Obesidade e Depressão podem ser causadas por bactérias que vivem no nosso intestino, dá pra acreditar?!

Você já deve ter se deparado com relatos de conhecidos, parentes e amigos, que seguiram as mais variadas receitas e dietas milagrosas para uma tentativa frustrante de emagrecimento sem sucesso.

Ou ainda, em encontros com a família, escutado a sua tia comentar à mesa durante o café da tarde, “que está no terceiro antidepressivo diferente”, na esperança de combater a depressão.

Ou a caminho do happy-hour após o trabalho, em que um colega cancela a presença em cima da hora, pois iniciou o tratamento com antidepressivos “e o remédio o está deixando muito sonolento nesta primeira semana”.

Situações como estas são tão frequentes no nosso dia-a-dia, que não nos damos conta de que as doenças crônicas têm ganhado cada vez mais espaço entre a população.

Mas será que quando pensamos em obesidade, apenas as cores e a composição do nosso prato é o que importa? E quanto aos efeitos colaterais ou a baixa eficácia das terapias medicamentosas no combate à depressão? Será que estas são as nossas únicas opções?

Cientistas também se debruçaram sobre estes questionamentos.

E embora obesidade e depressão sejam síndromes completamente distintas, pesquisadores descobriram que as duas podem ter suas raízes patológicas, no nosso gigantesco universo microscópico conhecido como microbiota intestinal, em especial a sua porção bacteriana.

É consenso entre cientistas da área, que todos nós possuímos uma microbiota intestinal bastante diversificada, marcada pela presença de diferentes espécies e grupos bacterianos, nas mais diversificadas proporções ao longo do nosso intestino.

Assim como no caso das populações humanas, no que tange a  microbiota intestinal, a diversidade é muito importante, e uma microbiota que apresenta alta diversidade bacteriana é considerada saudável, na maioria dos casos.

Nos últimos anos, constataram que as bactérias intestinais das pessoas acometidas pela depressão crônica ou pela obesidade são diferentes daquelas que habitam os indivíduos considerados saudáveis.

São tão diferentes que se referem à esta condição como uma microbiota em disbiose, ou em outras palavras, em um estado de “desequilíbrio microbiano”.

E isso não é tudo.

Através da prática conhecida como transplante de microbiota, em que é possível transferir as bactérias intestinais de um indivíduo para outro, é possível estudar a ação de determinados micro-organismos em relação aos seus hospedeiros.

Em meio a este contexto investigativo, as bactérias intestinais presentes nas fezes de pacientes diagnosticados com depressão crônica foram coletadas em um estudo científico, e transferidas para o intestino de camundongos de laboratório.

Após o transplante, cientistas constataram que estes mesmos camundongos, antes saudáveis, após a colonização pelas bactérias intestinais provenientes dos indivíduos com depressão, passaram também a apresentar sintomas depressivos.

Em outro ensaio experimental de transplante de microbiota, neste caso, de uma microbiota proveniente de indivíduos obesos para camundongos,  os cientistas tiveram uma surpresa ainda maior. Independe do tipo de alimento que dessem para estes camundongos que abrigavam uma “microbiota intestinal de indivíduos obesos”, os camundongos sempre desenvolviam sobrepeso.

Por demonstrarem a atuação direta da microbiota intestinal sobre o fenótipo e o comportamento dos camundongos transplantados com as microbiotas em disbiose provenientes de humanos, estes estudos inauguram uma nova vertente no entendimento da depressão e da obesidade na nossa sociedade.

De volta para os questionamentos do início deste post, um olhar a partir da perspectiva das nossas bactérias intestinais (da microbiota intestinal) e da sua relação conosco, talvez ajude a elucidar o porquê de inúmeras práticas e tratamentos milagrosos para a redução de peso ou controle dos sintomas depressivos não funcionarem com a praticidade e o rendimento que nós gostaríamos. Abrindo caminhos para o surgimento de novas propostas terapêuticas a partir da manipulação da composição da nossa microbiota intestinal.

Dionisio Pedro Amorim Neto. Biólogo Licenciado pela UNICAMP e Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação do Dpto. de Biologia Celular e Estrutural, com ênfase em Biologia Celular por esta mesma instituição. É vinculado ao LNBio/CNPEM, onde desenvolve projetos relacionados às temáticas de Biologia Celular, Neurobiologia e Microbioma, sendo estas as minhas áreas de atuação e interesse.

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Matheus de Castro Fonseca. Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Biologia Celular (UFMG). Doutor em Ciências Biológicas: Fisiologia e Farmacologia (UFMG). Atualmente, é membro da Sociedade Brasileira de Biologia Celular e pesquisador do Laboratório Nacional de Biociências, CNPEM, Campinas, onde desenvolve pesquisa com foco em neurobiologia celular e molecular, imageamento de neuroestruturas por raio-X e mecanismos celulares do Parkinson Idiopático.

Um homem entre gigantes | Quando a ciência “bate de frente” com a NFL

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do ScienceBlogs Brasil

O filme “Um homem entre gigantes” (“Concussion” no título original), foi lançado em 2015 nos EUA é a história real do médico que através de ciência coloca em pauta o embate entre a ganância empresarial – que só visa lucrar – e o conhecimento científico – em prol de ajudar a salvar vidas. Em tempos de pandemia, em que a ciência luta mais uma vez para ter voz em meio ao panorama econômico, falar sobre esse filme se torna mais relevante ainda.

No longa, Will Smith dá vida ao Dr. Bennet Omalu, um neuropatologista nigeriano que lançou luzes a um problema recorrente, porém “invisível”. Omalu dizia estudar a “ciência da morte”.  Atuava como médico legista em uma agência pública e sua postura chamava a atenção pela forma respeitosa com a qual lidava com os cadáveres durante as necropsias. Ele conversava com os mortos e pedia ajuda para entender o que poderia ter acontecido ainda em vida para que houvesse aquela morte. O respeito pelos mortos é oriundo da cultura africana Bantu, a qual pontua a importância de cultuar os corpos corretamente uma vez que a morte e doença para os bantus não são fenômenos naturais, mas sim atribuídos a algum fator específico.

O enredo se passa na cidade sede do time de futebol americano Pittsburgh Steelers, e mostra o ex-astro do time Mike Webster tendo uma série de comportamentos fora de controle. Webster morre de infarto, mas seu histórico de loucura, ainda que com apenas 50 anos, chama a atenção de Omalu, que insiste em investigar a real causa por trás dessa morte. O médico se pergunta o porquê de um cérebro que deveria estar uma bagunça não mostrar nenhuma alteração visual aparente.

O filme aborda o processo do método cientifico e traz um pouco do que seria o estereótipo de um cientista. Uma casa cheia de livros espalhados, um microscópio em cima da mesa e evidenciando por várias vezes ao longo da trama a dedicação do personagem à pesquisa acadêmica.

Após fazer várias análises microscópicas do cérebro de Webseter e um levantamento bibliográfico sobre colisões em outras espécies, ele chega a conclusão de que enquanto vários animais possuem um sistema de amortecimento de choque para proteger o cérebro, os humanos não. E, que colisões da dimensão das que ocorrem em jogadores de futebol americano ao longo do tempo levaria a uma série de eventos neurológicos graduais, a qual ele nomeou Encefalopatia Traumática Crônica (ETC). Seus achados em conjunto com seus colegas foram publicados em 2005 em uma revista científica com o título “Encefalopatia traumática crônica em um jogador da liga de futebol americano”.

