Zoneamento agroecológico a cana

por Glenn Makuta

Quinta-feira, dia 17 de setembro de 2009, foi lançado o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar (ZAE Cana) no Brasil. é uma iniciativa com muitos aspectos positivos, sim, mas nem por isso são apenas as mil maravilhas. aparentemente apresenta mais pontos positivos que negativos…

Pra começar, eis o vídeo de lançamento do ZAE Cana:

O vídeo é lindo, isso é inegável: belas imagens, frases de impacto, uma musiquinha contínua, calma e com alguma identidade folclórica genuinamente brasileira…

Então vamos ver… vou apontando alguns aspectos que achei relevante, tanto positiva como negativamente:

– a iniciativa é de entidades respeitadas que agiram sinergicamente como embrapa (empresa brasileira de pesquisa agropecuária), unicamp(universidade estadual de campinas), ibge (instituto brasileiro de geografia e estatística), cepagri (centro de pesquisas metereológicas e climáticas aplicadas a agricultura), conab (companhia nacional de abastecimento), inpe (instituto nacional de pesquisas espaciais), cprm (companhia de pesquisa de recursos minerais), além da participação dos ministérios do meio ambiente (MMA), de agricultura, pecuária e abastecimento (MAPA), de minas e energia (MME), ciência e tecnologia (MCT), do planejamento, orçamento e gestão, e da casa civil. o estudo foi detalhado abordando diversos aspectos, como as condições do solo e do clima de cada região, tudo tendo a cana como referencial.

– regulamenta políticas públicas para a ocupação de terras por plantações de cana-de-açúcar, delimitando seu cultivo apenas a áreas já degradadas pela agricultura intensiva ou semi-intensiva, lavouras especiais (perenes, anuais) e pastagens, limitando e ordenando sua expansão. além disso considerou-se características climáticas e do solo, relacionados com os requerimentos desta cultura, classificando cada um dos três tipo de uso da terra (agrícola, pecuária ou agropecuária) em aptidões agrícolas alta, média ou baixa. é possível verificar isso em mapas detalhados em nível nacional ou estadual aqui.

– algumas áreas foram excluídas do zoneamento:

1. as terras com declividade superior a 12%, observando-se a premissa da colheita mecânica e sem queima para as áreas de expansão. [acabar com queimadas para colheita é bem importante, já que os principais fatores de ecotoxicidade assim como de toxicidade humana, estão relacionadas às queimadas. a degradação do solo também é bastante reduzida se suspendermos a queimada. a mecanização da colheita também é um grande diferencial, pois dá condições de trabalho mais dignas ao passo que gera outro grande problema social: emprega mão-de-obra especializada em operar máquinas para colheita de cana em detrimento de mão-de-obra pouco ou nada qualificado que é/era utilizado na colheita manual, agravando ainda mais a situação de oportunidade de trabalho para classes mais baixas];

queimadas da cana para colheita, ainda bastante comuns no estado de são paulo
2. as áreas com cobertura vegetal nativa [ótimo! o que sobra de Cerrado e outros biomas tende a continuar intacto, pelo menos em relação a cana…];
3. os biomas Amazônia e Pantanal [esse ponto é um ponto crítico para gringos, creio eu, já que o que eles conhecem de brasil é que temos o que erroneamente é conhecido como o “pulmão do planeta”. sabiam que os usineiros brasileiros usam como argumento o fato dos canaviais estarem distantes destes biomas para justificar a “sustentabilidade” da produção sucroalcooleira? pois é! os outros biomas nem são levados em consideração!] além da Bacia do Alto Paraguai;
4. as áreas de proteção ambiental e remanescentes florestais;
5. as terras indígenas [também acho ótimo não mexer com terras indígenas, apesar de que há índios muito mais “cara-pálida” que muitos de nós];
6. dunas;
7. mangues;
8. escarpas e afloramentos de rocha;
9. reflorestamentos e
10. áreas urbanas e de mineração.

