da Associação Europeia de Paleontologia de Vertebrados (EAVP, sigla em inglês), enquanto que David Martill, também autor do estudo de “Ubirajara”, publicou um artigo defendendo abertamente que os paleontólogos desrrespeitem as leis locais.
É uma luta que sempre tem sido desigual. Porém, desta vez foi diferente. Estamos na era das redes sociais, da comunicação científica online e das hashtags. O uso de hashtags como #BlackLivesMatter e #MeToo têm mostrado que as redes sociais podem unir esforços em torno de uma causa. #UbirajaraBelongstoBR (Ubirajara pertence ao Brasil), criada no Twitter pela paleontóloga e divulgadora científica Aline Ghilardi, se espalhou como fogo na internet, poucas horas após a notícia do novo dinossauro. No Youtube, foram feitas várias lives denunciando o caso, uma delas, pediu ao público pra desenhar “Ubirajara” e protestar nas redes usando a hashtag #UbirajaraBelongstoBR. Em poucos dias este era o dinossauro mais desenhado do mundo: artistas, crianças e público geral participavam da campanha. O ruído produzido foi tão alto que em duas semanas a revista Cretaceous Research retirou a pesquisa do ar e anunciou que investigava o caso.
Em setembro de 2021, o museu de Karlsruhe contra-atacou, publicando no Instagram um comunicado no qual afirmavam que o dinossauro Ubirajara era ‘propriedade do estado de Baden-Württemberg’ e que não seria devolvido ao Brasil. Em poucos dias acumularam-se mais de 10 mil comentários pouco amigáveis de brasileiros usando a hashtag #UbirajaraBelongstoBR. O museu teve que desativar a sua conta no Instagram. Poucos dias depois, a revista Science revelou que “Ubirajara” foi importado pela Alemanha em 2006 por uma empresa privada e, então, comprado pelo Museu Estadual de Historia Natural de Karlsruhe, em 2009, o que contradizia a alegação de Eberhard Frey, que afirmava tanto que ele mesmo tinha transportado o fóssil para Alemanha em 1995, portando uma suposta autorização do governo brasileiro.
No 15 de novembro de 2021, publicamos uma carta na revista Nature Ecology and Evolution, na qual explicamos os problemas legais e éticos envolvendo não só “Ubirajara”, mas vários outros fósseis que encontravam-se no museu de Karlsruhe e em outros museus do país. Enviamos essa carta à ministra de Ciência e Cultura do estado alemão de Baden-Württemberg e, um mês depois, ela nos respondeu prometendo investigar o caso e tomar ações contra os responsáveis.
Eberhard Frey aposentou-se prematuramente em 2022 e Norbert Lenz, também autor do estudo e diretor do museu, foi removido do seu cargo em julho de 2022.
No momento em que estas linhas são escritas, seguimos esperando pela repatriação, não só do dinossauro “Ubirajara”, mas de centenas de outros fósseis que se encontram irregularmente em Karlsruhe e em outros museus da Alemanha. Aconteça o que acontecer, a Ciência não será a mesma após este caso. “Ubirajara” está já no salão da fama dos maus exemplos na Paleontologia, junto a Archaeoraptor e ao Homem de Piltdown.
Estudo publicado nesta quarta-feira (26/06/19) na revista Scientific Reports, do grupo Nature, apresenta uma nova espécie de dinossauro brasileiro, que viveu no Período Cretáceo, há cerca de 90 milhões de anos.
O fóssil foi encontrado no município de Cruzeiro do Oeste, PR, e foi estudado por paleontólogos das universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Maringá (UEM), além de pesquisadores do Museo Argentino de Ciências Naturales e do Museu de Paleontologia de Cruzeiro do Oeste. A nova espécie foi nomeada Vespersaurus paranaensis.
Vesper (do latim) significa oeste/entardecer, em referência ao nome da cidade onde foi descoberto o fóssil, e paranaensis faz uma homenagem ao Estado do Paraná, já que este é o primeiro dinossauro paranaense descrito.
Os fósseis da nova espécie de dinossauro pertencem a um grupo de dinossauros carnívoros chamados de Noasaurinae. Os Noasaurinae são abelissauros diferentões, de pequeno porte, encontrados desde a Argentina até Madagascar (com possíveis registros na Índia). Estes terópodes viveram em uma época em que os continentes do sul ainda estavam unidos, formando o Gondwana, e transitavam de um lado para o outro, cruzando um imenso deserto que existia entre o Brasil e a África.
