Infecção Hospitalar: o perigo subestimado

hospital-staph_600Imagem: Mike Adams http://www.naturalnews.com/023156_MRSA_staph_infections.html

Autor: Samuel Pereira
Discente do quinto semestre do curso de Biomedicina na Universidade Estadual de Santa Cruz, onde também realiza iniciação científica.

Nos últimos dias, quando a mídia noticiou sobre o isolamento de uma bactéria resistente causando infecção em dois pacientes, em um hospital de Brasília pôs em discussão a temática das infecções hospitalares (IHs). No Brasil, as estatísticas das IHs não são atualizadas com frequência, mas o Ministério da Saúde (MS) estima que a taxa média no país seja de 15,5%, muito acima da média mundial que é de 5%.

O Ministério da Saúde por meio da portaria nº 2612 de 12 de maio de 1998 estabelece infecção hospitalar como um processo infeccioso adquirido após admissão do paciente e que se manifesta durante internação ou após alta, quando puder ser relacionado com internação ou procedimentos hospitalares. Desde a década de noventa o termo IH vem sendo substituído por Infecção Relacionada à Assistência em Saúde (IRAS), porém as duas denominações são utilizadas.

Os primeiros casos de infecção hospitalar surgiram logo após a criação dos hospitais, pois nestes ambientes coexistiam os fatores essenciais ao aparecimento das IRAS. A circulação de microrganismos, uma cadeia de transmissão e hospedeiros comprometidos, associados a ineficientes programas de prevenção e controle existentes em grande parte dos hospitais contribuem para uma incidência crescente das IRAS.

No Brasil, uma das primeiras medidas de prevenção e controle deste grave problema de saúde pública foi o desenvolvimento das Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), na década de setenta. Por determinação do Ministério da Saúde (portaria 196 de 24 de junho de 1983) as CCIHs deveriam existir em todos os hospitais brasileiros, sendo constituídas por profissionais de saúde capazes de estabelecer inferências e intervenções. Cerca de vinte anos após essa determinação do MS constatou-se que apenas 30% dos hospitais possuíam uma CCIH.

Ao longo dos anos, a utilização de antibióticos funcionou como principal estratégia tanto no combate às infecções comunitárias, quanto às infecções relacionadas com os serviços de saúde. No entanto, o que preocupa na comunidade científica atual são os recorrentes casos de resistência aos antimicrobianos disponíveis no mercado. Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) divulgou estatísticas mostrando que 16% (do total de IRAS) são causados pela bactéria Staphylococcus aureus, sendo que 60% dessas bactérias apresentavam resistência a algum antibiótico.

As estratégias de prevenção e controle adotadas até o momento não foram suficientes para estabilizar o número de casos de infecções hospitalares. Buscar novas estratégias é indispensável, uma alternativa são as ações de educação em saúde que mostam resultados positivos no combate as infecções comunitárias. As atividades de educação em saúde podem ser efetivas ao aproximar o conhecimento teórico da vivência prática de cada profissional envolvido na cadeia de transmissão, permitindo que eles percebam a sua participação tanto no estabelecimento quanto no controle das IRAS.  As atividades podem ser estendidas à comunidade, visto que algumas práticas como o uso de antimicrobianos sem prescrição médica também contribuem no surgimento de infecções hospitalares.

 

REFERÊNCIAS

DF registra casos de superbactéria em três hospitais e uma UPA. 

BRASIL. Portaria nº 2616, de 12 de março de 1998. Definição de infecção hospitalar e outras providências.

Azambuja, Eliana Pinho de, Denise Pires de Pires, and Marta Regina Cezar Vaz. “Prevenção e controle da infecção hospitalar: as interfaces com o processo de formação do trabalhador.” Texto Contexto Enferm 13 (2004): 79-86.

Tortora, Gerard J., Berdell R. Funke, and Christine L. Case. Microbiologia. Artmed, 2012.

Vírus: viajantes entre mundos

©Rodrigo Barreiro

©Rodrigo Barreiro

Este post é o resultado de uma prova aplicada à turma da disciplina de Virologia, da graduação em Ciências Biomédicas do ICB/USP. A prova foi uma redação sobre o tema “Vírus é vivo?” e as respostas seguem abaixo:

O conceito de vírus evoluiu de um “veneno filtrado” capaz de causar doenças (como descrito para o mosaico do tabaco no fim do século XIX) para “organismos codificadores de capsídeo capazes de sofrer evolução Darwiniana, parasitas intracelulares ou intravirais obrigatórios”. Essa mudança se deu após o estudo de milhares de tipos virais, possuindo todos, basicamente, vírions com as seguintes características: presença de material genético capaz de sofrer evolução (DNA ou RNA, mas com o RNA no “centro” do processo), capsídeo proteico e, em alguns casos, envelope lipídico. Essas partículas virais, ao entrar em contato com células, geram uma “fábrica viral”, capaz de copiar a estrutura do vírion múltiplas vezes. A descoberta de vírus gigantes (como o mimivírus) tirou o elemento “filtrável” da definição e a descoberta do Sputnik, vírus capaz de parasitar mamavírus, adicionou a parte dos vírus intravirais.

Após definir em linhas gerais os vírus, é necessário definir vida. Contudo, seguindo a linha de pensamento de Karl Popper, essa definição é não-científica, não sendo possível chegar a um conceito forte utilizando as ferramentas lógicas com o método científico. Essa conceituação é intrinseicamente humana e precisa levar em consideração o processo de surgimento de um conceito como uma construção social. A escolha de um ponto de vista precisa utilizar os conceitos populares, intuitivos, milenares até, de vida e adicionar a ele limites mais precisos.

A vida, em visão macroscópica, consiste basicamente de seis pontos: reprodução, movimento, crescimento, desenvolvimento (um “ciclo de vida”), resposta a estímulos (“homeostase”) e evolução. Entretanto, diversos fenômenos reconhecidamente abióticos apresentam características semelhantes, por exemplo o fogo ( de reprodução, crescimento e desenvolvimento), vírus de computador ( capazes de replicação e evolução) e, notavelmente, cristais. A cristalização é um processo auto-organizado no qual, após uma nucleação, os elementos dissolvidos formam estruturas que crescem reproduzindo padrões, gerando até, em alguns casos, diversidade (como em quasicristais). Cristais podem ser até catalizadores de processos reconhecidamente biológicos, como a montmorillonita, possivelmente influenciadora do surgimento de replicadores no mundo pré-LUCA.

Todavia, tais elementos não são considerados vivos. A principal razão para a isso é a ausência de um organismo, um conjunto de subsistemas organizados e coordenados de forma a dar sustentação a um sistema maior; e a ausência de um material genético, carregador das informações para construção de um organismo e capaz de evoluir Darwinianamente. Esses dois fatores, somados à autopoiese (capacidade de um sistema químico gerar outro semelhante a partir de materiais “externos”) constituem uma tríade que, indiretamente, inclui os conceito “populares” e permite uma base mais palpável para prosseguimento da discussão.

Sendo assim, os vírus são organismos vivos? A pergunta encontra ainda mais um obstáculo: o ciclo viral. O vírion, a forma extracelular do vírus, inerte em sistemas abióticos e até, muitas vezes, cristalizável, carrega ácidos nucleicos. Mas não possui um comportamento de organismo nem capacidade regenerativa, não podendo ser considerado vivo. Por outro lado, a “fábrica viral” e toda sua malha de interações forma claramente um organismo, com integração de etapas e replicação da informação necessária para a gênese dos virions e reinício do ciclo. Apesar de tal fenômeno parecer “alopoiético”, com a célula produzindo vírus, as estruturas do hospedeiro são fortemente cooptadas, servindo como ferramentas e nutrientes para o processo protagonizado pelas informações virais, podendo ser entendido como um processo autopoiético. Logo, a forma ontogeneticamente ativa da “fábrica viral” é viva.

Conclui-se assim que os vírus são, como entidades, viajantes entre mundos. O vírion, estrutura no mundo inanimado, não-vivo, constitui um “zoígeno”, um elemento capaz de, nas condições certas, dar origem a vida. Enquanto o vírion não for inativado, perdendo sua organização, ele pode passar por um processo de criação, necessitando, para isso, de uma célula viva, a partir da qual a entidade viral ativa consegue se formar. O surgimento desse organismo vivo constitui então uma “transbiogênese”, no qual um ser vivo conceitualmente diferente brota da interação do vírion e o hospedeiro.

