Não se engane: o Bóson de Higgs não é a “partícula de Deus”

Por causa do anúncio do Prêmio Nobel de hoje para os dois cientistas que propuseram a existência do Bóson de Higgs, finalmente descoberto no ano passado pelo CERN, você vai ver na mídia incontáveis vezes a expressão “Partícula de Deus”. A cada vez que um jornalista escreve isso, uma fada morre na terra do nunca.

Esqueça isso: NÃO HÁ PARTÍCULA DE DEUS.

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A menos, claro, que você seja religioso: nesse caso todas as partículas são “pertencentes” a Deus… 😉

A expressão em português é uma péssima tradução mal-feita da expressão em inglês: God Particle ou, numa tradução melhorzinha a “Partícula Deus”. E porque esse nome?

A expressão original foi usada em um livro sobre o Bóson de Higgs (A Partícula Deus: Se o Universo é a resposta, qual é a pergunta?) em 1993, onde o autor, Leon Lederman, escreve algo como: “o modelo padrão reduz o entendimento do Universo a um conjunto pequeno de partículas e interações. Mas ele é incompleto, e este Bóson de Higgs tem um papel tão central nessa teoria e, ainda assim, tem se mostrado tão difícil de se comprovar experimentalmente que pode-se apelidá-lo de Partícula-Deus” (tradução livre-livríssima).

Na prática, o autor ainda diz que gostaria de apelidar o Bóson de Higgs de “Goddamn Particle” ou “A partícula maldita” por toda a frustração e gastos que ela causou a gerações de cientistas em busca de si, mas foi convencido do contrário pelo editor do livro…

Então é isso: uma partícula fundamental para tudo o que os cientistas acreditam ser a “explicação do Universo” e ainda assim difícilima de se provar a existência experimentalmente, na qual se precisou ter fé ao longo de anos e anos até finalmente termos sido capazes de achá-la. Tem cara mesmo de partícula Deus… 😉

 

P.S.: Não, eu ainda não voltei de vez pro blog. Mas aos poucos… 😀

Nobel de Física 2013

Essa bola estava mais do que cantada… François Englert e Peter Higgs acabam de ser anunciados como vencedores do Prêmio Nobel de Física 2013. Se você estava em coma ano passado, talvez não saiba o que aconteceu: o CERN colocou em operação a maior máquina já construída pelo homem para testar as predições dos dois vencedores deste ano. E as confirmou! Esta é a razão do Prêmio deste ano.

Veja mais informações em: http://www.nobelprize.org (em inglês).

P.S.: Não, eu ainda não voltei de vez… Mas quase. 😉

Entre aspas (e um comentário)

penguins

O contexto:

Pinguim-chefe (ele deve ter um nome) do filme Madagascar 3, ao ser informado que um avião de ouro maciço não poderia nunca voar.

A frase:

“Nós seremos ricos, as leis da Física não se aplicam a nós!”

O comentário:

Aqui e acolá temos a impressão de que há alguns (muito) ricos sobre os quais as leis não se aplicam da mesma forma que se aplicam às pessoas comuns. Mas, às Leis da Física, não há dinheiro, poder ou influência que faça alguém passar incólume.

P.S.: No filme, o avião voou.

Procurando emprego?

Eu sei que a situação do emprego no nosso país nem anda tão ruim assim se comparado aos nossos amigos espanhóis e italianos e em outras praças por aí.

Mas é óbvio que ainda há muitos que procuram um emprego, um emprego novo, o emprego dos seus sonhos ou ainda só um bico pra reforçar o orçamento. É esse o seu caso? Então este post pode te interessar.

emprego

Continue lendo…

Fazendo ciência pela ciência

Coloque-se na seguinte situação: você é um pesquisador estabelecido, tem alunos, pós-docs, um laboratório, algumas linhas de pesquisa. Mas unido a tudo isso, você tem todos os problemas inerentes da carreira: administrar alunos, continuamente brigar procurar por fontes de financiamento para manter seus pós-docs e experimentos, publicar, rebater referees, ter paper rejeitados e publicados, escrever projetos, reescrvê-los, fazer milagres com o dinheiro, etc, etc.

Aí um dia Estocolmo acha legal o que você faz e te dá um Prêmio Nobel. Festa, palestras, dinheiro, palestras, reconhecimento, palestras, viagens, palestras, enfim: a curto prazo a única atividade que você vai ter que fazer é contar pros outros porque Estocolmo gostou do seu trabalho.

