Apesar de ter nome de combo de lanchonete (me vê aí um Bauru, um suco e um salgado!), Baurusuchus salgadoensis é um tipo de crocodilomorfo terrestre, que viveu aqui no Brasil há mais de 85 milhões de anos, quando o interior do Estado de São Paulo ainda era dominado pelos dinossauros.
Acertou na mosca o paleo-enigma, Roberto!
Apesar do nome parecer inusitado, ele tem uma boa explicação:
Bauru-, faz referência a unidade geológica “Bauru”, que é o nome que se dá as rochas onde se encontram os fósseis desses animais; –suchus, do grego, significa “crocodilo”; e salgadoensis faz referência ao município de General Salgado, no Estado de São Paulo, onde o primeiro exemplar desse animal foi encontrado.
A ideia, ao batizar a criatura, era tornar fácil o reconhecimento por parte de outros paleontólogos, tanto da natureza do animal (-suchus), quanto de sua procedência geológica (Bauru-) e geográfica (salgadoensis).
Nomear um animal com base nesses critérios é muito comum. Veja, por exemplo: Mariliasuchus ou Adamantinasuchus, outros dois tipos de crocodilomorfos que receberam o nome de acordo com o a localidade geográfica e a unidade geológica de procedência; ou ainda Uberabatitan ou Edmontosaurus: “O titã de Uberaba” e o “lagarto de Edmonton (Canadá)”, respectivamente.
Homenagear pessoas também é uma escolha muito usual. Staurikosaurus pricei, por exemplo, foi batizado em homenagem à Llewellyn Ivor Price,um pesquisador ícone da paleontologia brasileira. Já Darwinius masilae, um adapiforme (tipo de primata basal), foi descrito em homenagem à, nada mais, nada menos, do que o próprio Charles Darwin. Até mesmo a primeira espécie descrita para o gênero Baurusuchus, B. pachecoi, foi para homenagear um consagrado paleontólogo brasileiro, Joviano Pacheco!
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A pergunta mais comum quando o assunto ‘nome de espécies’ está em pauta é: Eu posso dar o nome que eu quiser, se eu descobrir um animal?
Na teoria sim, mas existe um código que regulamenta isso: o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica (ICZN). Esse código procura garantir que cada nome seja único, distinto e universal. Ele impõe algumas regras a serem seguidas, assim como dá algumas sugestões. O Código, por exemplo, exige o caráter binomial do nome da espécie, assim comoorienta para a utilização de termos de origem latina ou latinizados para batizá-la (veja mais detalhes do ICZN AQUI). O Código, todavia, deixa livre a criatividade do descobridor e aí começam surgir as bizarrices…
Qual é o animal pré-histórico (extinto, da época dos dinossauros!) que…
….você encontra no cardápio da lanchonete???
Esse enigma é fácil! Ele veio para introduzir o assunto surpresa do próximo post… Deixe seu palpite nos comentários e volte até domingo para conferir a resposta!!
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“Uma sinfonia de imagens abrevia em 60 segundos o trabalho de Paleontólogos. Passo a passo, essa ciência se desnuda ao espectador por meio de um frenético balé visual. Fotografias capturadas ao longo de 5 anos de pesquisas ilustram a árdua e extensa jornada em busca de fósseis. Em meio a uma coleção de ossos – de dinossauros e outros seres pré-históricos -, o paleontólogo escava o tempo em busca suas respostas. Sua epifania, como não poderia deixar de ser, é a construção do conhecimento.”
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Não tão famoso mundialmente quanto o Monstro do Lago Ness, mas pelo menos, muito melhor documentado.
O Misterioso Monstro de Tully (e suas lições para Paleontologia):
Diferente do lendário monstro escocês, o Monstro de Tully é um fato.
Encontrado unicamente na região de Illinois, Estados Unidos, a criatura bizarra acabou por tornar-se símbolo desse Estado americano.
O tal monstro desafia a literatura da zoologia de invertebrados:
Trata-se de uma criatura de corpo mole, fusiforme, segmentado e com um longo rostrum, que mais se assemelha a uma tromba. Essa ‘tromba’ é coroada por uma boca em pinça, com duas estruturas em formato de ‘garras’.Dois prolongamentoscom função desconhecida se projetam lateralmenteda sua parte ventral, assim como um achatamento e alargamento lateral de sua região posterior formam de uma espécie de “nadadeira”.