A estruturação de vírus como seres cujo ciclo de vida transita entre estágios vivos e não vivos cria duas novas indagações: onde os vírus se integram no quadro dos seres vivos existentes (ou seja, em que ponto do “arbusto da vida”) e se entidades replicadoras semelhantes podem receber classificações que os incluam nos domínios da vida.

As interações filogenéticas “ribossomocêntricas” da “árvore da vida” se tornaram demasiadamente simplistas com a descoberta de diversos eventos de simbiose e transferência gênica horizontal, formando um complexo arbusto que brota a partir do LUCA (o último ancestral comum). Como há vírus parasitando arqueas, bactérias e eucariotos, é possível imaginar vírus parasitando o LUCA ou até sistemas de reprodução de RNA anteriores. A interação de parasitas com química de DNA pode até ter participado da mudança no tipo de material genético usado pelos replicadores mais complexos, de RNA para DNA. Apesar de alguns capsídeos icosaédricos apresentarem motivos proteicos semelhantes, a ausência de um gene unificador (com os genes ribossonais em células) e a presença de diversas classes (que apesar de centradas no ssRNA+, apresentam materiais variados como ssDNA, dsDNA-RT, ssRNA-RT e outros) sugerem que é possível a diversos eventos de surgimento de linhagens virais. Somam-se a isso altas taxas de evolução, que tornam o rastreamento filético a longo prazo muito complicado. Dessa forma, os vírus “vivos” constituem parte ativa do arbusto da vida, mas com a relação filogenética exata necessitando ser melhor esclarecida por pesquisas futuras.

Quando viramos o olhara para outros replicadores Darwinianos como plasmídeos, retrotransposons e viroides, não é possível observar a mesma malha de interações formadora de organismo. Sendo assim, tais “replicons órfãos” não possuem suficiente protagonismo para adquirirem o mesmo patamar de vivos ou “viajantes”. Isso não diminui a importância dessas estruturas, que mesmo não-vivas por si, são parte chave na complexidade que rege os sistemas biológicos.

Em conclusão, o acatamento de vírus como um seres com estado vivo (em contraponto à visão celularista da vida, atualmente mais popular) acarreta uma pespectiva menos hierarquizada das entidades biológicas, contribuindo para uma visão mais horizontal da vida. Mais que isso, o aceitamento de vírus como entidades vivas, protagonistas, é uma atitude não só justa como progressiva, contribuindo para redução da visão antropocêntrica da biosfera e até enriquecendo nossa posição como seres integrados a uma rede de interações de organismos .

Quem eu sou?

Tiago LubianaMeu nome é Tiago Lubiana, carioca, estudante e patologicamente apaixonado pela ciência, com queda especial por biologia molecular, bioquímica e encéfalos. Entusiasta da ciência aberta e do pensamento crítico como ferramentas de transformação social.

Inventores brasileiros pedem sua ajuda, em dinheiro, para levar ao mercado um dos designs mais premiados do mundo em 2014

– Por Henry Suzuki

Imagine que a próxima vez que você for comprar água no supermercado, você possa escolher entre uma garrafa fechada com uma tampa “normal” ou com um tampa que, após ser usada, possa ser reutilizada como bloco de montar. Imagine agora que, além de encaixarem entre si, essas tampas-blocos de montar também se encaixem com blocos das principais marcas encontradas no mercado (Lego, Megablocks, etc).

Pois é. Essas tampas existem: Nominadas pelo London Design Museum como um dos “Designs of The Year 2014” e vencedoras de diversos prêmios nacionais e internacionais de design e sustentabilidade, as Clever Caps (www.facebook.com/clevercaps) são tampas de garrafa que já saem de fábrica com duas vidas: Na primeira vida, são tampas compatíveis com gargalos de garrafas PET convencionais. Na segunda, são blocos de montar compatíveis com Lego. Isso tudo sem necessidade de reciclagem ou de qualquer outro tipo de reprocessamento.

claver caps

Criadas pelos inventores brasileiros Cláudio Patrick Vollers e Henry Suzuki, as Clever Caps estão muito perto de chegarem às gôndolas. O lançamento será feito por uma empresa brasileira de águas minerais. No entanto, para esse primeiro lançamento a produção será feita com maquinário de pequena escala, utilizado para o desenvolvimento das tampas.

Para acelerarem a ampliação de escala de fabricação, os inventores lançaram uma campanha de “crowdfunding” (financiamento coletivo). Qualquer pessoa física ou jurídica (inclusive você que está lendo este texto) pode colaborar.

As doações, que são feitas online, podem ser partir de 1 dólar. Dependendo da quantia, os colaboradores podem escolher entre diferentes tipos de recompensas. Uma das mais populares é a doação de Clever Caps para instituições de caridade: para cada dólar arrecadado, dez tampinhas serão doadas.

Para colaborar com o crowdfunding das Clever Caps veja o site: http://igg.me/at/clevercaps/x/7851837

Informações sobre as Clever Cap, incluindo um tutorial sobre como contribuir na campanha podem ser vistas nesse vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=KWQlI3GEXPA

 

Henry Suzuki é inventor, empreendedor e especialista em patentes.

 

Experimento Micro-ondas – dia 22: o resultado final

Acompanhe o experimento desde o começo:

Dia 0: Um garoto contra um mito: Tulio vs Micro-ondas

Dia 1: Experimento Micro-ondas: Dia 01

Dia 3: Experimento Micro-ondas: Dia 03

Dia 20: Experimento micro-ondas: mudou o pH, e agora?!

 

Depois de analisar os dados coletados durante os 22 dias de experimento, é hora de revelar os resultados.

Primeiramente, uma recapitulação básica do que é tudo isso:

Há algum tempo, voltou a circular um velho mito nas redes sociais de que o forno de micro-ondas teria capacidade de alterar características físico-químicas dos alimentos nele aquecidos. Para mostrar que essas mudanças eram perigosas, haviam fotos de duas plantas, uma regada com água fervida no micro-ondas e a outra com água fervida no fogão. A planta que recebia água do micro-ondas morria em 9 dias.

Mas será que é realmente isso que acontece?

Responder essa pergunta foi umas das minhas motivações para a realização desse simples porém relevante experimento. Acompanhe os textos anteriores nos links acima caso você ainda não os tenha lido. Garanto que tudo vai fazer mais sentido.

No último texto, “Experimento micro-ondas – Dia 20: mudou o pH, e agora?!” demonstrei como o aquecimento da água pode alterar suas características físico-químicas, como por exemplo o pH. Sim, aquecer a água ou qualquer alimento no forno de micro-ondas muda algumas características da substância, na maioria das vezes tornando-a mais básica (menos ácida). Mas o efeito é exatamente o mesmo de ferver a água num fogão à gás.

Portanto, ao partirmos da noção de que a água fervida (sem importar o como) será mais básica, poderíamos esperar um efeito no desenvolvimento das plantas envolvidas. O pH das águas utilizadas no experimento estão descritas na Tabela 1:

Tipo de água pH
Mineral 6,0 ±0.1
Torneira 6,0 ±0.1
Fervida em forno de micro-ondas 6,8 ±0.1
Fervida em forno à gás 6,8 ±0.1

 

 

 

Tabela 1 – Relação de pHs

O experimento estava dividido em três testes: germinação em terra, germinação em algodão e crescimento. Achei interessante partir de três abordagens diferentes e tentar chegar em resultados que não se contradissessem. Será que deu certo?

 

1.    Germinação em terra – Rúcula e Chicória

 

Existem alguns textos pela internet dizendo que a água fervida em micro-ondas faria com que sementes ficassem estéreis. Será que é realmente isso que acontece?

Para o teste de germinação em terra, escolhi duas espécies de plantas que resistem bem ao calor e tem um tempo de germinação relativamente diferente entre si: Eruca sativa (Rúcula) e Cichorium endívia (Chicória). Foram mais de mil sementes espalhadas por 104 espaços em uma sementeira, como a Figura 1:

Figura 1: sementeira para testes de germinação.

Figura 1: sementeira para testes de germinação.

As sementes e respectivas mudas foram regadas duas vezes ao dia com uma quantidade padrão de água durante todo o período do experimento. Será que a fervura realmente deixou as sementes estéreis?

Veja você mesmo na Figura 2. Na metade superior temos as Chicórias e na inferior as Rúculas:

Figura 2: Sementeira ao final do experimento.

Figura 2: Sementeira ao final do experimento.

Você consegue dizer qual fileira recebeu qual tipo de água simplesmente olhando para esta imagem?