Mas o calor arrefece e é preciso voltar ao trabalho. No entanto, dado o seu recém-adquirido prestígio, não vão te faltar alunos, pós-docs, colaboradores, parcerias e, suponho eu, publicar trabalhos se torna mais fácil e aprovar projetos e conseguir dinheiro também.

Nesse momento, e com todos esses aspectos favoráveis em mãos, o que você faria? Continuaria à “toda velocidade”, forçando mais e mais as fronteiras daquela área de pesquisa que te consagrou, fazendo, na maior parte do tempo, “ciência incremental”, como todos fazemos na maior parte do tempo, procurando um novo “jackpot”? Ou você chutaria o pau da barraca e mudaria completamente o seu ramo de pesquisa, abandonaria a competição com outros e iria se dedicar a algo novo? Pense bem: agora você pode “fazer o que quiser”, fazer “ciência pela ciência” e atacar problemas considerados “insolúveis” ou algo assim só pela vontade de fazer porque, afinal, ninguém mais vai te julgar, porque você pode.

Eu sei a minha resposta e não tenho dúvidas que eu sairia da competição e iria escolher estudar problemas os mais complicados possível. Nada de pressão por publicar, nada de pressão por dinheiro, simplesmente fazer ciência para aprender mais e mais e eventualmente, se algo funcionar, fazer outra contribuição decisiva pra ciência.

Mas perguntando aqui e ali, vi que tem gente que pensa o contrário e gostaria de continuar fazendo física dentro do mainstream, do que é tendência, do que é competitivo, porque é aquilo que os motiva a continar fazendo ciência.

Na vida real, o que vejo é que acontecem ambos os comportamentos: alguns vencedores do Nobel simplesmente investem mais e mais e continuam líderes em suas áreas apostando em se manter relevantes na sua área original de pesquisa. Mas alguns outros largam mão e vão estudar tópicos os mais diferentes possíveis. Eu já vi, entre outros: espiritualidade, biologia, o cérebro, a física do câncer e mesmo problemas sem solução aparente, como o tamanho do elétron.

E você? O que faria?

Utilidade Pública: Quer ver 5 prêmios Nobel em ação?

Serviço de utilidade pública: o Instituto de Física da USP em São Carlos promove nos dias 28 de fevereiro e primeiro de março um simpósio em homenagem ao pesquisador Daniel Kleppner.

O prof. Kleppner nunca foi agraciado com um Prêmio Nobel, mas formou vários deles e contribuiu de forma significativa para o entendimento da matéria em escala atômica. Seu status é tão grande que nesta semana se reúnem em São Carlos, interior de São Paulo, 5 ganhadores do prêmio Nobel além diversos picas grossas “eternos candidatos”, gente que fez muito pela ciência e sempre tem seus nomes cogitados aos mais prestigiados prêmios. A seleção de nomes é impressionante. O progrma completo você vê aqui: http://cepof.ifsc.usp.br/symposium_kleppner/program.php .

Caso você tenha chance, compareça. Vai ter física do mais alto nível.

Se interessou, mas não pode comparecer? Siga na TV-USP, ao vivo: para quinta (28/02), o link é este aqui. Na sexta, dia 01/03, o link é este.

“Entre aspas”

“Esta é a essência da ciência: você faz uma pergunta impertinente e
pode encontrar uma resposta pertinente.”

Agente Fox Mulder – Arquivo X (1a temporada)

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Tradução livre de:

“This is the essence of science: you ask an impertinent question and you may find a pertinent answer.”

Por quem os sinos dobram. Longa vida a Bell.

Nota do dono do blog: Feliz 2013! O Caderno volta à ativa e em grande estilo: com um post sensacional de um autor oculto (nem eu sei quem é!!!) como parte da primeira rodada do Interciência! Você consegue adivinhar quem o escreveu? Deixe o seu chute nos comentários! Abraços e boa leitura!