Os maiores exemplares não ultrapassam 35 cm de comprimento, e o mais interessante:nenhuma outra criatura viva ou fóssil já encontrada se assemelha a esse animal…
Afinal:
O QUE É O MONSTRO DE TULLY??
E PORQUE “MONSTRO“??
Sem pânico. Eles não são criaturas sugadoras de cérebros ou devoradores de carne rastejantes e asquerosos. Apesar do nome e de sua descrição levarem a uma quase imediata associação aos filmes trash de monstros dos anos 70 e 80…
O “Monstro de Tully”, na verdade, é conhecido somente por meio de fósseis.
Pois é, não fique tão decepcionado…
A foto acima não passa de uma brincadeira. Uma brincadeira muito bem bolada, devo admitir!
O autor da pegadinha é Bryan Patterson, então professor da Universidade de Havard, que enviou esta foto ao colega Eugene Richardson, do Field Museum of Natural History, no Natal de 1968. A foto vinha com a seguinte legenda: “O fim da caçada”.
A graça da brincadeira estava no ar de mistério que então envolvia os fósseis apelidados de “Monstros de Tully”: Ninguém fazia a menor ideia do que ele se tratava.
Eugene foi quem apresentou à Bryan esta criatura pela primeira vez.
Bryan ficou tão impressionado e intrigado com o animal misterioso, que resolveu pregar uma peça no colega. Inventou uma fantasiosa história sobre estranhos “vermes dançantes” em Turkana, na África, que tratar-se-iam de criaturas muito semelhantes ao tal “Monstro de Tully”…porém ainda viventes.
A história do fóssil era tão problemática, que a possibilidade de existirem animais viventes aparentados seria simplesmente fantástica! Porém, foi tudo uma brincadeira. A foto criada por Patterson representaria o registro de uma bem sucedida caçada ao animal fantasioso.
A descoberta do monstro
Mr. Francis Tully e seu ‘monstro’
Descobertos no final da década de 1950 por Francis Tully em uma mina próxima a Braidwood, Estado de Illinois, os fósseis desse estranho animal deixaram perplexos os pesquisadores da época. Aparentemente abundantes no registro local, mas distintos de qualquer outro ser vivente ou fóssil conhecido até então, não havia como estabelecer qualquer afinidade para a criatura.
Perante o mistério que envolvia o animal, ele foi apelidado de “Mr. Tully’s Monster” e depois, batizado formalmente por Eugene Richardson como Tullimonstrum gregarium, uma forma latinizada do apelido informal recebido anteriormente (“gregarium” significando “comum”).
Aparentemente encontrado única e exclusivamente no Estado de Illinois (EUA), Tullimonstrum provém de depósitos estuarinos com idades de 300 milhões de anos (Período Carbonífero). –> Nessa época, por exemplo, os vertebrados encontravam-se ainda no início de sua conquista do ambiente terrestre e enormes florestas de samambaias e licopódios prosperavam ao redor do mundo. – Estas imensas florestas, que viriam a formar as nossas mais ricas reservas de carvão mineral.
Uma excepcional preservação
Os fósseis de Tullimonstrum foram preservados de uma maneira muito especial. Animais de corpo molesão raros no registro fossilífero, enquanto que partes duras, mineralizadas (como conchas, ossos, escamas e dentes) são mais recorrentes porque resistem mais facilmente aos processos tafonômicos (i.e. necrofagia, decomposição, desarticulação, sepultamento, etc.). Então o que pode ter havido com os fósseis de Tullimonstrum?
Tullimonstrum pertence a uma famosa assembléia fóssilífera de animais de corpo mole e plantas muito bem preservados provenientes de uma unidade conhecida como como Mazon Creek. Devido a qualidade excepcional de seus fósseis, Mazon Creek é considerada um Konservat-lagerstätte (clique aqui e leia mais sobre isso).
Condições químicas especiais no ambiente de fossilização é que favoreceram a preservação detalhada de tantas plantas e invertebrados. Íons dissolvidos na água salgadareagiam com a lama e a matéria orgânica dando início a formação de um nódulo ao redor dos corpos sepultados de organismos (Veja a foto a seguir). Foram esses nódulos, compostos de siderita, que ajudaram na preservação do registro da vida antiga. Hoje eles são encontrados entremeados em um pacote de folhelho, que apresenta entre 25 e 30 metros de espessura e é recoberto por uma valiosa camada de carvão.