A distribuição foi a seguinte, da esquerda para a direita: água mineral, água de torneira, água fervida no micro-ondas e água fervida no fogão. Acertou alguma?

Conclusão: Não há efeito observável em relação ao tipo de água utilizado. Todos os quadradinhos tiveram uma germinação parecida.

Talvez você não tenha gostado muito desse resultado, por ser provindo de uma análise puramente qualitativa e subjetiva, onde a avaliação foi “no olho”. Mas esse não é nem o teste primário, o melhor acabou ficando para o final!

2.    Germinação em algodão – Feijão

 

Este foi um teste com um apelo um pouco mais didático, facilmente reproduzível por qualquer um (professor, faça esse experimento em sua classe!). Separei 60 feijões-comuns e coloquei 3 em cada pote. Cada grupo de 5 potes recebia um tipo de água. A brita no fundo do pote é para que o mesmo não saia voando, veja a Figura 3:

Figura 3: Feijões no algodão para teste de germinação.

Figura 3: Feijões no algodão para teste de germinação.

O que aconteceu? Será que algum feijão não germinou?

Acompanhe a Figura 4. Talvez seja um pouco difícil de observar, mas os feijões germinaram normalmente em todos os potes:

Figura 4: Feijões já germinados.

Figura 4: Feijões já germinados.

Conclusão: Não há efeito observável em relação ao tipo de água utilizado. Todos os feijõezinhos cresceram normalmente, como esperado!

 

3.    Teste de Crescimento – Cuphea gracilis e Torenia fournieri

 

Agora partimos para uma análise um pouco diferente. Mais robusta e quantitativa, o teste de Crescimento busca avaliar exemplares de duas espécies de flores comuns e como diferentes tipos de água afetam seu crescimento, medindo em biomassa. Esse foi o experimento de verdade, que usa números e porcentagens, imensamente melhores do que comparações “no olho” como fizemos até agora.

3.1  “Biomassa”? Isso é spaghetti para biólogos?

A piada pode ter sido ruim, mas a explicação é boa: biomassa é um termo chique para falar sobre a quantidade total de matéria viva existente num ecossistema ou numa população animal ou vegetal. [1]

Existem principalmente dois tipos de biomassa: específica, que trata da massa total de determinada espécie, e a biomassa de comunidade, que leva em consideração todas as espécies naquela comunidade.

Toda vez que utilizei biomassa aqui, estava me referindo à biomassa específica ou, no caso da biomassa média, a média da biomassa específica de nossas duas espécies: a Torênia e a Cufeia.

 

A biomassa foi medida de forma padronizada, na mesma hora e com o mesmo espaçamento temporal entre a última regada de cada planta. Uma balança de precisão foi utilizada para uma medida com maior acurácia. Isso significa que eu pesei elas na mesma hora, para garantir que eu não estaria pesando junto água da última regada.

 

As plantas estavam divididas de acordo com a Tabela 2:

Tipo de água Quantidade
Mineral 12 plantas (6 de cada)
Torneira 12 plantas (6 de cada)
Fervida em forno de micro-ondas 24 plantas (12 de cada)
Fervida em forno à gás 12 plantas (6 de cada)

 

 

 

Tabela 2 – Relação de distribuição de plantas

Para comparar o crescimento das plantas, escolhi utilizar a medida de biomassa média de cada conjunto. Pesei em uma balança de precisão cada planta no início do experimento e as fotografei. Ao final, pesei e fotografei novamente todas as plantas. A ideia inicial era pesá-las diariamente, mas tal processo mostrou-se logisticamente complicado.

Calculei a média aritmética de cada um dos 4 grupos no início e no fim do experimento. O gráfico a seguir mostra a biomassa inicial, em azul; biomassa final, em laranja; variação em porcentagem em amarelo. As medidas de massa estão em gramas. Veja a Figura 5:

Figura 5: Comparação de Biomassa Média.

Figura 5: Comparação de Biomassa Média.

A tendência é clara. Veja a Tabela 3:

 

Tipo de água

Média inicial

Média final

Variação

Porcentagem

Mineral

280,17

281,00

0,83

0%

Torneira

267,92

285,67

17,75

7%

Fervida micro-ondas

249,00

290,71

41,71

17%

Fervida fogão

248,92

290,25

41,33

17%

Tabela 3 – Comparação de biomassa média por tipo de água.

Podemos concluir, a partir dessa análise geral, que:

1.       No geral, as plantas utilizadas pelo experimento preferem as águas fervidas;

2.       A água mineral foi a que pior se saiu no nosso teste: as plantinhas que a receberam mal conseguiram sobreviver.

 

3.2  – Comparação de Biomassa Média de espécimes de Cuphea gracilis.

 

Agora, vamos analisar uma espécie por vez, a começar pela Cuphea gracilis (Cufeia). O procedimento adotado foi o mesmo: foi feita a média aritmética da biomassa inicial e da final e uma comparação simples. Acompanhe a Figura 6 e a Tabela 4:

análise_cufeia

Figura 6: Comparação de Biomassa Média de espécimes de Cuphea gracilis.

Tipo de água

Média inicial

Média final

Variação

Porcentagem

Mineral

264,00

258,50

-5,50

-2%

Torneira

238,83

270,33

31,50

13%

Fervida micro-ondas

223,50

257,83

34,33

15%

Fervida fogão

213,00

258,17

45,17

21%

Tabela 4 – Comparação de biomassa média por tipo de água de espécimes de Cuphea gracilis.

O efeito agora é um pouco mais sutil. Não há uma diferença tão gritante entre a água de torneira e as fervidas. O que é interessante de se notar é o péssimo desempenho da água mineral, que fez as plantas perderem biomassa, ou seja, emagreceram um pouquinho. Nota: não recomendo ao leitor interessado em perder alguns quilinhos beber água mineral em excesso; caso o leitor não se recorde, as plantinhas aqui estudadas funcionam de modo ligeiramente diferente de um ser humano.

 

Podemos concluir, a partir dessa análise de biomassa de espécimes de Cuphea gracilis, que:

1.       No geral, as Cuféias utilizadas pelo experimento preferem as águas fervidas no fogão, com uma pequena diferença entre a água de torneira e a fervida no micro-ondas;

2.       A água mineral obteve o pior desempenho; os espécimes que receberam-na não apenas deixaram de crescer, mas definharam perdendo em média 2% de sua biomassa inicial;

 

3.2 – Comparação de Biomassa Média de espécimes de Torenia fournieri.

 

O mesmo procedimento foi repetido para os espécimes de Torenia fournieri. Veja a Figura 7 e a Tabela 5:

análise_torenia

Figura 7: Comparação de Biomassa Média de espécimes de Torenia fournieri.

Tipo de água

Média inicial

Média final

Variação

Porcentagem

Mineral

296,33

303,50

7,17

2%

Torneira

297,00

301,00

4,00

1%

Fervida micro-ondas

274,50

323,58

49,08

18%

Fervida fogão

284,83

322,33

37,50

13%

Tabela 5 – Comparação de biomassa média por tipo de água de espécimes de Torenia fournieri.

O efeito agora é inverso. A água fervida no forno de micro-ondas se saiu melhor que a fervida no fogão, ao contrário do que ocorreu com a Cufeia. E desta vez o pior desempenho ficou com a água de torneira.

A partir de todos esses dados, podemos extrair algumas conclusões gerais:

1.       Em geral, as plantas utilizadas no estudo preferiram água fervida, ou seja, menos ácida;

2.       O pior desempenho médio ficou com a água mineral, com um crescimento quase nulo;

3.       A água de torneira, não-filtrada, teve um desempenho superior ao da água mineral, mas inferior ao das águas fervidas.

4.       Dentro das águas fervidas, a água fervida no forno de micro-ondas teve uma miserável vantagem de 0,00145% sobre a água fervida no fogão. Tecnicamente, seu desempenho foi melhor.

 

E temos um vencedor!

Conclusão principal: O experimento mostrou que a água fervida no micro-ondas não apenas não faz mal algum as plantas, como se mostrou a melhor dos quatro tipos de água!

pódio

Se você leu até aqui, deve estar se imaginando o porquê que água mineral obteve um desempenho inferior ao da água de torneira. Bem, eu também. Isso é assunto para um próximo experimento, a ser detalhado em breve…

Convido a todos a postarem suas perguntas na seção de comentários abaixo.

E aqui um experimento se encerra, mas a minha motivação não. Pretendo publicar um texto em breve respondendo às perguntas feitas e completando com mais detalhes que não foram incluídos aqui para não deixar o texto muito pesado. Também vou aproveitar o próximo texto para discutir com um pouco mais de detalhamento os resultados obtidos.