Restos de Noasaurinae já eram conhecidos para o Brasil (veja Lindoso et al., 2012 e Brum et al., 2016), mas este é o material mais completo encontrado até o momento. É também o material mais completo de dinossauro terópode descrito para o Brasil até agora, com quase metade do esqueleto encontrado.
O novo dinossauro possuía vértebras pneumáticas, que conferiam leveza ao seu esqueleto, como nas aves viventes, e um braço muito reduzido (com menos da metade do comprimento da perna). Porém, a sua característica anatômica mais peculiar eram os pés. Seu peso era praticamente todo suportado por um único dedo central, sendo o animal funcionalmente monodáctilo, como os cavalos. Os dedos que flanqueavam o dígito central, por sua vez, possuíam grandes garras em forma de lâmina, que deveriam servir para cortar e raspar carne.
As rochas do noroeste paranaense, nas quais Vespersaurus foi preservado formaram-se em ambientes desérticos, o que sugere que o animal deveria ser adaptado a esse tipo de clima. Na década de 70, em rochas relacionadas, o paleontólogo Giuseppe Leonardi descobriu uma ampla assembleia de pegadas fósseis. Algumas, feitas por um pequeno dinossauro bípede, carnívoro, aparentemente monodáctilo. À época não se conhecia nenhum animal com tais características ao qual elas pudessem ser atribuídas. Muito tempo depois, o produtor parece ter sido encontrado.
Vespersaurus paranaensis não é primeira espécie cretácica a ser encontrada no noroeste do Paraná. No mesmo sítio fossilífero em Cruzeiro do Oeste foram descobertos também o lagarto Gueragama sulamericana e inúmeros indivíduos do pterossauro Caiuajara dobruskii. A descoberta de mais uma espécie fóssil em Cruzeiro do Oeste deve impulsionar as pesquisas paleontológicas na região.
Veja o artigo:
Langer et al., 2019. A new desert-dwelling dinosaur (Theropoda, Noasaurinae) from the Cretaceous of south Brazil. Scientific Reports https://www.nature.com/articles/s41598-019-45306-9
Demais referências:
Brum, A.S., Machado, E.B., de Almeida Campos, D. and Kellner, A.W.A., 2016. Morphology and internal structure of two new abelisaurid remains (Theropoda, Dinosauria) from the Adamantina Formation (Turonian–Maastrichtian), Bauru Group, Paraná Basin, Brazil. Cretaceous Research, 60, pp.287-296.
Lindoso, R.M., Medeiros, M.A., de Souza Carvalho, I. and da Silva Marinho, T., 2012. Masiakasaurus-like theropod teeth from the Alcântara Formation, São Luís Basin (Cenomanian), northeastern Brazil. Cretaceous Research, 36, pp.119-124.
Recentemente uma nova publicação causou uma acalorada discussão entre amantes dos dinossauros na internet. Trata-se de um assunto muito mais polêmico que mamilos. Claro, só poderíamos estar falando de PENAS em dinossauros. Ou talvez, nesse caso, a ausência delas.
No início do mês Phill Bell e colaboradores, incluindo os Phill Currie, Robert Bakker e Pete Larson (alguns paleontólogos de renome na área), publicaram um artigo na revista Biology Letters intitulado “Tyrannosauroid integument reveals conflicting patterns of gigantism and feather evolution“, ou, traduzindo: “O integumento de tiranosauróides revela um padrão conflituoso entre gigantismo e a evolução das penas”. Esse artigo foi amplamente noticiado pela mídia geral e foi justamente a causa de uma grande reviravolta na internet. Em especial, entre fãs de dinossauros (e, mais significativamente, entre aqueles fanáticos por Jurassic Park).
Obviamente, esse foi mais um caso em que a mídia leiga deitou e rolou. Dinossauros… tiranossauro… e penas. Ingredientes mágicos pra escrever besteiras vender notícias/atrair leitores! Um monte de gente que simplesmente não entende nada desses assuntos resolveu escrever sobre isso e pipocaram manchetes como: “O Tiranossauro não tinha penas!”, “Tiranossauro era coberto de escamas, como um lagarto” ou “Jurassic Park estava certo!”. É claro que o corpo das notícias não foi melhor do que isso.
