Inteligência Artificial na Paleontologia

Os modelos de Inteligência Artificial


Nos últimos anos, a inteligência artificial tem desempenhado um papel cada vez mais significativo na ciência, impulsionando avanços notáveis na forma em que os cientistas estudam e interpretam uma grande quantidade de dados. A análise de informações tem sido revolucionada pela aplicação de algoritmos, técnicas de aprendizado da máquina (machine learning) e aprendizagem profunda (deep learning), permitindo a extração de informações valiosas a partir de grandes conjuntos de dados, acelerando a identificação de padrões e relações complexas nos mesmos.


Um modelo computacional desenvolvido por técnicas de inteligência artificial exige, inicialmente, um conjunto de dados de treinamento, os quais são, em princípio, variáveis numéricas. Através de um algoritmo de aprendizagem, é realizado o ajuste da saída do modelo, e com isso, pode-se predizer uma entrada nova com base no comportamento das variáveis e dos dados utilizados para treinamento. Em algoritmos mais sofisticados e aprofundados, também é desenvolvido um processo de “reforço e reaprendizagem”, com otimização dos parâmetros, de modo a elevar a acurácia do modelo. Estes modelos aperfeiçoados podem ser úteis na predição, classificação, identificação, e segmentação de imagens, por exemplo. Nestas situações, os dados não-numéricos são previamente convertidos em parâmetros numéricos. Na segmentação de imagens tal conversão ocorre para cada pixel ou conjunto de pixels da figura, reduzindo-a a uma matriz numérica.

Diante do grande desenvolvimento destas técnicas, tem-se empregado, de forma notável, modelos computacionais nas mais diversas esferas científicas, e na paleontologia não foi diferente. Em maio de 2024, Yu e colaboradores fizeram uma busca por artigos científicos de modelos de inteligência artificial no estudo de fósseis, e encontraram um total de 79 trabalhos publicados até a data analisada! A análise dos autores demonstrou a popularização da utilização das técnicas de inteligência artificial na paleontologia, com uma ampla gama de aplicações, e ao mesmo tempo, evidenciou desafios a serem superados. Vamos conhecer os resultados desta pesquisa?

A inteligência artificial no estudo dos fósseis


Embora análises auxiliadas por máquina já tivessem sido propostas anteriormente, a inteligência artificial foi somente apresentada como uma ideia científica em um workshop realizado em 1956, em Dartmouth College, nos Estados Unidos. Desde então, com o desenvolvimento de algoritmos cada vez mais complexos, aliado ao aumento da capacidade computacional, as técnicas de aprendizagem da máquina e aprendizagem profunda tornaram-se cada vez mais apreciadas. Não obstante, a sua utilização no campo da paleontologia se deu tardiamente, somente na década de 80 (Healy-Williams, 1983; 1984). Os trabalhos pioneiros consistiram em, a partir de fotomicrografias, extrair os contornos e caracteres diagnósticos de fósseis de foraminíferos – microorganismos marinhos unicelulares, cujo comprimento máximo geralmente não ultrapassa 1 milímetro – do Quaternário. A técnica empregada, a análise de Fourier, consiste em extrair componentes das imagens através de equações, o que a torna bastante útil no reconhecimento de padrões e objetos.

De fato, os foraminíferos têm sido os principais organismos fósseis a serem estudados através da inteligência artificial, chegando a um terço do total de trabalhos publicados nas últimas décadas (Fig. 1). Quando somados a trabalhos que envolvem outros microfósseis – grãos de pólen, esporos de algas, conodontes e radiolários –, o volume de publicações científicas chega à marca dos dois terços. Essa diferença marcante em relação aos macrofósseis (fósseis de maior tamanho) não se deve somente à aplicabilidade econômica dos microfósseis, mas reflete também a facilidade da aplicação das técnicas existentes nesses tipos de fósseis. Ao passo que uma fotografia de um diminuto foraminífero retém muitas informações morfológicas deste organismo, ao se estudar o esqueleto de um dinossauro, por exemplo, podem ser necessárias diversas fotografias em diferentes ângulos. Além disso, a preservação das características anatômicas de animais e vegetais frequentemente é acompanhada por algum nível de deformação, dada pelo processo de fossilização. Seja pela formação de incrustações, fraturas, ou compressão – o que prejudica a performance dos algoritmos. A quantidade de dados disponíveis é outro fator limitante, macrofósseis podem ser mais raros em relação aos microfósseis, os quais podem possuir milhares de amostras correspondentes. Desta forma, os modelos que utilizam microfósseis costumam ser melhor treinados e mais acurados.

Figura 1. A inteligência artificial na paleontologia. Dados de Yu et al. (2024) baseados em 79 trabalhos publicados. MA = marcos anatômicos (landmarks); CNN = redes neurais convolucionais; ML = aprendizagem da máquina (machine learning); KBS = sistemas baseados em conhecimento (knowledge-based systems); FA = Análise de Fourier; GAN = redes adversárias generativas (generative adversarial networks).


