O matador de passarinhos

separando o joio do alpiste
por Ricardo Braga Neto (Saci)
O conhecimento humano é mesmo muito vasto. Sabemos como ir à Lua, como escrever uma peça de teatro, a usar veneno de sapo para caçar. Sabemos! No plural: os seres humanos sabem. Eu sou um desses, logo eu sei? Não sou nenhum Neil Armstrong, nem William Shakespeare, quem dera um Yanomami. Bem que eu gostaria. Mas eu sei que eles sabem algo que eu não sei. Se um alienígena chegasse ao planeta agora, eu teria orgulho em contar para ele que o rádio foi uma grande invenção que revolucionou a comunicação entre as pessoas. Mas se foi Guglielmo Marconi que aprimorou idéias malucas de James Maxwell sobre ondas eletromagnéticas que se propagavam no espaço, idéias que foram testadas por outra pessoa, Heinrich Hertz em 1888, seria justo citar apenas um inventor para o rádio? Sabemos, no plural, pois individualmente sabe-se muito pouco, quase nada sobre a maioria das coisas. E a essência da ciência é essa. Nada mais que um acúmulo coletivo de experiências, buscando um meio objetivo de tentar entender o mundo em que evoluímos.
Pouco mais de um século depois, outro grande invento da humanidade deu à comunicação asas velozes do tamanho do mundo. E a produção de ciência acompanhou a ascensão da internet e dos gigabytes. Não existem apenas mais pessoas fazendo pesquisa, cada pessoa faz mais. A comunicação online foi a alavanca dessa conquista, mas em geral os pesquisadores brasileiros exploram pouco os recursos da web. Se por um lado cada pesquisador cumpre sua função publicando suas idéias e resultados relevantes em revistas de alto fator de impacto, ‘peer reviewed’ com um corpo editorial rigoroso, isso está perfeitamente correto. Isso é lastro científico. Porém, por outro lado, a comunicação científica complementar desses mesmos resultados para o restante da sociedade em veículos especializados fica relegada ao terceiro plano, à penúltima página da agenda, a uma idéia lembrada em um momento inoportuno. Infelizmente, muitas vezes os responsáveis pelas pautas jornalísticas cometem gafes com imprecisão, são apressados e não permitem a revisão de conteúdo antes de apertar a tecla PRESS. Contudo, algumas vezes, alguns jornalistas cometem delitos dignos de mea culpa.
Um exemplo fresquinho vem de uma entrevista na revista Época sobre o pesquisador Alexandre Aleixo, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Ainda que o conteúdo das respostas de Aleixo reflita a experiência e profissionalismo de alguém que é “apenas” o curador da coleção de aves do MPEG, a abordagem da entrevistadora induz o leitor de forma subliminar a se armar contra um absurdo óbvio: estão matando passarinhos indefesos e chamando isso de ciência. A repercussão não foi das menores: a entrevista, publicada em 31/10/08, foi a mais comentada na última semana no site da Época. A Assessoria de Comunicação do MPEG escreveu uma resposta ao editor da revista protestando com toda a razão. Aparentemente, tomando alguns comentários a esse artigo e o posicionamento incisivo da entrevistadora, o público não tem uma idéia clara da realidade de pesquisa básica sobre biodiversidade, seja na Amazônia ou em qualquer outro lugar do mundo.
Esse tipo de desserviço jornalístico à imagem de cientistas brasileiros idôneos e produtivos não deve ficar impune, mas sim gerar uma revolta inteligente por parte dos pesquisadores, uma revolta tranquila, que os leve a tomar as rédeas da comunicação dos resultados de suas pesquisas à sociedade. A ignorância leva ao medo. E o medo ao erro. Pois bem, um bom modo de vencer o medo é dialogar com as pessoas sobre nosso trabalho, usando canais de divulgação rápidos, precisos e eficientes. Este blog [ULE, União Local de Ecólogos (Inpa)] é um exemplo metafísico (e gratuito) que isso não é tão inacessível assim. Acreditamos que isso aumentará muito a visibilidade do nosso trabalho. Um jornalista especializado em meio ambiente me escreveu recentemente: “O blog é bem interessante. Primeiro, porque é um canal de divulgação rápido e preciso; segundo, porque facilita a vida dos repórteres, dado que a maioria dos pesquisadores tem pouquíssimo tempo para atender a jornalistas e com o blog a informação é mais rapidamente divulgada. Boa iniciativa. Espero que prospere. Qualquer novidade é só entrar em contato.”
Parcerias entre jornalistas e pesquisadores devem ser estimuladas, sempre buscando devolver ao público um pouco do investimento; afinal muito dos recursos que bancam as pesquisas são públicos. Críticas saudáveis sempre serão bem-vindas, mas abordagens infantis dentro de um periódico do escopo da revista Época devem ser rechaçadas com veemência.
Publicado originalmente no blog da ULE (União Local de Ecólogos, Inpa) :: http://uleinpa.blogspot.com/
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Saci é biólogo e trabalha com ecologia de fungos na Amazônia. Dentre outras safadezas, escreve para o blog da ULE, União Local de Ecólogos (Inpa) [http://www.uleinpa.blogspot.com/].