Diários de Lindau, dia 4

Um dia de Luz, de espera por Higgs e de dicas valiosas para a sua pesquisa de todo dia.

Um dia que começou cedo demais. Com café-da-manhã num barco.

Isso e algo mais, no quarto dia dos Diários de Lindau.

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Habemus Higgs

Annuntio vobis gaudium magnum 

Habemus Higgs 

ou em português:

Anuncio-vos uma grande alegria

Temos um Higgs

 Não foi bem assim que, hoje pela manhã, o diretor do CERN (o grande acelerador de partículas europeu) anunciou a confirmação de uma nova partícula que tem tudo para ser o tão sonhado Bóson de Higgs, mas eu aposto que se ele pudesse, era assim que teria feito. Afinal, o anúncio de hoje guarda semelhanças com o anúncio de um novo papa: ele virá com certeza e será positivo, mas ainda assim, a espera enche seus fiéis de expectativa, e o anúncio, de júbilo.

Mas por quê? Apesar de não entender quase nada de física de partículas, é essa a questão que eu quero tentar responder aqui.

  • O que é o Bóson de Higgs?

Eu vou pedir permissão para adaptar a explicação do diretor do CERN, dada hoje na coletiva de imprensa. Imagine uma sala cheia de jornalistas, mais ou menos igualmente distribuídos. Eles formam o campo de Higgs. Agora entram na sala, digamos, eu e a Angelina Jolie. Quem vai se mover com mais facilidade? Eu, claro, um ilustre desconhecido. Ao contrário, os jornalistas vão se aglomerar em torno da Angelina Jolie e ela vai se mover mais devagar. Ora, em Física, uma partícula que se move livremente, sem restrições (eu, no caso) é uma partícula muito leve, sendo o caso limite, as partículas de luz, que se movem (faça cara de surpresa!) com a velocidade da luz. Partículas que se movem mais lentamente (Angelina, nesse caso) são mais  pesadas. Bom, você já entendeu, o campo de Higgs é o que dá massa às partículas sub-atômicas. E o bóson de Higgs? Bom, pegue a Angelina Jolie e o aglomerado de jornalista e retire, de repente, a Angelina. O aglomerado de jornalistas é o Bóson de Higgs (para os iniciados, o bóson de Higgs é a partícula que advém da quantizacão do campo de Higgs).
  • Qual a causa desse frisson todo em torno dessa descoberta?
Bom, primeiro de tudo, pelo que já foi falado ali em cima. O Bóson de Higgs é a partícula responsável pelas características relacionadas à massa das partículas sub-atômicas. E isso é um marco importante. Segundo, o modelo que descreve essas partículas e suas interações, chamado de Modelo Padrão, sempre foi muito bem sucedido nas suas predições. Trocando em miúdos: usando esse modelo, os físicos teóricos apontavam: há uma partícula com massa X. Os experimentais iam lá e a dita cuja partícula estava mesmo onde era previsto. E foi assim para todas as partículas subatômicas, quarks e afins. A última partícula que faltava era exatamente o Bóson de Higgs. Pois agora não falta mais: exatamente onde ele foi previsto, com massa de 125 GeV, os físicos de partículas acharam uma partícula. Pra ser mais exato: um bóson. Este é o bóson de Higgs? Provavelmente, mas leia mais à frente que tem mais sobre isso. Bom, a confirmação dessa partícula completa o Modelo Padrão e, de certa forma, finaliza uma grande etapa nesse mundo das partículas fundamentais. Terceiro e último: faz 50 anos que ele foi previsto e mais de 30 que se fazem experimentos na busca dessa partícula. Tem muita gente que dedicou a vida a isso. E isso faz essa partícula muito importante.
  • Mas como eles têm certeza de que este é o Bóson de Higgs?
Eles não têm. E o diretor do CERN deixou isso muito claro. A rigor, um bóson foi identificado nas medidas e ele tem a massa prevista para o bóson de Higgs. E foi isso que o CERN anunciou hoje. Estritamente falando, medidas adicionais são necessárias para identificar as características desse bóson e mesmo sua natureza. Apenas quando essas medidas forem feitas será possível bater o martelo e batizar oficialmente esta partícula como o Bóson de Higgs.
  • E agora?
Agora, uma porta se fecha, outra talvez se abra. O Modelo Padrão é absolutamente bem sucedido e o descobrimento dessa partícula fecha esse história. Mas o Modelo Padrão é certamente incompleto, afinal, cadê as explicações para a matéria/energia escura? Não estão lá. Os estudos sobre a natureza do Bóson de Higgs é que dirão que porta se abrirá. Se ele for um escalar, na linguagem de partículas, isso o fará cair exatamente na predição teórica e alguém vai ter que abrir uma nova porta à marretadas. Se ele for um pseudo-escalar, isso abre espaço para teorias mais abrangentes, novas partículas, explicações da matéria escura e, no fim das contas, emprego garantido pra todo no CERN e muitos teóricos ao redor do mundo. A venda do LHC será cancelada.
Bom, acho que deu pra fazer uma imagem razoável do que aconteceu hoje. Se você quiser ler mais, eu recomendo os textos do “Física, Futebol e Falácias”, do Carlos Orsi ou do blog da Nature (em inglês) aqui em Lindau.