O avanço nos modelos computacionais no estudo de fósseis tem sido perceptível. Eles tem sido principalmente aplicados em fotografias, com o objetivo de classificação dos fósseis. A técnica mais utilizada nas últimas décadas corresponde ao algoritmo de redes neurais, o que é identificado tanto na paleontologia, quanto em outras áreas da Ciência. Trata-se de uma técnica de aprendizagem em que se introduz uma matriz de equações aos dados numéricos, a fim de minimizar iterativamente a função perda, e alcançar seu valor ótimo durante o treinamento. A rede neural é estruturada em camadas, as quais permitem modelar, de forma mais satisfatória, relações não-lineares entre os dados, determinando a profundidade e a complexidade do modelo proposto. Desta forma, o algoritmo mimetiza a estrutura do sistema nervoso, em que a informação é passada por sequências de neurônios (Fig. 2).

Figura 2. Modelo de funcionamento do algoritmo de redes neurais artificiais. A partir de uma entrada numérica, a informação é passada pelos neurônios (círculos) através de equações (conexões), até produzirem um resultado final (saída).

Um notável exemplo de aplicação e desenvolvimento da técnica é de um estudo preliminar realizado em 1996, com fins de classificação de algas calcárias fósseis (cocolitóforos). Nesse estudo, Dollfus e Beaufort (1996) utilizaram a técnica da transformada de Fourier combinada com as redes neurais artificiais em duas camadas, o que resultou em um modelo com taxa de acerto de somente 49%. Entretanto, no trabalho sucessor publicado três anos depois, o modelo de redes neurais artificiais foi aprofundado para 5 camadas, obtendo, assim, uma acurácia de 86%, a uma taxa de 40 classificações por segundo (Dollfus e Beaufort, 1999). Outro exemplo é o trabalho de Lallensack e colaboradores (2022), em que os autores visaram distinguir imagens de pegadas de dinossauros terópodes das pegadas dos ornitísquios, por meio de rede neurais com múltiplas camadas de neurônios, alcançando uma taxa de acertos também de 86%.


Apesar do avanço na aprendizagem profunda, as técnicas tradicionais de aprendizagem da máquina ainda são bastante utilizadas. Entre os vários algoritmos de aprendizagem existentes, se destacam três na paleontologia: máquina de vetores de suporte, floresta aleatória, e k-vizinhos mais próximos. O primeiro método de treinamento, a máquina de vetores de suporte, consiste em encontrar a divisão ótima do espaço, obtendo um hiperplano que separe dados distintos o máximo possível (Fig. 3A). A eficácia deste algoritmo foi certificada por Xu e colaboradores (2020), num estudo que visava, através de imagens, determinar de forma automatizada se existiam microfósseis ou não, alcançando acurácia de 85%. Por outro lado, ao repetir o experimento com a técnica de redes neurais, supostamente superior, o resultado foi insatisfatório, chegando a 0% de acerto para certas classes, em parte devido ao conjunto limitado de dados. Já o algoritmo da floresta aleatória cria múltiplas árvores de decisão, construídas através de subconjuntos de dados definidos aleatoriamente. A classificação ocorre pelo voto da maioria das árvores em uma determinada classe (Fig. 3B). No trabalho de Wills e colaboradores (2023), o modelo de floresta aleatória foi utilizado para determinar, através da morfologia, se dentes de terópodes fósseis eram ou não de maniraptores (grupo de celurossauros). Estimou-se uma eficácia de 86% para o modelo de floresta aleatória, o resultado mais satisfatório dentre os testados pelos autores. Por fim, a técnica dos k-vizinhos mais próximos (Fig. 3C) estima a classe de novas amostras baseada na classificação de uma quantidade k de dados mais próximos utilizados para treinamento (por exemplo, os k espécimes mais semelhantes entre si). Cita-se o trabalho de Conceição e colaboradores (2023), realizado por pesquisadores brasileiros, em que 42 gêneros de gimnospermas paleozoicas foram utilizados para treinar um modelo de classificação de plantas fósseis em ordens taxonômicas pré-conhecidas, por meio de variáveis da anatomia dos troncos, através desta técnica na versão de 1-vizinho mais próximo.

Figura 3. Os três métodos de aprendizagem da máquina mais utilizados em paleontologia. O ponto de interrogação indica uma entrada nova ao modelo treinado. A) máquina de vetores de suporte, em que as conchas são separadas dos ossos por um hiperplano (em vermelho), determinando a entrada nova como uma concha; B) floresta aleatória, em que a maioria das árvores elege a categoria osso para a entrada; C) k-vizinhos mais próximos, na versão 6-vizinhos mais próximos, em que se elege a classe concha para a entrada nova.

Perspectivas para o futuro


Sem dúvida, a inteligência artificial ainda possui um grande campo a ser explorado dentro da paleontologia. A automatização de métodos dispendiosos, tal como a classificação de um grande número de microfósseis, vem a atenuar a dificuldade dessa tarefa. Dessa maneira, os paleontólogos poderiam se concentrar em trabalhos com viés mais intelectual em detrimento de tarefas mecanizadas. Além disso, embora a definição dos algoritmos e seus hiperparâmetros consistam em uma escolha do pesquisador, a utilização da máquina vem a reduzir o nível de subjetividade empregada nos métodos tradicionais de análise.


