“A caça aos fósseis é de longe o mais fascinante de todos os esportes. Nele, a gente acha incerteza, excitação e todo o arrepio do jogo de azar, sem nenhum dos aspectos negativos dele. (…) No próximo morro pode estar enterrada a grande descoberta. (…) Além do mais, o caçador de fósseis não mata, ele ressuscita.” – George G. Simpson
Parabéns não só aos que “colecionam ossos”, mas aos paleobotânicos, paleoicnólogos, paleoecólogos, paleopatólogos, paleozoólogos de invertebrados, micropaleontólogos, tafônomos, e tantos outros mais!!
[youtube_sc url=”http://www.youtube.com/watch?v=B7zo2zY1Zqg”] Um ótimo dia a todos os apaixonados por essa ciência maravilhosa!!
Em resposta ao Paleo-enigma 3: Acertou quem disse que esses dentes aí em cima pertenciam a um tipo de crocodilo extinto, o Yacarereani boliviensis. Isso mesmo, um c.r.o.c.o.d.i.l.o. Esses dentes aí (ambos!) são de um tipo de crocodyliforme terrestre do Período Cretáceo! Yacarerani, Arte digital de Rodrigo Vega, da Argentina. Visite o portifolio aqui: http://iririv.deviantart.com/
Esse bichinho do tempo dos dinossauros, não muito maior que um gato, tinha uma dentição muito especial. Seus fósseis foram encontrados na Bolívia em 2002, mas a espécie descrita apenas em 2009.
Quando falamos de crocodilos, é difícil fugir do esteriótipo que conhecemos dos seus representantes atuais. Porém, no passado, esse grupo de animais era muito mais diverso e incluía espécies de diferentes formas, tamanhos e comportamentos.
Durante o período Cretáceo ou ainda o Jurássico, por exemplo, além de formas muito semelhantes aos crocodilos atuais, haviam espécies com hábitos essencialmente terrestres e outras até mesmo incrivelmente adaptadas ao ambiente marinho (Veja as figuras abaixo). Uns tipos de crocodilos eram tão diferentes, que foi até difícil reconhecê-los como da família.
Armadillosuchus, forma de crocodilo terrestre do Cretáceo brasileiro. Ilustração de Ariel Milani. Neptunidraco ammoniticus, crocodilo marinho do Jurássico da Itália – Quem souber o nome do artista que fez essa arte incrível, me informe!
No caso de Yacarerani, se somente os seus dentes tivesse sido encontrados, ele facilmente poderia ter sido confundido com outro tipo de animal. Ele e outros da sua linhagem tinham especializações na dentição muito semelhantes ao dos mamíferos atuais. A diferenciação dentária indica uma forma de alimentação muito especializada, e como é possível observar pelo registro fóssil, isso não é uma coisa exclusiva dos mamíferos.
Pakasuchus, pequeno crocodyliforme terrestre do Cretáceo da África. Observe na imagem a sua incrível especialização dentária.
Em alguns lugares, os crocodilos acabaram por se apoderar de nichos bastante distintos daqueles que conhecemos por meio de seus representantes atuais. Os dentes de Yacarerani, por exemplo, indicam uma dieta herbívora ou onívora. E ele não era o único! Muitas outras espécies encontradas sugerem a inclusão de plantas e/ou raízes ao seu cardápio!
Para o Cretéceo brasileiro, por exemplo, nas rochas da Bacia Bauru (sudeste do Brasil), são conhecidas mais de uma dezena de espécies de crocodilos terrestres com os mais variados morfotipos, que indicam hábitos de vida completamente distintos. Já foram reconhecidas formas exclusivamente carnívoras e outras com dentições e adaptações corporais muito peculiares, que podem indicar desde uma dieta herbívora e o hábito escavador até a durofagia (hábito de se alimentar de alimentos duros, como alguns tipos de sementes ou animais com concha ou exoesqueleto resistente).
A diversidade dos crocodyliformes foi muito maior no passado e há sugestões de que em alguns lugares eles possam ter dominado os ecossistemas terrestres em detrimento dos dinossauros. A maior parte dessa diversidade se perdeu no grande evento de extinção do fim do Cretáceo. Se não fosse por isso, a história dos crococyliformes poderia ter sido bem diferente.