O objetivo agora é sintetizar os resultados para publicação em periódicos específicos ou não. No próximo texto detalharei melhor como tudo isso será feito.

Convido a todos para replicarem a ideia, utilizando outras plantas ou outros tipos de água. Expresso aqui minha vontade de que todos possam realizar o exercício científico como hobby. Meu experimento foi simples, mas serviu para mostrar como se mistifica muita coisa a respeito do fazer científico. É claro que não acho que isso aqui se compara a uma pesquisa de verdade, mas serve para ilustrar o conceito.

Agradeço a todos que apoiaram a execução e deram sugestões. Um agradecimento especial à minha mãe, que me ajudou do começo ao fim do experimento, ao Rafael Bento aqui do ScienceBlogs, que me incentivou a escrever sobre o experimento e a minha ex-Professora de Biologia, Sharon, que sempre alimentou meu interesse pelas plantas!

Também aceito desafios para desbancar lendas urbanas!

Saliento para vocês leitores: perguntem, duvidem, critiquem, elogiem, proponham, desafiem. O espaço de comentários está aqui a seu dispor! E não se esqueça, se gostou do experimento, compartilhe e mostre para seus amigos e familiares.

Até o próximo experimento!

 

Acompanhe o experimento desde o começo:

Dia 0: Um garoto contra um mito: Tulio vs Micro-ondas

Dia 1: Experimento Micro-ondas: Dia 01

Dia 3: Experimento Micro-ondas: Dia 03

Dia 20: Experimento micro-ondas: mudou o pH, e agora?!

Experimento micro-ondas – Dia 20: mudou o pH, e agora?!

Acompanhe o experimento desde o começo:

Dia 0: Um garoto contra um mito: Tulio vs Micro-ondas

Dia 1: Experimento Micro-ondas: Dia 01

Dia 3: Experimento Micro-ondas: Dia 03

Dia 20: Mudou o pH, e agora?!

Dia 22: O resultado final

Primeiramente, minhas sinceras desculpas. Não tive como manter o ritmo de atualização que esperava devido a algumas pendências a resolver. Mas vamos lá:

Muito se fala, mas pouco realmente se sabe sobre o funcionamento do forno de micro-ondas. Um equipamento quase místico que é onipresente na maioria das residências, ele não resistiu a formação de uma lenda urbana em seu entorno.

Recentemente chegou até mim uma lenda urbana que fala sobre os efeitos nocivos do uso do micro-ondas para aquecimento de alimentos, utilizando como base um experimento que supostamente mostrava uma planta morrendo depois de 9 dias regadas com água fervida no forno de micro-ondas, como abordei no texto anterior: http://scienceblogs.com.br/ensaios/2014/02/experimento-microondas-dia-03/

Por sua forma de funcionamento ser ligeiramente mais complexa, muitas pessoas ficam criando mitos e lendas ao redor deste inofensivo eletrodoméstico. Aí é claro, os charlatões de plantão aproveitam para arrebanhar audiência para suas ideias de conspiração, assunto que eu abordei no texto anterior também.

O problema aumenta quando as poucas pessoas que se interessam por entender como o aparelho funciona se deparam com outra lenda urbana: a de que o forno de micro-ondas funciona de modo a fazer com que as moléculas de água supostamente entrassem em ressonância com a frequência emitida pelo forno. O que não é o que realmente acontece.

“O que aquece os conteúdos em um forno de micro-ondas é principalmente o campo elétrico e o efeito é o seguinte. Uma molécula de água – e água é abundante nos alimentos – tem maior concentração de cargas negativas em um de seus extremos e de cargas positivas no outro. Assim, as moléculas de água tendem a se alinhar com um campo elétrico que atua sobre elas. Mas o campo elétrico, no caso, é oscilante, invertendo sua orientação bilhões de vezes por segundo. Portanto, as moléculas tenderão a se alinhar em uma direção, logo em seguida em direção oposta e depois na mesma direção, etc. Durante esse movimento as moléculas interagem com as suas vizinhas e a energia que absorvem do campo elétrico vai sendo distribuída, aquecendo o conteúdo do forno” explica Otaviano Helene, professor da USP, em matéria para o Observatório da Scientific American [1].

Veja a Figura 1 para um melhor entendimento:

Figura 1: Exemplificação do alinhamento molecular com o campo elétrico oscilante. [2]

Figura 1: Exemplificação do alinhamento molecular com o campo elétrico oscilante. [2]

Agora que entendemos um pouco melhor de como realmente funciona, vamos partir para as perguntas que geralmente são levantadas:

1 – Poderia o aquecimento no micro-ondas alterar propriedades do alimento?

Ao que muitos céticos prontamente respondem um enfático “não”, a resposta é sim.

Detalhe: não é devido ao método e sim ao aquecimento da própria água. Ferver água no fogão e no micro-ondas resultam na mesma coisa. Acompanhe:

Primeiro, peguei água da torneira. Segundo a conta de água, seu pH é de 6,01. Meu medidor mostrou 6.0 ±0.1, o que está bem dentro do esperado. Veja a Figura 2:

Figura 2: Medindo o pH da água saída da torneira.

Figura 2: Medindo o pH da água saída da torneira.

Então, peguei esta mesma água e fervi no forno de micro-ondas. Tenho tempo cronometrado para que ela apenas comece a ferver. Medi o pH mais uma vez, conforme a Figura 3:

Figura 3: Medindo o pH da água após ser fervida no forno de micro-ondas.

Figura 3: Medindo o pH da água após ser fervida no forno de micro-ondas.

Agora foi para pH 6.8 ±0.1.

Se eu fosse apenas ligeiramente tendencioso, já teria me aproveitado dessa leitura e afirmado que o micro-ondas é prejudicial e blá blá blá. Mas, calma lá. Veja o que acontece quando eu fervo a água de torneira no fogão, na Figura 4:

Figura 4: Medindo o pH da água fervida no fogão.

Figura 4: Medindo o pH da água fervida no fogão.

Ahá! Mesma coisa. pH de 6.8 ±0.1.

O que podemos concluir então é que não é o método, e sim o ato da fervura que muda essa coisa misteriosa chamada pH. Muda também o gosto pelo mesmo motivo.

1.1  – O que diabos é esse pH?

Em resumo, é uma forma de indicar a acidez ou alcalinidade de uma solução aquosa. O tal número é cologaritmo de base 10 da atividade de íons de H+. A faixa de medição vai de 0 a 14 (não é o limite, é uma convenção de uso), sendo 0 um ácido MUITO forte e 14 uma base MUITO forte. A água pura, neutra, deveria ter um pH de 7.0. [3]

1.2  – Porque o ato da fervura altera o pH?

Nossa água de torneira, longe de ser pura, possui uma série de sais de cálcio, magnésio, sódio e potássio, além de outras coisas como oxigênio e dióxido de carbono dissolvidos. É desta mistura de componentes que vem o gosto da água.

O dióxido de carbono (CO2) dissolvido reage com a própria água e cria ácido carbônico (H2CO3), que por sua vez se dissocia para criar pequenas quantidades de íons H+ e HCO3. Então o pH da água é regulado pelas quantidades de dióxido de carbono e íons de bicarbonato (HCO3).

Mas os íons de bicarbonato (HCO3) são vulneráveis a calor e sofrem termólise (também chamada de decomposição térmica), transformando-se em um íon carbonato e dióxido de carbono, como a seguinte reação:

2HCO3 ↔ CO3-2+ CO2 + H2O

Quando a água é fervida, tanto os dióxidos de carbono quanto os oxigênios dissolvidos na água são expelidos fora de nossa solução. Mesmo que a água resfrie, a reentrada de dióxido de carbono não consegue equiparar a perda dos bicarbonatos. Isso significa que teremos uma concentração reduzida de bicarbonatos e íons H+, diminuindo o caráter ácido da solução e por consequência, aumentando seu pH. [4] [5]

 

Então não, o forno de micro-ondas não tem a capacidade de alterar características físico-químicas da água mais do que o seu fogão convencional. Nada a se preocupar.

 

2 – Poderia a água fervida no micro-ondas causar alterações no crescimento de plantas?

Sim, claro que pode. Assim como a água fervida no fogão. Não vou me cansa de repetir, o efeito do aumento do pH provém do aquecimento em si, e não da forma com que você faz isso. Para plantas que preferem solos mais básicos (alcalinos), regar com água fervida pode ajudá-las a se desenvolver melhor.