Há, no entanto, grandes desafios a serem superados. A tridimensionalidade dos macrofósseis exige um poderio computacional maior e a utilização de técnicas mais complexas, sugerindo que a paleontologia abrace o espaço da Big Data, o que preceitua volume, variedade, velocidade, e veracidade dos dados. Entretanto, o volume de dados e sua velocidade de coleta costumam ser bastante limitados quando se trata de fósseis. Além disso, o registro paleontológico é raro e depende do grau de preservação, o que pode gerar falta de dados ou vieses no treinamento. Essa dificuldade pode nunca ser superada para alguns grupos fósseis ou tipos de pesquisas.


Em relação aos modelos, a expectativa é o aumento na profundidade das aprendizagens, com algoritmos multicamada. Técnicas mais sofisticadas, como as redes adversárias generativas, ainda pouco aplicadas pela comunidade paleontológica, devem se sobressair à medida que a inteligência artificial se torna cada vez mais comum. Resume-se em um modelo de redes neurais dupla: um gerador e um discriminador, os quais competem entre si para produzir saídas mais próximas possíveis. Com novas técnicas, as partes incompletas de esqueletos, por exemplo, poderão ser estipuladas automaticamente, auxiliando nas reconstruções filogenéticas.


No futuro, a inteligência artificial deverá envolver a descrição comparativa de fósseis, classificação, processamento de dados de imagens e codificação de caracteres morfológicos, auxiliando na condução de estudos em larga escala baseados em dados. Essa união entre a inteligência artificial e a paleontologia abrirá novas perspectivas de pesquisa e descoberta, oferecendo compreensões inovadoras sobre a evolução da vida na Terra e a história dos seres vivos que habitaram nosso planeta.

Referências

Conceição, D.M., Esperança Júnior, M.G.F., Iannuzzi, R., Recamonde-Mendoza, M., Malta, G.B.B.O. 2023. PaleoWood: a machine learning approach for determining the affinity of Paleozoic gymnosperm woods. Journal of South American Earth Sciences, 121, 104125.
Dollfus, D., Beaufort, L. 1996. Automatic pattern recognition of calcareous nanoplankton. Proceedings of the Conference on Neural Networks and their Applications (NEURAP 96), pp. 306–311.
Dollfus, D., Beaufort, L. 1999. Fat neural network for recognition of position-normalised objects. Neural Networks, 12, pp. 553–560.
Healy-Williams, N. 1983. Fourier shape analysis of Globorotalia truncatulinoides from late Quaternary sediments in the southern Indian Ocean. Marine Micropaleontology, 8, pp. 1–15.
Healy-Williams, N. 1984. Quantitative image analysis: Application to planktonic foraminiferal paleoecology and evolution. Geobios, 17, pp. 425–432.
Lallensack, J.N., Romilio, A., Falkingham, P.L., 2022. A machine learning approach for the discrimination of theropod and ornithischian dinosaur tracks. Journal of the Royal Society Interface, 19(196), 20220588.
Wills, S. Underwood, C.J., Barrett, PM. 2023. Machine learning confirms new records of maniraptoran theropods in Middle Jurassic UK microvertebrate faunas. Papers in Palaeontology, 9, e1487.
Xu, Y.X., Dai, Z., Wang, J., Li, Y., Wang, H. 2020. Automatic recognition of Palaeobios images under microscope based on machine learning. IEEE Access, 8, pp. 172972–172981.
Yu, C., Qin, F., Watanabe, A., Yao, W., Li, Y., Qin, Z., Liu, Y., Wang, H., Jiangzuo, Q., Hsiang, A.Y. and Ma, C. 2024. Artificial intelligence in paleontology. Earth-Science Reviews, 104765.

Evolução da respiração dos dinossauros na linhagem das Aves

Os terópodes são um grupo de dinossauros que surgiu há mais de 200 milhões de anos e habitam todos os continentes ainda hoje. Eles são conhecidos por suas adaptações que os tornaram os mais rápidos e aerodinâmicos de todos os dinossauros. Uma das principais características que contribuíram pra sua agilidade e resistência foi o sistema de sacos aéreos, que permitiu uma respiração mais eficiente e a capacidade de invadir os ossos do esqueleto com câmaras pneumáticas. Esse sistema é fundamental para entender a evolução dos terópodes e sua adaptação pra estes diferentes ambientes.

Hoje vamos falar sobre nosso artigo recente que desvendou um mistério sobre a evolução dos dinossauros terópodes. Este artigo, publicado na revista Journal of Anatomy, investiga a evolução do sistema de sacos aéreos em terópodes, esse grupo de dinossauros que inclui os mais longevos e os únicos que sobreviveram até hoje, na forma das aves.

Recentemente, pesquisadores descobriram que o sistema de sacos aéreos evoluiu pelo menos três vezes de forma independente nos avemetatarsalianos, um grupo que inclui pterossauros, saurópodes e terópodes. Enquanto os saurópodes apresentam uma arquitetura pneumatizada complexa em suas vértebras, os terópodes ainda são menos compreendidos nesse aspecto.

