Fazendo ciência pela ciência

Coloque-se na seguinte situação: você é um pesquisador estabelecido, tem alunos, pós-docs, um laboratório, algumas linhas de pesquisa. Mas unido a tudo isso, você tem todos os problemas inerentes da carreira: administrar alunos, continuamente brigar procurar por fontes de financiamento para manter seus pós-docs e experimentos, publicar, rebater referees, ter paper rejeitados e publicados, escrever projetos, reescrvê-los, fazer milagres com o dinheiro, etc, etc.

Aí um dia Estocolmo acha legal o que você faz e te dá um Prêmio Nobel. Festa, palestras, dinheiro, palestras, reconhecimento, palestras, viagens, palestras, enfim: a curto prazo a única atividade que você vai ter que fazer é contar pros outros porque Estocolmo gostou do seu trabalho.

Mas o calor arrefece e é preciso voltar ao trabalho. No entanto, dado o seu recém-adquirido prestígio, não vão te faltar alunos, pós-docs, colaboradores, parcerias e, suponho eu, publicar trabalhos se torna mais fácil e aprovar projetos e conseguir dinheiro também.

Nesse momento, e com todos esses aspectos favoráveis em mãos, o que você faria? Continuaria à “toda velocidade”, forçando mais e mais as fronteiras daquela área de pesquisa que te consagrou, fazendo, na maior parte do tempo, “ciência incremental”, como todos fazemos na maior parte do tempo, procurando um novo “jackpot”? Ou você chutaria o pau da barraca e mudaria completamente o seu ramo de pesquisa, abandonaria a competição com outros e iria se dedicar a algo novo? Pense bem: agora você pode “fazer o que quiser”, fazer “ciência pela ciência” e atacar problemas considerados “insolúveis” ou algo assim só pela vontade de fazer porque, afinal, ninguém mais vai te julgar, porque você pode.

Eu sei a minha resposta e não tenho dúvidas que eu sairia da competição e iria escolher estudar problemas os mais complicados possível. Nada de pressão por publicar, nada de pressão por dinheiro, simplesmente fazer ciência para aprender mais e mais e eventualmente, se algo funcionar, fazer outra contribuição decisiva pra ciência.

Mas perguntando aqui e ali, vi que tem gente que pensa o contrário e gostaria de continuar fazendo física dentro do mainstream, do que é tendência, do que é competitivo, porque é aquilo que os motiva a continar fazendo ciência.

Na vida real, o que vejo é que acontecem ambos os comportamentos: alguns vencedores do Nobel simplesmente investem mais e mais e continuam líderes em suas áreas apostando em se manter relevantes na sua área original de pesquisa. Mas alguns outros largam mão e vão estudar tópicos os mais diferentes possíveis. Eu já vi, entre outros: espiritualidade, biologia, o cérebro, a física do câncer e mesmo problemas sem solução aparente, como o tamanho do elétron.

E você? O que faria?

Discussão - 4 comentários

  1. Iconoclasta disse:

    Chutaria o pau da barraca e iria fazer outra coisa. Estudar música, viajar, coçar o saco, escrever livros, namorar, ser penta-atleta, ou palhaço para divertir crianças, aprender a pintar e desenhar, fazer poesia, recuperar móveis antigos, ser marceneiro, escrever um blog só de coisas legais, conhecer novas pessoas em ambientes diferentes, frquentar todas as igrejas possíveis para ver se existe alguma que ainda vale a pena, visitar comunidades carentes com frequencia para ensinar coisas interessantes e úteis, e muito mais. Porque eu ficaria fazendo ciencia para o resto da vida? Será que os cientistas acham que só fazer ciencia é interessante?

    • Emanuel Henn disse:

      Caro Iconoclasta,

      sim, os cientistas acham, normalmente, que só fazer ciência a vida inteira é mais do que interessante. Conheço uns que morreriam em cima da bancada fazendo seus experimentos. Os que eu conheço que chutaram o pau da barraca não foram tão longe como você propõe... foram fazer ciência, num nínel ou área completamente diferente. Mas, ainda assim, ciência. No entanto, porque não chutar o pau da barraca de vez, né? Um abraço.

  2. Julian Schwinger disse:

    Gostei da reflexão. Eu atacaria problemas novos, a partir de ângulos inesperados e me envolveria certamente em projetos ligados à educação e a sociedade.

    Sou estudante de física e essa questão da ciência que não é feita pela ciência me preocupa. Tenho a impressão de que muitos acadêmicos no Brasil seguiram esse caminho apenas pelo status na sociedade e por um certo sentimento aristocrático de se mostrar mais inteligente que o próximo. Espero que as novas gerações mostrem-me que estou enganado...

    • Emanuel Henn disse:

      Caro Julian, talvez eu não tenha sido bem claro. Cientistas, normalmente, fazem ciência porque gostam e gostam do que fazem. Mas há muitos aspectos burocráticos na periferia do "fazer ciência". E muitas vezes nem é só na periferia: escrever projetos pra receber financiamento e publicar os resultados são necessidades e há pressão em ambas as pontas. Livrar-se dessas obrigações e/ou pressões é algo o qual poucos podem se dar ao luxo. Agora, sobra a sua impressão, não sei se acadêmicos tem status mais alto na sociedade de alguma forma. Lembre-se que, a rigor, acadêmicos são professores, e o status de professor em nosso país é, infelizmente ruim. Há egos inflados dentro da academia, sem dúvidas, mas quando eles se comparam entre si. Na sociedade, ser "acadêmico" não é lá grande coisa. Um abraço e volte sempre.

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