Comparação entre cérebro normal e outro acometido por ETC (Encefalopatia Traumática Crônica)

Hoje se sabe que a ETC é uma lesão cerebral causada por repetidas concussões, comum no mundo dos esportes. O cérebro de quem sofre de ETC vai se deteriorando e começa a perder massa, bem como tem a liberação e acúmulo de proteínas que alteram a função cerebral, como no Mal de Alzheimer, o que levava muitas vezes a um diagnóstico equivocado.

A trama chama atenção também pelas vezes em que o médico tenta explicar a doença de forma acessível ao público leigo. Em uma das cenas o médico diz que as proteínas liberadas no cérebro são como jogar cimento úmido em um cano, e quando endurecem, comprimem a passagem, algo semelhante aconteceria no cérebro de portadores de ETC.

Omalu pretendia chegar a uma forma de resolver este problema e garantir a vida saudável dos praticantes do esporte. O que ele não imaginava era o tamanho da briga que estava comprando. A ETC não era apenas uma descoberta acadêmica, mas também uma luta contra uma grande corporação que movimenta bilhões por ano. Será que os jogadores continuariam na profissão cientes de que poderiam ter problemas neurológicos no futuro? Será que as mães continuariam incentivando os filhos nesse esporte? Pra NFL – a liga de futebol americano – esse seria o fim do esporte.

Diante disso, o filme aborda a NFL fazendo de tudo para parar essa pesquisa clínica, indo de ligações ameaçadoras e perseguições a seus colegas de trabalho e família, a exigências de cartas de retratação. A liga quer desacreditar o médico e todo seu estudo científico. Porém Omalu segue firme em seu propósito e conforme os mesmo sintomas se manifestam em outros jogadores, a existência da ETC é reafirmada. Seu parceiro de pesquisa e ex-médico dos jogadores consegue falar sobre os achados de Omalu na cúpula geral da Liga sobre concussão. Mesmo assim, a NFL segue tentando fazer vista grossa para os estudos ainda que o número de casos fossem suficientes para a aprovação científica.

A NFL não se pronunciou sobre os casos por um longo tempo. Só em 2016, mais de 10 anos depois dos achados de Omalu a NFL se pronunciou dizendo que acreditava que pudesse existir uma relação entre o futebol americano e a ETC.

O filme fecha com Omalu dizendo que os mortos o dão o “Presente do Saber” pois através deles se chegou a descoberta de uma doença que acomete 28% dos jogadores. Desde então a NFL sofreu uma série de processos dos jogadores por não estarem cientes do risco de suas profissões. Ao fim, o longa mostra o reconhecimento científico de forma verossímil, o quão árduo foi o processo para que a ciência tomasse voz em um meio onde só se pensa em lucrar, independente de quantas vidas isso custe. Em um trecho o filme faz alusão à luta contra a indústria do tabaco nos anos 90.

Também são abordadas algumas questões culturais como o racismo sofrido pelo médico por ser preto nigeriano, tendo sua capacidade duvidada a todo tempo. Em alguns momentos teve seus achados apresentados por outro médico para que suas descobertas fossem validadas. Isso nos trás a reflexão sobre a suposta superioridade americana e seus preconceitos. Podemos perceber a dificuldade do médico e cientista para que dessem voz ao conhecimento, o quanto ele precisou sair da zona de conforto para que fosse ouvido.

Dr. Omalu e Will Smith
Imagem: Valerie Macon/AFP/Getty Images

“Se eu negar meu trabalho, homens continuam morrendo”. Essa frase de Omalu traz a uma reflexão bem atual como levantei no início do texto. Quantas vidas poderiam ter sido poupadas, se tivessem dado a atenção devida às pesquisas que alertavam sobre o Coronavírus no início dos anos 2000? Os mercados chineses, em nome do lucro, mantiveram seu comércio com diversos animais silvestres, ainda que a ciência já tivesse emitido seus alertas. Ok, esse assunto é longo e tema pra uma outra resenha mas ilustra o quão atual é a questão.

Por fim, a trama mostra o impacto direto da ciência sobre a vida humana e seus benefícios para a sociedade e nos inspira como cientistas a travarmos a nossa luta diária em defesa do conhecimento.

A título de curiosidade, em 2017, 12 anos após a primeira descoberta sobre a doença, Omalu publica pela primeira vez um artigo sobre um caso de ETC em uma pessoa viva. Tal fato ilustra o quanto o processo de “fazer ciência” é um processo árduo, lento, levando também a reflexão acerca dos desafios diários do mundo científico, independente de vieses econômicos e políticos.

O filme rendeu uma indicação ao globo de Ouro como melhor ator a Will Smith e  encontra-se disponível no Netflix.

Aqui o trailer do filme:

Kamilla Avelino de Souza. Bióloga e doutoranda em Ciências Morfológicas pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faço parte da equipe de colunistas do site “Ciência Explica” e amo divulgar ciência de forma geral.

É DEXA!!

Texto de autoria da Olguitcha na Pands publicado no Facebook no perfil pessoal dela.

Oi, pessoal. Olguitcha na pands aqui. Senta que lá vem história da DEXA.

Então, como vocês sabem, eu não tenho limites. Vou começar dizendo que a Oxford mais uma vez está sambando na cara das universidades de vocês sabem onde… [a piada é interna, mas eu to rindo]. Mas isso é para outro post. hihihi

Os dados obtidos para a dexametasona são bem-vindos sim, esse grande estudo demonstrou que a dexametasona melhora a sobrevida de pacientes mais graves da COVID-19 que necessitam de ventilação. No entanto, o estudo ainda não foi publicado ou submetido ao escrutínio científico.

Isso não impede a polvorosa do galerê, e os trocentos posts que já devem ter saído… Êêêê todos ama ciência agoraaaaaaa. SEUS CARA DE CONCHA.

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Desde fevereiro/março, uma iniciativa de ensaios clínicos denominada RECOVERY* está avaliando o potencial uso de um monte de medicamentos para COVID-19 (RECOVERY: Randomised Evaluation of COVid-19 thERapY; é cafona, sim, o que você espera de um monte de nerds recebendo atenção…rsrs). Eles estão revisitando drogas já conhecidas dada a emergência da pandemia, além de intervenções médicas outras. A rede RECOVERY conta com 175 hospitais da rede pública do Reino Unido (NHS-UK), logo tudo mais bem integrado do que a maioria dos trials que vemos.

Dizem os responsáveis pelo RECOVERY que mais de 10 mil pacientes já participaram de ensaios por lá.

Digamos com bondade no coração então que tudo isso sugere maior consistência entre os dados observados e, provavelmente, dados melhor/mais bem coletados para a análise. Digo isso porque quem manja de estatística na área clínica sabe, você faz o que quiser com um monte de números… mas se a fonte deles não é padronizada e confiável, esqueça, é xaxixo. Pode ser um xaxixo lindo, mas na beira do leito, não dá pra brincar e dizer que foi uma escolha difícil com ente amado alheio. 😉 Também não adianta ter um número infinito de amostras, para superar a variabilidade natural entre pacientes, se todas foram adquiridas de qualquer jeito e sem coerência.

No final das contas, as interpretações na ciência dependem e se baseiam em ética e confiabilidade metodológica (percebam que essa é uma crítica razoável que posso fazer a estudos multicêntricos independentes, como aquele que foi retratado na The Lancet, que ganham em randomicidade pelo grande número de amostras/pacientes, mas perdem em robustez e padronização.