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Um dos critérios da concessão de prêmios Nobel é que o laureado esteja vivo (desde 1974, premiação póstuma só pode ocorrer se a morte do ganhador sobrevier após o anúncio dos vencedores; e, antes, só se a morte ocorresse depois da escolha [1]). Isso evita que pesquisadores vivos sejam preteridos por grandes nomes de um passado mais remoto e que a morte de um cientista influa em sua escolha (como uma espécie de homenagem in memoriam); mas, como também a tendência é de os prêmios serem concedidos por realizações já muito bem estabelecidas (coisa que pode levar muitas vezes décadas), abre espaço para algumas injustiças: indivíduos com contribuições relevantes deixam de ser homenageados porque decidiram expirar antes.

Um dos casos de grande injustiça, a meu ver, é em relação ao físico britânico John Stewart Bell. O breve relato biográfico a seguir é copiado descaradamentebaseado em texto de Andrew Whitaker [2], a menos onde indicado em contrário.

Bell nasceu a 28 de julho de 1928 em Belfastat, capital da Irlanda do Norte. Em 1945, ingressou no Queen’s Belfast University, graduando-se com louvor em Física Experimental (1948) e em Física Matemática (1949). Ainda como estudante de graduação, discutia com seus professores mostrando insatisfação com a Física Quântica e sua interpretação de modo acalorado e até agressivo.

Ao se graduar, passou a trabalhar no UK Atomic Research Establishment em Harwell, Inglaterra, sendo posteriormente realocado para o grupo de projeto de aceleradores em Malvern, também na Inglaterra – desenvolvendo modos de traçar a trajetória de partículas carregadas.

Em 1951, em ano sabático, no laboratório do físico Rudolf Peierls na Birmingham University, Bell desenvolveu seu trabalho com o teorema CPT (uma teoria quântica de campo canônica – basicamente sem considerar ações imediatas de longa distância e que trabalhe com transformações do espaço-tempo de acordo com a teoria da relatividade de Einstein – é invariante sob operações CPT [3]). Os físicos alemães Gerhard Lüders e Wolfgang Pauli, porém, publicaram seus achados um pouco antes de Bell, de modo que o britânico não tem levado quase nenhum crédito pela descoberta.

Casou-se com a física Mary Ross em 1954. Haviam se conhecido em Malvern e manteriam uma intensa parceria – afetiva e profissional – por toda a vida, publicando, inclusive, alguns trabalhos conjuntos.
Obteve o doutorado em 1956 e, em 1960, mudou-se com a esposa para o CERN. Algumas fontes [2] dizem que a mudança ocorreu pela alteração da linha de pesquisa em física teórica para aplicada em Harwell; outras, que se deu pelo redirecionamento dos esforços britânicos na pesquisa experimental com física de partículas para o CERN [4]. De todo modo, Bell passaria o resto de sua vida trabalhando no CERN.

Seus principais trabalhos abordando a questão das variáveis ocultas exposta no chamado paradoxo EPR (de Einstein, Podolsky e Rosen, os autores do artigo original que apresentava um questionamento sobre a completude da física quântica), juntamente com crítica ao argumento do matemático von Neumann contra a existência de variáveis ocultas foram desenvolvidos em 1964 (mas publicado só em 1966).

Em 1969, juntamente com o físico polonês naturalizado americano Roman Jackiw e com contribuição de Stephen Adler, físico americano, resolveram um problema na teoria quântica de campos. Pela teoria, um píon neutro não deveria decair em dois fótons, mas era exatamente o que ocorria na prática. O modelo algébrico padrão utilizado continha uma falha e quando procedeu-se a quantização (em vez de soluções contínuas), obteve-se a quebra de simetria no modelo, o que explicava o decaimento do píon. Isso é conhecido como anomalia ABJ ou anomalia quiral.

Foi eleito membro da Royal Society em 1972. Em 1988 recebeu a Medalha Dirac do Physics Institute [5], em 1989 foi agraciado com a Medalha Hughes da Royal Society [6] e com o Prêmio Dannie Heinemann de Física Matemática pela American Physics Society [7].

Em 1990, Bell faleceu em decorrência de um derrame cerebral.

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O teorema CPT e a anomalia ABJ já dão mostras do papel importantíssimo de Bell na física teórica e, em particular, na física quântica. Mas Bell foi fundamental com o resultado de seu trabalho de 1964. A partir dele derivaram-se as desigualdades (ou inequações) de Bell. Essas desigualdades puderam ser experimentalmente testadas e os resultados contradisseram as esperanças de Einstein com seu paradoxo EPR (e do próprio Bell, que acreditava nas variáveis ocultas e no realismo local).

