Todos os posts de Aline Ghilardi

Aline é bióloga, especialista em paleontologia de vertebrados e criadora da rede de divulgação científica "Colecionadores de Ossos". Atualmente é professora adjunta de Paleontologia do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em Natal, RN.

O contrabando de fósseis e o que perdemos com isso

Recentemente foi veiculada na televisão a apreensão de um lote de fósseis brasileiros pela Polícia Federal dos Estados Unidos (FBI) (veja a notícia aqui), cujo contrabando envolvia até mesmo geólogos e outros profissionais da área. Poucos meses antes, foi noticiada a devolução de *mais de 3 mil* fósseis que seriam levados para fora do país ilegalmente (veja a notícia aqui), sendo que entre eles haviam até mesmo possíveis espécies novas para a ciência. Isso sem contar as dezenas de fósseis brasileiros vendidos pela internet em sites como E-bay e até mesmo o Mercado Livre (veja AQUI, AQUI e AQUI).

fosseis apreendidos policia federal

Qual a melhor atitude a se tomar quando você se deparar com qualquer atividade que envolva o comércio de fósseis brasileiros?

DENUNCIAR.

Fósseis são pedaços da memória biológica do nosso planeta. São, literalmente, fragmentos da vida do passado que se preservaram na forma de rochas. Como figurinhas em um álbum de histórias gigantesco e complexo, os fósseis nos contam a saga da evolução da vida. Cada depósito fossilífero (como o Araripe, por exemplo, de onde a maioria dos fósseis brasileiros traficados são retirados) contêm um capítulo dessa história. Portanto, compreendê-los bem e preservá-los é de importância fundamental para que a crônica toda faça sentido.

Os depósitos fossilíferos, todavia, são finitos. Seus fósseis não são recursos renováveis. O que significa que no dia em que acabarem, acabou para sempre, e nesse momento ter-se-ão perdido não só dados científicos sobre um determinado período de tempo da história da vida no nosso planeta, mas um recurso que, se tivesse sido melhor administrado, poderia ter gerado lucros contínuos para sua região de origem.

Como assim gerar lucros contínuos?

O lucro que as pessoas geram com o comércio (ilegal!) de fósseis é temporário (e arriscado!). Quando esse recurso acabar, acabou a entrada de dinheiro e ponto. Com a extração controlada e o encaminhamento dos fósseis para museus e universidades locais ou regionais, além de ajudar o desenvolvimento educacional e científico da população (o que culmina em melhores condições de vida e melhores oportunidades para essa comunidade), o turismo atraído pelos museus e parques paleontológicos pode gerar renda direta e indireta para a região.

Como assim? Ora, para sustentar a visitação é necessária uma rede de hotéis, pousadas, restaurantes, atrações turísticas, lojas de artesanato, pequenos comércios, da qual TODA a população sai ganhando e de forma contínua e sustentável. Resumindo: é um negócio muito melhor em longo prazo. De tabela, parte da história da vida no planeta vai estar sendo preservada para as futuras gerações conhecerem, apreciarem e estudarem.

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Ainda não entendeu? Vou desenhar.

VALE A PENA preservar o patrimônio paleontológico nacional. Países ditos de primeiro mundo são recheados de museus de história natural e muitos lucram com os nossos fósseis nas paredes e vitrines. As pessoas QUEREM ver fósseis, pois são coisas que despertam a curiosidade. Poderíamos há décadas estar recebendo os benefícios dos museus e parques paleontológicos, mas ainda nos comportamos como colonizados e nos vendemos por muito pouco.

Museus não caem do céu, é necessário um esforço conjunto. O esforço começa preservando o patrimônio. Se não houverem mais fósseis, como haverá museus?

É importante se engajar nessa batalha. Denuncie o comércio ilegal de fósseis (denúncias devem ser encaminhadas à Polícia Federal e/ou ao DNPM de seu estado). Se você tem fósseis em sua região, entre em contato com pesquisadores. Junte-se com a sua comunidade e exija dos governantes medidas para proteção e aproveitamento desse patrimônio. Seu ato ou seu nome podem ficar para a história!

Seja lembrado por uma coisa boa.