A lição desse Paleo-enigma 3 é a de que precisamos ser bastante cautelosos na análise do registro fóssil. Há uma diversidade oculta, muitas vezes inesperada! O passado guarda criaturas que nunca imaginaríamos ter existido – completamente diferentes daquilo que conhecemos!Yacarerani e tantos outros crocodilos fósseis vêm nos contar uma história há muito tempo esquecida sobre a sua linhagem. Sem a Paleontologia isso talvez nunca pudesse ter sido recuperado…
Não se assuste com a semelhança de Yacarerani e seus parentes com os mamíferos atuais…. Os ecossistemas do passado podem parecer – à primeira vista -, muito diferentes daqueles que conhecemos hoje, mas ainda sim, guardavam semelhanças fundamentais. Os nichos ecológicos eram essencialmente os mesmos, o que aconteceu é que diferentes grupos foram revezando os papéis!
O’Connor, P.M.; Sertich, J.W.; Stevens, N.J.; Roberts, E.M.; Gottfried, M.D.; Hieronymus, T.L.; Jinnah, Z.A.; Ridgely, R.; Ngasala, S.E.; and Temba, J. (2010). “The evolution of mammal-like crocodyliforms in the Cretaceous Period of Gondwana”. Nature466 (7307): 748–751.doi:10.1038/nature09061. PMID20686573.
A verdade pode ser enigmática. Pode dar algum trabalho lidar com ela. Ela pode ser contra-intuitiva. Ela pode contradizer preconceitos profundamente arraigados. Ela pode não estar em conformidade com o que nós queremos desesperadamente que seja verdade. Mas nossas preferências não determinam o que é verdade.
(Carl Sagan)
A ciência tem um método. É verdade que esse método não nos ajuda a alcançar a verdade absoluta, mas nos faz chegar muito próximo dela. A vantagem do “método científico” é que ele pode ser testado e repetido inúmeras vezes e os resultados não são dogmas. Na ciência, não é raro acontecer de os cientistas dizerem: “Sabe, esse seu novo argumento é muito bom; a minha posição realmente estava equivocada“. Os cientistas realmente mudam as suas mentes e você não irá mais escutar sobre sobre aquela opinião equivocada novamente. Isso realmente acontece! Não tão frequentemente quanto deveria, porque os cientistas são humanos e a mudança às vezes é dolorosa. Mas isso acontece todos os dias! Agora… é muito difícil lembrar quando isso aconteceu na política ou na religião.
Gostaria de lembrar que propagar “a palavra de Deus” (ou qualquer outra palavra!) incitando o ódio e o preconceito é uma coisa tão tola de se fazer…
Já experimentamos esse tipo de intolerância antes (não preciso citar exemplos, não é mesmo???) e isso não gerou nada de produtivo para sociedade. Porque insistir? Não é tolice?
Que fique bem claro, que independente da origem, qualquer tipo de relacionamento que gere AMOR deve ser exaltado. Isso sim soa mais como “a palavra de Deus”.
E então? Você sabe dizer a que criatura pertencem esses dentes?
À um mamífero? Um peixe? Um dinossauro!? Uma ave pré-histórica??? À que diabos???????
Aos mais ousados: Vocês sabem me dizer a espécie, de que período e aonde foram encontrados?
Deixem seus palpites nos comentários!
Dou-lhes uma única dica: a escala dos fotografias é de 1mm. A resposta será dada até domingo, aqui no blog. Fique de olho!!!
Diferente do que muitos podem pensar, paleontólogos não encontram fósseis saindo e escavando por aí em qualquer lugar. Além disso, a busca por fósseis não é uma questão puramente de “sorte”, ela depende de muito conhecimento e preparo! Na postagem de hoje vamos conhecer uma etapa fundamental do trabalho do paleontólogo: o planejamento antes do campo.
Conhecimento e preparo
“Antes de buscar algo, você deve saber o que quer encontrar.”
Essa não é apenas uma máxima filosófica, mas a lógica fundamental que, além de outras coisas, rege (ou deveria reger) a Ciência moderna. Claro, não poderia ser diferente com a Paleontologia.
Os cientistas modernos não saem por aí fazendo experimentos de toda sorte, esperando encontrar algo novo e inesperado para publicar. Geralmente, quando eles vão ao campo e realizam experimentos, eles estão tentando responder alguma pergunta previamente formulada. Com o paleontólogo, que também é um cientista, é a mesma coisa. A busca por fósseis não é nada mais do que parte de um experimento.
Antes de sair procurando respostas, no caso dos paleontólogos, fósseis, temos que conhecer muito bem a nossa pergunta inicial e o objetivo de nosso trabalho. Dependendo da natureza de nossa questão, podemos saber exatamente onde procurar a resposta e, até mesmo, ter uma ideia aproximada do que vamos encontrar!