Nesse estudo, nós analisamos o esqueleto axial de dois dinossauros terópodes: Majungasaurus, um ceratosauriano, e Rahonavis, um paraviano. Ambos foram encontrados na Formação Maevarano, no norte da Madagascar, durante expedições realizadas nos últimos 30 anos. Nossa equipe utilizou a tomografia computadorizada desses fósseis pra detectar padrões de pneumatização nos ossos e comparar com outros grupos de terópodes.

Figura apresentando o ceratossauriano Majungasaurus (esquerda) e o paraviano Rahonavis, mostrando os elementos ósseos tomografados. Fonte: Aureliano et al. (2024).

O estudo revelou que o Majungasaurus, um dinossauro cuja linhagem se encontra mais próxima à origem dos terópodes, apresenta algumas vértebras com espinhos neurais e centros sem pneumaticidade. Isso sugere que a pneumatização nos terópodes pode ter evoluído de forma diferente da observada nos saurópodes. Por outro lado, Rahonavis, um paraviano próximo aos raptores e das aves, apresenta uma pneumatização mais complexa, o que pode ter proporcionado vantagens em voos e escaladas.

Figura acima apresenta a tomografia computadorizada de vértebras cervicais de diversos terópodes. Note o aumento do volume e da complexidade da pneumaticidade desde os Ceratosauria até as Aves. Fonte: Aureliano et al. (2024).

Comparando com outros dinossauros terópodes representantes dos grandes grupos, é possível observar um aumento na pneumaticidade e na complexidade destas estruturas desde o Majungasaurus até as cegonhas de hoje em dia.

A compreensão da evolução do sistema de sacos aéreos nos terópodes tem implicações para a biologia evolutiva e para a paleontologia. Ela pode ajudar a elucidar como os dinossauros se adaptaram a diferentes ambientes e como essas adaptações influenciaram na sua sobrevivência. Além disso, futuros estudos sobre os primeiros terópodes vão poder fornecer mais informações sobre a evolução deste sistema.

Essa pesquisa foi financiada pela Fundação Norte-Rio-Grandense de Pesquisa e Cultura, e pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Vídeo do nosso canal sobre esta pesquisa:

Bibliografia:

Aureliano, T., Almeida, W., Rasaona, M., & Ghilardi, A. M. 2024. The evolution of the air sac system in theropod dinosaurs: Evidence from the Upper Cretaceous of Madagascar. Journal of Anatomy. Link: https://doi.org/10.1111/joa.14113

Um dinossauro no exílio e a luta contra o colonialismo científico

Poucos imaginariam que um dinossauro do tamanho de um ganso desencadearia uma das maiores polêmicas da Paleontologia nos últimos anos. Para bem ou para mal, “Ubirajara jubatus” tem chamado a atenção como poucos fósseis na história da Paleontologia.

Arte de Saulo Daniel, publicada no Twitter.

Quando foi revelado ao mundo no dia 13 de dezembro de 2020, “Ubirajara jubatus” deveria ter sido visto como uma descoberta interessante do ponto de pista científico, pois tratava-se do primeiro dinossauro não-aviano com penas do Hemisfério do Sul. Contudo, a sua importância foi rapidamente ofuscada por um emaranhado de problemas éticos e legais. O estudo de “Ubirajara” representa um típico caso de colonialismo científico: um fóssil brasileiro que foi parar de maneira suspeita num museu alemão (Museu Estadual de História Natural de Karlsruhe) e uma pesquisa feita exclusivamente por cientistas estrangeiros.

O conceito de colonialismo científico foi definido em 1967 por Johann Galtung como “o processo pelo qual o centro de adquisição do conhecimento sobre uma nação está fora a própria nação”. Isto se aplica ainda à Paleontologia de vários países, cujas pesquisas, em pleno século XXI, são predominantemente feitas por estrangeiros.

Além do Brasil, países como China, Mongólia, Marrocos, República Dominicana e Myanmar, têm estado na mira, tanto de traficantes de fósseis, como de pesquisadores sem escrúpulos. Os fósseis atraem a curiosidade do público e são um valioso recurso em muitos aspectos: científico, educacional, cultural e até econômico, gerando turismo e beneficiando o comércio local. Porém, todos estes benefícios ficam num país estrangeiro, quando os fósseis são levados (legal ou ilegalmente) ao exterior e terminam estudados por equipes de outros países, o que cria dependência científica e perpetua desigualdades sociais.

No Brasil, assim como em toda a América Latina e na maior parte dos países do mundo, os fósseis pertencem legalmente à Nação onde são encontrados. Durante décadas, contudo, milhares de fósseis têm saído ilegalmente da região do Araripe, no Nordeste do Brasil, região muito rica em termos paleontológicos, mas com um baixo índice de desenvolvimento humano. Estes fósseis são adquiridos a preços irrisórios por estrangeiros, chegam ilegalmente a feiras e leilões na Europa e terminam em coleções privadas ou em museus estrangeiros.