Diários de Lindau, dia 3 (sem vídeo)

Hoje a edição dos Diários de Lindau, vai ser “old school”. Não, nada de “Querido diário” pra começar ou algo do tipo. Mas hoje não vai ter vídeo, eu vou só escrever. Mas não vai ser muito não. 🙂

O dia começou com Carlos Rubia falando pra um computador, mas pra todo mundo ouvir (e rir): “Eu odeio computadores”, e iniciando sua palestra em seguida (tire suas próprias conclusões). Ele foi seguido por outros dois físicos de partículas (Martinus Veltman e David Gross). No fundo o foco deles foi o anúncio de amanhã do CERN, onde espera-se que finalmente o bóson de Higgs seja confirmado.

Mas um deles levantou um ponto interessantíssimo para o qual eu nunca tinha atentado: se descoberto (confirmado), o bóson de Higgs completa o chamado “Modelo Padrão” da Física de Partículas. Em termos práticos, isso significa que esses físicos vão estar, de repente, em uma sala escura sem portas e sem janelas. A Priori, acaba aí. É sempre possível refinar, medir outras propriedades, fazer isso e aquilo: mas o Modelo Padrão se completa. E isso é, ao mesmo tempo, grande e triste.

Um outro destaque das palestras da manhã foi David Gross tentando nos convencer de que a Física Quântica está fazendo 100 anos exatamente agora. Siga o argumento: Planck, sem saber muito bem o que estava fazendo, foi o primeiro a introduzir a ideia do quantum em 1900. No entanto, uma teoria formal e completa da Mecânica Quântica só surgiu com Heisenberg, em 1925. Então, em média, a Física Quântica foi criada em (1900+1925)/2=1912.5 , ou seja, faz(fez) 100 anos por esses dias. E aí, você compra a ideia?

A segunda parte da manhã foi dedicada a átomos frios, e outros assuntos. O mais interessante ficou por conta de Brian Josephson (sim, o que dá nome ao efeito e às junções de Josephson), que abriu a discussão sobre campos onde a física teórica não consegue soluções elegantes e fechadas (ou mesmo nem se arrisca a tentar), apesar de todas as ferramentas disponíveis. Dentre os sistemas que ele citou explicitamente estão a mente, sistema biológicos e a espiritualidade. Se um dia a gente vai conseguir descrever matematicamente esse tipo de… de… assunto (?), eu não sei, mas que tem gente tentando, ele mesmo, tem. Afinal, tem doido pra tudo, como diria minha mãe.

A tarde foi reservada à discussões com os palestrantes da manhã, como eu expliquei no video de ontem. E como é bom ouvir um cara que tem profundidade no que fala! E por hoje é só, que amanhã tem que acordar muito cedo! Deixo vocês com umas fotos de hoje. Até!

 

>O mundo pode até acabar em 2012… mas a culpa não será do CERN

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Blogagem coletiva Fim do Mundo
Este post é parte da blogagem coletiva “2012: O último Carnaval?”, promovida pelo Science Blogs Brasil. Quer participar ou ler outros post sobre o assunto? Visite:

O mundo vai acabar em 2012. Pelo menos é isso que querem acreditar os inocentes. Aqueles que têm certeza que os Maias, a alguns séculos, simplesmente olhando para as estrelas ou ouvindo os sussurros dos “deuses-astronautas”, pudessem prever algum evento tão distante, e com tanta precisão. Aqueles que acham que eles deixariam isso “não-escrito”, na forma de uma descontinuidade em seu calendário. Aqueles que acham que interpretar documentos tão antigos seja simples e não tenha tamanhas margens de erro que interpretações dúbias e/ou contraditórias não sejam possíveis.

Mas, o mundo pode mesmo acabar em 2012? Claro que sim! E de muitas formas. Ou você acha que tem pouca gente com um parafuso a menos e acesso a armas nucleares, capazes de desencadear uma guerrinha nuclear? Ou você acha que nos submundos das pesquisa científica, tanto em “nações livres” quanto em ditaduras fundamentalistas, não há pesquisa constante com armas biológicas, novos e mortais vírus ou armas químicas, e que isso não pode cair em mãos erradas ou ainda, por acidente, ser liberada em ambientes civis? E essas são apenas algumas das “vias expressas” de destruição do mundo que contam com a nossa participação. A mãe-natureza, por vezes, gosta de performances solo: grandes terremotos (como o esperado Big One na Califórnia), com tsunamis a tiracolo, ou um grande asteróide atingindo em cheio a Terra (ou você acha que a Nasa consegue monitorar cada um dos objetos espaciais? Santa inocência Batman!) ou mesmo desequilíbrios significativos no clima global, como a recente onda de frio extremo na Europa, e que durem mais que algumas semanas para acabar com a comida e desencadear conflitos entre os países.