Para tentar entendermos melhor a genialidade das inequações de Bell, precisamos entender a questão do realismo local. Até o desenvolvimento da física quântica nas primeiras décadas do século 20, a visão que predominava era a do determinismo. Esse determinismo era ilustrado pelo demônio de Laplace: uma inteligência a quem fosse dado saber o estado de todas as partículas do universo em um determinado instante, poderia simplesmente aplicar as leis da mecânica e conhecer o estado de cada partícula em qualquer outro momento futuro ou passado [8]. Heisenberg mudaria o quadro com seu princípio da incerteza (ou indeterminação).

Duas grandezas conjugadas, como velocidade e momento, não poderiam ter seus valores conhecidos com grau infinito de precisão ao mesmo tempo: quanto mais precisa a determinação do valor de uma das grandezas, menor a precisão do valor de outra. Heisenberg ilustrou com um experimento mental para a observação de um elétron ao microscópio. Para determinar a posição do elétron, seria preciso lançar fótons sobre ele e verificar o espalhamento (difração). Quanto menor o comprimento de onda, menor o espalhamento e maior a precisão da posição do elétron. Porém, quanto menor o comprimento de onda, maior a energia dos fótons e maior a transferência de momento ao elétron, tornando mais imprecisa a determinação da velocidade do elétron. Quanto menos energético o elétron, menos interferência no momento e mais precisa a determinação da velocidade do elétron. Porém o espalhamento é maior e a precisão da posição é menor. [9]

Na interpretação radical para a época da Escola de Copenhagen, isso significaria que, antes da observação, uma partícula não teria um estado definido: ela não estaria na posição x, y ou z. Ela estaria em um estado de sobreposição, em que a partícula estaria ao mesmo tempo na posição x, y e z. Uma função de onda (uma expressão matemática que descreve uma onda) indicaria a probabilidade de a partícula estar na posição x, y ou z depois da observação.

Albert Einstein não aceitava essa interpretação. Para ele (e boa parte dos físicos de então), a partícula tinha uma posição definida antes mesmo da observação. Apenas não saberíamos qual era. É o que os físicos chamam de interpretação realista – qualquer sistema tem um estado bem definido independentemente de observação. No artigo que escreveria com o físico russo Eric Podolsky e com o físico americano e israelense Nathan Rose, é proposto o seguinte experimento mental: dois sistemas (p.e. partículas) são colocados em contato e deixados interargir e se afastarem em linha reta. Princípios físicos bem estabelecidos (e aceitos na física quântica), garantiam a conservação de certas grandezas, como o momento de um sistema. Assim, sendo duas partículas de mesma natureza, teriam a mesma massa, ao se afastarem entre si, partindo da situação de repouso na interação inicial, a velocidade de uma seria exatamente igual a de outra, mas em sentido oposto – conservando o momento inicial (qual seja, zero). Partindo do mesmo ponto, a posição de uma seria a uma mesma distância do ponto inicial do que a posição de outra. Assim, quando suficientemente afastado, se medíssemos a posição de uma, imediatamente saberíamos a posição de outra; e, medindo a velocidade da outra, saberíamos a velocidade de uma. Sendo os autores, como a velocidade da luz é finita e nenhum sinal pode ter velocidade maior – isto é, não haveria nenhum efeito imediato à distância (o princípio da localidade – qualquer evento só pode ser afetado por outro evento que esteja nas imediações, não há uma ação imediata à distância); não haveria tempo de qualquer medição na posição na primeira partícula alterar a velocidade na segunda partícula e vice-versa. Isso permitiria que se conhecesse com precisão tanto a posição de ambas as partículas quanto suas velocidades (e, portanto, momento). Em não havendo possibilidade de um sinal superluminal (com velocidade acima da da luz) ir de um sistema ao outro, os valores das grandezas só poderiam estar definidos desde o começo. [10] Ou será que não?

Os seguidores da interpretação de Copenhagen mantinham que os valores não estavam predeterminados. Bell, que defendia a posição de Einstein, então bolou um modo de verificar a diferença entre as duas interpretações.

