O Nobel de Física de 2012

O Nobel de Física de 2012 foi anunciado a quase um mês e nós ainda não falamos dele. 🙁

Pois hoje nos redimiremos dessa falha grotesca… 😀

O Nobel deste ano foi dividido por um francês e um americano, Serge Haroche e David Wineland, por, numa tradução livre, “desenvolvimento de métodos experimentais revolucionários que permitem medir e manipular sistemas quânticos individuais”.

E porque o que eles fizeram merece o Nobel, um dos mais (se não o mais) prestigiados prêmios em Física? A questão é razoavelmente simples de se responder, e vai ao encontro da razão pela qual muitos outros também ganharam esse mesmo prêmio: o que eles fizeram é muito, muito, muito difícil de se fazer. Mas, como diria Jack, vamos por partes.

Sistemas Quânticos Individuais

As leis fundamentais que regem o que quer que seja no Universo conhecido (não, iso não é um exagero) são as Leis da Física Quântica. Elas foram estabelecidas no início do século passado, com Planck, Einstein, Bohr, Schrödinger, Heisenberg, Dirac e vários outros. Dentre as muitas facetas da Física Quântica, algumas das mais fascinantes dizem respeito ao estado em que um sistema quântico pode existir. De fato, ao contrário do que vemos no nosso dia-a-dia, em que algo que é branco não é preto e vice-versa, um sistema quântico individual pode ser branco, preto ou uma mistura de ambos, nos mais variados tons de cinza que você imaginar. É a chamada superposição de estados. Mas você nunca vai realmente ver esse sistema em nenhum tom de cinza: quando você olhar pra ele, o sistema vai escolher se é branco ou preto, e isso destruirá o estado superposto do sistema. Você só é capaz de saber qual o tom de cinza, se medir o mesmíssimo sistema quântico (=cópias exatamente iguais) muitas vezes. Mas a cada vez, você o destrói. Complicado? Sim, especialmente porque não é o tipo de coisa que nos deparamos todo dia. Mas é esse tipo de comportamento que causa tanto frenesi nas propostas de computação quântica (o bit deixa de ser 1 ou 0, mas pode ser qualquer mistura entre os dois) e criptografia quântica (meça um estado uma vez e ele é destruído: a proteção perfeita contra bisbilhoteiros na comunicação de dados sigilosos).

Apesar de tão importantes, sistemas quânticos são muitíssimo frágeis. Coloque vários deles juntos e o que você tem é exatamente o que a gente conhece bem como “dia-a-dia”, a física clássica, Leis de Newton e companhia bela. Coloque eles em contato com o ambiente e pode dizer adeus à qualquer superposição de estados. É por essas e outras que sistemas quânticos individuais são dificílimos de observar e por isso mesmo, todos esse fenômenos exóticos e promissores ficam muitas vezes restritos a elucubrações teóricas e longe do mundo experimental.

O que os dois ganhadores do Nobel deste ano fizeram foi desenvolver formas de se estudar experimentalmente sistemas quânticos isolados, ultrapassando essas limitações fundamentais e abrindo a possibilidade de se estudar e entender os fenômenos quânticos.

Dois lados da mesma moeda

Bom, agora que a ideia está exposta, vejamos o que eles fizeram, individualmente.

Há uma simetria muito bonita nesses dois experimentos: enquanto Wineland estuda e manipula átomos aprisionados (íons, na verdade) usando para isso luz, Haroche estuda partículas de luz (fótons) aprisionadas numa cavidade, usando para isso átomos.

No caso de Wineland, ele resfria os íons, usando luz, de forma que o seu movimento vai para o menor grau possível (é impossível parar totalmente um sistema no contexto da Física Quâtica) e usando luz ele efetivamente coloca o íon em um estado superposto, exclusivamente quântico, e pode estudar esse sistema, completamente isolado do ambiente. De fato, esse tipo de estado é o que se convencionou chamar de estados do tipo “gato”, em homenagem ao famoso gato de Schrödinger.