3 – Você espera alguma diferença no desenvolvimento das plantas?

Sim, exclusivamente devido ao pH. Ambas águas mineral e de torneira possuem pH próximo de 6.0 ±0.1 e as fervidas de 6.8 ±0.1. Se existir algum efeito, ele será identificado num par mais ácido (torneira e mineral) ou mais básico (fervidas).

4 – É verdade que o forno de micro-ondas opera numa frequência que causa câncer?

Se isso fosse verdade, deveríamos estar muito mais preocupados com nossos roteadores WiFi, televisão e aparelhos de celular. Todos operam na faixa eletromagnética dos micro-ondas. Roteadores de WiFi operam inclusive na exata mesma frequência (2.4GHz) do que a maioria dos fornos de micro-ondas convencionais.

E lembre-se: seu micro-ondas está ligado poucos minutos por dia e está envolto por uma Gaiola de Faraday muito boa, feito para que as ondas não escapem. Seu roteador é feito para transmitir mais sinal para o maior número de lugares possível. O mesmo vale para aparelhos de celular, rádios UHF, televisão, entre muitos outros.

A resposta é Não.

5 – Como está o andamento do experimento?

Em ritmo de encerramento. Os feijõezinhos já estão sofrendo e serão replantados em breve, estando já fora do experimento e devidamente pesados e fotografados. O resto das plantas será pesada e fotografada individualmente para que possamos conferir se houve alguma diferença em seu desenvolvimento.

O exército de plantas utilizado para o experimento está começando a mostrar sinais de definhamento: precisam sair de seus vasinhos. Depois de todo o empenho, nada como uma repaginada no jardim e uma boa salada!

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Os textos continuarão vindo, apesar da longa pausa que fui obrigado a fazer. O experimento continuou sem interrupções e estarei compilando os resultados para publicação aqui na semana que vem. Prometo que não vai demorar muito.

O próximo texto será surpresa!

Até a próxima!

Referências:

[1] – Observatório SciAm, Scientific American Ano 12, nº139, pág 20 – Dezembro 2013;

[2] – http://www.pueschner.com/basics/phys_basics_en.php

[3] – http://pt.wikipedia.org/wiki/PH

[4] – http://www.hindu.com/seta/2005/08/25/stories/2005082500271600.htm

[5] – http://www.hc-sc.gc.ca/ewh-semt/pubs/water-eau/ph/index-eng.php

 

Acompanhe o experimento desde o começo:

Dia 0: Um garoto contra um mito: Tulio vs Micro-ondas

Dia 1: Experimento Micro-ondas: Dia 01

Dia 3: Experimento Micro-ondas: Dia 03

Dia 20: Mudou o pH, e agora?!

Dia 22: O resultado final

Experimento Micro-ondas: Dia 03

Acompanhe o experimento desde o começo:

Dia 0: Um garoto contra um mito: Tulio vs Micro-ondas

Dia 1: Experimento Micro-ondas: Dia 01

Dia 3: Experimento Micro-ondas: Dia 03

Dia 20: Mudou o pH, e agora?!

Dia 22: O resultado final

Agora que você já conhece um pouco mais do experimento que está sendo realizado ou o que, chegou a hora de saber o porquê.

Toda nova tecnologia, quando chega ao grande público, vira alvo de polêmicas e conspirações. Com o forno de micro-ondas não foi nada diferente. Criado por acidente em 1947 pela Raytheon, empresa estadunidense que desenvolve sistemas de radares ativos para fins militares e aeroespaciais, o aparelho até hoje é um verdadeiro mistério na cozinha de muitas pessoas. Exploraremos melhor a história e funcionamento do forno de micro-ondas em um futuro próximo.

Polêmicas em torno do micro-ondas ganham força com o alcance e a relativa facilidade de se criar e disseminar conteúdo (as vezes de péssima qualidade) pela Internet. Muitos blogs, quando não atrelados a uma rede que lhes ateste credibilidade (como o nosso querido ScienceBlogs) acabam divulgando conteúdo sensacionalista e por vezes completamente errado. Se é feito por ingenuidade ou com intenções perversas não é nosso foco aqui. O problema é que muitas dessas informações caem nas mãos (ou olhos) de muitas pessoas, que na base da confiança cega e falta de ceticismo acabam acreditando em tudo que leem ali.

Nesse sentido, há o excelente E-Farsas, uma iniciativa de Gilmar Lopes, um Analista de Sistemas que analisa as várias polêmicas e supostas notíciais que circulam na Internet, fazendo e incentivando o bom uso do ceticismo.

Recentemente voltou a circular um velho mito sobre o forno de micro-ondas: que ele teria a capacidade de “alterar a estrutura molecular de água e criar compostos tóxicos”. A alegação era evidenciada a partir de um “experimento” no qual durante 9 dias se molhou uma planta com água fervida no fogão e outra fervida no micro-ondas, e aquelas fervida no micro-ondas morria ao final dos 9 dias. Este suposta notícia foi requentada; surgiu em 2010 comentando sobre a experiência das plantinhas que supostamente havia sido feita em 2006 por uma jovem chamada Arielle Reynolds, para uma feira de ciências em Knoxville, Tennessee, EUA. [1][2]

Figura 1: Primeiro dia do suposto experimento. A planta da esquerda recebe água fervida em micro-ondas e a da direita fervida no fogão.

Figura 1: Primeiro dia do suposto experimento. A planta da esquerda recebe água fervida em micro-ondas e a da direita fervida no fogão.

 

Figura 2: Ao quinto dia, é visível a diferença no desenvolvimento das duas plantas.

Figura 2: Ao quinto dia, é visível a diferença no desenvolvimento das duas plantas.

 

Figura 3: Visivelmente, há algo de errado com a planta da esquerda.

Figura 3: Visivelmente, há algo de errado com a planta da esquerda.

Esbarrei com esta “notícia” há algumas semanas por um compartilhamento do Facebook. Li com atenção e fiquei um pouco incomodado com algumas coisas:

  • Porque o texto não apresenta nenhuma indicação de quais seriam estes “compostos tóxicos” ou ao menos apontaria alguma fonte para consulta aprofundada?
  • Porque o experimento foi realizando com apenas duas plantas? Uma amostragem dessas é minúscula para tirar uma conclusão de tal magnitude.
  • Já que os resultados foram tão surpreendentes, porque não replicaram o experimento mais vezes e com outras plantas, para aumentar credibilidade?
  • Porque justificavam a falta de artigos e publicações sobre o assunto como uma conspiração das fabricantes de eletrodomésticos?

conspiracy-theory-alert

O tom sensacionalista, alarmista e pouco técnico da maioria dos textos que encontrei falando sobre os perigos do uso de fornos de micro-ondas fez soar meu alerta cético interior. Me lembrou muito aqueles pseudodocumentários sobre alienígenas, 11 de setembro, Área 51 e afins. Mas dessa vez era um pouco diferente.

Uma coisa é um pseudodocumentário revisionista, que buscar “relativizar” e “reavaliar” fatos e evidências em busca de uma explicação alternativa para corroborar devaneios de conspiracionistas, onde existe um sentimento de impotência frente ao que está sendo exibido. Outra coisa completamente diferente é a exibição de um suposto experimento, malconduzido, que detalha um aparte da realidade. Isso nós podemos fazer, qualquer um de nós.

O simples experimento que criei utiliza elementos básicos do método científico. Não precisa de muito investimento (minhas estimativas iniciais colocam os custos do experimento em R$120-R$150) nem muito tempo dedicado. Apenas precisa de nossa iniciativa, da não conformação frente a uma notícia mal dada ou um experimento malconduzido.

Reconheço que o ônus da prova recai sobre quem afirma a hipótese, em conduzir um experimento decente, replicável, detalhado e devidamente documentado. Minha intenção aqui é tentar mostrar para o grande público não apenas se a água do micro-ondas faz mal ou não, mas também sobre os benefícios de duvidarmos de informações e explicações reconhecidamente ruins. Quero incentivar o maior número de pessoas possível de que é sim tangível você separar algumas horas por mês e conduzir um experimento científico simples de seu interesse. Não para necessariamente descobrir uma coisa nova ou almejando um Nobel e sim para entender um pouco melhor como o mundo ao nosso redor funciona.

Anseio o dia em que a prática científica amadora seja tão comum quanto tomar café-da-manhã ou assistir à novela das 8. Anseio o dia em que as pessoas não se contentem com as respostas deglutidas e tendenciosas, mas formem as suas próprias quando possível.