Consideremos três parâmetros A, B e C. Digamos, A – é loiro; B – tem menos de 1,60m de altura; C – é do sexo masculino. Em qualquer sala de aula, há um certo número (igual ou maior do que zero) de alunos que são loiros e têm 1,60m ou mais de altura N(A~B); um certo número que são loiros e do sexo feminino N(A~C) e que têm menos de 1,60m e são do sexo feminino N(B~C). É fácil ver que:
N(A~B) + N(B~C) ≥ N(A~C) [ineq. 1]

Se todos que são B são também C, então o número de alunos que são A, mas não são B, é igual ao número de alunos que são A, mas não são C (e, naturalmente, o número de alunos que são B, mas não são C, é igual a zero). Se nenhum que é B é C; o número de alunos que são A, mas não B, é igual ao de alunos que são A e C; o número de alunos que são B, mas não C, é igual ao número de alunos que são B; e o número de alunos que são A, mas não C, é igual ao número de alunos que são A e B. O número de alunos que são A e B, no máximo, é igual ao número de alunos que são B (caso todos os que são A sejam também B). Então, qualquer situação intermediária também obedece à inequação 1.

Isso vale para quaisquer conjuntos de variáveis A, B e C, desde que sejam variáveis clássicas: que obedeçam aos princípios do realismo e da localidade – o realismo local.
Se os estados das partículas, como elétrons, são definidos independentemente de observação, então teríamos a estatística das observações de parâmetros A, B e C que obedecem à inequação. Obviamente não faz sentido falar em elétrons garotos ou elétrons loiros (embora certamente todos sejam menores do que 1,60m). Uma característica quântica do elétron que se pode medir é o spin (grosso modo correspondente ao momento angular). Se um par de elétrons é gerado a partir de um processo em que se possa aplicar os princípios de conservação (digamos decaimento de uma partícula com spin 0, como um fóton), então teríamos um determinado número de elétrons com spin a 0°, 45° e 90° em uma dada direção para a direita ou para a esquerda (cuja soma ao fim fosse de 0). Sendo A = 0° direita; B = 45°direita e C = 90° direita:
N(0° direita e 45° esquerda) + N(45° direita e 90° esquerda) ≥ N(0° direita e 90° esquerda) [ineq. 2]

(Não há nada de particularmente especial nesses valores de ângulos para o spin, poderiam ser outros.)

Em 1982, equipe liderada pelo físico francês Alain Aspect colocou o teorema de Bell à prova. Usando fótons no lugar de elétrons e medindo ângulo de polarização no lugar de spin por razões técnicas. A inequação de Bell foi violada [11a, b]. A esperança de Einstein (e de Bell) em que variáveis ocultas locais salvariam o realismo local estava abalada.

Alguns modelos abandonam a localidade para tentar salvar o realismo. Mas alguns resultados relativamente recentes descartam um certo grupo de teorias de realismo com variáveis ocultas não-locais [12].

O trabalho de Bell abriu caminho para uma linha de investigação que permitiu avançar sobre o paradoxo EPR e colocar a estranha (por anti-intuitiva) interpretação de Copenhagen do estranho (por além de nossa experiência cotidiana) mundo quântico em bases experimentais bem sólidas. As implicações disso na visão de mundo que podemos ter é alvo de intenso debate entre epistemologistas [13]. Mas podemos dizer com segurança que mudou o mundo (ao menos o modo como o enxergamos) para sempre. E a Academia Sueca perdeu uma grande oportunidade de reconhecer tal fato.

[1] http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/nomination/nomination_faq.html
[2] http://www-history.mcs.st-andrews.ac.uk/Biographies/Bell_John.html
[3] http://www.lbl.gov/abc/wallchart/chapters/05/2.html
[4] http://migre.me/cOi4P
[5] http://www.iop.org/about/awards/gold/dirac/medallists/page_38431.html
[6] http://royalsociety.org/awards/hughes-medal/
[7] http://www.aps.org/programs/honors/prizes/heineman.cfm
[8] http://www.stsci.edu/~lbradley/seminar/laplace.html
[9] http://www.aip.org/history/heisenberg/p08.htm
[10] http://www.drchinese.com/David/EPR.pdf
[11a] http://prl.aps.org/abstract/PRL/v49/i25/p1804_1
[11b] http://prl.aps.org/abstract/PRL/v49/i2/p91_1
[12] http://www.sciencedaily.com/releases/2008/03/080318174941.htm
[13] http://plato.stanford.edu/entries/bell-theorem/

[Este texto é parte da primeira rodada do InterCiência, o intercâmbio de divulgação científica. Saiba mais e participe em: http://scienceblogs.com.br/raiox/2013/01/interciencia/]

 

O blog está de mudança

Antes que você pense algo errado: não! eu não estou de saída do Science Blogs! De doido, afinal, eu só tenho a cara! E a profissão. E alguns comportamentos. E… deixa pra lá. Mas eu não sou doido! “My mother had me tested!”