– estabelece que o país dispõe de 64,7 milhões de hectares=647 mil km2 de áreas potenciais para ocupação por canaviais. isso corresponde a mais de 7 (SETE) vezes a área remanescente de mata atlântica ou 1,5 vezes maior que o que resta de Cerrado, isso sem mencionar os outros biomas menores (em extensão). considerando isso, restam”apenas” 7,5% do território nacional potenciais para o plantio de cana (se plantassem em toda área com potencial de plantio, seria praticamente um novo bioma pouquíssimo biodiverso e de origem antrópica). isso pelo menos é ótimo pelo fato de que não mais será preciso devastar novas áreas para este fim, uma vez que a vontade econômica dos governantes é de produzir cada vez mais cana.

o brasil é exemplo em alguns aspectos da produção de cana, pois somos capazes de utilizar o máximo da tecnologia a que temos acesso, produzindo muito mais do que seria esperado com a tecnologia vigente. só para ilustrar um fato que foi espantoso para mim quando fiquei sabendo, a lavagem da cana é feito com a água que extraem da própria cana, não necessitando de água de rios para isso.
– segundo o documento, um dos impactos esperados é a produção de biocombustíveis de forma sustentável e ecologicamente limpa. isso parece piada, pois uma coisa é querer reduzir os danos causados no ambiente nos processos de produção e uso dum combustível, mas dizer que se espera produzir um biocombustível limpo é uma mentira. o biocombustível é queimado e emite poluentes e isso já é o suficiente para que não seja limpo.
além disso, um dos grandes problemas da produção de biocombustíveis a partir de cana é a produção de vinhoto: para cada litro de bioetanol obtidos da cana, 14 litros de vinhoto são produzidos. esse grande volume é reutilizado para adubação do solo, mas boa parte acaba caindo em rios nas proximidades do canavial, e claro, sem tratamento.
– ao meu ver esta foi uma ótima forma de conter os ânimos de ruralistas como o ministro da agricultura reinolds stephanes, por que se dependesse dele, o país viraria um gigante deserto agrícola. e obviamente os ruralistas do pantanal e da amazônia devem se sentir injustiçados com isso.
– uma das intenções desse estudo é também a possibilidade de se conseguir créditos de carbono, e atrair investimentos nacionais e internacionais. ao meu ver o que fundamenta créditos de carbono são meram
ente aspectos econômicos e nada ambiental. não acho que concentrar as emissões de carbono seja mais benéfico que fragmentá-lo, ao contrário da lógica aplicada em fragmentos vegetacionais.
Gostaria de conhecer um pouco mais de manejo de solo pois acredito que em longo prazo monoculturas danifiquem muito este recurso natural. por enquanto só fica a suposição quanto a isso.
Mais uma vez friso que este zoneamento parece ser bastante positivo. os pontos fracos ficam no argumento de combustível limpo e do papo furado da sustentabilidade (que teoricamente deveria abranger as sustentabilidade ambiental, social e econômica). a cana brasileira tem em mãos boa fatia do mercado mundial, possibilitando esse tipo de iniciativa. este zoneamentos agroecológicos é bem completo e releva aspectos importantes para que possamos usufruir mais apropriadamente dos recursos naturais disponíveis, minimizando os danos desta atividade na escala em que é praticada (nesta escala, a principal vítima é o cerrado: uma área bastante extensa dela é tomada por atividades não apenas sucroalcooleiras, mas agropecuárias diversas).
já que é opção deste país a produção agrícola em nível industrial, o ideal seria que cada uma das principais culturas fosse feito um zoneamento agroecológico próprio, mas é pouco provável que haja interesses político e econômico tão engajados como no caso da cana.

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Glenn Makuta, biólogo, mestrando em comportamento e ecologia, escreve no blog sinantrópica. Mande seus textos para serem publicados aqui!