Um dinossauro no centro da cidade

Há algumas semanas, recebemos um e-mail por meio de nosso site (www.colecionadoresdeossos.com), de um senhor chamado Luciano Alves, de São José do Rio Preto, interior de São Paulo. Esse senhor dizia ter encontrado e resgatado materiais fósseis durante a construção de uma obra no centro da cidade. Todos os meses nós recebemos vários e-mails similares, porém, geralmente o que as pessoas encontram são rochas com formatos estranhos ou ossadas de bichos recentes. Todavia, o caso do Sr. Luciano era diferente…

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São José do Rio Preto, SP

A região de São José do Rio Preto é amplamente conhecida pela ocorrência de fósseis do final do Período Cretáceo. Esse intervalo de tempo é conhecido como o auge da “Era dos dinossauros”, entre 100 e 66 milhões de anos atrás. Nas rochas dessa região são comuns restos não somente de dinossauros, mas também de crocodilos, tartarugas, lagartos, cobras e peixes pré-históricos. Foi por isso que o e-mail do Sr. Luciano era tão especial.

Tudo confirmou-se quando vimos as primeiras fotos:

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O osso branco destacava-se da rocha rosada, típica da Formação Adamantina, unidade geológica local na qual os fósseis do Cretáceo são encontrados. O osso estava fragmentado devido às atividades da obra, porém, pelas fotos, era possível reconhecer que o material era grande, bem maior que qualquer osso de vaca. Além disso, suas características morfológicas não eram semelhantes à de nenhum organismo atual e o fato de ele estar entranhado na rocha confirmou sua natureza fóssil.

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Sr. Luciano Alves ao resgatar o material fóssil
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Local onde os ossos foram encontrados

Histórias de fósseis encontrados durante a abertura de estradas, a perfuração de poços artesianos ou construções de edifícios não são raras. É nesse momento, quando as rochas são desbastadas, que os fósseis aparecem, e diferente do que muitos podem pensar, essas atividades muitas vezes acabam ajudando os paleontólogos e podem levar à grandes descobertas. O Sr. Luciano foi um vetor positivo nessa história, que, confesso, nem sempre tem um final feliz. Ao identificar algo diferente, ele imediatamente separou o material para que não fosse mastigado pelas máquinas e fez o que é aconselhável: entrou em contato com especialistas, para identificação das peças. De acordo com ele, haviam mais ossos, porém não foi possível resgatá-los devido ao avanço rápido das atividades.

Sr. Luciano, além de trabalhar dirigindo caminhões, é operador de máquinas. É um curioso por natureza, que gosta de pesquisar e ler, e possui um enorme senso de ética e cidadania. Ao confirmarmos a identificação do material como “ossos de dinossauros” (mais precisamente um úmero de saurópode e fragmentos de costelas) ele prontamente quis que tudo fosse encaminhado para um Museu ou Centro de Pesquisa. De acordo com suas próprias palavras: “Isso não pertence à mim, pertence ao mundo todo, pertence à todos nós, e por isso deveria ser estudado e ficar em um museu”Na mesma semana fomos resgatar as peças e elas foram integradas à coleção do Laboratório de Paleoecologia e Paleoicnologia da UFSCar, aonde o material será estudado.

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O úmero de saurópode resgatado pelo Sr. Luciano, depois de reconstruído
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Em vermelho, a posição do osso em uma reconstituição de um dinossauro saurópode

DSCN0104Essa história somente reforça o importante papel da divulgação científica e também do diálogo entre o cientista/pesquisador e a população. Sr. Luciano, ao ter acesso à informação, propiciou o encaminhamento correto do material e acabou contribuindo com mais uma peça do quebra-cabeça sobre a história da vida no passado de nosso planeta. Além disso, ele acabou dando uma grande lição à todos os seus amigos e alguns familiares: ele não só estava certo sobre a natureza do material, mas também sobre como um cidadão deve agir em benefício de todos. O material em breve ficará em exposição no “Museu da Ciência Prof. Dr. Mário Tolentino” em São Carlos, junto ao nome do seu descobridor, “Luciano Alves”.

Para que mais “finais felizes” se realizem, é necessária a conscientização das pessoas envolvidas. Geralmente, quando obras são realizadas em localidades onde são comuns achados paleontológicos, um trabalho prévio de consultoria deve ser realizado. O resgate do material é fundamental, já que eles são únicos, raros e fazem parte da memória geobiológica de nosso planeta. Para o resgate, especialistas devem ser contatados. Depois de levados à instituições de pesquisa, os materiais devem ser estudados, catalogados e ter seu acesso garantido à toda população. É importante lembrar, que fósseis são bens da União, ou seja, pertencem a todos os cidadãos, e por isso sua comercialização ou escambo é considerada crime. Seu valor é científico e cultural, não podendo ser calculado em termos monetários.

Obrigada por contribuir com a ciência do seu país, Sr. Luciano Alves! Que outros sigam o seu exemplo!