Na prática, quem se muda sou eu, o blog permanece onde está. Estou voltando pro Brasil nos próximos dias e, por isso, o blog vai ficar meio mambembe até eu me estabelecer minimamente.

A repatriação de cientistas ainda é, a meu ver, um dos maiores problemas que enfrentamos na ciência brasileira. Não que seja meu caso, mas é isso que vejo aqui e ali: cientistas jovens e com potencial trocando a chance de sair para uma experiência enriquecedora no exterior por um emprego seguro onde quer que ele exista, simplesmente pelo fato de não saberem se este existirá em alguns anos. Ou pesquisadores muito bons se estabelecendo permanentemente no exterior pela falta de oportunidades claras no nosso país. Adicione a tudo isso o fato de que, se você decidiu ir pro exterior, provavelmente está resolvido a seguir carreira acadêmica e o “plano B” de abandonar a Academia e seguir para fazer pesquisa na indústria é essencialmente inviável no nosso país.

Não sei qual a melhor forma de resolver esse problema, mas, definitivamente, um “censo” permanente de quem está no exterior, fazendo o quê e onde, de forma a mapear e manter contato com esses profissionais, apresentando-lhes oportunidades e/ou mesmo atraindo-os explicitamente de volta já seria um bom começo. De fato, se tivéssemos nas Universidades brasileiras algumas vagas, mesmo que apenas quase-permanentes, que pudessem ser preenchidas sem grandes burocracias por pesquisadores de ponta, a fim de repatriá-los, já seria um ótimo passo. Um sistema parecido existe aqui na Alemanha a fim de manter/trazer pessoas que sejam de interesse dos institutos de pesquisa. Hoje, se você não tiver bons contatos antes de sair, voltar pode ser (se tornar) bem complicado.

Daqui da Alemanha, levo uma experiência maravilhosa: cientifica e culturalmente, a estada aqui valeu cada segundo. Se você é jovem, pensa em seguir carreira científica e quer sair do Brasil para um tempo no exterior, eu só posso recomendar fortemente que você o faça. Mesmo que não valha a pena cientificamente, o crescimento cultural é incomparável.

A Alemanha, em especial, foi certamente uma boa escolha para mim: um país de economia e cultura fortes, muito diferente da nossa, centro (geográfico e político) da Europa e um lugar bacana pra se viver. Como físico, foi igualmente uma experiência especial: viver e trabalhar no país que nos deu tantos grandes cientistas é inspirador. Pois veja só, são alemães, de nascimento ou culturalmente: Planck, Einstein, Schrödinger, Heisenberg, Hertz, Hänsch, Hund (o das regras), Sommerfeld, Stern e Gerlach, Beth, Born, Drude, Fahrenheit, Gauss, Röntgen, Helmholtz, …. . E ainda temos, fora da física, Kant, Goethe, Humboldt, Bach, Beethoven, Haydn, Mozart, Wagner, Strauss, Händel, Marx, Nietzsche (aquele que chorou), Kafka, Benz e Daimler (os inventores do carro), … e (ufa!) muitos e muitos outros que contribuíram decisivamente de alguma forma para o mundo moderno. É pouco ou quer mais?

À Alemanha só posso dizer “até mais, e obrigado pelos peixes!” 😉

Vejo vocês no Brasil. Até logo.

Super Quântico – parte 2

Bem vindo à segunda parte da nossa conversa sobre os superfenômenos da Física. Se você não leu a primeira, pode fazê-lo neste link aqui. Se está com preguiça, eu resumo o que há de importante nessa história:

  • Fenômenos quânticos ganham o nome de “super” quando o mecanismo por trás deles é dito um comportamento coletivo
  • Os mais conhecidos são a superfluidez, a supercondutividade, os super-átomos e os supersólidos
  • Superfluidos, em especial, carregam duas características importantes para a discussão a seguir: os átomos de um superfluido são delocalizados, ou seja, não é possível assinalar uma posição no espaço para cada um deles e um superfluido é irrotacional: se você tentar rodá-lo, ele ficará paradinho.