Um efeito em cadeia teve início e monte de outras pessoas prontamente compartilhou (sem ler, claro) nas redes sociais a notícia. Uma parte dessas mesmas pessoas, então, começou a advogar a manchete jornalística como a descoberta paleontológica do ano e a verdade definitiva sobre os tiranossauros.
Quando abri minha linha do tempo no Facebook, ela se parecia com isso:
Depois de me inteirar sobre o assunto, mais uma vez lamentei sobre como uma divulgação mal feita de um resultado de estudo científico pode ser danosa. Um artigo tão legal, sendo mal compreendido e passando a ser usado quase como um “argumento bíblico” por algumas pessoas que não querem, de forma alguma, se desapegar de ideias ultrapassadas. Foi um verdadeiro desfile de falácias. E é por isso que viemos tentar esclarecer um pouquinho esse assunto!
Para não propagar a injustiça, seguem aqui algumas fotos e o link do artigo para quem tiver interesse em ler sobre o assunto:
Agora, quanto às penas em tiranossauros, é importante começar desde já dizendo que, de tudo que o artigo diz, a única coisa que ele NÃO diz é que tiranossauros não tinham penas. Pronto, falei. Pois é, poderíamos encerrar a postagem aqui.
O que o artigo trás, na verdade, é adescrição formal de algumas impressões de pele com evidências de escamas em certas partes do corpo de diferentes espécies de tiranossaurídeos (incluindo Tyrannosaurus rex, Daspletosaurus, Tarbosaurus, Gorgosaurus e Albertosaurus) e, a partir disso, os autores discutem a possibilidade de uma evolução paralela dessas espécies gigantes mais tardias, em relação às espécies de tiranossauróides emplumados mais basais (considere aqui os penosos asiáticos Yutyrannus e Dilong – clique nos nomes para acessar os artigos originais com imagens dos fósseis). Basicamente, o que os autores argumentam, é que as espécies tardias (a maior parte de depósitos da América do Norte) não teriam uma extensa cobertura de penas como os tiranossauróides basais chineses (NÃO QUE ELES NÃO POSSUIAM PENAS!). A justificativa principal do artigo é que a evolução do gigantismo poderia ter desfavorecido a manutenção de uma extensa cobertura de penas em Tyrannosaurus rex, Daspletosaurus, Tarbosaurus, Gorgosaurus e Albertosaurus. Os autores justificam sua hipótese alegando uma suposta redução na importância das penas na manutenção de calor corpóreo devido à:
1) Homeotermia inercial por gigantismo (i.e. inércia térmica);
2) Uma hipotética atividade metabólica mais alta em algumas espécies tardias ou;
3) A ocupação de ambientes com pressões seletivas distintas. As espécies asiáticas mais basais, por exemplo, habitavam regiões mais florestadas.
Todas argumentações muito pertinentes, que implicam necessariamente na reversão (ou modificação) de um caráter basal do grupo, que É a presença de uma extensa cobertura de penas (veja a figura abaixo). Os autores deixam em aberto a questão sobre se as escamas de espécies mais derivadas seriam ou não produto de uma modificação das penas primitivas observadas em Yutyrannus e Dilong, já que as escamas em Aves atuais não são homólogas às escamas ‘reptilianas’ (ou seja, não têm a mesma origem embrionária), mas sim são resultado de penas modificadas.
Os autores concluem o artigo da seguinte forma:
“Our results, therefore, reveal an intriguing counterintuitive pattern between size and integumentary evolution within Tyrannosauroidea that can only be tested by future fossil discoveries.” – “Nossos resultados, portanto, revelam um intrigante padrão contraintuitivo entre tamanho e evolução tegumentar dentro de Tyrannosauroidea que só pode ser testado por futuras descobertas de fósseis.”
A última frase resume tudo. Uma proposta que somente poderá ser testada com futuras (e melhores ou mais completas) descobertas de fósseis.
Ótimo. Agora que ficou claro tudo o que o artigo quer dizer e aquilo que ele não quer dizer, existem algumas outras coisas que podem ter sido mal interpretadas nele. A primeira, e mais importante, é a imagem sobre as impressões de pele com escamas (figurada alguns parágrafos acima). A imagem dá a impressão – errada! – de que as regiões ‘escamosas’ sinalizadas foram encontradas todas em um mesmo indivíduo/espécime ou que foram encontradas em diferentes fósseis de uma mesma espécie (no caso, como amplamente argumentado por quem não leu o artigo direito: Tyrannosaurus rex). Mas não, ela reúne todas as evidências de impressões de peles das VÁRIAS espécies citadas no texto (veja esta imagem que demonstra mais honestamente o que conhecemos sobre o tegumento de Tyrannosaurus rex,Tarbosaurus e Albertosaurus, respectivamente – de cima para baixo).
