Natureza Perfeita

Por Glauco Kohler

Frequentemente, quando declaro que sou biólogo, recebo elogios e comentários de que a minha é uma profissão nobre, pois estuda a beleza, perfeição e equilíbrio da natureza. Como um defensor do pensamento científico, quase que na totalidade das vezes em que ouço tais afirmações, me obrigo a concordar com metade; de que minha profissão é nobre por estudar a beleza e funcionamento do mundo natural, mas que este não é perfeito e muito distante do equilíbrio. O conceito de mundo natural perfeito e em equilíbrio é fruto de nossa limitada capacidade de observação nas dimensões de tempo e espaço. Como produto, nossas conclusões e asserções tornam-se igualmente limitadas e presas a esta ótica empiricista e equivocada. 

De forma semelhante a nós humanos, natureza não é nunca foi e nunca será perfeita e equilibrada, pois o próprio dinamismo natural baseia-se em relações desonestas e trapaceiras, onde impera a lei do mais forte, e mais ainda, do mais esperto. Os epífitos (bromélias, orquídeas e outras) não pedem autorização para crescer sobre seu hospedeiro arbóreo, tampouco estão preocupadas com o peso de suas biomassas sobre os ramos do mesmo, o que lhes preocupa é crescer e se desenvolver num local favorável a suas atividades vitais. São egoístas. Os leões na savana africana, lutam ferozmente por um harém de fêmeas para poder propagar seus genes. Se neste harém recém conquistado pela expulsão do antigo macho houver ainda genitores do antigo líder, os mesmos serão assassinados friamente e suas mães aceitarão impotentes a intervenção do novo macho. Egoísmo e crueldade, sentimentos muito humanos. Os carneiros monteses (Ovis canadensis), das montanhas dos EUA e Canadá, travam combates violentos pelo direito a fêmeas na época do acasalamento. Não raramente o macho derrotado morre, mas se não, pouco interessa ao vencedor se o derrotado terá acesso a alguma fêmea. Indiferença e egoísmo. As orquídeas do gênero Ophyr têm flores que imitam as cores e padrões morfológicos de fêmeas de certas espécies de vespa e chegam até mesmo a produzir seus feromônios para atração dos machos ansiosos em copular. A orquídea se vale do esforço do macho iludido para levar suas polínias até outra planta que o enganará novamente, uma estratégia trapaceira e humilhante.

Estes são apenas algumas entre as mais notáveis e engenhosas estratégias de barganha no mundo natural, mostrando que a visão romancista, ingênua e benevolente dos seres vivos e suas relações não condizem com a realidade. Na natureza não há o equilíbrio e sim a guerra e o caos, dos quais provem a ordem magna natural. Porém, a humanidade comete pecados ainda maiores ao lidar com as interpretações d a natureza do qual provém: a de julgar suas relações sob a luz opaca de seus preceitos morais. Muitos que lerem os exemplos acima citados julgarão os organismos como de índole bestial e irracional, ante suas próprias concepções morais distorcidas advindas de crenças religiosas e metafísicas, no entanto, compartilho que devemos analisar estas relações com a veracidade que nos é nata. Seria-nos mais construtivo absorver o subliminar destas e entender que o sentido da vida que muitos procuram reside na própria existência e não dos produtos de nossa consciência. A única preocupação dos organismos é viver.

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Texto escrito por Glauco Kohler, biólogo chloroceryle [arroba]
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