Tulimonstrum, molde e contra-molde
Esquesitice inigualável
Sem dúvida, Tullimonstrum é o maiorincertae sedis até hoje. Mesmo depois de décadas desde o seu descobrimento e milhares de exemplares bem preservados terem sido coletados, não foi possível reconhecer qualquer caráter compartilhado com filos modernos. Semelhanças, todavia, já foram observadas em fósseis de idade Cambriana, como Opabinia* e Vetustovermis, porém tais apontamentos não passaram de especulações até agora. Nenhum estudo se aprofundou nessa questão.
Sua bizarrice é tamanha, que tornou-se carismática. Acabou por virar uma lenda da Paleontologia. Trata-se de um dos principais exemplos sobre as mais diversas e excêntricas experimentações da vida durante sua radiação e evolução no planeta. Quantos grupos de organismos não terminaram em uma um “beco sem saída” como o Tullimonstrum? Seria ele um dos últimos raros sobreviventes de um filo de origem Cambriana?
As lições do monstro
O monstrinho de Tully nos deixa algumas lições:
A Paleontologia é sempre cheia de lacunas. Principalmente aquela que estuda os invertebrados.
Temos que lembrar, que o registro fóssil é descontínuo! Tanto no tempo, quanto no espaço… e que, além disso, e talvez PRINCIPALMENTE, sofre um desvio brutal por aquilo que chamamos de processos tafonômicos (leia mais sobre isso AQUI e AQUI ***). Esses, muito mais cruéis com os pobres animais de corpo mole….
O que conhecemos por meio dos fósseis hoje, é apenas a pontinha de um gigantesco iceberg de tudo que já existiu.
Se as afinidades mais próximas de Tullimonstrum realmente forem com criaturas de idade Cambriana, pelo menos mais de 210 milhões de anos de história desse grupo de animais se passou sem que um único fóssil de um representante de sua linhagem fosse preservado.
É bem provável que nunca teremos conhecimento de uma imensa quantidade de páginas da história da vida e é um fato, que milhares de personagens se perderam para sempre. No meio dessa história, o monstro de Tully vai continuar sendo um mistério… até que a próxima peça do quebra-cabeça seja revelada.
Referências
Johnson, R.G, and Richardson, E.G. 1969. Pennsylvanian invertebrates of the Mazon Creek area, Illinois: The morphology and affinities ofTullimonstrum. Fieldiana: Geology 12 (8): 119–149.
Simiosauria!!! Isso mesmo. Na imagem do enigma está representada a ponta da cauda de um Simiosauria. Esses bichinhos são répteis típicos do período Triássico e viveram entre 220-216 milhões de anos atrás. Pouca gente já ouviu falar, mas eles têm tem uma história muito interessante pra contar.
Ainda no início do Era Mesozóica os répteis começaram a dominar todos os cantos do planeta, seja terra, água ou ar. Por mais de 150 milhões de anos, eles seriam reis absolutos de todo ecossistema terrestre. Do seu reinado, os personagens mais famosos são os dinossauros, os pterossauros e os répteis marinhos. Ora, entre tantos gigantes, quem daria atenção algo tão pequeno e discreto quanto um camaleão…? Os Simiosauros não tem quase nenhuma relação com esses répteis da atualidade, mas sabiam fazer muito bem uma coisa que os camaleões também sabem: escalar árvores!
Os Simiosaurios deveriam ser mestres da escalada. Uma série de adaptações favoreceu a conquista a copa das árvores como a presença de dedos opositores nas mãos – e em alguns casos nos pés – e o auxílio de uma poderosa cauda preênsil (com exceção de uma única espécie, Hypuronector). Foi o inferido comportamento arborícola desses animais, que rendeu o nome ao grupo, que signica, nada mais, nada menos, que “réptil macaco”.
Na ponta da cauda preênsil de pelo menos duas espécies – das seis conhecidas – está uma das mais curiosas modificações: Uma “garra”! Não é uma garra verdadeira. Na verdade as últimas vértebras foram fundidas para formar uma estrutura semelhante a uma garra, cujo formato também lembra muito a do aguilhão dos escorpiões. A função? Possivelmente ajudar a manter o animal firme no alto das árvores.
Fóssil de Drepanosaurus, proveniente do norte da Itália. Clique na imagem para ampliar e ver o detalhe da “garra” na ponta da cauda.
Outra curiosidade sobre os Simiosauria é o formato do seu crânio. Veja bem a imagem ao lado. Lembra muito o crânio das aves. Alguns pesquisadores chegaram inclusive a sugerir que os Simiosauria poderiam ser bons canditados a ancestrais desses animais emplumados. O que mostrou-se um grande engano, todavia.