São conhecidas apenas pequenas áreas preservadas de pele para cada espécie, o que nem de longe justifica que o padrão escamoso observado possa ser extrapolado para o corpo inteiro do animal/dos animais. Desde quando, por exemplo, a imagem ao lado seria uma justificativa para avestruzes serem escamosos?
A ausência de penas em algumas partes do corpo do animal não é uma evidência suficiente para afirmarmos que todo o animal era (ou a maior parte dele era) escamoso.
Agora, o oposto (ou seja, que penas estavam presentes nesses organismos, mesmo que ainda não tenhamos encontrado evidências diretas da sua presença) se pode afirmar com certo embasamento lógico. Por quê?!
É importante compreender um princípio básico da Ciência, aqui adaptado à Biologia Evolutiva: é mais parcimonioso supor que um caracter (no caso, penas) se manteve ao longo da evolução de um grupo de organismos, do que que ele tenha sido perdido, revertido ou alterado em linhagens sucessivas. Da mesma forma, por inferência com base nos parentes mais proximamente relacionados, – mais basais ou derivados – (phyllogenetic bracketing), é mais parcimonioso afirmar que as penas estavam presentes em Tyrannosauridae do que que estivessem ausentes.
Não vou nem me estender muito, mas ainda existem ainda outras questões não discutidas no artigo, como a ação de aspectos tafonômicos, que causam desvios preservacionais no registro fossilífero. Inúmeras adversidades naturais (ação de decompositores, exposição prolongada da carcaça, aspectos geoquímicos da fossilização, etc.) poderiam ter desfavorecido a preservação de penas. Os tipos de depósito em que as espécies mais tardias (de Tyrannosauridae) são encontradas, são bastante diferentes do de Dilong e Yutyrannus, que pelas condições de preservação excepcionais pode ser considerado um lagerstätte.
Aos paleobiólogos interessa ainda investigarem possíveis variações ontogenéticas (é provável que em estágios mais juvenis, Tyrannosauridae tivessem uma cobertura mais extensa de penas); e geográficas (espécies de latitudes mais altas apresentariam esse mesmo padrão sugerido no artigo?).
Mais uma vez: o que o artigo de Bell e colaboradores quis dizer, apenas, é que a cobertura de penas nas espécies de Tyrannosauridae citadas no artigo (Tyrannosaurus rex, Daspletosaurus, Tarbosaurus, Gorgosaurus e Albertosaurus) provavelmente seria mais restrita do que em espécies mais basais, de Tyrannosauroidea, e outros Coelurosauria. Não que elas estivessem definitivamente ausentes! Aceitem: a presença de penas (seja lá em qual extensão pelo corpo) em Coelurosauria (Eumaniraptora, Oviraptorosauria, Therezinosauroidea, Alvarezsauridae, Ornithomimosauria, Compsognathidae e Tyrannosauroidea) já não é mais um assunto em discussão. É um fato amplamente aceito por paleontólogos especialistas em dinossauros.
Fãs de Jurassic Park, por favor, não deixem a emoção sobrepor a razão! E aos outros fãs de dinossauros: leiam sempre os artigos originais ou procurem fontes confiáveis de informação.
Há algumas semanas, um estudo publicado na prestigiosa revista ‘Nature’ chamou a atenção do mundo e veio abalar as estruturas de um consenso secular na paleontologia de dinossauros. O estudo publicado na revista Nature foi desenvolvido por Baron (Universidade de Cambridge) e colaboradores, e contou com uma amostragem abrangente de espécies basais de dinossauros e outros Dinosauromorpha.
A novidade do estudo de Baron e colegas é que uma nova topologia para a árvore evolutiva dos dinossauros foi obtida, onde os dinossauros ornitísquios (que incluem desde os estegossauros até os dinossauros “bico de pato”, veja imagem a seguir) caem como grupo irmão dos dinossauros terópodes (grupo de dinossauros que inclui basicamente todos os dinossauros carnívoros), formando um clado denominado de ‘Ornithoscelida’. Esse resultado altera completamente o consenso tradicional sobre a evolução dos dinossauros, que colocava os dinossauros terópodes e sauropodomorfos (grupo dos dinossauros herbívoros de pescoço e cauda longa) juntos, formando o clado clássico conhecido como Saurischia.