No caso de Haroche, ele possui uma cavidade (dois espelhos, um de frente pro outro) super especial, resfriada, ultra-refletora e na qual ele coloca um ou alguns fótons que vivem dentro dessa cavidade um tempo longuíssimo (décimos de segundo) o que permite estudá-los. Para isso ele passa pela cavidade átomos especiais, chamados de átomos de Rydberg que são super-sensíveis. Quando os átomos saem da cavidade, após interagir com os fótons (sem destruí-los!!!) ele consegue medir, a partir do que aconteceu com os átomos, quantos fótons havia na cavidade. Uma das conseqüência mais interessantes do seu experimento é que ele consegue observar o “desaparecimento” dos fótons de dentro da cavidade em passos inteiros: o fóton desaparece e não apenas metade dele ou um terço, mas sempre um por vez.

Ambos os sistemas permitem fazer uma infinidade de experimentos interessantes nos fundamentos da Física Quântica e abrem possibilidades efetivas de se estudar experimentalmente as bases do que podem ser futuros sistemas aplicáveis, baseados nas leis fundamentais da Física Quântica.

Uma nota pessoal

Lá pelos idos de 2007 eu fui a uma conferência na Cidade do México. Lá estava Serge Haroche, os primeiros resultados que levaram ao Nobel deste ano tinham acabado de aparecer e ele era “a bola da vez” na maioria das conferêcias da área. Por coincidência, meu ex-orientador também estava lá, é amigo do Haroche e por isso tivemos a chance de ir jantar juntos: eu, dois colegas mexicanos, meu ex-orientador o Haroche e a esposa. [Há uma história ótima desse jantar que está perdida em algum rascunho pra virar um post aqui… vou ver se recupero.]

Não, o jantar não foram Tacos mexicanos… Mas que eles são apetitosos, isso são…

Ele então começou a contar algumas das dificuldades que nunca aparecem para o público que envolvem esse experimento que lhe deu o prêmio. Dentre muitas questões técnicas, como o fato de a cavidade ser mantida resfriada (a -270 oC) o tempo todo (fins de semana, Natal e feriados inclusos) ou de que eles nunca podem colocar a mão nela porque isso a destrói, um fato em especial me chamou a atenção.

Ele disse algo como: “eu sacrifiquei 3 a 4 gerações de estudantes, 12 anos de vai-e-vém, testes, resultados negativos, aprimoramentos, mais testes e pouquíssimos resultados efetivos.” Esse é o que eu chamo de “custo humano” de um projeto, muito mais difícil de mensurar que gastos com equipamentos, reagentes, viagens, etc. Os estudantes dessa fase, claro, tiveram suas carreiras comprometidas, doutorados e mais doutorados com pouquíssimo resultado efetivo. Um custo humano alto para um resultado científico igualmente alto. Infelizmente, é assim que funciona muitas vezes: muitíssimo esforço e sacrifício por um objetivo maior em algum momento do futuro. Para a ciência é super-válido. Mas e do ponto de vista humano? Valeu? Isso eu não sei responder.

>O Paradoxo dos Gêmeos expande fronteiras

>Você já ouviu falar do paradoxo dos gêmeos, certo? É aquela consequência estranha da relatividade do Einstein que diz que quando alguém está se movendo com relação a outro alguém, o relógio do primeiro alguém anda mais devagar. Se os dois alguéns forem gêmeos e um dos dois sai numa looooonga viagem espacial, em velocidades beeeeem altas, a relatividade diz que na volta da viagem eles vão ter idades diferentes.

Ah! O paradoxo? O que viajou vai dizer que o que ficou está mais novo e o que ficou vai dizer que o que viajou ficou mais novo. Na prática, não é muito difícil resolver o paradoxo e dizer quem fica realmente mais novo, mas isso não vem ao caso agora.
Fato é que o paradoxo dos gêmeos era um problema estritamente restrito à Física. 
Não é mais.
Um casal de britânicos que precisava de ajuda pra fazer filhos (entenda direito: um deles tinha baixa fertilidade!), gerou 5 embriões em laboratório a alguns anos. Dois foram implantados e um sobreviveu. Os outros três foram congelados. Agora, naquela história de “o júnior precisa de irmãozinho”, eles implantaram os outros embriões, de onde nasceu seu segundo filho. Gêmeo do primeiro. Cinco anos mais novo.
O paradoxo dos gêmeos não é mais exclusividade da física. A medicina agora tem o seu também.
Aqui os links da notícia: em português e em inglês.
P.S.: Tecnicamente, eu não sei se eles são geneticamente iguais, vindos do mesmo conjunto óvulo-espermatozóide. Mas ainda assim, foram “gerados” ao mesmo tempo, tal qual gêmeos bivitelinos.

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