É uma faca de dois legumes, dependendo da droga ou pergunta a ser testada, eu poderia dizer que chega a ser um universo amostral viciado o do RECOVERY, ou seja, um estudo bem britânico, imagine vários Príncipes Charles tomando chá com sorinho no braço… hahaha zoei. A tendência é o resultado ser ótimo para pessoas da família real. Sacaram? Mas não sejamos assim chatonildos e pessimistas, a população de UK que usa o NHS é mais variada, se formos pensar em diversidade, UK toda não é royal assim faz muito tempo.

Enfim, no RECOVERY não só a dexametasona tem sido avaliada, mas outras drogas como antivirais usados no HIV e anticorpos provenientes do plasma de pacientes convalescentes também, incluindo a aminoquinolona que mais desperta paixões no planeta -hidroxicloroquina – (a qual já foi descartada por esse grupo de Oxford por não ter mostrado benefício *oh shoot*).

Pois bem, vamos à dexametasona:

A dexametasona é um antiinflamatório esteroidal bem conhecido, com diversas aplicações, dosagens e formulações farmacêuticas (comprimido, injetável, pomada e o escambau), o que pode mudar completamente sua efetividade e propósito.

A DEXA (para os íntimos) é vastamente utilizada em inúmeras patologias e intervenções medicamentosas combinadas. A DEXA é mais comumente usada para tratar condições como inflamação, alergias graves, problemas adrenais, artrite, asma, problemas de sangue ou medula óssea, problemas renais, condições da pele e crises de esclerose múltipla.

Barata e de fácil produção. Espero que ainda a DEXA só possa ser aviada com receita médica e não por live presidencial. Portanto, tem efeitos colaterais que muitos de vocês já talvez até tenham experimentado… vou listar uns que eu lembro de cabeça: retenção de líquidos (danos na circulação e rins), disfunção dos níveis glicêmicos tendendo a hiperglicemia (diabetes), fraqueza muscular, fragilidade de vasos sanguíneos, hipersensibilidade, refluxo gástrico, dificuldade de cicatrização… e tem mais uma cacetada se for uso bem crônico, até distúrbios psicológicos e catarata, e outros que nem citei aqui porque eu tô com preguiça real e oficial.

E tem um que eu quero destacar: DEXA é imunossupressor, ou seja, deprime o sistema imunológico, reduz nossas defesas. Tem seus vieses se pensarmos em pessoas hospitalizadas utilizando, uma vez que diminuir a inflamação é o objetivo para evitar o progresso do quadro clínico da COVID-19, contudo a DEXA pode tornar o paciente mais suscetível a outras infecções secundárias. Todos sabem que um dos maiores problemas em hospitais são as mortes por infecções hospitalares secundárias à causa que levou o paciente à internação. E tascar um monte de antimicrobianos espartanos no paciente não ajuda muito não…

Ou seja, DEXA não é bala Xaxá. NADA DE SAIR COMPRANDO ANTIINFLAMATORIO ESTEROIDAL PARA POR NA RECEITA DE BROWNIE. Caray. Já tô braba aqui.

Pois bem, vamos aos resultados obtidos no ensaio com doses consideradas baixas de dexametasona no RECOVERY.

Dois grupos de pacientes foram randomizados, ou seja, aleatoriamente selecionados e comparados:

1 – 2104 pacientes com um tratamento convencional paliativo de COVID-19 com adição de dexametasona 6 mg uma vez por dia (por via oral ou por injeção intravenosa) por 10 dias.

2- 4321 pacientes apenas para os cuidados habituais.

Entre os pacientes que receberam os cuidados usuais isoladamente (grupo 2 sem droga), a mortalidade em 28 dias foi mais alta naqueles que necessitaram de ventilação (41%), intermediária nos pacientes que precisaram apenas de oxigênio (25%) e menor entre aqueles que não necessitaram de intervenção respiratória (13%).

A DEXA reduziu aproximadamente 33% das mortes nos pacientes ventilados (razão de taxa 0,65 [intervalo de confiança de 95% 0,48 a 0,88]; p = 0,0003) e reduziu um quinto em outros pacientes recebendo apenas oxigênio (0,80 [0,67 a 0,96]; p = 0,0021). Não houve benefício entre os pacientes que não necessitaram de suporte respiratório (1,22 [0,86 a 1,75]; p = 0,14).

Em geral, no grupo 1 com droga, os pacientes que receberam a DEXA, houve redução de 17% a taxa de mortalidade em 28 dias (0,83 [0,74 a 0,92]; P = 0,0007), com uma tendência significativamente alta mostrando maior benefício entre os pacientes que necessitam de ventilação (teste para tendência p <0,001).

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📍📍📍 Os autores do ensaio dizem que é importante reconhecer que não encontraram evidências de benefício para pacientes que não precisavam de oxigênio e que não estudaram pacientes fora do ambiente hospitalar. O acompanhamento está completo para mais de 94% dos participantes.

PAUSA PIADISTICA 1: não fiquem brabos comigo, estou me estendendo e colocando até os dados estatísticos de valor de p e tudo, porque estão muito lindos demais… se não foram manipulados. hahaha Mas é o que está lá no RECOVERY e os caras colocaram disponíveis só isso aí. 🤘

PAUSA PIADISTICA 2: pessoal por aí deu uma confundida na tradução. Tá escrito lá: “Dexamethasone reduced deaths by one-third in ventilated patients”, o que em português significa dizer que antes morriam 10 e agora morreriam 6 ou 7 usando DEXA. Redução de um terço. Não a um terço. Teve gente que achou que era milagre. “Reduced by” é pegadinha.

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Com base nesses resultados, dizem eles, que 1 morte seria evitada pelo tratamento com DEXA a cada 8 pacientes ventilados ou a cada 25 pacientes que necessitavam apenas de oxigênio. Dada a importância desses resultados para a saúde pública, dizem eles “agora estamos trabalhando para publicar todos os detalhes o mais rápido possível.”

POIS. Não é o feijão mágico ainda, mas bem animador mesmo. YAY 🤘🤘🤘

Queremos o artigo publicado sim. Mais detalhes. Já tenho uma lista de comentários e perguntas:

Os pacientes que necessitam de oxigênio ou ventilação geralmente apresentam pneumonia e desenvolvem falta de ar, insuficiência respiratória e síndrome da angústia respiratória aguda (SDRA, do inglês, ou SRAG, sindrome respiratoria aguda grave no português) – quando os pacientes não conseguem respirar porque há inflamação e fluido preenchendo alvéolos de ar nos pulmões. Uma vez que a SRGA se desenvolve, a taxa de mortalidade aumenta significativamente e a necessidade de cuidados intensivos e suporte à vida aumenta.

Recomenda-se sempre cautela e mais dados antes de introduzir a dexametasona na prática atual.

Mas, de fato, uso de esteroidais é realmente algo esperado já vendo outros trabalhos: Em março, pessoal de Wuhan na China liberou um estudo no JAMA** – “O tratamento com metilprednisolona pode ser benéfico para pacientes que desenvolvem SRAG.”

Precisamos dos dados para descobrir o que havia de diferente nos pacientes estudados na China e no tratamento habitual combinado em UK (ou seja, uso de antibióticos empíricos?) O que determinou diferenças de outros grupos? Os dados de UK também nos ajudarão a selecionar melhor os pacientes que mais se beneficiariam.

O estudo não mostrou nenhum benefício em pacientes que não precisavam de ajuda para respirar. Apenas uma minoria de pacientes com COVID-19 precisa de oxigênio ou ventilação mecânica – este é o único grupo que pode se beneficiar da dexametasona? Não sei.