O que há de errado com Jurassic World?

O trailer do mais novo filme da série “Jurassic Park” já foi lançado há algumas semanas, o que levantou muita polêmica entre fãs, dinomaníacos e paleontólogos no mundo todo. A discussão se acalorou até mesmo entre amigos, e os pontos de discórdia foram diversos. Não só quanto à ausência de penas nos bichos (o que já era esperado), mas também quanto às proporções supostamente exageradas de alguns animais, além de críticas quanto ao “não mais tão misterioso” Indominus rex (I-rex), um dino-monstro criado pelos cientistas de Jurassic World, estrela do próximo filme.

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Não podíamos ficar de fora dessa, então, vamos tentar ver o que há de tão errado – cientificamente falando – com o filme e, se no fim, vale a pena assistí-lo.

“Ter penas ou não ter penas?”

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Microraptor zhaoianus, do Cretáceo da China. O fóssil têm evidências de penas alongadas nos braços e pernas do animal.

É FATO que a partir da década de 90, muitos fósseis de dinossauros com penas começaram a ser encontrados desde a exploração dos depósitos de Liaoning, na China. Essa localidade, reconhecida como um lagerstätte pela qualidade de preservação de seus fósseis, ampliou significativamente o nosso conhecimento sobre a aparência em vida dos dinossauros e suas relações com as aves atuais.

Desde que essas descobertas começaram a ser realizadas, muito mais atenção foi dada à preparação e interpretação de fósseis pelo mundo. Antigos fósseis começaram a ser reestudados, e materiais com evidências da presença de penas começaram a ser encontrados em outros sítios fossilíferos.

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Sinosauropteryx, terópode compsognatídeo do início do Cretáceo da China. O fóssil mostra evidências da presença de uma cobertura de penas sobre o corpo do animal.

Hoje, pelo menos 40 espécies de dinossauros apresentam evidências DIRETAS da presença de penas (veja uma lista aqui), ou estruturas semelhantes à penas, no seu tegumento. Dessas, a maioria pertence ao grupo dos terópodes, dinossauros saurísquios que teriam dado origem às Aves. Todavia, estruturas filamentosas que lembram muito penas simples, também foram encontradas em dinossauros ornitísquios, especificamente ceratopsianos e ornitópodes basais.

*Clique aqui para conhecer melhor a classificação dos dinossauros*

O fato de penas e estruturas semelhantes à penas terem sido encontradas nos dois grandes grupos de dinossauros – que se diferenciaram bem cedo na história evolutiva do grupo -, nos leva a crer que essa teria sido uma característica presente no ancestral comum de saurísquios e ornitísquios. Trata-se da explicação mais parcimoniosa para a presença desse caracter nos dois grupos.

É importante observar também, que Pterosauria, grupo irmão de Dinosauria, também apresenta evidências fósseis da presença de estruturas filamentosas (picnofibras) no tegumento. Esse caracter pode ser ainda mais basal na história evolutiva dos Avemetatarsalia do que se pensava há uma década.

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Detalhes das estruturas filamentosas encontradas na cauda de Psittacosaurus sp., um ceratopsiano (Ornitischia) basal. O fóssil é proveniente da região de Liaoning, na China.
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Cladograma mostrando os grupos de saurísquios que apresentam evidências fósseis de penas. Amplie para ver detalhes.

Certo. Qual a relação de tudo isso com “Jurassic World”?

A questão é, que quando os primeiros filmes da série Jurassic Park foram lançados, o conhecimento sobre a presença de penas em dinossauros estava apenas engatinhando. Não sabia-se ao certo como elas se distribuíam pelo corpo do animal, detalhes de sua estrutura ou como ocorriam entre os diferentes grupos. Hoje, esse conhecimento avançou bastante, ao ponto de investigarmos até mesmo as cores das penas desses animais (por mais distante da perfeição que esse procedimento ainda esteja).

O que muitos dinomaníacos e paleontólogos argumentaram é “Por que os dinossauros em Jurassic World não teriam penas?”.

Bem, o filme Jurassic Park, lançado em 1993, foi um exponente em sua época, modificando a visão arcaica que a opinião pública tinha sobre os dinossauros, como lagartões lerdos e burros. Muito do conhecimento paleontológico que se tinha de mais avançado na época foi empregado no filme, como o fato de esses animais formarem bandos, botarem ovos, alguns assumirem uma postura mais horizontal em relação ao chão, serem rápidos e se comportarem quase que como aves. Esse padrão “inovador” de apresentação dos dinossauros também é observado no livro que inspirou o filme, o romance de mesmo nome escrito por Michael Crichton em 1990.

sFSC91LO filme faturou U$915 milhões e ganhou 3 prêmios Oscar. O seu sucesso acabou atraindo a atenção de milhões de pessoas para os avanços na ciência paleontológica, servindo indiretamente como um divulgador de ciência. Além disso, outros milhares de jovens se interessaram em ingressar na carrreira acadêmica para estudar Paleontologia e muitos dos avanços na área nos últimos anos se devem ao “efeito Jurassic Park“.