Centenas destes fósseis no exílio têm sido estudados por cientistas estrangeiros de maneira impune nas últimas décadas. Este problema é mais do que conhecido pela comunidade científica brasileira, porém estamos acostumados a que as nossas vozes não sejam escutadas no exterior. Problema que não enfrentam, por exemplo, os autores do estudo de “Ubirajara ” e de vários outros fósseis extraídos irregularmente do Brasil. Eberhard Frey (ex-curador da coleção de vertebrados do museu onde ainda hoje está “Ubirajara”) era, até 2021, nada menos que o presidente da Associação Europeia de Paleontologia de Vertebrados (EAVP, sigla em inglês), enquanto que David Martill, também autor do estudo de “Ubirajara”, publicou um artigo defendendo abertamente que os paleontólogos desrrespeitem as leis locais.

É uma luta que sempre tem sido desigual. Porém, desta vez foi diferente. Estamos na era das redes sociais, da comunicação científica online e das hashtags. O uso de hashtags como #BlackLivesMatter e #MeToo têm mostrado que as redes sociais podem unir esforços em torno de uma causa. #UbirajaraBelongstoBR (Ubirajara pertence ao Brasil), criada no Twitter pela paleontóloga e divulgadora científica Aline Ghilardi, se espalhou como fogo na internet, poucas horas após a notícia do novo dinossauro. No Youtube, foram feitas várias lives denunciando o caso, uma delas, pediu ao público pra desenhar “Ubirajara” e protestar nas redes usando a hashtag #UbirajaraBelongstoBR. Em poucos dias este era o dinossauro mais desenhado do mundo: artistas, crianças e público geral participavam da campanha. O ruído produzido foi tão alto que em duas semanas a revista Cretaceous Research retirou a pesquisa do ar e anunciou que investigava o caso.

Em setembro de 2021, o museu de Karlsruhe contra-atacou, publicando no Instagram um comunicado no qual afirmavam que o dinossauro Ubirajara era ‘propriedade do estado de Baden-Württemberg’ e que não seria devolvido ao Brasil. Em poucos dias acumularam-se mais de 10 mil comentários pouco amigáveis de brasileiros usando a hashtag #UbirajaraBelongstoBR. O museu teve que desativar a sua conta no Instagram. Poucos dias depois, a revista Science revelou que “Ubirajara” foi importado pela Alemanha em 2006 por uma empresa privada e, então, comprado pelo Museu Estadual de Historia Natural de Karlsruhe, em 2009, o que contradizia a alegação de Eberhard Frey, que afirmava tanto que ele mesmo tinha transportado o fóssil para Alemanha em 1995, portando uma suposta autorização do governo brasileiro.

No 15 de novembro de 2021, publicamos uma carta na revista Nature Ecology and Evolution, na qual explicamos os problemas legais e éticos envolvendo não só “Ubirajara”, mas vários outros fósseis que encontravam-se no museu de Karlsruhe e em outros museus do país. Enviamos essa carta à ministra de Ciência e Cultura do estado alemão de Baden-Württemberg e, um mês depois, ela nos respondeu prometendo investigar o caso e tomar ações contra os responsáveis.

Em março de 2022 publicamos, então, um amplo estudo onde denunciamos o colonialismo científico em centenas de estudos sobre fósseis do Brasil e do México. E, finalmente, em julho de 2022, o Ministério de Ciência e Cultura de Baden-Württemberg anunciou que o Museu Estadual de Historia Natural de Karlsruhe tinha atuado de maneira desonesta e ordenou a devolução do fóssil ao Brasil. Além disso, solicitou ao museu que informasse sobre todos os fósseis que se encontram irregularmente na sua coleção.

Eberhard Frey aposentou-se prematuramente em 2022 e Norbert Lenz, também autor do estudo e diretor do museu, foi removido do seu cargo em julho de 2022.

Devido à repercussão gerada pelo caso, algumas revistas acadêmicas têm adaptado políticas mais rígidas sobre a origem legal dos fósseis nas suas publicações. Adicionalmente, alguns países começaram a retornar voluntariamente fósseis ao Brasil, como em outubro de 2021, quando uma universidade dos EUA entregou 36 aranhas fósseis ao Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, e em fevereiro de 2022, quando a Bélgica devolveu ao Brasil um pterossauro.

No momento em que estas linhas são escritas, seguimos esperando pela repatriação, não só do dinossauro “Ubirajara”, mas de centenas de outros fósseis que se encontram irregularmente em Karlsruhe e em outros museus da Alemanha. Aconteça o que acontecer, a Ciência não será a mesma após este caso. “Ubirajara” está já no salão da fama dos maus exemplos na Paleontologia, junto a Archaeoraptor e ao Homem de Piltdown.

*Este texto foi originalmente publicado em espanhol em http://saberesyciencias.com.mx/2023/02/10/dinosaurio-exilio-la-lucha-colonialismo-cientifico/

Referências:

Smyth, R.S.H. et al. 2020. WITHDRAWN: A maned theropod dinosaur from Gondwana with elaborate integumentary structures. Cretaceous Research.