Diversidade na população, comentei isso um pouquito, a baixa dose de DEXA pode ser nada eficaz pra alguns grupos étnicos… é algo a se analisar.

Agora fica a minha crítica PESSOAL. Depois de todas as retrações e PALHAÇADAS nessa pandemia, é inaceitável divulgar os resultados de estudo por meio do comunicado à imprensa sem liberar todos os dados em revistas científicas minimamente sérias antes. Qual o motivo pra isso? Vocês listem aí.

Era isso, pessoal, se ficar alguma dúvida de entendimento ou técnica, faz um mimimi carinhoso que eu respondo.✌️

Edit.: esqueci de dizer sobre a quantidade de verba PÚBLICA que financiou esse estudo em hospitais PÚBLICOS. Muitas libras esterlinas. Muitas. 🤑

Aqui fica o link do press release do Recovery: https://www.recoverytrial.net/news/low-cost-dexamethasone-reduces-death-by-up-to-one-third-in-hospitalised-patients-with-severe-respiratory-complications-of-covid-19

O paper de Wuhan em março: https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/fullarticle/2763184

Olguitcha na Pands é project scientist na Farmacologia da School of Medicine na Universidade da Califórnia (EUA). Professora Associada da UFPR (tá de licença sem salário, antes que perguntem). “Vim pra cá convidada pra trabalhar num projeto de glioblastoma. Tenho anos de experiência em Toxinologia (venenos de animais peçonhentos), sou Doutora em Ciências com ênfase em Biomol pela UNIFESP e Mestre em BioCel pela UFPR. Farmacêutica Bioquímica.”

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do ScienceBlogs Brasil.

Laboratórios híbridos de interface arte/neurociências – L’IMPLORANTE LAB

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– Por Jose Otavio Pompeu e Silva

Um encontro inusitado entre cientistas e artistas em um laboratório montado para funcionar durante o congresso IBRO 2015 que acontecerá no Rio de Janeiro e é um dos maiores encontros entre neurocientistas do mundo. Serão duas apresentações de uma performance que une a proposta de uma pesquisadora de pós-doutorado, a atriz Dorys Calvert; um aluno de mestrado, o pintor Danilo Moveo; a aluna de doutorado e videomaker Cristina Amazonas que assina a direção de arte e o som do pesquisador e DJ Eufrásio Prates. José Otávio e Maira Fróes, dois neurocientistas da UFRJ, comandam a interface arte/ciência que simula uma rede neural com oscilações entre dados eletrofisiológicos e artísticos criando um ambiente de imersão em que o tema universal dos sentimentos profundos da mulher é mostrado no texto das cartas da artista francesa Camille Claudel.

O laboratório ArtSci L’Implorante trabalha com o conceito de ruído que está por trás de toda rede comportamental e cognitiva, integrando performance teatral, pintura abstrata ao vivo e música eletrônica holofractal, combinada com abordagens neurofisiológicos clássicas, representada por gravações electrodérmicas e eletroencefalográficas diretamente obtidas a partir dos arteistas e complementado por impressões subjetivas . Um encontro entre o subjetivo e o objetivo, artistas e cientistas contemporâneos em busca das bases neurobiológicas da experiência humana. Vamos exercer nesses ambientes o potencial de inspirar e propor abordagens inovadoras para lidar com afirmações científicas para uma cognição emocional e afetiva incorporada no comando da criação humana.

unnamed (1)Brainstorms
arte / neurociência e ciência / interfaces de sujeitos

. UMA QUESTÃO DE CORPO
8 de julho quarta-feira 17:00
Conceitos emergentes e conhecimentos experimentais de comportamentos emocionais e cognitivos incorporadas

. UMA QUESTÃO DE COR
9 de julho quinta-feira 17:00
Paletas da experiência humana objetiva e subjetiva com cores

. UMA QUESTÃO DE SOM
Sexta-feira 10 de julho 17:00
Palavras sonoras, soando imagens sonoras e
cérebros sonoros na ciência

Experiência interativa
A geração das interfaces de artsci ao vivo (a qualquer momento)

Sul America Centro de Convenções – Mezanino
Av Paulo de Frontin , 1 -. Cidade Nova, no Rio de Janeiro
anatomiadaspaixoes.blogspot.com

Artistas, cientistas:
Caetano DABLE,
Cecilia Hedin-Pereira,
Cristina Amazonas,
Dandara Dantas,
Danilo Moveo,
Dorys Calvert,
Eufrasio Prates,
Fernando de La Rocque,
Franey Nogueira,
Gabriel Brasil,
João Bosco
Bedeschi Filho,
José Otávio
Pompeu e Silva,
Maira Fróes,
Mario Fiorani Jr

 

Infecção Hospitalar: o perigo subestimado

hospital-staph_600Imagem: Mike Adams http://www.naturalnews.com/023156_MRSA_staph_infections.html

Autor: Samuel Pereira
Discente do quinto semestre do curso de Biomedicina na Universidade Estadual de Santa Cruz, onde também realiza iniciação científica.

Nos últimos dias, quando a mídia noticiou sobre o isolamento de uma bactéria resistente causando infecção em dois pacientes, em um hospital de Brasília pôs em discussão a temática das infecções hospitalares (IHs). No Brasil, as estatísticas das IHs não são atualizadas com frequência, mas o Ministério da Saúde (MS) estima que a taxa média no país seja de 15,5%, muito acima da média mundial que é de 5%.

O Ministério da Saúde por meio da portaria nº 2612 de 12 de maio de 1998 estabelece infecção hospitalar como um processo infeccioso adquirido após admissão do paciente e que se manifesta durante internação ou após alta, quando puder ser relacionado com internação ou procedimentos hospitalares. Desde a década de noventa o termo IH vem sendo substituído por Infecção Relacionada à Assistência em Saúde (IRAS), porém as duas denominações são utilizadas.

Os primeiros casos de infecção hospitalar surgiram logo após a criação dos hospitais, pois nestes ambientes coexistiam os fatores essenciais ao aparecimento das IRAS. A circulação de microrganismos, uma cadeia de transmissão e hospedeiros comprometidos, associados a ineficientes programas de prevenção e controle existentes em grande parte dos hospitais contribuem para uma incidência crescente das IRAS.

No Brasil, uma das primeiras medidas de prevenção e controle deste grave problema de saúde pública foi o desenvolvimento das Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), na década de setenta. Por determinação do Ministério da Saúde (portaria 196 de 24 de junho de 1983) as CCIHs deveriam existir em todos os hospitais brasileiros, sendo constituídas por profissionais de saúde capazes de estabelecer inferências e intervenções. Cerca de vinte anos após essa determinação do MS constatou-se que apenas 30% dos hospitais possuíam uma CCIH.

Ao longo dos anos, a utilização de antibióticos funcionou como principal estratégia tanto no combate às infecções comunitárias, quanto às infecções relacionadas com os serviços de saúde. No entanto, o que preocupa na comunidade científica atual são os recorrentes casos de resistência aos antimicrobianos disponíveis no mercado. Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) divulgou estatísticas mostrando que 16% (do total de IRAS) são causados pela bactéria Staphylococcus aureus, sendo que 60% dessas bactérias apresentavam resistência a algum antibiótico.