O que muitos estavam esperando era que o novo filme da franquia, a ser lançado mais de 20 anos depois (junho de 2015), também seguisse esse padrão, abraçando as mais novas descobertas científicas da presente década. A decepção é que os roteiristas e produtores optaram por não fazer assim. Logo que o filme começou a ser produzido, o diretor, Colin Trevorrow,  informou “não teremos penas em Jurassic World”.

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Sinornithosaurus millenii, dromeossaurídeo (grupo que inclui o velociraptor e o tiranossauro) da China, encontrado com penas. Clique para ampliar.

Dinomaníacos e paleotólogos esperaram até o momento do lançamento do trailer (há algumas semanas) para ver se o anúncio era mesmo verdade e o resultado foi uma extrema revolta por parte de muitos: nada de penas. “Seria esse um desfavor à divulgação de ciência?!”, muitos argumentaram.

Com base nos estudos atuais, sabemos que pelo menos alguns dinos terópodes apresentados no filme deveriam mostrar uma cobertura de penas, como é o caso do Velociraptor (clique aqui para saber mais), ou até mesmo do Tyrannosaurus rex, já que ancestrais desse bicho foram encontrados com penas (leia sobre Yutyrannus, um tiranossauróide com mais de 8 metros de comprimento e penas encontrado na China).

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Cena de nudez.

“Deveriam esses animais apresentar penas, se são monstros recriados geneticamente, não dinossauros, por assim dizer?”, responderam os fãs. “Isso é para ser entretenimento, não divulgação científica!”, outros ainda argumentaram. Muitos debateram com razão, mas outros visivelmente se ofenderam com a ameaça à visão que carregavam nos seus sonhos de infância: dinossauros estritamente reptilianos, com escamas cobrindo todo corpo e pupilas verticais.

This is science, Bitch!
This is science, Bitch!

Tamanho é documento?

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Mosasauridae apresentado no trailer de Jurassic World

Outro ponto levantado foi a questão do tamanho exagerado do réptil aquático apresentado no trailer de Jurassic World. Supostamente um mosassauro. O tamanho realmente não é compatível com o de fósseis desses animais encontrados pelo mundo. Os maiores mosassaurídeos são o Tylosaurus e o próprio Mosasaurus, cujos fósseis encontrados indicam que teriam até 15 m de comprimento. É verdade que não sabemos qual teria sido o tamanho máximo desses animais, mas certamente não passaria de 30 m (tamanho de uma baleia azul) e o animal figurado no trailer parece ser bem maior que isso.

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Tamanho máximo de Mosasaurus inferido por meio de fósseis.
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Escala real de um Velociraptor mongoliensis

Bichos fora de escala: isso não é novidade em Jurassic Park, já que o Velociraptor apresentado desde o primeiro filme também é crescidinho demais (o real não teria sido maior que um peru). Quanto a essa questão, alguns argumentam que tudo não passaria de uma grande confusão: o bicho retratado seria na verdade um Deinonichus, animal muito semelhante ao Velociraptor, porém com cerca de 3,5 m de comprimento e 1,20 m de altura.

Há também algumas outras discussões sobre possíveis inconsistências em relação ao tamanho dos Dilophosaurus do primeiro filme (inferências com base nos fósseis indicam que esses animais teriam cerca de 6 m de comprimento), mas os fãs sustentam que, na verdade, os animais não passariam de filhotes.

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Lagardos varanídeos são parentes próximos dos mosassauros.

Voltando a Jurassic World, pelo que se pode ver no trailer, os produtores até que se esforçaram para reproduzir de forma acurada a aparência do suposto mosassauro, representando a dupla fileira de dentes no palato da criatura. Porém, também teriam pecado em não colocar a língua bifurcada, observada em animais atuais pertencentes ao mesmo grupo do monstrão, como o lagarto varanídeo aí ao lado.