Um exemplo pode tornar tudo mais fácil. Digamos que eu sou uma paleontóloga estudando a evolução dos primeiros vertebrados com patas (os tetrápodes) e estou procurando entender especificamente como se deu a transição de seres com nadadeiras (peixes) para os primeiros organismos com membros (os primeiros tetrápodes). O objetivo do meu trabalho é responder a seguinte questão: “Como evoluíram os membros dos tetrápodes a partir de nadadeiras?”.
É uma pergunta interessante! Mas e agora?! O que eu faço?!
Primeiro, é importante que eu tenha hipóteses prévias que tentem responder a minha questão, para que eu, então, possa testá-las. Por exemplo, minha hipótese é que alguns ossículos específicos das nadadeiras de peixes sarcopterígios (“peixes de nadadeiras lobadas”) evoluíram para os ossos dos nossos membrostetrápodes. Essa é apenas uma hipótese entre várias. Porém, para o meu trabalho, é esta que eu gostaria de testar, então, é ela que vou colocar à prova!
Então, qual o próximo passo?
Oras, olhar os fósseis! Primeiramente, devo considerar os fósseis já coletados e catalogados em coleções. Porém, se eles não forem esclarecedores para testar minha hipótese, eu terei que recorrer ao trabalho de campo para responder a minha pergunta. É justamente o segundo caso o que interessa na postagem de hoje, então, vamos lá:
Planejamento antes do campo
O primeiro passo, antes de sair de qualquer jeito para a prática, é buscar informações e conhecimentos prévios para auxiliar em minha busca. Afinal, seria muita tolice e perda de tempo e dinheiro sair por aí escavando como um louco…
Certo, então onde eu encontro informações relevantes para me ajudar?
Na literatura já publicada sobre Paleontologia e especificamente sobre o tema que eu desejo estudar! Basta utilizar ferramentas apropriadas de busca por trabalhos acadêmicos na internet, como o próprio Google Acadêmico, e/ou consultar livros no assunto.
Feito!
O que encontrei: Na literatura paleontológica é conhecido que os mais antigos fósseis de tetrápodes datam do final do Período Devoniano (entre 382 e 358 milhões de anos atrás).
No que isso me ajuda?
Bom, sabendo disso, descobri que devo procurar meus fósseis em rochas devonianas. Oras, eu não poderia encontrar o que procuro em rochas de idade ediacarana, por exemplo, quando a vida ainda era jovem no planeta e ainda não haviam surgido nem os primeiros vertebrados…. ou em rochas cretáceas, da era em que os dinossauros já dominavam a Terra!
Escala geológica do tempo (e estratigráfica!) por Ray Troll
Certo, e agora?
Bom, eu preciso descobrir onde encontrar rochas dessa idade específica, ou seja, que datam do meio para o fim do Período Devoniano (entre 382 e 358 milhões de anos ou um pouco mais antigas).
Como eu faço isso?!
Para isso, novamente, devo vasculhar conhecimentos prévios. Provavelmente encontrarei minha resposta em estudos geológicos.
Estudos e mapas geológicos irão me apontar – algumas vezes de forma precisa e outras nem tanto – onde encontrar rochas da idade exata que estou procurando. Isso vai facilitar E MUITO o meu trabalho. Ao invés de sair por aí escavando em todo lugar, sem ter certeza do que vou encontrar, irei para locais definidos, onde há uma chance muito maior de encontrar o que procuro!
Rochas de idade Devoniana no mundo, segundo a Enciclopédia Britânica de 1911!Mapa geológico do Brasil
Isso, todavia, ainda não me garante que vou encontrar um fóssil, ainda mais o tipo correto de fóssil que preciso para responder minha questão. E agora?
É muito importante eu me certificar de que eu selecionei apenas locais onde são encontradas rochas sedimentares e devo também me informar sobre o tipo de ambiente de sedimentação que formou as rochas em questão.
Fósseis, normalmente, com raras exceções, são encontrados em rochas sedimentares, o que restringe os meus locais de busca. Rochas sedimentares são rochas essencialmente formadas a partir da deposição de sedimentos originados pelo intemperismo e erosão de outras rochas. Quando ocorre, fortuitamente, o soterramento pelos sedimentos, de materiais ou vestígios de origem biológica, podem ser formados os fósseis.
Rochas sedimentares podem ser formadas em diversos tipos de ambientes de sedimentação, como lagos, rios, desertos, praias, oceanos, mares, deltas, etc. É possível identificar antigos ambientes de sedimentação analisando características tanto das rochas (sua composição, estrutura, etc.), quanto os fósseis que elas contêm. Geralmente, os geólogos é que fazem essa leitura e adicionam essas informações aos seus estudos e mapas geológicos.
Legal, mas no que reconhecer os antigos ambientes de sedimentação vai me ajudar?