Martill, D. 2018. Why palaeontologists must break the law: a polemic from an apologist. The Geological Curator 10: 641-649.

Padilha, P. K. 2020. ROUBARAM mais um DINOSSAURO DO BRASIL #UbirajarabelongstoBR. https://youtu.be/Uf_QjXwbEDU

Pérez Ortega, R. 2021. Retraction is ‘second extinction’ for rare dinosaur. Science 374: 14-15.

Cisneros, J.C. 2021. The moral and legal imperative to return illegally exported fossils. Nature Ecology & Evolution, 6:2-3.

Cisneros, J.C. 2022. Digging deeper into colonial palaeontological practices in modern day Mexico and Brazil. Royal Society Open Science 9:210898.

Sacos aéreos evoluíram múltiplas vezes!?

A espécie humana está na Terra há apenas 300 mil anos. Somos jovens nesse pequena planeta azul e dinâmico. Os dinossauros, por sua vez, estão por aqui há pelo menos 233 milhões de anos, desde o Período Triássico e, não custa lembrar, permanecem vivos até hoje na forma das aves. Esse grupo de animais tolerou e se adaptou a uma grande variedade de climas e mudanças dramáticas na configuração dos continentes ao longo do tempo. Por isso são um modelo excelente para estudarmos evolução biológica. Eles têm muito a nos ensinar sobre os segredos da sobrevivência.

Durante o auge do reinado dos dinossauros, na Era Mesozoica, o clima do nosso planeta era muito mais quente do que hoje. Uma das características que favoreceu este grupo de animais foi a evolução de sacos aéreos, um tipo de upgrade do sistema respiratório. Os sacos aéreos são estruturas conectadas aos pulmões, que se espalham por toda cavidade toráxica e abdominal desses animais, penetrando inclusive os ossos. Estão presentes nas aves atuais e não apenas tornam sua respiração mais eficiente, mas também ajudam a deixar os seus esqueletos mais leves, o que favorece, por exemplo, o voo. Apesar de muito característicos das aves, os sacos aéreos não são uma exclusividade dos delas. Eles também estavam presentes nos dinossauros não-avianos (todos os outros dinossauros, que não as aves) muito antes da evolução do voo.

Esquema mostrando os sacos aéreos em aves atuais. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sacos_a%C3%A9reos

Imagina-se que os sacos aéreos originalmente favoreceram os dinossauros por funcionarem como um sistema eficiente de captação de oxigênio e também por serem um sistema de refrigeração natural. Se você, hoje, fica ofegante fazendo exercícios no verão quente, saiba que os dinossauros eram (e são!) muito mais eficientes que você em captar oxigênio e se refrigerar. Não é à toa que eles saíram na frente na corrida evolutiva (enquanto nosso grupo, o dos mamíferos, ficou por quase 150 milhões de anos no banquinho de reservas evolutivo).

Já é bem sabido que dinossauros do Período Cretáceo, como o T. rex e alguns pescoçudos, como o Ibirania, tinham um extenso sistema de sacos aéreos pelo corpo. Inclusive, bem parecido com os das aves atuais. Só que a origem e evolução deste sistema tem sido um enigma por várias décadas. Será que os primeiros dinossauros, lá do período Triássico, já tinham sacos aéreos?

O que sabíamos era que a pneumaticidade do esqueleto relacionada a um sistema de sacos aéreos estava presente tanto em dinossauros derivados, ou seja, aqueles que viveram durante o Período Cretáceo, quanto em pterossauros, répteis voadores parentes próximos dos dinossauros. Ambos os grupos seguiram um caminho evolutivo independente a partir do Período Triássico. Uma explicação para a presença de sacos aéreos tanto em dinossauros quanto em pterossauros seria que a origem dessas estruturas se deu bem antes deles terem seguido seu caminho evolutivo independente, isto é, ainda em seus ancestrais.

Porém, a questão permaneceu em aberto. Faltavam estudos avaliando a presença dessas estruturas tanto em dinossauros mais antigos quanto em ancestrais dos pterossauros e dinossauros…

Para nossa sorte, o Brasil têm os fósseis dos mais antigos dinossauros e é aí que entra o estudo publicado agora em Dezembro de 2022 pelo nosso grupo de pesquisa, na revista Scientific Reports:

Para tentar solucionar este enigma, um grupo de pesquisadores brasileiros da Unicamp, UFRN, UFSCar e UFSM e um colaborador da Western University of Health Sciences, dos E.U.A., analisaram três fósseis de alguns dos mais antigos dinossauros do mundo, Buriolestes, Pampadromaeus e Gnathovorax, do Período Triássico do Rio Grande do Sul. Estes são alguns dos dinossauros mais antigos conhecidos até o momento, com 233 milhões de anos de idade!

Reconstrução do dinossauro herrerassaurídeo Gnathovorax. Arte por Márcio L. Castro.

Foi possível notar que os ossos da coluna vertebral (vértebras) desses animais apresentavam pequenos orifícios nas laterais. Sabemos que os sacos aéreos ingressam no esqueleto através de estruturas semelhantes a isso. Porém, os orifícios encontrados eram muito pequenos, o que talvez indicasse uma outra função.