Sabemos que animais gigantes excitam o público e é o que mais atrai as pessoas para gostarem de dinossauros e outros bichos pré-históricos. Fazer o mosassuro gigante poderia ser apenas uma jogada do parque para ganhar mais dinheiro. Todavia, fãs de bichos pré-históricos e paleontólogos não gostaram nada da ideia. Muitos acharam que os bichos reais já são por si só suficientemente impressionantes, sem a necessidade de modificações exageradas. Falando em modificações exageradas…

Um monstro que nunca existiu

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“Diabolous rex”

O I-rex, estrela do próximo filme, foi o mais criticado. Resultado da mistura genética proposital de pelo menos 3 espécies de animais diferentes (aparentemente), os geneticistas de Jurassic World parecem que não estavam satisfeitos com a cara dos dinossauros “reais”. Independentemente do porquê da escolha de se criar um animal desses (vamos descobrir apenas com o lançamento do filme), os dino-fãs e os paleontólogos não entenderam a necessidade de usar um bicho que nunca existiu, sendo que temos tantos dinossauros legais para se escolher por aí.

“Pode ser que a trama seja boa, não se pode julgar até entender a história”, argumentaram fãs. Outros disseram: “Isso não é um documentário, mas sim um filme”.. e de monstros, dá bem para entender.

fffefd76e21c8ce1c48d56928b07128dad1f615837f2ebf86497e8c00bb6ca96A mistura genética de espécies diferentes no parque já ocorria desde o primeiro filme, quando foi explicado que DNA anfíbio era usado para completar a sequência genética dos animais. Isso criou defeitos, como o T. rex com a visão baseada em movimentos, o Dilophosaurus venenoso e a possibilidade da troca de sexo nos bichos (“Life finds a way”), características de alguns anfíbios modernos. PORÉM, os cientistas argumentam que com o avanço dos conhecimentos sobre a relação entre dinos e aves, os geneticistas de JW poderiam ter começado a utilizar DNA de ave para completar as sequências. Isso teria corrigido defeitos e justificaria a colocação de dinos emplumados em Jurassic World. Seria uma ótima explicação para se adequar cientificamente, mas para os responsáveis pelo filme não! Nada feito! 🙁

Muitas outras inconsistências

JurassicParkAmberÉ claro que as inconsistências vão MUITO além disso, como encontrar fragmentos viáveis de DNA de criaturas pré-histórias em fósseis de mosquitos no âmbar. Isso por si só já desbanca todo cerne da história de JP. É bom que se saiba que é certamente impossível que sequências úteis de DNA com mais de 10 milhões de anos tenham sido preservadas em um fóssil. O DNA é uma molécula muito estável, mas não por tanto tempo! Estudos sobre a degradação de DNA comprovam isso.

Jurassic World foi além: trouxe a tona possibilidade de se encontrar DNA de criaturas aquáticas. A primeira coisa que disseram foi: “WTF! Como um mosquito sugou o sangue de um Mosassauro?”. E com toda razão. Seja lá qual seja a explicação que vão dar no filme, isso é impossível ao quadrado.

Os únicos animais pré-históricos que poderíamos recriar com base em seu próprio DNA seriam aqules relativamente recentes (menos de 500 mil anos), como os mamutes. Pesquisas sobre essa possibilidade já vêm sendo realizadas nas últimas décadas e logo se tornará possível ter mamutes caminhando por aí… Se você se interessar pelo assunto procure ler artigos sobre “Desextinção”.

Ainda assim, Jurassic World vale a pena

– “COMO?”

– Sim. É isso mesmo que dissemos.

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Ainda com tantas inconsistências e erros, acreditamos que Jurassic World ainda vale a pena. Ao contrário do que muitos dinomaníacos e cientistas ranzinzas podem dizer por aí. Afinal, é entretenimento!

Quase tudo que esse filme traz parece ser um grande desserviço à ciência, pois essa imagem ERRADA será abraçada e adorada pelo público. Para uma parte das pessoas que vão assistir, talvez isso até seja verdade (os alienados e os fanáticos). Porém, Jurassic World abriu, desde já, um importante espaço para discussão: Nunca vi falarem e divulgarem tanto a questão de dinossauros com penas, ou ainda sobre o que é ou não um dinossauro. No facebook, nos canais de notícias e na blogsfera. Sem querer, Jurassic World chegou para mudar paradigmas. Não foi a intenção deles, mas mesmo sendo um filme estilo “retrô”, se você leu essa postagem (e ainda mais se a compartilhou), a missão de “divulgar ciência” atrelada ao entretenimento está cumprida.

A vantagem do entretenimento é que ele tem um alcance amplo. Isso pode ser uma faca de dois gumes, mas é aí que ao invés de só reclamar e se negar a assistir, que o cientista tem que divulgar e se comunicar.

