Há algumas semanas, recebemos um e-mail por meio de nosso site (www.colecionadoresdeossos.com), de um senhor chamado Luciano Alves, de São José do Rio Preto, interior de São Paulo. Esse senhor dizia ter encontrado e resgatado materiais fósseis durante a construção de uma obra no centro da cidade. Todos os meses nós recebemos vários e-mails similares, porém, geralmente o que as pessoas encontram são rochas com formatos estranhos ou ossadas de bichos recentes. Todavia, o caso do Sr. Luciano era diferente…
São José do Rio Preto, SP
A região de São José do Rio Preto é amplamente conhecida pela ocorrência de fósseis do final do Período Cretáceo. Esse intervalo de tempo é conhecido como o auge da “Era dos dinossauros”, entre 100 e 66 milhões de anos atrás. Nas rochas dessa região são comuns restos não somente de dinossauros, mas também de crocodilos, tartarugas, lagartos, cobras e peixes pré-históricos. Foi por isso que o e-mail do Sr. Luciano era tão especial.
Tudo confirmou-se quando vimos as primeiras fotos:
O osso branco destacava-se da rocha rosada, típica da Formação Adamantina, unidade geológica local na qual os fósseis do Cretáceo são encontrados. O osso estava fragmentado devido às atividades da obra, porém, pelas fotos, era possível reconhecer que o material era grande, bem maior que qualquer osso de vaca. Além disso, suas características morfológicas não eram semelhantes à de nenhum organismo atual e o fato de ele estar entranhado na rocha confirmou sua natureza fóssil.
Sr. Luciano Alves ao resgatar o material fóssilLocal onde os ossos foram encontrados
Histórias de fósseis encontrados durante a abertura de estradas, a perfuração de poços artesianos ou construções de edifícios não são raras. É nesse momento, quando as rochas são desbastadas, que os fósseis aparecem, e diferente do que muitos podem pensar, essas atividades muitas vezes acabam ajudando os paleontólogos e podem levar à grandes descobertas. O Sr. Luciano foi um vetor positivo nessa história, que, confesso, nem sempre tem um final feliz. Ao identificar algo diferente, ele imediatamente separou o material para que não fosse mastigado pelas máquinas e fez o que é aconselhável: entrou em contato com especialistas, para identificação das peças. De acordo com ele, haviam mais ossos, porém não foi possível resgatá-los devido ao avanço rápido das atividades.
Sr. Luciano, além de trabalhar dirigindo caminhões, é operador de máquinas. É um curioso por natureza, que gosta de pesquisar e ler, e possui um enorme senso de ética e cidadania. Ao confirmarmos a identificação do material como “ossos de dinossauros” (mais precisamente um úmero de saurópode e fragmentos de costelas) ele prontamente quis que tudo fosse encaminhado para um Museu ou Centro de Pesquisa. De acordo com suas próprias palavras: “Isso não pertence à mim, pertence ao mundo todo, pertence à todos nós, e por isso deveria ser estudado e ficar em um museu”. Na mesma semana fomos resgatar as peças e elas foram integradas à coleção do Laboratório de Paleoecologia e Paleoicnologia da UFSCar, aonde o material será estudado.
O úmero de saurópode resgatado pelo Sr. Luciano, depois de reconstruídoEm vermelho, a posição do osso em uma reconstituição de um dinossauro saurópode
Essa história somente reforça o importante papel da divulgação científica e também do diálogo entre o cientista/pesquisador e a população. Sr. Luciano, ao ter acesso à informação, propiciou o encaminhamento correto do material e acabou contribuindo com mais uma peça do quebra-cabeça sobre a história da vida no passado de nosso planeta. Além disso, ele acabou dando uma grande lição à todos os seus amigos e alguns familiares: ele não só estava certo sobre a natureza do material, mas também sobre como um cidadão deve agir em benefício de todos. O material em breve ficará em exposição no “Museu da Ciência Prof. Dr. Mário Tolentino” em São Carlos, junto ao nome do seu descobridor, “Luciano Alves”.
Para que mais “finais felizes” se realizem, é necessária a conscientização das pessoas envolvidas. Geralmente, quando obras são realizadas em localidades onde são comuns achados paleontológicos, um trabalho prévio de consultoria deve ser realizado. O resgate do material é fundamental, já que eles são únicos, raros e fazem parte da memória geobiológica de nosso planeta. Para o resgate, especialistas devem ser contatados. Depois de levados à instituições de pesquisa, os materiais devem ser estudados, catalogados e ter seu acesso garantido à toda população. É importante lembrar, que fósseis são bens da União, ou seja, pertencem a todos os cidadãos, e por isso sua comercialização ou escambo é considerada crime. Seu valor é científico e cultural, não podendo ser calculado em termos monetários.