A filogenia tradicional dos dinossauros, que se sustenta há quase 130 anos, sempre partiu do princípio de que dinossauros terópodes e sauropodomorfos formavam um grupo monofilético, ou seja, que consistiam de um agrupamento verdadeiro, que reunia uma espécie ancestral e todos os seus descendentes.
Apesar do trabalho de Baron desafiar a proposta convencional das relações evolutivas dos dinossauros, o ordenamento que ele propõe em seu artigo não é muita novidade. Propostas alternativas, incluindo essa de Ornithoscelida, sempre existiram e foram consecutivamente testadas ao longo do tempo. O que acontece é que, nos últimos anos, novas espécies de dinossauros basais foram descobertas e descritas e pudemos ter acesso a novas informações sobre como se deu o seu processo evolutivo de certos aspectos morfológicos dos dinossauros. Isso deu mais resolução à nossa compreensão sobre a evolução desse grupo. O que Baron fez foi reunir essa informação em uma ampla matriz de dados morfológicos e testá-la. O resultado foi que, com a nova amostragem de táxons basais de dinossauros, o arranjo filogenético que melhor explica o que observamos é a união de Theropoda e Ornithischia em um mesmo grupo: Ornithoscelida.
Não preciso nem dizer que isso causou um reboliço na paleontologia e uma acalorada discussão entre paleontólogos, né?
Mas, calma, você não precisa sair por aí queimando todos os seus livros sobre dinossauros. Toda nova proposta que muda drasticamente uma ideia merece ser testada e reavaliada antes de definitivamente adotada.
Com a ascensão desse trabalho, vários paleontólogos do mundo todo se reuniram para analisar minuciosamente a matriz de dados morfológicos usada por Baron e colegas. Há muito tempo precisávamos de uma amostragem abrangente, incluindo mais táxons basais de Ornithischia e isso o trabalho de Baron tem de positivo! Porém, onde aparentemente o trabalho de Baron falha, é na matriz de dados em si. Muitos colegas paleontólogos do mundo têm apontado falhas na codificação da matriz filogenética apresentada no estudo publicado na Nature, e eles já estão trabalhando em uma réplica. Nos próximos meses, uma publicação reunindo paleontólogos de diversas nacionalidades deverá ser publicada reavaliando a matriz de dados de Baron.
“Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias” Carl Sagan
A hipótese de Ornithoscelida não pode ser totalmente desconsiderada, já que a topologia filogenética obtida por Baron e colaboradores explica muito bem a distribuição de alguns caracteres morfológicos em dinossauros. O caracter mais claro para exemplificar essa questão talvez seja a presença de estruturas tegumentárias (i.e. penas e estruturas similares à penas) tanto em Ornithischia quanto em Theropoda. Estruturas as quais ainda não foram encontrada em fósseis de Sauropodomorpha (o que não significa que eles definitivamente não as possuíam!!!).
Alguns paleontólogos argumentam que, apesar de explicar bem a distribuição de alguns caracteres, essa proposta filogenética não sustenta tão bem outras questões anatômicas muito importantes, como a pneumaticidade nos ossos, observada tanto em Theropoda como em Sauropodomorpha – mas não em Ornithischia -, ou mesmo o clássico formato do quadril trirradiado.
A questão, pelo visto, continuará sendo quais caracteres morfológicos evoluíram independentemente ou não…
Outra grande crítica ao trabalho de Baron foi que a sua proposta filogenética aponta a origem dos dinossauros como sendo europeia, o que para a grande maioria dos paleontólogos não faz sentido algum.
A lição maior do trabalho de Baron é que ainda temos muito o que investir no estudo de dinossauros basais. Vamos aguardar o trabalho sobre a revisão da matriz de dados que sustenta Ornithoscelida ser publicado e torcer para novas descobertas de dinossauros basais sejam feitas!
Assista o vídeo sobre essa questão em nosso canal. Entrevistamos o paleontólogo argentino Diego Pol, um dos especialistas envolvidos na re-avaliação da matriz de dados do trabalho de Baron:
Baron, M. G., Norman, D. B. & Barrett, P. M. 2017. A new hypothesis of dinosaur relationships and early dinosaur evolution. Naturedoi:10.1038/nature21700