As estratégias de prevenção e controle adotadas até o momento não foram suficientes para estabilizar o número de casos de infecções hospitalares. Buscar novas estratégias é indispensável, uma alternativa são as ações de educação em saúde que mostam resultados positivos no combate as infecções comunitárias. As atividades de educação em saúde podem ser efetivas ao aproximar o conhecimento teórico da vivência prática de cada profissional envolvido na cadeia de transmissão, permitindo que eles percebam a sua participação tanto no estabelecimento quanto no controle das IRAS.  As atividades podem ser estendidas à comunidade, visto que algumas práticas como o uso de antimicrobianos sem prescrição médica também contribuem no surgimento de infecções hospitalares.

 

REFERÊNCIAS

DF registra casos de superbactéria em três hospitais e uma UPA. 

BRASIL. Portaria nº 2616, de 12 de março de 1998. Definição de infecção hospitalar e outras providências.

Azambuja, Eliana Pinho de, Denise Pires de Pires, and Marta Regina Cezar Vaz. “Prevenção e controle da infecção hospitalar: as interfaces com o processo de formação do trabalhador.” Texto Contexto Enferm 13 (2004): 79-86.

Tortora, Gerard J., Berdell R. Funke, and Christine L. Case. Microbiologia. Artmed, 2012.

A morada inquieta

©Rodrigo Barreiro

©Rodrigo Barreiro

Este post é o resultado de uma prova aplicada à turma da disciplina de Virologia, da graduação em Ciências Biomédicas do ICB/USP. A prova foi uma redação sobre o tema “Vírus é vivo?” e as respostas seguem abaixo:

A definição do que realmente é um vírus além de seus aspectos estruturais ou bioquímicos foi e ainda é uma questão nebulosa nos estudos biológicos, estão eles vivos ou são apenas objetos inanimados capazes de interagir intimamente com os seus hospedeiros? Boa parte da dificuldade em descobrir a resposta a essa pergunta está na discrepância dos vírus em relação às características intrínsecas dos seres que comumente consideramos como vivos: vírus não tem células, metabolismo e dependem totalmente do seu hospedeiro para as suas atividades. Mas, em contrapartida, eles têm o seu próprio material genético, que é a molécula mais elementar que caracteriza a vida, além disso, estão sujeitos à evolução e se reproduzem. É devido a esse contraste entre esses conjuntos de propriedades que vírus são considerados por estarem na fronteira do que é ou não é vida.

Estruturalmente, a partícula viral (também chamada de vírion) é composta por uma fita de ácido nucleico (DNA ou RNA — com o RNA podendo ser negativo ou positivo, fita simples ou dupla, linear ou circular) envolta por uma cápsula proteica (capsídeo) codificada pelo seu genoma, algumas partículas virais também dispõem de um envelope lipoproteico obtido do hospedeiro que infectaram. Sendo que considerarei essa partícula viral distinta da sua forma ativa (o vírus), essa última sendo a fase somente na qual a célula é “sequestrada”, seja no ciclo lisogênico ou lítico; portanto, a fase de vírion seria então o período inativo, no qual não há nenhum tipo de metabolismo.

O início da infecção, e com isso o início da formação do vírus propriamente dito, começa a partir do momento no qual o vírion reconhece por meio de receptores em sua superfície a célula alvo a qual deve infectar, ocorrendo a internalização da partícula viral pela célula ou então somente do material genético presente em seu interior, nesse estágio o vírus direciona os processos celulares para a produção de vários novos vírions, lisando a célula no final do ciclo. Esse seria o ciclo lítico, sendo que o ciclo lisogênico necessariamente resultará nele em algum período, caso contrário o material genético viral ficará para sempre incorporado ao DNA do hospedeiro, mas não que isso não seja possível.

Os primeiros problemas em considerar os vírus como seres vivos estão demonstrados nos parágrafos acima, primeiramente, ao contrário de todos os seres celulares, os vírus podem ter RNA como material genético, dependem totalmente do aparato celular do hospedeiro para se multiplicarem, além de que, as partículas virais são inertes fora de seus hospedeiros.

A maioria das pessoas questionaria: “ora, então por que considerar que vírus estão vivos se eles não se reproduzem por si sós e geram partículas inertes que carregam o seu material genético por aí?”. O fato é que a resposta é mais complexa do que aparentar ser, dependendo essencialmente da definição do que é vida e estar vivo. Se essa definição se basear em uma célula com material genético em seu interior que vai controlar as suas funções biológicas (o “sequestro” da maquinaria celular) e ser passado de geração a geração (mediado pelo vírion), então sim, vírus estariam vivos, posto que, pelo diagrama de Baltimore, independentemente de qual tipo de material genético for composto o vírus, irá ter o RNAm como ponto de convergência durante o processamento desse material até a formação da proteína (explicitado no dogma central da biologia molecular), assim como no material genético de todos os outros organismos da Terra. Não importaria se o RNAm veio de uma bactéria, de uma ameba, do neurônio de um peixe ou de um vírus, para a célula não importaria a origem, todas elas iriam causar um efeito na célula, mesmo que esse efeito seja mínimo, mesmo que seja a catabolização da própria fita ela causaria um efeito. Com isso, percebe-se que para a vida ser possível seria necessária uma estrutura celular, no caso do vírus essa estrutura seria “emprestada”, mas não deixaria de ser um tipo de vida sob certas condições.

No entanto, essa visão, apesar de lógica, acaba confluindo para a hipótese de que, por exemplo, mitocôndrias e plasmídeos também têm vida própria, uma vez que são ou possuem material genético, causam efeitos de nível celular, se replicam independentemente (pelo menos as mitocôndrias e alguns tipos de plasmídeos) e em até certo nível evoluem (por exemplo, um plasmídeo que tenha uma origem de replicação ou transferência não efetiva pode não se manter em uma população de bactérias). E a menos que se considerem mitocôndrias e plasmídeos como seres vivos, a ideia de que vírus são vivos por terem um material genético que comanda processos celulares acaba não fazendo muito sentido. Apesar disso, vírus continuariam a ser algo a mais do que mitocôndrias ou plasmídeos. Se vírus estão entre o que é a vida e o que não é, seria presumível dizer que eles têm a potencialidade da vida (por serem mais do que um conjunto de moléculas biológicas), mas, que por diversos fatores, não a desenvolvem em sua completude. Assim como a interação complexa e interdependente de uma coleção de proteínas, lipídeos, reações químicas, carboidratos, material genético e outros tijolos biológicos não vivos compõem a vida, mas não as partes separadas ou conjuntos dessas partes (uma proteína não tem vida, por exemplo). Com isso a vida seria mais do que um estado, e sim um processo contínuo dessas interações entre moléculas não vivas. Da mesma maneira que a consciência não é formada por um neurônio e sim por um nível crítico de complexidade entre diversos deles, os vírus não conseguiriam atingir essa complexidade crítica para a vida, apesar de serem feito dos mesmos tijolos que a constrói. Parafraseando um artigo de opinião: os vírus, apesar de não totalmente vivos, seriam mais do que matéria inerte, eles tenderiam à vida.

As duas visões relativamente opostas apresentadas ao logo do texto — a primeira de que vírus são vivos por apresentarem material genético que causa efeitos de nível celular e a segunda de que vírus tenderiam à vida por não atingirem a complexidade crítica necessária para estarem vivos — são na sua maior parte derivadas de um processo do pensamento humano: a tendência de enxergamos o mundo de uma forma polarizada. Ao longo da evolução organizar o mundo entre pares de opostos nos foi muito útil para criarmos uma visão do ambiente a nossa volta, distinguindo-se entre o que é quente ou frio, rápido ou lento, noite ou dia, comida ou não comida a espécie humana conseguiu sobreviver às intempéries, de forma que esse modo de pensamento se expandiu muito além dos quesitos da sobrevivência; de fato, se a nossa percepção da realidade não fosse vista como pares de opostos o mundo não funcionaria do mesmo modo como conhecemos hoje, isso se funcionasse.