Realizamos, então, tomografias de alta resolução (micro-tomografias) para investigar a estrutura interna dos fósseis. A análise revelou uma arquitetura bastante densa nas vértebras desses animais, bem diferente do que conhecemos em esqueletos permeados por sacos aéreos de dinossauros que viveram no Cretáceo ou mesmo as Aves. Porém, Buriolestes e Pampadromaeus mostraram uma vascularidade mais complexa no interior das vértebras, do que Gnathovorax. Uma vascularidade mais desenvolvida pode ter servido de alicerce para o surgimento das estruturas pneumáticas conhecidas como câmaras e camelas, típicas da invasão das vértebras por sacos aéreos.

Reconstrução do dinossauro Pampadromaeus. Arte por Márcio L. Castro.

A ausência de pneumaticidade no esqueleto pós-craniano desses dinossauros mais antigos contradiz a hipótese de que os sacos aéreos invasivos presentes em dinossauros e pterossauros são homólogos, ou seja, de que teriam surgido no ancestral comum desses animais. Isso indica que a pneumaticidade óssea associada à sacos aéreos evoluiu pelo menos três vezes independentemente em Avemetatarsalia, grupo que inclui dinossauros, pterossauros e seus parentes. Ou seja, evoluiu de forma independente em pterossauros, dinossauros terópodes (grupo dos dinossauros carnívoros) e sauropodomorfos (grupo dos dinossauros pescoçudos).

Uma árvore simplificada dos dinossauros e seus parentes mostrando a evolução independente dos sacos aéreos em pterossauros, dinossauros terópodes e sauropodomorfos.

Essa descoberta muda a forma como compreendíamos os dinossauros e seus parentes. Passo a passo estamos entendendo melhor a sua evolução e o segredo do seu sucesso. É possível que algum fator ambiental tenha sido o gatilho para a evolução desse sistema sacos aéreos em diferentes grupos de avemetatarsalianos, mas isso são cenas para os próximos capítulos!

Gostaríamos de agradecer as agências de fomento que tornaram possível esta pesquisa: o CNPq, a FAPESP e a FAPERGS.

Acesse o artigo completo: Aureliano et al. 2022. The absence of an invasive air sac system in the earliest dinosaurs suggests multiple origins of vertebral pneumaticity. Scientific Reports. https://www.nature.com/articles/s41598-022-25067-8

E assista o vídeo de divulgação: https://youtu.be/8XenPxROthY

Um dinossauro pescoçudo nanico é o mais novo dinossauro brasileiro

Os maiores animais a caminharem em terra firme foram os dinossauros saurópodes, apelidados de pescoçudos. Algumas espécies de pescoçudos,  como o Argentinosaurus ou o Patagotitan, encontrados na Argentina, podiam ultrapassar 30 metros de comprimento. Verdadeiros colossos capazes de fazer a terra tremer! Mas nem todos os saurópodes eram assim… Existiram centenas de espécies desses dinossauros em quase todos os continentes e, apesar da maioria ser conhecida pelo seu grande tamanho, algumas formas adotaram uma tendência contrária. Existem alguns casos de pescoçudos anões, formas com a altura de um cavalo ou de um camelo, como Magyarosaurus ou Europasaurus, encontrados em ambientes de ilhas antigas. Via de regra, essas formas anãs são encontradas em ambientes de ilhas, pois devido a restrição de área e recursos, a miniaturização do corpo pode ser uma vantagem. Porém, para nossa surpresa, fósseis de uma nova espécie de dinossauro pescoçudo anão foram encontradas aqui no interior do Brasil, em um lugar que esteve bem longe do mar durante toda a Era dos Dinossauros. Essa espécie de dinossauro foi descoberta na cidade de Ibirá, no interior de São Paulo, e se tornou uma das menores espécies de dinossauros pescoçudos conhecidas do mundo!

Reconstituição da nova espécie de dinossauro anão de Ibirá. Arte por Matheus Gadelha.

Por mais de 15 anos o Prof. Marcelo Fernandes (UFSCar) e seu grupo de pesquisa, eu inclusa, têm coletado fósseis no Noroeste Paulista, em uma localidade onde são encontrados abundantes fósseis de dinossauros. As rochas e fósseis dessa localidade datam do Período Cretáceo e têm aproximadamente 80 milhões de anos. Dentre os fósseis recuperados estão restos de dinossauros carnívoros, crocodilos, tartarugas e vários outros animais da “Era dos Dinossauros”. Muitos restos de dinossauros herbívoros foram encontrados na localidade, mas até o momento nenhuma espécie de pescoçudo havia sido nomeada para a região.

Eu procurando por fósseis no sítio onde foram encontrados fósseis do pequeno pescoçudo em Ibirá, SP. Foto por Tito Aureliano.