Tudo isso pra dizer que neste post vamos nos focar num único assunto, bem recente e bem quente (e que motivou toda a discussão): a des-descoberta da existência de uma fase super-sólida em Hélio. É isso mesmo: alguns anos atrás, um pesquisador mostrou que Hélio sólido, sob certas condições transformava-se em um super-sólido. Neste ano, ele mesmo mostrou que estava errado. Sem mais delongas, vamos cair de cabeça no tópico.

O que é um sólido?

Via de regra, um sólido é um arranjo periódico e bem definido de átomos, igualmente espaçados, formando uma rede, muitas vezes chamada rede cristalina. Esse tipo de arranjo é fácil de visualizar, mas eu ajudo você e coloco uma versão simplificada na imagem abaixo.

Um sólido real, obviamente, é tridimensional, e o arranjo dos átomos pode tomar diferentes formas e não apenas a triangular (você vê que a unidade básica é um triângulo nesse caso?) que é mostrada na figura. Mas a ideia é essa.

Tem algo sobre sólidos reais que falta dizer e que é importante: eles não são arranjos perfeitos. Sabe os pontinhos pretos da figura? Num sólido real alguns desses falham, são vazio, chamados de vacâncias ou “defeitos” mesmo. Eles não precisam nem ser vazios da rede cristalina, mas preenchidos por outro átomos, espécies, etc. Essas vacâncias terão um papel essencial no que é um supersólido. Mas, afinal…

O que é um supersólido?

Eu queria que houvesse uma resposta fácil, mas não tem, então lá vai: um supersólido é um sólido, como o descrito acima, mas que também é superfluido. Pronto falei. Você percebe quão bizarra é essa definição? Sim? Não? Vamos lá: num sólido, os átomos estão localizados em posições fixas no espaço, numa rede ordenada. Num superfluido, eles estão delocalizados espacialmente, estão aqui, ali e em todo lugar ao mesmo tempo, sem um ordem cristalina. Pois um supersólido é exatamente a coexistência dessas duas propriedades aparentemente antagônicas: a ordem de um sólido com a delocalização de um superfluido. Repete aí comigo, vai: “Ah! Como é linda a mecânica quântica e os nós que ela dá na nossa cabeça!”

Como um sólido pode ser superfluido?

Pois é. Eu também me pergunto isso. Mas os teóricos dizem que pode e abaixo eu tento traduzir o que eu entendi pra vocês. Lembra das vacâncias? Os defeitos da rede cristalina? São eles que fazem parte da mágica aqui. Lembre-se que aqui estamos falando de mecânica quântica, então em uma determinada posição do espaço, não há apenas uma vacância ou um átomo mas uma superposição dos dois, uma vacância E um átomo. Além disso, se uma vacância efetivamente se move pra esquerda, isso é equivalente a termos átomos se movendo para a direita. Agora, num supersólido, as vacâncias são superfluidas: elas estão delocalizadas por toda a rede cristalina e se movem livremente. Logo, a rede cristalina, formada pelos átomos, também se move sem qualquer resistência, como um superfluido, mas mantém seu ordenamento espacial intacto. Bizarro, não? Mas a ideia é por aí.

Como tudo o que envolve superfluidez começa de alguma forma com o estudo de Hélio, também este é o caso para supersólidos. A proposta é que quando Hélio se solidifica, um sólido normal, a princípio, mesmo em temperaturas muito baixas, ele tem uma quantidade apreciável de vacâncias, defeitos que não aparecem em outros sólidos convencionais quando a temperatura se aproxima do zero absoluto. Quando se resfria esta sólido, as vacâncias tornam-se um superfluido e aí, bingo: temos um supersólido.

E aí, como efetivamente observar esse fenômeno tão bizarro? Bom, coube a Kim e Chan em 2004 a “descoberta” de supersolidez em Hélio sólido, tendo descrito seus trabalhos aqui: E. Kim and M. H. W. Chan, “Probable Observation of a Supersolid Helium Phase,” Nature 427, 225 (2004); E. Kim, “Observation of Superflow in Solid Helium,” Science305, 1941 (2004). Vamos ver como isso funciona.