Simples. Vamos lá: O que mesmo eu estou procurando?
Anfíbios!Bom, na verdade, algo entre eles e os peixes: os primeiros tetrápodes.
Ok, em que tipo de ambiente eu esperaria encontrá-los?
Acho que a atual biologia dos anfíbios pode me ajudar nessa busca, assim como conhecer os hábitos inferidos para os primeiros tetrápodes…
Os principais ambientes de sedimentação
Bom, eu esperaria encontrá-los, mais provavelmente, em ambientes tropicais de água doce, talvez em áreas pantanosas ou ambientes similares, como lagos, lagoas ou lagunas. Bom, isso elimina uma boa quantidade de lugares onde procurar! Não adianta nada vasculhar rochas formadas em zonas marinhas abissais, sob glaciares, em praias, recifes ou mesmo desertos.
Cenário esperado
Ok, próximo passo é decifrar o que corresponderia à ‘áreas tropicais’ há mais de 360 milhões de anos, afinal, a posição dos continentes era diferente no passado…
Sem problemas. Podemos verificar isso em alguns mapas paleobiogeográficos.
Posição dos continentes no final do Período Devoniano
Há 390 milhões de anos, as coisas eram bem diferentes. As porções continentais que hoje estão localizadas em regiões temperadas no Hemisfério Norte, antes estavam posicionadas na região equatorial do globo. Além disso, o que viria a corresponder à América do Sul e ao Brasil, estava completamente deslocado em direção ao Polo Sul, o que significa que, dificilmente encontraríamos fósseis dos primeiros tetrápodes por aqui em nosso território.
Pronto! Agora estou munida de todas as pistas que preciso, já posso pegar meu equipamento e ir ao campo?!
Seria possível, mas ainda não o recomendado. Expedições gastam muito tempo e dinheiro, por isso, é importante você ter certeza de que vai voltar com pelo menos algum resultado! Além disso, algumas viagens de campo são realizadas para locais com condições ambientais severas e envolvem até mesmo riscos de vida. Logo, você deve pesar com muito cuidado se vai valer a pena.
Para ir mais preparado, é bom sempre checar na literatura se existem, de fato, ‘afloramentos de rocha’ nas regiões que você selecionou. Afloramentos, na linguagem geológica, correspondem a locais onde a rocha está exposta, tornando possível a busca pelos fósseis. Às vezes, a rocha de onde os fósseis provêm está toda coberta por solo, vegetação ou outros detritos. Isso inviabiliza a busca e/ou encarece a expedição. Principalmente, se você estiver disposto a remover a camada superior para acessar a rocha. Caso não existam dados na literatura, a busca por afloramentos pode ser feita por meio avaliações de imagens aéreas, como de satélites, por exemplo, como as disponíveis no próprio “Google Earth”.
Mas espere, ainda não acaba por aí! É sempre recomendável checar a existência de outros estudos feitos na região. Caso existam, é bom verificar se há ocorrência de fósseis nos locais que você selecionou e se sim, como eles ocorrem: Em que horizonte sedimentar? Eles estão em concreções? De que cor eles são? Ocorrem fragmentados? Entre outros. O esforço de outras pessoas pode facilitar muito o seu trabalho. Acredite, a ciência sempre é apoiada no ombro de gigantes.
Conclui tudo isso! Agora, finalmente posso ir ao campo?
Agora sim você pode ir para o campo. Munido de conhecimento e preparo :)! Você sabe com o que se parece aquilo que você procura, tem noção de onde encontrá-lo e selecionou cirurgicamente onde realizará suas escavações.
E a sorte?
Tiktaalik, fóssil de um peixe sarcopterígeo do final do Período Devoniano, que apresenta uma série de características dos tetrápodes.
Como deu para perceber, buscar por fósseis não é um trabalho que conta apenas com a “sorte”. Na verdade, depende muito mais de outras qualidades, mas apesar de ampliarmos ao máximo as nossas chances de encontrar os restos daquilo que procuramos, ainda assim dependemos da ‘sorte’ para encontrar um bom fóssil. Nem sempre encontramos fósseis perfeitos. Na maioria das vezes, temos que nos virar com os poucos cacos que o cruel processo tafonômico nos legou. É raríssimo encontrar fósseis como o do Tiktaalik, da imagem ali acima. Para isso, sim, é preciso muita “sorte”. “Sorte” de o bichinho ter fossilizado e sorte nossa, de passar por ali milhões de anos depois…
Para ler mais sobre a incrível e “sortuda” descoberta do Tiktaalik, recomendo a leitura de “Your Inner Fish“, de Neil Shubin.