Aqui vamos todos assistir. E usar o entretenimento para discutir ciência!

Leia também “A síndrome de Jurassic Park“, uma opinião de Tito Aureliano

pterossauro com nome de pokémon

(Os fãs de pokémon vão adorar essa.)

O paleontólogo Steve Vidovic e seu colaborador D. Martill recém publicaram um artigo aonde revisam diversos espécimes atribuídos ao gênero Pterodactylus. No artigo eles discutem vários problemas relacionados à interpretação desses fósseis, porém o que mais chamou a atenção no trabalho foi a nomeação de um novo gênero de pterossauro.

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De acordo com os autores, a antiga espécie P. scolopaciceps, antes considerada como sinonímia de outra espécie dentro do mesmo gênero, é, na verdade, um táxon válido, porém que não encaixa dentro do gênero Pterodactylus… para resolver o problema, eles decidiram propor um novo gênero para encaixá-la: Aerodactylus.

Foi isso mesmo que vocês leram, fãs de pokémon. Temos um pterossauro com nome de pokémon!

Veja a justificativa da etimologia do nome dada pelos autores no artigo (publicado na revista PLoS One):

“Aero = wind (Greek) + dactylus = finger (Greek), a common suffix in pterosaur names. The name derives from the Nintendo Pokémon Aerodactyl, a fantasy creature made up of a combination of different pterosaurian features. It seemed a pertinent name for a genus which has been synonymous with Pterodatylus for so long due to a combination of features.” –> Leia no próprio artigo disponível AQUI.

— Os caras zeraram a vida —.

Agora vamos aguardar pelo Blastoise, Bulbasaur, Kabutops, etc.

Curioso quanto ao nome de bichos pré-históricos? Atores de cinema, estrelas do rock, monstros japoneses, desenhos animados e até mesmo a os personagens de Tolkien já foram homenageados. Leia mais nessa antiga postagem de nosso blog: Os nomes mais estranhos da Paleontologia.

Os problemas da coleta não controlada e do comércio de fósseis

iconDesde sempre existiram pessoas interessadas em fósseis. Eles, de fato, são objetos curiosos, que despertam a imaginação. Por serem objetos interessantes, algumas pessoas desenvolvem a ânsia por colecioná-los. Esse interesse, no passado, ajudou a impulsionar a formação das primeiras coleções de fósseis, nos então ‘Gabinetes de Curiosidades’. Algumas dessas coleções, antes utilizadas apenas para regozijo próprio, eventualmente foram integradas aos primeiros museus, e – finalmente – dedicadas ao interesse científico. Colecionar fósseis contribuiu para história da Paleontologia, mas na atualidade, essa prática pode acabar prejudicando a Ciência. Como isso acontece? Vem comigo para entender:

O interesse em colecionar fósseis acaba impulsionando a coleta amadora e o comércio de fósseis. Se por um lado a coleta amadora ajuda a reforçar a paixão e o interesse pelos fósseis nas pessoas, ela também pode causar perda de informação científica.

Coletores amadores de fósseis muitas vezes acabam retirando indevidamente os fósseis dos afloramentos, sem controle tafonômico ou estratigráfico. Com isso, informações relevantes, ou até mesmo cruciais, estarão perdidas para sempre.

Uma reflexão sobre isso: De que adianta ter uma coleção de espécies (ou espécimes), se eu não sei onde encaixá-las no cenário da história da vida na Terra ou no seu contexto paleoambiental e paleoecológico? Nesse cenário, o único valor daqueles objetos será puramente estético e colecionista, nada mais. Como figurinhas num álbum ou verbetes num dicionário.

Por muitas décadas, alguns paleontólogos construíram a paleontologia dessa forma. Coletando toneladas de fósseis sem o devido controle, simplesmente para descrever novas espécies. Veja o exemplo do que ocorreu durante a “Guerra dos Ossos” (Bone Wars), nos E.U.A. O resultado pode parecer fantástico (inúmeras espécies descritas!), mas, na verdade, é bastante desastroso. O que aconteceu foi que outros paleontólogos levaram décadas para consertar a bagunça taxonômica gerada. E, pra ser sincera, até hoje sofremos com isso.

Demorou até que essa visão essencialmente descritiva e colecionista da paleontologia desabasse em prol de uma nova atitude dos paleontólogos. Hoje, um fóssil sem as informações do seu contexto, não vale muita coisa para a Ciência. O seu valor passa a ser essencialmente para o ego do pesquisador que o nomeia.