De fato, o que não falta são razões para o mundo acabar em 2012. No entanto, neste post eu queria me concentrar em algo que foi ventilado a alguns anos e voltará a ser assunto este ano: a geração de buracos negros no grande, novo e mais potente acelerador de partículas do CERN, na Suíça. E porque voltará a ser notícia neste ano? Primeiro porquê é 2012, e qualquer chance de destruir a Terra vai virar notícia. Segundo, porque este ano o acelerador (LHC é seu nome) vai começar a operar em potência total. O assunto é tão sério, que o CERN o estudou a fundo e deste estudo produziu um documento no qual este post se baseia.

Antes de tudo, vamos aos “comos” e aos “porquês”. O CERN é, assim como muitos outros lugares ao redor do mundo, um lugar muito dedicado à pesquisa fundamental, aquela que tem por objetivo responder perguntas porque as perguntas estão lá para serem respondidas, sem qualquer intenção de aplicar o conhecimento obtido. O tipo de pesquisa que se faz lá envolve interações fundamentais da natureza e para estudá-las o melhor jeito é usar um método “troglodita”: joga umas partículas contras as outras com a maior força que puder e vê o que acontece. Essas colisões entre partículas pesadas (Hádrons, o H de LHC) revela muita coisa… Na verdade, muito mais do que eles conseguem processar (1 DVD a cada 2s, isso só de dados com algum potencial…). Bom, mas o ponto aqui é: o LHC (sigla em inglês para Large Hadron Collider – Grande Colisor de Hádrons em português), pra fazer esses estudos, comprime um quantidade bem grande de matéria num espaço minúsculo, gerando densidades realmente altas no ponto da colisão. Que objeto você conhece onde há densidades altas de matéria? Buracos Negros. Então a pergunta que há é: nessas colisões, pode o LHC produzir Buracos Negros que se alimentariam da matéria em volta (começando pela Suíça e seus chocolates, passando pelas cervejas alemãs e pastas italianas – todos ótimos engordadores) e rapidamente acabariam com a Terra?

O CERN estudou isso a fundo e a resposta é não. Desse problema estamos salvos. A razão não poderia ser mais prosaica: a natureza produz desde sempre raios cósmicos com a mesma composição e energias até mais altas (energias até mil vezes mais altas são bem comuns) do que as que serão atingidas no LHC. Só para referência, isso significa aproximadamente 14 TeV, mais ou menos a energia que carrega um… mosquito enquanto voa. Só que comprimida num espaço minúsculo, mais ou menos de um bilionésimo de um bilionésimo do tamanho do mosquito.

Dessa forma, se essas energias são produzidas todo dia pela natureza (a Terra é constantemente bombardeada por raios cósmicos do tipo) e ainda estamos aqui, é sinal de que o risco é um redondo zero.

Mas eles vão além. De fato, eles estimam quanta energia seria necessária para produzir um buraco negro em uma colisão hipotética. A diferença do que é preciso para o que eles têm disponível é tão grande (10 seguido de uns 20 zeros) que a estimativa é que o homem nunca será capaz de destruir a Terra pela produção de buracos negros. Ufa! Vou dormir mais tranqüilo com essa notícia! E você?

Mas você acha que acaba por aí? Se você acredita na Lei de Murphy, sabe que não. Os caras do CERN também acreditam e resolveram ver o que aconteceria caso um buraco negro se formasse mesmo que isso seja completamente improvável. Bom, aqui a notícia ainda é boa. Como você bem sabe, buracos negros evaporam. Evaporam, sim, que nem sopa. Eles emitem radiação e partículas e esse processo é conhecido como Radiação Hawking, em homenagem a Stephen Hawking, o físico que você conhece como “aquele da voz esquisita que vive numa cadeira de rodas” ou ainda aquele do livro “Uma Breve História do Tempo” e que previu esses processos. Pois bem, micro buracos negros, eventualmente gerados pelo LHC também evaporariam e, mesmo que fossem formados nas colisões, rapidamente sumiriam, como água em frigideira quente. Risco zero para nós. De novo.

Então meu amigo, como diz o título deste post, o mundo pode até acabar em 2012, mas a culpa não será do CERN e seus buracos negros. Agora, como tem muitos outros candidatos por aí, eu se fosse você aproveitaria imensamente o Carnaval semana que vem, porque definitivamente, ele pode ser seu último Carnaval… Vai que os Maias estavam certos, né?

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