Evidências mais do que suficientes indicam que os dinossauros são a verdadeira origem aviana. Ou seja, que aves são nada mais que dinossauros com bico, sem dente e penas. O que aconteceu no caso dos Simiosauria é um exemplo de convergência evolutiva. Isso quer dizer: o seu ancestral não é comum ao das aves, mas ambos os grupos desenvolveram características semelhantes independentemente.
Fósseis de Simiosauria são conhecidos da Itália (Megalancosaurus,Drepanosaurus e Vallesaurus), dos Estados Unidos (Dolabrosaurus e Hypuronector) e há um único registro na Inglaterra. O bicho da foto do enigma só podia ser da Itália, já que os únicos simiossáurios com a tal “garra” na cauda foram encontrados ali..
O estudo mais recente sobre simiossáurios foi publicado em 2010 por Silvio Renesto e colaboradores. No trabalho, a equipe de cientistas descreve uma nova espécie de Vallesaurus e refaz o estudo filogenético do grupo inteiro. Eles destituem o clado Simiosauria e criam um novo, Drepanosauromorpha, que inclui Elyurosauria e Hypuronector, a espécie mais bizarra das 6 conhecidas (Veja a última figura deste post).
Elyurosauria englobaria as duas espécies de Vallesaurus, além de Dolabrasaurus, Drepanosaurus e Megalancosaurus (Veja imagem abaixo).
Elyurosauria=“réptil de cauda enrolada”.
Clique para ampliar!Megaloncosaurus por Emilio Rolandi. Visite o Portifolio: http://rolandi.deviantart.com/O estranho Hypuronector por Alain Beneteau. Visite o Portifolio: http://dustdevil.deviantart.com/
Esses animais possivelmente se alimentavam de insetos e tinham um bote poderoso a julgar pelo pescoço flexível e as vértebras fusionadas sobre os ombros, que formavam um tipo de corcova fornecendo uma superfície ampla para a fixação dos músculos cervicais. Essa adaptação permitiria uma movimentação rápida e precisa na hora de capturar a presa.
Devido ao fato de quase todas as espécies apresentarem um certo nível de achatamento caudal e serem encontradas unicamente em depósitos lacustres, chegou-se a propor – no início dos estudos – um hábito de vida aquática para esses animais. Essa hipótese hoje é absolutamente descartada, frente o melhor conhecimento anatômico do grupo.
Espero que tenham gostado! Enquanto isso, fiquem espertos e se preparem para o próximo paleo-enigma!! Para saber mais: Renesto, S., Spielmann, J.A., and Lucas, S.G. (2009). “The oldest record of drepanosaurids (Reptilia, Diapsida) from the Late Triassic (Adamanian Placerias Quarry, Arizona, USA) and the stratigraphic range of the Drepanosauridae.” Neues Jahrbuch für Geologie und Paläontologie Abhandlungen, 252(3): 315-325. doi: 10.1127/0077-7749/2009/0252-0315.
Renesto, S. (2000). “Bird-like head on a chameleon body: new specimens of the enigmatic diapsid reptile Megalancosaurus from the Late Triassic of northern Italy.”Rivista Italiana di Paleontologia e Stratigrafia, 106: 157–180. Abstract
Senter, P. (2004). “Phylogeny of Drepanosauridae (Reptilia: Diapsida).” Journal of Systematic Palaeontology, 2(3): 257-268.
Colbert, E. H., and Olsen, P. E. (2001). “A new and unusual aquatic reptile from the Lockatong Formation of New Jersey (Late Triassic, Newark Supergroup).” American Museum Novitates, 3334: 1-24.
Renesto, S. (1994). “Megalancosaurus, a possibly arboreal archosauromorph (Reptilia) from the Upper Triassic of northern Italy.” Journal of Vertebrate Paleontology, 14(1): 38-52.
Silvio Renesto, Justin A. Spielmann, Spencer G. Lucas, and Giorgio Tarditi Spagnoli. (2010). The taxonomy and paleobiology of the Late Triassic (Carnian-Norian: Adamanian-Apachean) drepanosaurs (Diapsida: Archosauromorpha: Drepanosauromorpha). New Mexico Museum of Natural History and Science Bulletin. 46:1–81
O antigo post do Colecionadores de Ossos sobre Simiosauria está AQUI.