Chega de reflexões, vamos às plantinhas:

Figura 4: Olá, eu sou um feijão.

Figura 4: Olá, eu sou um feijão.

Todas as plantas estão se desenvolvendo, sobrevivendo e germinando. Umas mais, outras menos, o que será objetivamente avaliado por meio de comparação de biomassa e fotos ao final. Além de ser muito cedo para dizer quais plantinhas estão vivendo melhor, o que cada planta está recebendo está documentado e só será revelado ao final do experimento.

Figura 5: O saudável grupo C, com 6 Torenia fournieri e 6 Cuphea gracilis.

Figura 5: O saudável grupo C, com 6 Torenia fournieri e 6 Cuphea gracilis.

E devo confessar, é quase terapêutico acordar um pouco mais cedo e ir regar as plantinhas, acompanhar sua germinação e crescimento. Recomendo a todos, principalmente para os mais agitados e estressados, replicarem o experimento. Além do exercício científico e relaxamento, acompanhar o crescimento de rúculas e chicórias pode render uma boa salada no final do experimento. Ou você acha que minha mãe está ajudando de graça?

Figura 6: Os 52 pés de Rúculas, futuramente serão salada.

Figura 6: Os 52 pés de Rúculas, futuramente serão salada.

No próximo texto, vamos explorar um pouco melhor o que é verdade e o que não é nas alegações de efeitos dos fornos micro-ondas.

Até a próxima!

Ah, e aceito sugestões de preparo de saladas que envolvam grandes quantidades de Rúculas e Chicórias.

Tulio Baars – http://alexaradio.org/

Fontes:

[1]: “Alimentos preparados no micro-ondas fazem mal à saúde?”http://www.e-farsas.com/alimentos-preparados-micro-ondas-saude.html

[2]: Tudo começou nesta página: “Microwaved Water – See What It Does to Plants” – http://www.rense.com/general70/microwaved.htm

LOGBOOK 06/02/2014 até 08/02/2014:

– Rúculas de modo geral germinam muito rápido, talvez não sejam adequadas para timelapse;

– Conseguir uma GoPro ou câmera automática para fotos da germinação das Chicórias;

– Há uma visível diferença de crescimento entre alguns grupos de feijão. Ansioso para saber que água recebem;

– Quantidade de água ótima encontrada: 100mL de água por planta. Necessita de mais observações para determinar as diferenças de quantidade de água para cada espécie;

– Ideia para experimento futuro: relacionar o desenvolvimento e germinação em função da diferença entre a temperatura da água regada em relação a temperatura ambiente: plantas preferem água gelada quando está mais quente?

– Borrifar folhas com água, é uma boa ideia? Algumas parecem levemente ressequidas quando vistas com uma lupa.

 

Acompanhe o experimento desde o começo:

Dia 0: Um garoto contra um mito: Tulio vs Micro-ondas

Dia 1: Experimento Micro-ondas: Dia 01

Dia 3: Experimento Micro-ondas: Dia 03

Dia 20: Mudou o pH, e agora?!

Dia 22: O resultado final

Um garoto contra um mito: Tulio vs Microondas

tulio

Não existe nada mais poderoso do que uma mente humana focada (fenômeno também conhecido como “um cabra encanado”).

E se essa pessoa encanada ainda tiver iniciativa e gostar de pôr a mão na massa, pronto, temos um desbravador. Não vou falar que essa pessoa é uma cientista, porque há gente assim em todas as áreas, nas artes e na filosofia, e na falta de palavra genérica melhor usei “desbravadores” mesmo.

E sabe do que desbravadores não gostam? Respostas fáceis.

Vamos começar um experimento neste blog com um desbravador: Tulio Baars – o cara interessado por astronomia que com 16 anos fez um curso a distância; aprendeu sobre uma tal Anomalia Magnética do Atlântico Sul; se inscreveu num programa da NASA e ganhou dela um kit para coletar seus dados; se interessou por Perturbações Ionosféricas Súbitas; falou com a Universidade de Stanford e ganhou mais dois kits para pesquisa e depois mais um detector de raios cósmicos.

Mas chega de puxar o saco dele, veja a história toda aqui.

Mesmo com tanta atenção voltada para o universo, o Tulio não se desligou das pequenas perguntas terrenas – curiosidade não é seletiva e perguntas são perguntas. Ficou encucado agora com um monstro cheio de mistérios e magias: o forno de microondas.

Tão presente e tão controverso, uns dizem que ficar perto dele dá câncer, tomar água fervida nele dá câncer, comida requentada nele dá câncer, e por aí vai. [Fora aqueles shows pirotécnicos com metais dentro de microondas que sempre aparecem na TV com um aviso “Não façam isso em casa”.]

Um experimento tem rodado o mundo das internets, usando água fervida (e esfriada depois, claro) para regar plantas, onde supostamente essas plantas sofrem mais em comparação com as regadas com água normal.

O Tulio não se aguentou e vai tocar mais esse experimento no maior estilo FAÇA-VOCÊ-MESMO. Nós do ScienceBlogs Brasil vamos acompanhar e publicar esse experimento que qualquer um pode fazer em casa. De hoje em diante vamos publicar o diário do Experimento Microondas.

Fique ligado. E se quiser fazer o seu em casa, escreva para a gente!

Siga o experimento:

Acompanhe o experimento desde o começo:

Dia 0: Um garoto contra um mito: Tulio vs Micro-ondas

Dia 1: Experimento Micro-ondas: Dia 01

Dia 3: Experimento Micro-ondas: Dia 03

Dia 20: Mudou o pH, e agora?!

Dia 22: O resultado final

Homenagem ao centenário do naturalista Alfred Wallace (1823-1913)

Josmael Corso*

Provavelmente, muitos não sabem, poucos conhecem e um número menor lembra-se que o Brasil abrigou por longo período um dos maiores naturalistas do século XIX. Poderíamos estar nos referindo a Charles Darwin (1809-1882) o que seria verdade, mas este esteve por um pequeno período– quatro meses – e além do mais é bastante conhecido. Refiro-me aquele que ficou à sombra, como dizem alguns, pai esquecido da evolução, dizem outros, Alfred Russel Wallace (Figura 1). Ele que neste ano, em 07 de Novembro, completa um século do seu falecimento e possui méritos de sobra para lembrarmos um pouco da trajetória de contribuições à ciência,que iniciou aqui em solo brasileiro.

Figura1. O naturalista inglês Alfred Russel Wallace (1823-1913) foi um foi um autodidata zoólogo, botânico e filósofo da ciência. Foi fundador da biogeografia e co-fundador da evolução biológica por seleção natural. Fonte: NationalPortraitGallery, London.

Figura1. O naturalista inglês Alfred Russel Wallace (1823-1913) foi um foi um autodidata zoólogo, botânico e filósofo da ciência. Foi fundador da biogeografia e co-fundador da evolução biológica por seleção natural. Fonte: NationalPortraitGallery, London.

O esperado de um naturalista é que tenha feito descobertas de novas espécies, estudado plantas, animais, ou seja, relacionado as ciências naturais, porém, Wallace foi além e se envolveu com também com questões sociais e exatas. Em relação a ciência dos números, incrivelmente ele se meteu a demonstrar que a Terra não é plana, mas antes de chegar nessa questão vamos ler um pouco do seu caminho até lá.

Diferentemente dos primeiros naturalistas da Era Vitoriana, Wallace era fruto de uma família bastante modesta e trabalhou a vida inteira para sobreviver.Aos 14 anos teve que deixar a escola para tornar-se aprendiz de construtor. Pouco tempo depois aprendeu também ofício de agrimensor realizando levantamento de propriedades rurais. A atividade ao ar livre acabou por desenvolver o interesse por história natural, especialmente botânica, geologia e astronomia.

Wallace que nunca estudou em uma universidade, chegou a ministrar aulas de topografia, cartografia e desenho. Como todo grande curioso passava seu tempo livre na biblioteca, imerso em leituras que influenciaram fortemente sua vida futura, como o livro “Uma viagem pelo Rio Amazonas” de William H Edwards (1847) que empolgou a Wallace conduzir sua primeira expedição no Brasil.