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Coletores amadores geralmente realizam a retirada dos fósseis de maneira indevida por falta de conhecimento especializado ou porque simplesmente não se importam com o contexto. Alguns estão apenas interessados em vender o material.

Diferente do que se pode pensar, existem técnicas específicas, elaboradas e aperfeiçoadas ao longo do tempo, para a retirada de materiais fósseis de um afloramento. O objetico é extrair o máximo de informações sobre o local e a condição de morte do organismo. Para citar algumas das informações importantes, que geralmente são perdidas por uma coleta indevida:

I) a posição geográfica exata e a orientação do material: esses dados podem ajudar a compreender direções de paleocorrentes (rios pretérios), por exemplo;

II) o tipo de sedimento do entorno e a posição exata do fóssil nas camadas sedimentares: o conhecimento desses dados nos ajuda a interpretar informações detalhadas sobre o paleoambiente em que aqueles restos foram soterrados e a sucessão ecológica de uma comunidade ao longo do tempo;

III)  a posição daquele fóssil em relação a outros do mesmo local: isso pode ajudar a entender a relação entre os organismos e a causa de suas mortes.

E assim por diante. Coletar essas informações exige preparo e materiais específicos. Um bom georreferenciamento do sítio fossilífero, um estudo geológico detalhado das camadas e a anotação exata da ocorrência de cada concentração fossilífera e de cada fóssil são fundamentais.

O segundo problema que devo destacar, é que a atividade de coletores amadores (com intenção de venda ou não do material) faz com que muitos fósseis relevantes acabem sendo perdidos. Essa perda pode se dar por múltiplas razões.

A primeira é o pensamento de que “fóssil feio não vale nada ou é desinteressante”. Com base neste pensamento, muitos materiais são descartados. De fato, para um colecionador com interesse estético, um pedaço quebrado de uma vértebra ou um par de ossos longos desgastados não valem nada mesmo. Mas esse é um grande engano. Por vezes, um fóssil “feio” e fragmentado pode ser o primeiro registro de um grupo de animais para aquele contexto geológico ou pertencer a algum tipo de animal que raramente se preserva. Em casos excepcionais, pode ser crucial para o entendimento da distribuição ou o surgimento de alguns grupos fósseis. Quantas vezes você não se surpreendeu com um artigo baseado em “cacos feios” de fósseis e pensou “mas que fóssil horrível! Por que isso poderia ser tão importante assim?”. Porque não é só de fóssil bonito que se faz Paleontologia.

Em um segundo caso, a perda de fósseis relevantes ocorre, porque um dado colecionador coleta ou compra um fóssil e.x.t.r.a.o.r.d.i.n.á.r.i.o, que poderia mudar o rumo da Paleontologia, mas o coloca na mesinha de centro de sua sala. Neste caso, raramente um pesquisador ou grupo de pesquisa terá acesso àquele espécime e o mais provável é que ele permaneça, para sempre, incógnito para a ciência. A história da Paleontologia está recheada de exemplos assim. Fósseis incríveis, que aparecem à venda em sites por aí e, de repente, somem para sempre. Isso ocorre, porque o colecionador muitas vezes nem sabe que aquilo é tão valioso cientificamente, apenas pensa na beleza estética da peça.

Em qualquer um desses casos expostos acima, há perda irrecuperável de parte da memória biológica e geológica da Terra. Da SUA, da NOSSA história.

Mas não é só isso, não raramente fósseis são ADULTERADOS por coletores ou vendedores de fósseis para valorizá-los.

Isso é muito sério. Não é raro alguém interessado em comercializar um fóssil fazer uma “modificaçãozinha” para conseguir um preço melhor na peça.  Um arrumadinho ou um quebra cabeça de fósseis. Colar a cabeça de um peixe no corpo de outro, parte do focinho de um crocodilo em uma cabeça de dinossauro, misturar dois pterossauros… e por aí vai. Não preciso dizer que isso estraga o registro, certo?

A parte tragicômica dessa história é que, às vezes, pesquisadores mal intencionados (ou preguiçosos) ou intituições de pesquisa que ficam muito longe de depósitos fossilíferos, compram esses fósseis para “facilitar a sua vida” e acabam sendo desmascarados no seu ato de trapaça, descrevendo uma espécie que não existe: uma quimera. Depois só resta a vergonha de ter que se retratar e consertar o ocorrido publicamente (Irritator feelings). – Leia AQUI também sobre o caso do Archaeoraptor.