Entretanto, questionados sobre se um pássaro está vivo ou não nós conseguimos responder com consenso que sim, mas com os vírus isso é diferente, posto que se situam na fronteira do que se define como vida, sendo que a definição de vida em si não obedece a pares de opostos, e é por isso que é tão difícil de defini-la, e talvez essa tarefa seja semelhante a se perguntar o porquê de o universo existir, a ciência não tem a resposta para a existência do universo e nem para a definição da vida, e talvez nunca tenha (e objetivo da ciência nem é encontrar respostas para tudo). A definição de vida ideal seria aquela não somente válida para a vida terrestre, mas também para qualquer outra forma de vida que possa existir no universo, seria uma definição muito semelhante ao mundo das ideias de Platão. O que acontece então é a tentativa de descrever as características comuns de todos os seres vivos ao invés de definir a vida propriamente dita: presença de célula, capacidade de se reproduzir, estar sujeito à evolução, ter metabolismo, entre outras características. Mas essa caracterização volta ao problema da polarização, não sendo aplicável na determinação dos vírus, já que não é possível reduzi-los a pares de opostos (por estarem na fronteira da vida). Em suma, a pergunta inicial se vírus estão vivos se enquadra em duas diferentes situações, na primeira delas nós encontraríamos uma definição universal de vida (o que o autor desse texto acha muito pouco provável), e com isso saberíamos se os vírus se encaixam ou não a ela; ou então, na segunda situação, a partir de estudos científicos descobriríamos características dos vírus que os aproximem ou os afastem dos seres que hoje consideramos vivos, ou seja, distanciar os vírus da fronteira da vida, já que não conseguimos defini-la, sendo que isso é o que vem acontecendo gradualmente a partir dos últimos anos com o desenvolvimento e aprimoramento de diversas técnicas e métodos de pesquisa, que estão direcionando os vírus no sentido de aproximá-los cada vez mais à área das coisas vivas do que o sentido contrário, mas que ainda não conseguiu atingir um estágio de singularidade.

 

Quem sou

Matheus ConforteMatheus Conforte é estudante universitário, entusiasta da ciência desde a infância e aficionado por música, filmes e games (e pelo meu cachorro e gato). Pretende um dia seguir carreira científica na área biomédica em fisiologia, biologia celular ou microbiologia. Não gosta de ervilhas e tem aversão a calor ou frio extremos.

A definição de vida é tênue e os vírus podem ser incluídos nela

Existem duas teorias que tentam explicar o surgimento dos vírus. A primeira é que os vírus surgiram antes da célula como estruturas moleculares auto replicantes ainda no mundo do RNA. A segunda, mais amplamente aceita, é que os vírus sofreram uma “evolução regressiva” – assim como a mitocôndria e a Rickettsia, procarioto parasita intracelular obrigatório – que perderam seu metabolismo, seu material genético e a sua capacidade de sintetizar parte da maquinaria celular. De acordo com essa teoria, os vírus não tem um ancestral comum. Ambas essas teorias, a segunda principalmente, incluem os vírus na árvore da vida. A primeira os define como os precursores da vida, o princípio da matéria orgânica e do material genético. A segunda vai além: encaixa os vírus como descendentes das coisas vivas, tornando lógica sua classificação como vivos.

É importante notar aqui a diferença entre vírion e vírus. O primeiro sendo uma partícula de matéria orgânica inanimada (a mais abundante no planeta), já o segundo é o estado vegetativo do primeiro, quando infecta a célula e controla sua maquinaria de replicação (o ribossomo), sintetiza sua própria maquinaria de replicação (as polimerases virais) e guia o metabolismo celular. Nesse caso, não só podem ser considerados vivos como a própria célula infectada pode ser considerada um vírus em sua totalidade. Assim como os esporos fúngicos e bacterianos e os espermatozoides, os vírus são incapazes de replicar-se sem as condições adequadas – nesse caso, a célula.

Todas as espécies de eucariotos e procariotos dependem de outras formas de vida para sobreviver. Os vírus não são diferentes: seu ecossistema é o hospedeiro e seu nicho ecológico é o parasitismo. Como todas as espécies, os vírus estão submetidos às propriedades do meio: quando esgotam seu ecossistema (matando a célula hospedeira), seu crescimento cessa. Não são o único exemplo, aliás, de um ecossistema dentro de outro nem de formas vivas que dependem intimamente de outras células para crescer (e. g. Rickettsia, Chlamydia). Os vírus desempenham ainda importante papel na biosfera, não como forças naturais, mas como agentes participantes ecologicamente: regulam a população do hospedeiro e, ao matar células no oceano (onde são particularmente abundantes), garantem ferro e outros nutrientes essenciais à sobrevivência do fitoplâncton.

Finalmente, é importante ressaltar que a discussão “vírus são vivos?” é infinita. Nunca haverá um consenso nessa área. E mesmo se houvesse, não há forma empírica de prová-la. Diferente dO Guia do Mochileiro das Galáxias, onde a pergunta fundamental para a vida, o universo e tudo mais – cuja resposta é 42 – está esculpida em letras colossais no alto de uma montanha, não existe uma definição universal e inquestionável sobre o conceito de vida que pode ser alcançada empiricamente pelo método científico. E nem pela filosofia, a propósito, considerando vida como um conceito arbitrariamente concebido pela humanidade, parcial e enviesado por juízos de valores e ideias antropocêntricas. Como fenômeno do universo, nunca existirá uma linha nítida separando o mundo vivo do não vivo. Para motivos didáticos, contudo, é interessante definir o conceito de vida. Mas é igualmente importante mostrar, mesmo para os mais jovens, que esse conceito tem um limite abstruso com o mundo não vivo. E várias coisas, carregadas de semelhanças e diferenças – algumas mais diferentes que outras – existem nesse limite: vírus, viróides, virusóides, vírus satélites (e. g. Sputnik, vírus satélite dos Mamavírus e Mimivírus), príons, Rickettsia, Chlamydia, a mitocôndria em sua curiosa simbiose com a célula e até mesmo entidades mais curiosas como os plasmídeos, transposons e a ribozima. Todas essas entidades transitam cada um à sua forma, na linha que a humanidade tenta desenhar entre o vivo e o não vivo.

Quem sou

Davidson CorreaMeu nome é Davidson Correa, tenho 21 anos e estudo Ciências Biomédicas na Universidade de São Paulo. Estudo para entender como a vida funciona até seus níveis moleculares mais básicos. Adoro synthpop sueco e odeio açaí.

Uma questão viral

©Rodrigo Barreiro

©Rodrigo Barreiro

Este post é o resultado de uma prova aplicada à turma da disciplina de Virologia, da graduação em Ciências Biomédicas do ICB/USP. A prova foi uma redação sobre o tema “Vírus é vivo?” e as respostas seguem abaixo:

A grande dificuldade em caracterizar vírus como vivos ou não está na complexidade em se definir o que é vida, pois algumas das propriedades utilizadas para defini-la são apresentadas pelo que não é considerado vivo, como, por exemplo, a capacidade de multiplicação, pois cristais se “replicam” apenas pelo contato com novas moléculas em um certo padrão (principal estágio da cristalização), mas não por isso são considerados vivos [1].