Wallace na Amazônia (1848-1852)

Em abril de 1848, ao lado de seu amigo Henry Walter Bates (1825-1892), Wallace chegou à atual cidade de Belém, no Pará. Os jovens aventureiros, Wallace com 25 e Bates 23 anos, esperavam custear a expedição com a captura e venda de espécies coletadas para museus e colecionadores particulares. Bates permaneceu por 11 anos no país e sua principal descoberta ilustra todos os livros didáticos de biologia – mimetismo Batesiano (Figura 2). Wallace a exemplo dos naturalistas do seu tempo mantinha curiosidade em tudo ao seu redor, o que era vivo e não vivo. Escreveu ensaios sobre diferentes campos da biologia, geografia e até sobre antropologia, descrevendo vocabulários das tribos do Rio Uaupés, Amazonas (Figura 3).

Figura 2. Mimetismo batesiano, primeira e terceira fileira pertencem a mesma família, a segunda e quarta fileira são espécies que ‘imitam’ as anteriores. Fonte: Henry Walter Bates 1862, wikipedia.org.

Figura 2. Mimetismo batesiano, primeira e terceira fileira pertencem a mesma família, a segunda e quarta fileira são espécies que ‘imitam’ as anteriores. Fonte: Henry Walter Bates 1862, wikipedia.org

Figura 3. Mapa do Rio Amazonas, realizado por Alfred Russel Wallace durante sua expedição pelo Brasil 1848-1852. Fonte: archive.org

Figura 3. Mapa do Rio Amazonas, realizado por Alfred Russel Wallace durante sua expedição pelo Brasil 1848-1852. Fonte: archive.org

Em 1852, em retorno a sua terra natal, o navio em que se encontrava incendiou-se, perdendo grande parte dos itens coletados, incluído espécimes vivas. A coleção particular de insetos e aves formadas desde que chegou ao Brasil perdeu-se, assim perdendo a oportunidade de descrever centenas de novas espécies. Wallace e a tripulação tiveram muita sorte em sobreviver e foram resgatados após dias em alto mar. Com as anotações que conseguiu salvar do naufrágio elaborou dois livros: Palmeiras da Amazônia e seus usos e Narrativa da viagem ao Rio Negro e Amazonas (Figura 5). Os trabalhos repercutiram certo prestígio que lhe forneceram condições para reiniciar suas atividades de explorador com uma segunda expedição.

Figura 5. Palmeira piaçava (Leopoldiniapiassaba) descrita por Alfred Russel Wallace, espécie amplamente utilizada em construção civil até os dias de hoje. Fonte: wallace-online.org

Figura 5. Palmeira piaçava (Leopoldinia piassaba) descrita por Alfred Russel Wallace, espécie amplamente utilizada em construção civil até os dias de hoje. Fonte: wallace-online.org

Wallace no Arquipélago Malaio (1854-1862)

Durante o período que esteve na região realizou centenas de expedições às ilhas, coletou uma incrível quantidade de espécimes: em torno de 125 mil, próximo de 5 mil eram espécies novas à ciência. As experiências desse período estão relatadas na obra O Arquipélago Malaio (1869), considerado o melhor livro de viagem científica do século XIX, descrevendo a captura de orangotangos, aves-do-paraíso e o convívio com os povos nativos (Figura 6).

Figura 6. Ave-do-paraíso vermelha(Paradisaearubra) umas das incríveis espécies de aves encontradas na região por Alfred Russel Wallace. Fonte: wallace-online.org

Figura 6. Ave-do-paraíso vermelha (Paradisaea rubra) umas das incríveis espécies de aves encontradas na região por Alfred Russel Wallace. Fonte: wallace-online.org

A polêmica correspondência entre Darwin e Wallace O ano de 1858 foi marcado por um acontecimento histórico muito importante para aciência, considerado um impasse entre Wallace e Charles Darwin. Wallace passou anos investigando os mecanismos que atuavam sobre a evolução dos organismos, porém foi através de um episódio de febre por malária, quase custando-lhe a vida que concebeu a teoria pela qual organismos com atributos melhor ajustados ao ambiente possuem uma chance elevada de sobreviver e transferir características aos seus descendentes. Empolgado com sua descoberta escreveu um ensaio e enviou para Darwin, com quem já se correspondia há anos. A teoria de Wallace embora muito semelhante era distinta da proposta de Darwin. Sem prévia permissão de Wallace, seu ensaio juntamente com fragmentos inéditos da futura e mais importante obra de Darwin foram apresentados por membros na reunião da Sociedade Lineana de Londres em 1° de Julho de 1858. Darwin estava a cerca de 20 anos trabalhando em um volume muito maior e detalhado sobre o surgimento de espécies, e muitos estudiosos afirmam que o ensaio de Wallace o auxiliou no estímulo para que concluísse de forma compacta e simples a obra marco das ciências naturais – A Origem das Espécies (1859), publicada 18 meses após a leitura dos ensaios.

Interpretado muitas vezes como uma competição entre os dois naturalistas esse acontecimento permitiu que Wallace se tornasse conhecido e abriu portas para que participasse dos diálogos científicos em grupos restritamente fechados. Wallace pode usufruir dessa oportunidade e manteve se como admirador do trabalho de Darwin, escrevendo uma dedicação no livro O Arquipélago Malaio (1869)e uma obra completa para difundir as idéias sobre seleção natural em Darwinismo (1889).

Wallace e a Terra plana

Em 1870, anos depois do retorno da ultima expedição, Wallace aceita uma aposta com o líder da Sociedade da Terra Plana, John Hampden, no valor de 500 libras – que na época deviam valer muito mais – para provar em publico que a Terra possui curvatura (Figura 7). Para a entidade se a Terra fosse plana, o raio de curvatura seria infinito e não poderia ser medido. Wallace, estimulado pelo desafio e por dificuldades financeiras, desenvolveu um experimento em um canal de navegação. Estabelecendo dois pontos com estacas de mesma altura distantes a cerca de 10km em linha reta no canal acima do nível da água, com auxilio de teodolito. Conseguiu demonstrar que as estacas não permaneciam alinhadas por conta da curvatura da Terra. O teste ainda apontou o raio da terra de 6.428 km, ou seja, levemente maior que a atual estimativa de 6.378 km. Tudo fiscalizado por engenheiros, o juiz da aposta declarou Wallace vencedor, porém o líder ativista não aceitou a derrota e lançou uma extensa campanha de combate à Wallace. Esse fato ficou conhecido como Experimento do Canal Bedford, Wallace ficou envolto em uma batalha judicial que afetou profundamente a sua imagem. Pois as sociedades científicas britânicas da época não queriam conflitos com grupos religiosos, mantiveram-se apáticos e deixaram Wallace desamparado academicamente.

Figura 7. Ilustração mostrando, acima, o experimento do ativista da Sociedade da Terra Plana, e abaixo o experimento de Alfred Russel Wallace.Fonte: Wallis, T.W. (1899) Autobiography ofThomas Wilkinson Wallis, Sculptor in Wood, p. 181, J.W. Goulding& Son.

Figura 7. Ilustração mostrando, acima, o experimento do ativista da Sociedade da Terra Plana, e abaixo o experimento de Alfred Russel Wallace. Fonte: Wallis, T.W. (1899) Autobiography of Thomas Wilkinson Wallis, Sculptor in Wood, p. 181, J.W. Goulding& Son.

Contribuições de Wallace a Ciência

Wallace durante seus 90 anos de vida produziu 22 livros e mais de 700 artigos englobando uma grande diversidade de temas. Atualmente, Wallace foi reconhecido por suas contribuições à ciência entre elas é considerado o pai da biogeografia pela descoberta da descontinuidade da distribuição da fauna. Também é considerado co-fundador da astrobiologia e antropologia evolutiva, sendo o primeiro a sugerir que a extinção de animais no final do Pleistoceno (Era do Gelo – 12 mil anos atrás) poderia ter sido causado por excesso de caça pelos humanos pré-históricos. Foi presidente da Sociedade pela Nacionalização de Terras por cerca de 30 anos promovendo discussões sobre a reforma agrária na Inglaterra.

Embora pouco popular Wallace foi membro de um grande número de sociedades acadêmicas, recebendo títulos e premiações de diversas universidades e instituições. Entre elas recebeu a medalha de Ordem de Mérito em 1908, premiação fornecida pelo império britânico. Foi a quinta personalidade a receber a medalha de ouro da Sociedade Lineana, em 1892. A mesma sociedade estabeleceu o prêmio ‘Medalha Darwin-Wallace’ para descobertas relacionadas à biologia evolutiva, uma forma de reconhecer e reparar as contribuições de Wallace.