Infelizmente,  algumas vezes esses fósseis montados podem (depois de passarem de mão em mão por gerações) cair em institutos de pesquisa por meio de doações particulares. Aí, até que os pesquisadores descubram que têm um fóssil-fake na mão, terão muito trabalho. Trabalho que poderia estar sendo focado em outras pesquisas mais produtivas.

Também há a adulteração de dados, como quando um fóssil de um depósito fossilífero é vendido como se fosse de outro. Isso pode ocorrer por uma mera confusão do coletor amador, ou por intenções pervertidas de valorizar a peça. As implicações disso também são desastrosas e corrigir esses erros pode levar ANOS de pesquisa (e atrasar muito o avanço da ciência naquela área).

Todos os problemas que citei são graves, porém não foi baseado apenas nisso que vários países do mundo (como Brasil, Argentina, Peru, Mongólia, China, etc.) resolveram elaborar leis para proteger os seus fósseis. Há uma questão muito mais profunda, que está presente em toda nossa discussão: toda a informação contida em um fóssil não deveria ser propriedade particular, já que faz parte da história do planeta. Da nossa história. Sob essa perspectiva, comercializar fósseis seria como vender o Coliseu ou as pinturas da Serra da Capivara. Vender o Cristo Redentor ou a Grande Barreira de Corais. Vender a memória de Luís Gonzaga ou a Amazônia. Sempre vai ter sempre alguém querendo comprar, mas quem vender perde muito mais do que apenas o bem em si.

Pessoas tendem a enxergam as coisas a curto prazo e pensar apenas em benefício próprio, é necessária uma reflexão mais profunda para enxergar a importância de um fóssil e como ela transcende o indivíduo.

Muitos países que escolheram proteger os seus fósseis, enxergam além do lucro imediato que pode ser obtido com a simples venda. Eles veem nos fósseis a possibilidade de se desenvolver como Nação, acumulando capital científico, dando suporte a formação de pessoas e construindo uma economia sustentável, não exploratória.

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Cada fóssil é único e insubstituível, porque não investir em turismo e na venda de réplicas de fósseis?

Alguns defendem a comercialização parcial de fósseis. Ou seja: de apenas alguns tipos fósseis ou de fósseis de algumas localidades. Mesmo com regulações impedindo a venda de determinados fósseis ou controlando a coleta feita por amadores à algumas localidades, não dá 100% certo. Podemos dar o exemplo da Inglaterra. Muito material é destuído e perdido. Os colecionadores particulares de fósseis não querem aquilo que é simples conseguir; aquilo que está liberado, que é fácil de obter/comprar. Eles querem raridades, fósseis difíceis de conseguir, os melhores. Liberar a venda de Dastilbe na Chapada do Araripe ou de mesossauros no Sul e Sudeste do Brasil, por exemplo, e proibir a venda de materiais mais raros, bem preservados ou cientificamente mais relevantes, não vai adiantar nada. Sejamos francos: todos sabemos como funciona sistema capitalista. O que vai reger o jogo é a lei da oferta e da procura.

Eu só quero umas coisinhas simples!
Eu só quero umas coisinhas simples!

Proibir a  venda e retirada ilegal de fósseis e usar estes bens de outras formas é a melhor solução. No caso do Brasil, em que a Paleontologia ainda é jovem, temos que cuidar de nosso patrimônio com carinho, para que isso também não seja apropriado por outros países, como tantas de nossas riquezas já foram.

A legislação sobre os fósseis aqui no Brasil tem muito o que ser discutida. Ela, de fato, não é perfeita e ainda permite a perda de muito material. Temos que realizar um forte trabalho de educação patrimonial junto a população, desde a base, e desenvolver ações positivas junto às populações de áreas onde ocorrem fósseis. Não basta ensinar o que pode e o que não pode, há de se ensinar a importância dos fósseis. É um longo processo, que deve ser discutido não apenas no meio acadêmico, mas também junto à população.

Vale a pena lutar para preservar nosso Patrimônio. Você pode não viver para ver todos os resultados positivos disso, mas o seu filho vai te agradecer e ter orgulho das escolhas que você fez no passado.

Conheça a legislação sobre fósseis do Brasil: AQUI

“… os depósitos fossilíferos são propriedade da Nação, e, como tais, a extração de espécimes fósseis depende de autorização prévia e fiscalização do Departamento Nacional da Produção Mineral, do Ministério da Agricultura. Assim, pois, todo o particular que, sem licença expressa do Departamento Nacional da Produção Mineral, do Ministério da Agricultura, estiver explorando depósitos de fósseis, estará sujeito à prisão, como espoliador do patrimônio científico nacional.”