Já os vírus são, em minha opinião, organismos vivos; são formados por um capsídeo proteico, alguns envolvidos por membrana também (proveniente da célula infectada), material genético (DNA ou RNA, que podem ser de fita simples ou dupla) e podem codificar enzimas virais e conter proteínas receptoras em sua superfície, que reconhecem o meio externo e outras células. São parasitas intracelulares obrigatórios, pois necessitam e manipulam a maquinaria celular para se multiplicarem [2]. Mesmo que não apresentem atividade fora de células vivas, essa habilidade de se replicarem comandando a célula infectada e, portanto, a desnecessidade de carregarem toda a maquinaria consigo pode ser considerada uma razão de serem organismos vivos, além de que percebem e respondem ao ambiente em que estão.

A capacidade de multiplicação pelo comando da célula hospedeira também é apresentada pelos viroides, que são pequenas moléculas de RNA simples fita circular e sem nenhum capsídeo; porém, estes infectam células ao acaso e iniciam transcrição de genes, enquanto os vírus apresentam proteínas em sua superfície que reconhecem tipos celulares específicos (com determinados receptores) para infecção e, também, mecanismos de regulação da expressão de suas proteínas: possuem proteínas precoces, que são as primeiras a serem sintetizadas e atuam, em geral, na própria transcrição e replicação do genoma viral ou sobre o metabolismo celular, modificando-o para favorecer a síntese de componentes virais e as proteínas tardias, que são estruturais e irão compor a partícula viral [2].

Figura 1: Classificação de Baltimore para vírus. (+) e (-) indicam senso positivo e negativo, respectivamente, da fita de RNA. ds e ss indicam que a molécula de ácido nucleico é constituída de cadeia dupla ou simples, respectivamente. Imagem de GrahamColm, retirada da Wikimedia Commons.

Figura 1 – Classificação de Baltimore para vírus. (+) e (-) indicam senso positivo e negativo, respectivamente, da fita de RNA. ds e ss indicam que a molécula de ácido nucleico é constituída de cadeia dupla ou simples, respectivamente. Imagem por GrahamColm, retirada da Wikimedia Commons.

Segundo o Diagrama de Baltimore, os vírus são classificados em 7 grupos, dependendo do seu tipo de material genético e, portanto, dos processos necessários para a síntese de RNA mensageiro na célula hospedeira (que codificará as estruturas virais), uma vez que no processo de replicação de alguns vírus deve ocorrer a conversão do seu material genético em um DNA ou RNA intermediário antes da síntese do RNA mensageiro [3] (Figura 1). O fato de que o próprio vírus na maioria das vezes codifica ou carrega a enzima que irá possibilitar essa etapa, seja uma RNA ou DNA polimerase (inclusive transcriptase reversa), mostra que houve uma evolução e adaptação às células hospedeiras, já que em grande parte apenas as proteínas que não são providas pela célula são codificadas pelos vírus.

Figura 2: Classificação de Baltimore de vírus, apresentando quais enzimas são utilizadas por cada grupo.

Figura 2 – Classificação de Baltimore de vírus, apresentando quais enzimas são utilizadas por cada grupo. Imagem por Carter JB e Saunders VA, retirada de Wikimedia Commons.

Por exemplo, a maioria dos vírus de DNA (Grupos I e II) é capaz de codificar a DNA polimerase necessária para sua replicação e estas são únicas para cada um, ou seja, não podem ser substituídas pelas enzimas da célula, mas apresentam grande similaridade com DNA polimerases de eucariotos e Escherichia coli, mostrando que tais sequências provavelmente são provenientes de alguma célula hospedeira e sofreram modificações com o passar do tempo; acredita-se que foi selecionada positivamente a posse de uma enzima própria porque muitas vezes o vírus se replica no citoplasma e, consequentemente, seu material não tem acesso às polimerases da célula, ou também porque a célula alvo não se divide e, assim, não expressa quantidade suficiente de tal enzima [4]. Outros exemplos são os vírus de RNA de senso negativo (Grupo V), que já contém sua própria RNA polimerase em sua partícula e transcreve o RNA a senso positivo, o qual atua como RNA mensageiro; e os de RNA que geram moléculas de DNA dupla fita intermediárias (Grupo VI), por meio da ação da enzima transcriptase reversa, também carregada já na partícula viral (Figura 2).

Um exemplo de como os vírus conseguem responder a variações no ambiente é o caso dos bacteriófagos, que infectam bactérias e são capazes de integrar seu DNA ao bacteriano (caracterizando o ciclo lisogênico), o que é vantajoso para ambas as partes: para a bactéria, por prevenir que haja infecção e sua eventual lise; e para o fago, pois consegue se manter estavelmente e se replicar juntamente a ela. Porém quando a célula está em uma situação de estresse que leve à lesão do DNA, deixa de ser interessante para o fago manter-se nesta bactéria, assim, por conta de mudanças na sinalização intracelular, como ativação de proteínas da via SOS de reparo, ocorre a excisão de seu DNA e início do ciclo lítico, caracterizado pela síntese e montagem das estruturas virais e sua saída da célula hospedeira [5].

Um fator que contribui para que vírus não sejam considerados vivos é a ausência de ribossomos para síntese própria de proteínas, mas acredita-se na possibilidade de que haja vírus com tal organela, uma vez que foram descobertos alguns que chegam a ser maiores que células, tanto fisicamente como em relação ao conteúdo genético [1]. Outro é a ausência, também, de metabolismo próprio, mas, mesmo assim, os vírus sofrem pressão seletiva e conseguem responder ao ambiente, apresentando, portanto, evolução, como ocorre com organismos vivos. Se os vírus não fossem vivos, não sofreriam adaptação. A apresentação de novas estruturas e características por parte dos vírus se deve em grande parte pela sua aquisição a partir das células hospedeiras, possível modificação no seu interior, por mutações, por exemplo, e manutenção das que forem vantajosas.

Quem sou

Nadine GiménezMeu nome é Nadine Giménez, tenho 18 anos e estou na graduação em Ciências Biomédicas pela USP. Tenho grande interesse por biologia molecular, pois busco entender os processos que ocorrem dentro do ser humano e também de microrganismos, que ilustram e, de certo modo, explicam a grande complexidade dos seres vivos.

 

 

 

 

Referências:

[1]          “Are Viruses Alive?” [Online, Accessed: 13-May-2015].

[2]          L. R. Trabulsi and F. Alterthum, Microbiologia. Editora Atheneu, 2004.

[3]          D. Baltimore, “Expression of animal virus genomes.,” Bacteriol. Rev., vol. 35, no. 3, pp. 235–41, Sep. 1971.

[4]          “Coen, Donald M. ‘16 Viral DNA Polymerases.’ Cold Spring Harbor Monograph Archive 31 (1996): 495-523.” [Online, Accessed: 13-May-2015].

[5]          Marques, Marilis do Valle. Biologia Molecular e Genética Bacteriana. Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Genética, 2012.

Eterno debate

©Rodrigo Barreiro

©Rodrigo Barreiro

Este post é o resultado de uma prova aplicada à turma da disciplina de Virologia, da graduação em Ciências Biomédicas do ICB/USP. A prova foi uma redação sobre o tema “Vírus é vivo?” e as respostas seguem abaixo:

Para debater sobre o assunto de vírus serem vivos ou não é preciso primeiro estabelecer uma definição de vida. A definição mais aceita na biologia é a de que é vivo aquilo que apresenta um código genético, possui a capacidade de se auto replicar, apresenta alguma forma de metabolismo e possui respostas a estímulos externos. Vírus são geralmente tirados da categoria de seres vivos por não conseguirem se replicar sem a maquinaria celular e por não apresentarem metabolismo e respostas a estímulos fora de células. Porém, é possível olhar para estas características com outros olhos.