Fui eu quem trabalhou pela primeira vez, durante a minha graduação, com os fósseis do pequeno dinossauro pescoçudo de Ibirá. Àquela época, o dinossauro não ganhou nome, mas foi reconhecido como diferente das outras espécies descritas para o Brasil até então. Muito tempo se passou, mais fósseis desse pequeno dinossauro foram encontrados e, finalmente, alguns anos atrás, a missão de liderar a descrição da espécie desse misterioso dinossauro nanico foi dada ao paleontólogo Bruno Navarro, atualmente estudante de doutorado no Museu de Zoologia da USP, e especialista em dinossauros saurópodes. Bruno, Marcelo e eu contamos com a ajuda de uma excelente equipe de colaboradores nesse processo e, no último dia 15 de setembro, apresentamos formalmente essa nova espécie de dinossauro ao mundo científico.

O colega Bruno Navarro em Ibirá, SP, procurando por fósseis. Foto do arquivo pessoal de Bruno.

Comparando os fósseis do pequeno dinossauro de Ibirá com materiais de outros animais do mesmo grupo encontrados no Brasil e no mundo, foi possível concluir que ele pertencia à família dos saltassauros, um grupo de titanossauros que inclui algumas espécies de já de tamanho bastante reduzido. Além disso, o pequeno dinossauro de Ibirá apresentava várias características únicas, não compartilhadas com seus parentes mais próximos, logo, uma nova espécie poderia ser batizada. O nome escolhido foi Ibirania parva. Ibirania é a junção das palavras Ibirá – cidade onde a espécie foi encontrada – e ania que em grego significa “caminhante, peregrino”. Já parva é o latim para ‘pequeno’. Como a palavra Ibirá vem do Tupi para “Árvore” – é possível traduzir o nome desse dinossauro como “o pequeno peregrino das árvores”.

Reconstituição artística de Ibirania parva por Hugo Cafasso.

Desde o princípio era possível notar que os fósseis desse pescoçudo de Ibirá eram muito pequenos quando comparado a outros titanossauros, mas ao estimar o tamanho aproximado de um dos espécimes analisados, nos surpreendemos. Ele teria entre 5 e 6 metros de comprimento e seria da altura de uma vaca, o que o colocaria entre as menores espécies de saurópodes já descritas do mundo! Para checar se o tamanho reduzido seria porque o  espécime era apenas um jovem quando morreu, resolvemos analisar o tecido ósseo fossilizado do dinossauro ao microscópio. Essas amostras foram analisadas pelo paleontólogo Tito Aureliano, atualmente estudante de doutorado da Unicamp. A partir da análise do tecido ósseo foi possível concluir que Ibirania realmente era uma espécie de titanossauro anão, já que os fósseis pertenciam a um animal adulto no momento de sua morte, ou seja, ele não cresceria mais ao longo de sua vida.

Tamanho estimado de Ibirania parva comparado a um humano de 1,80m. Em destaque as partes descobertas do esqueleto.

Vértebra dorsal de Ibirania parva. Imagem de Navarro et al. (2022). Escala = 10cm.

No interior de São Paulo, durante o final do Período Cretáceo, há 80 milhões de anos, caminharam muitos dinossauros pescoçudos de grande tamanho, e até gigantes, como o Austroposeidon. Mas havia algo de especial na região de Ibirá, que favoreceu a existência de pescoçudos nanicos. Diferente de outros anões que viviam em ilhas tropicais onde hoje é a Europa, como Magyarosaurus ou Europasaurus, Ibirania vivia no interior do Brasil, em um ambiente semi-árido com períodos chuvosos intercalados por secas intensas. Foi esse ambiente hostil, com recursos limitados periodicamente, que selecionou esses pequenos dinossaurinhos herbívoros, que ao invés de migrar, provavelmente permaneciam residentes na região.

Ibirania é a primeira espécie comprovadamente anã das Américas e viveu em um contexto muito diferente dos outros dinossauros pescoçudos anões já encontrados. Ela acrescenta novas informações sobre a evolução dos titanossauros e também sobre a ocorrência de nanismo em dinossauros saurópodes. Ibirania recebeu o apelido carinhoso de “Bilbo”, em referência ao hobbit de “O Senhor dos Anéis”, por ser um nanico entre gigantes. Se você quiser saber todas as descobertas que este ‘dinossauro-Hobbit’ já forneceu, assista à playlist: https://www.youtube.com/watch?v=_kH96sPGjfg&list=PLHPifkNwYyYYNFP-wvUXNti7NGkfNQ8hz.

O estudo foi publicado na revista Ameghiniana e pode ser acessado AQUI.

Assista também ao vídeo de divulgação:

Referência:

A. Navarro, B., M. Ghilardi, A. ., Aureliano, T., Díez Díaz, V., N. Bandeira, K. L., S. Cattaruzzi, A. G., V. Iori, F., M. Martine, A., B. Carvalho, A., Anelli, L. E., A. Fernandes, M., & Zaher, H. (2022). A NEW NANOID TITANOSAUR (DINOSAURIA: SAUROPODA) FROM THE UPPER CRETACEOUS OF BRAZIL. Ameghiniana, 59(5), 317-354. https://doi.org/10.5710/AMGH.25.08.2022.3477