A (incorreta) observação de Hélio supersólido

Lembra que eu falei pra você lembrar que uma das principais características de um superfluido é a sua resistância a girar? Pois agora vamos usar esse fato. O que Kim e Chan fizeram foi colocar Hélio em um “recipiente” de Vycor, um tipo de vidro. Colocado sob pressão, Hélio se torna um sólido dentro deste recipiente. Esse conjunto, na forma de uma pizza (de massa grossa) é colocado pra rodar num “pêndulo de torção” que é o sisteminha simples que você vê na figura abaixo.

 O experimento é razoavelmente simples de se entender: a freqüência com que o pêndulo oscila depende da massa dentro do prato, através de uma quantidade chamada momento de inércia. Quando o prato é resfriado, uma mudança nessa frequência de oscilação indica que alguma fração da massa presente “se desacoplou” do pêndulo. Alguém aí leu “se desacoplou” como “parou de girar”? Pois os autores do trabalho fizeram essa mesma interpretação: a freqüência mudou ao se resfriar o prato (abaixo de 200 mK) porque parte do Hélio sólido tornou-se superfluido, ou seja, um supersólido, e, como todo bom superfluido, recusa-se a girar.

O fato é que os autores fizeram a “tarefa de casa” e realizaram inúmeros experimentos de controle, sempre com resultados apontando qua a única solução possível para a mudança na oscilação do pêndulo era a existência de uma fração supersólida lá dentro. Jackpot!

De fato, ao longo dos meses e anos seguintes, diversos outros experimentos observaram o mesmo comportamento. No entanto, havia discrepâncias sérias na magnitude da mudança da freqüência de oscilação. A coisa ficou ainda mais séria quando, ao realizarem experimentos controlando a quantidade de vacâncias presentes, ou seja, a quantidade de Hélio que poderia se tornar supersólido, foram observados alguns resultados contraditórios. Em outras palavras: quando se esperava mais super-sólido presente, ou seja, uma mudança maior na freqüência de oscilação, o efeito observado era contrário. E vice-versa.

Isso fez com que muitos teóricos se debrussassem sobre o problema, oferecendo sólidos argumentos contra a existência de um supersólido no experimento original. As propostas estimularam novos experimentos a fim de confirmar e/ou rejeitar solidamente o suposto super-sólido.

Os novos experimentos

A proposta dos teóricos era de que Hélio sólido poderia modificar suas propriedades com a temperatura tão baixa e isso teria uma conseqüência que poderia ser confundida com a existência de um supersólido. Em especial, o módulo de cisalhamento poderia mudar. Apesar do nome feio, essa é apenas a forma de se quantificar a tendência de um sólido a se deformar. E se Hélio sólido ficar mais “duro” com a temperatura, ele pode sim modificar o comportamento do pêndulo de torção.

Pois este ano, Kim e Chan, os mesmos pesquisadores que “observaram” o supersólido, com um experimento similar ao de 2004 mas desenhado para evitar efeitos na mudança deste módulo de cisalhamento, fizeram novas medidas. E a freqüência de oscilação do pêndulo não muda. Ou seja: não há supersólido no sistema deles. A pesquisa foi publicada aqui: Phys. Rev. Lett. 109, 155301 (2012) e talvez seja a primeira vez que eu vejo um resultado “negativo” ser publicado numa revista tão conceituada.

Toda essa história mostra bem como a ciência funciona: observa-se, testa-se, testa-se mais, e mais e mais até que as hipóteses todas são testadas e confirmadas e/ou rejeitadas. E aí testa-se mais um pouco à medida que aprende-se novos aspectos da ciência. A graça aqui está na “dramaticidade” da história, com o mesmo pesquisador observando e des-observando algo que, se fosse verdadeiro, poderia colocá-lo na pista expressa para o prêmio Nobel. Agora, não mais.

E agora, José?

Bom, agora a busca continua. Enquanto alguns pesquisadores não acreditam que um super-sólido, essa fase tão bizarra da matéria possa existir, outros afirmam que, matematicamente, ela tem que existir (não me pergunte os detalhes). Uma opção são gases quânticos com interações dipolares, que deveriam mostrar fases que se parecem com um super-sólido, mas em um gás. A única certeza que se tem é que a  procura continua e a vaga na “pista expressa” na direção de Estocolmo pela observação de supersolidez continua aberta.

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