Pelos menos duas hipóteses podem explicar o menor reconhecimento acadêmico de Wallace: pertencia a uma classe sócio-econômica diferente da tradicional elite social inglesa, responsável pelo conhecimento científico reconhecido na época; envolveu-se e escreveu sobre espiritismo, embora houvessem membros religiosos na academia científica, não eram espíritas. Em conjunto, esses fatos podem ter refletido para aresistência as suas ideias pela sociedade que dominava o cenário científico.

Alfred Russel Wallace possui muitas razões para ser lembrado neste mês e todos os outros. Representa um fantástico exemplo de autodidata, aventureiro, cientista e mais importante de tudo um curioso. O nome de Wallace deve ser posto ao lado de Galileu, Darwin, Einstein, entre outros gênios. Gradualmente as suas contribuições à ciência e a humanidade estão sendo reconhecidas e tributos tendem a aumentar ao passo que se conhece mais sobre esse singular naturalista.

 

*Josmael Corso é Doutorando em Genética e Biologia Molecular – UFRGS

Mais uma prova de que mulheres são mais ciumentas que homens

Por Bruno Camera

As chuteiras da discórdia

As chuteiras da discórdia

A esposa olha para o par de chuteiras no fundo do armário transitando entre a incredulidade e o ódio puro. Minutos antes o marido se despedira, sacola de academia na mão, saindo como todas as quintas-feiras para o futebol com os amigos. Ela sempre desconfiou: não conhecia os amigos de pelada; os amigos que conhecia não jogavam futebol. Agora aquelas chuteiras ali, denunciando a mentira. Ela nem se lembrava mais quantos anos fazia que ele ia todas as semanas àquele jogo. Como pôde ser tão burra?

Sempre achei que mulheres são mais ciumentas que os homens e que sentem ciúmes por motivos diferentes. Será só impressão? Um grupo de pesquisadores gaúchos testou o nível de ciúme sexual e emocional em mais de 400 voluntários, homens e mulheres ao redor dos 27 anos, a maioria comprometida. Os entrevistados responderam se seria mais difícil perdoar infidelidade emocional ou sexual.

O resultado foi realmente interessante, mostrou que mulheres sentem mais ciúmes do que homens. Entre elas os ciúmes emocionais são mais fortes que os sexuais. Já nos homens não houve diferença entre o ciúme emocional e sexual.

De acordo com a teoria da seleção sexual, fêmeas de diversas espécies perdem mais quando seus parceiros deixam de investir nelas do que quando acasalam com outras parceiras. Machos, por outro lado, seriam prejudicados ao criar filhos de outro macho, daí o ciúme sexual.

Foram horas remoendo o flagrante, pensando no retorno iminente do marido à casa e em como o colocaria contra a parede. O ódio transmutado numa secreção ácida que fervia no estômago. Sentada na poltrona de frente para a porta, a esposa ouve a maçaneta. Do outro lado da porta o marido, com uma folhinha de grama estrategicamente colada à testa, um esfolado no joelho esquerdo e o suor azedo rescindindo à distância, proclama: “Estou com os pés em carne viva! Esqueci as chuteiras e tive que jogar descalço.”

 

Por Bruno Camera

Fernandes, H. B. F.; Natividade, J. C. e Hutz, C. S. 2011. Diferenças Sexuais em Ciúme: Teste de Hipóteses Evolucionistas Através de Medidas Escalares. Resumo publicado no Salão de Iniciação Científica da UFRGS.

A ciência ocupa 23,6 MB

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Por Joey Salgado

O que o gráfico logo abaixo representa? A dependência da concentração de produtos com o tempo em uma reação química autocatalítica? O crescimento de um organismo vivo, com fases de aumento populacional exponencial e estacionárias? Um modelo de crescimento de tumores cancerosos? A dependência da condutância em função do potencial de uma membrana? Não, nenhuma dessas alternativas é a correta.
thesis_timeline.png
O gráfico acima, na verdade, é uma linha do tempo do tamanho da minha tese. É a minha thesis timeline, e mostra a dependência do tamanho do arquivo .doc (LateX nem que me paguem!) em função do número de dias confeccionando-a. Alguns esclarecimentos se fazem necessários:
  1. Sim, estou em vias de terminar meu doutorado. E passei praticamente do meio do mês de julho ao meio do mês de agosto inteiro terminando a redação da tese.[1]
  2. Devo defender a tese no fim de setembro meio de outubro desse ano. E sim, haverá uma festa. Uma grande festa.
  3. O esquema é o seguinte: resolvi escrever a tese em um arquivo único, para não ter que ficar juntando capítulos e recolocando citações cruzadas depois, nos 48 do segundo tempo. Então, dentro de cada dia trabalhando na tese, à medida que ia acrescentando conteúdo eu salvava uma nova versão com a data daquele dia, e.g., tese_salgado_20100814.doc.
  4. Dentro de um mesmo dia de trabalho, cheguei a salvar várias “versões” diferentes da tese, nomeando-as de a a z, e.g., tese_salgado_20100822c.doc; tese_salgado_20100822d.doctese_salgado_20100822e.doc e por aí vai…
  5. O gráfico que apresento acima, então, mostra o quanto o tamanho do arquivo tese_salgado.doc, representado pelas bolinhas vazias (o), cresceu durante os dias em que fiquei terminando a tese a tese terminou comigo.
  6. Que fique claro: eu não escrevi a tese em menos de trinta dias. Isso é humanamente pouco provável[2]. Mas de fato possuía vários relatórios, artigos e resumos escritos, além de praticamente todas as tabelas, figuras e esquemas prontos. Foi só um ctrl+C e ctrl+V (do meu próprio material, lógico) do dia 24 de julho ao dia 23 de agosto de 2010, acertando o encadeamento de ideias dos resultados que obtive durante quatro anos e meio de dedicação integral à academia penhora da minha alma.
  7. Possuo quatro back-ups físicos e um on-line contendo todas essas versões de arquivos .doc em dias diferentes. E, logicamente, esses back-ups todos estão em locais diferentes. Viu, caro provedor de hospedagem?
Ou seja, como produto final, possuo 23,6 MB de um arquivo .doc contendo todo o conhecimento científico inédito que produzi durante esses anos de doutorado. E o gráfico do tamanho do arquivo versus tempo assemelha-se a uma curva logística sigmoidal. Inclusive, ajustando-se os pontos por uma função sigmoidal de Boltzmann[3] obtive a curva tracejada do gráfico com r2 = 0,991.[4] Não é bonitinho?
E em que o fato da minha thesis timeline ter sido ajustada por uma função sigmoidal implica?  Significa, por acaso, que minha inspiração teve uma fase lag para depois crescer exponencialmente, aquietando-se ao final do processo de redação da tese? Logicamente, não. É somente uma mera coincidência, que pode ser explicada racionalmente. Durante os primeiros quatro dias, fiquei trabalhando principalmente com o editor de texto. A partir do quinto dia, comecei a inserir alguns gráficos e figuras na parte de resultados, sendo que o programa que uso para gerar os mesmos deixa-os muito pesados. Daí o abrupto crescimento do tamanho do arquivo. Então, próximo do décimo sétimo ou oitavo dias, terminei a parte de resultados, i.e., parei de entuchar a tese com gráficos pesados, e concentrei-me na discussão dos mesmos. Como a parte de discussão envolve mais texto, incluindo-se um ou outro gráfico ou figura pontuais, o crescimento do arquivo teve uma taxa reduzida.
Moral da história: muito cuidado com a conclusão que será adotada sobre (e na) tese e, principalmente, com o modelo que será utilizado para tal.
Ah, ainda não entreguei a tese para marcar a data da defesa. Falta somente uma “última olhada” do meu orientador. Será que outubro de 2011 é uma data mais provável? Aff…
Notas:
[1] Ou você acha que comecei publicando dois textos aqui (1 e 2) e sumi porque sou um grande vagabundo? ¬¬’
[2] Não digo impossível, porque se há até uma probabilidade não nula de que um carro ou uma pessoa atravessem uma parede deixando-a incólume e sem sofrerem danos… Uma tese “surgir” do nada em poucos dias também é plausível… ¬¬’
[3] y = ((A1 + A2)/(1 + exp(x – x0/dx)) + A2
[4] Para quem não está acostumado a ajustar dados experimentais por funções matemáticas não-lineares, o parâmetro r2 é uma espécie de “medida de qualidade do ajuste”, e quanto mais perto de 1 o mesmo for, melhor foi o ajuste. Ou seja, r2 = 0,991 é um #EPICWIN acadêmico.