Vírus dependem inteiramente de células para a sua sobrevivência. Mas nós humanos e todos outros seres não dependemos também de fontes externas? Tudo do que nos alimentamos um dia foi vivo. Células são apenas o ambiente em que os vírus se adaptaram para sobreviver; da mesma maneira em que a tênia de adaptou para viver em nossos intestinos e precisa deles para se reproduzir. A única diferença é o tamanho da unidade parasitada por cada espécie.

Da mesma forma que vírus são parasitas intra celulares obrigatórios, existem bactérias como a Rickettsia que também são. É possível que essas bactérias estejam passando por uma evolução regressiva; perdendo os elementos que dão autonomia a elas. Isso não quer dizer que ela vá deixar de ser viva em algum momento; é apenas um nicho em que ela está se adaptando.

Existem vírus que são bem maiores que a média e que possuem DNA e genes possuídos por células como o Mimivírus. Poderia se pensar que ele é um elo entre vírus e células mas, esse argumento é facilmente refutado dizendo que ele adquiriu esses genes por transferência horizontal. Este argumento, por sua vez, não tira os vírus do patamar da vida pois é provável que por pressão ambiental ele vá perder esses genes com o tempo se ele os tiver adquirido de fato por transferência horizontal. Essa é outra característica fundamental à vida: sofrer seleção natural, e os vírus não estão isentos.

Outro argumento que é contra os vírus possuírem o status de vivos é o de que eles são seres polifiléticos. Não é possível traçar um ancestral comum a todos os vírus. Em contrapartida, é possível estatar que, por serem muito simples, vírus evoluem muito rápido, e por isso é esperado que possuam várias origens. Por conta disso é provável que eles tenham se originado depois das primeiras células, tendo em vista que ele são incapazes de sobreviver sem estas. É provável também que eles tenham se originado de evolução tando regressiva quanto progressiva. Progressiva como herança “mundo de RNA” que teria existido antes do DNA surgir e regressiva por perda de autonomia como a Rickettsia.

Por último, é possível dizer que vírus são elementos não vivos mantidos na natureza simplesmente pelo fato de terem um papel crucial na evolução dos seres vivos. Mas o simples fato dos próprios vírus sofrerem seleção natural é o bastante para refutar essa fala. Possivelmente vírus são os seres mais bem adaptados da Terra, mantendo-se vivos da forma mais simples possível. A exemplo disso temos o virófago Sputnik; um vírus que não possui genes para utilizar a maquinaria celular e que sobrevive infectando amebas já infectadas pelo Mimivírus, sendo assim parasita de um parasita.

A conclusão disso é de que vírus são uma forma peculiar de vida acelular e polifilética. Vírus não escapam da definição de vida se consideradas as atividades que eles possuem dentro de células. Isso porém, é assunto pra um eterno debate.

Quem sou

Alvaro CastellaniMeu nome é Álvaro Castellani e tenho 19 anos. Nasci em São Paulo e estou no segundo ano de biomedicina na USP. Biologia e música são minhas paixões e optei por escolher um curso relacionado à primeira. Espero algum dia poder ter meu próprio laboratório e seguir carreira em pesquisa.

Vírus não é pedra

©Rodrigo Barreiro

©Rodrigo Barreiro

Este post é o resultado de uma prova aplicada à turma da disciplina de Virologia, da graduação em Ciências Biomédicas do ICB/USP. A prova foi uma redação sobre o tema “Vírus é vivo?” e as respostas seguem abaixo:

Os organismos vivos são conhecidamente indivíduos compostos pela unidade básica da vida: a célula. “Os vírus podem ser classificados como vida?” A resposta para essa pergunta, dentro do conceito de vida citado, é taxativamente negativa. Conceito esse um tanto quanto insuficiente, levando em consideração todo o conhecimento microbiológico atual.

A definição de vida como necessariamente celular é realmente restrita, pois ignora completamente a capacidade, por exemplo, que os vírus têm de sofrer evolução Darwiniana – uma característica predominante em organismos vivos. Significantes estudos recentes demonstram linhagens evolutivas virais e relações com a dita árvore da vida. Os vírus, em geral, têm grande capacidade mutacional também, como o HIV que expressa uma enzima polimerase de baixa fidelidade. Essas mutações são facilmente selecionadas através de diversas interações que os vírus têm com outros organismo vivos.

Inclusive, não se pode deixar de ignorar as interações biológicas e o impacto viral em organismos vivos, sejam eles amebas ou seres humanos. Vírus são capazes de alterar completamente a atividade celular, o que gera uma macro resposta no indivíduo como um todo e, principalmente, na população em que este indivíduo está inserido. São capazes de coevoluir com os indivíduos infectados, modificando seu próprio genoma tanto quanto o do outro. Essa interação é tamanha que já comprovou-se a presença, mesmo que pequena, de genoma viral no DNA humano.

Há quem argumente que só é vivo o (micro)organismo que tiver metabolismo próprio. Entretanto, essa é uma abordagem completamente limitada. Inicialmente, há seres celulares, portanto considerados vivos, que apesar de terem metabolismo próprio, só se utilizam dele quando habitam o interior de outras células. São esses seres as bactérias dos gêneros Rickettsia e Clamydia, conhecidas parasitas intracelulares obrigatórias, “inertes” ao meio até que estejam em contato com o meio intracelular. Outro exemplo são os esporos bacterianos e as sementes vegetais, formas celulares de vida dita “latente”. Apesar de ter o seu metabolismo próprio, ele só é ativamente utilizado quando encontra condições propícias ao seu desenvolvimento.

Todos os exemplos dados são semelhantes ao vírus, que age quando em meio intracelular, quando “em condições propícios ao seu desenvolvimento”. Por que então considerá-lo um ser abiótico se tudo o que lhe falta são as condições necessárias para sua proliferação e maquinaria enzimática para fazê-lo? É preciso olhar o vírus como um parasita perfeitamente econômico: tem o suficiente para adentrar uma célula, alterá-la a seu favor, realizar o estrago que lhe for devido, replicar seu material genético e, ainda, tem o seu capsídeo, envolto ou não de envelope lipídico, para permitir a sua disseminação. Isso já não ocorre com os plasmídeos e príons e, portanto, não trazem em sua bagagem interações tamanhas quanto às do vírus.

De fato é difícil admitir, mas é preciso classificar os vírus como vivos, eles que, com toda sua complexa simplicidade, são capazes de reconhecer e infectar um tipo celular específico, replicar-se e disseminar-se, além de evoluir através dos tempos. Analisando fatos como esse, é bastante claro que os vírus não são abióticos como uma pedra, e sim que eles são responsáveis por toda uma malha de interações com o meio vivo – o que é um argumento de bastante peso para defini-lo como vivo.

Contudo, e mais importante do que definir a vivacidade do vírus, é necessária uma discussão mássica e intensa sobre o que é a vida em si, o que a compõe e quais os seus conceitos. A partir daí, então, poder-se-á chegar num consenso sobre o quão vivo é o vírus.

Se sou vivo… quem sou?

Victor AgostinoSou Victor Agostino, aluno do curso de Ciências Biomédicas do ICB/USP. Paulista, 18 anos e em processo de encientificação pessoal. Um grande enamorado da imunologia e romântico amante da fisiologia do coração.