Obrigada por contribuir com a ciência do seu país, Sr. Luciano Alves! Que outros sigam o seu exemplo!
No dia internacional das mulheres, que curiosamente sucede o dia dos profissionais da Paleontologia no Brasil (dia 07 de março), resolvemos fazer uma homenagem às mulheres paleontólogas. Parabéns pelo seu dia, mulheres fortes!
“A questão não é porque não existem mulheres na ciência, mas sim porque nós não escutamos falar delas.”
Naomi Oreskes
Durante essa semana passada, a mídia divulgou os resultados do nosso recém-publicado estudo na revista PLoS One, sobre Purussaurus brasiliensis, o jacaré gigante extinto do Acre (ex: Folha, BBC, Fox News). Aqui em nosso blog vamos comentar um pouco mais sobre esse trabalho e dar alguns detalhes extras sobre esse magnífico organismo.
Reconstrução do ‘Purussaurus brasiliensis’ em seu habitat no Mioceno. Artista: Tito Aureliano, 2015. Barbosa-Rodrigues, o brasileiro descobridor do ‘Purussaurus’.
Purussaurus brasilensis foi descoberto e descrito com base em fragmentos ósseos encontrados pelo cientista brasileiro Barbosa Rodrigues em 1892. Esses fragmentos foram recuperados em sítios paleontológicos localizados à beira de rios amazônicos na região onde hoje está situado o Estado do Acre. O material original encontrado por Barbosa-Rodrigues há muito desapareceu, porém novas descobertas foram sendo feitas ao longo do tempo. Apesar de P. brasiliensis ser um animal fascinante, até hoje, poucos trabalhos científicos sobre ele haviam sido realizados e incluíam somente publicações em resumos de congressos nacionais.
Regaste de um dos espécime de ‘P. brasiliensis’ na Fm. Solimões, durante da expedição de Agosto de 2009 da UFAC. Foto: Tito Aureliano.
Os pesquisadores veteranos da Universidade Federal do Acre (UFAC), dentre eles Alceu Ranzi, Jonas Souza-Filho, Edson Guilherme e Ricardo Negri, passaram décadas acumulando fósseis encontrados na Formação Solimões (Mioceno Tardio – aproximadamente 8 milhões de anos), que aflora nas margens de vários rios acreanos. O resultado desta dedicação foram diversos novos espécimes de P. brasiliensis, vários muito melhores que o material original coletado por Barbosa-Rodrigues. Entre eles está o famoso crânio UFAC-1403, que norteou nossa pesquisa.
O objetivo de nosso trabalho foi primeiramente reunir o que se conhecia sobre esse Super-Croc brasileiro e a partir disso, buscar conhecer melhor aspectos de sua paleobiologia e paleoecologia. Para isso, utilizamos estimativas de tamanho, peso, força de mordida e ingestão de alimentos.
Isso mesmo, Dr.Grant. Em média, 7 toneladas de Força-Mordida! Mais forte que um ‘T. rex’ e um ‘Deinosuchus sp.’
Jacarés e crocodilos atuais foram utilizados como modelos e a partir de dados biométricos desses organismos, o comprimento total, a massa corporal e força-mordida de P. brasiliensis foram calculados. A alimentação diária foi estimada com base em dados metabólicos e observações do conteúdo estomacal de crocodilos do Nilo. O resultado que temos é que um indivíduo adulto de P. brasiliensis deveria atingir em torno de 12,5 m de comprimento, pesar 8,4 toneladas, exercer, em média, 69,000 N de Força-Mordida (aproximadamente 7 toneladas), podendo ingerir 40,6 kg de alimento por dia.
Mordidas em escala comparativa Implicações na alimentação e anatomia do crânio Crânio de ‘P. brasiliensis’. Escala = 50 cm. Foto: Douglas Riff.
Estimativas de tamanho, peso, força de mordida e quantidade de alimento ingerido são importantes para se conhecer detalhes da ecologia dos Crocodyliformes. O seu tamanho, por exemplo, determina a sua máxima mordida e, consequentemente, influencia em sua dieta. Um fator limitante da potência de mordida desses organismos, todavia, pode ser o formato do crânio, que limita a capacidade do animal dissipar o estresse das forças exercidas sobre a cabeça. Por exemplo, um gavial adulto gera uma mordida de intensidade semelhante à de um caimã de mesmo tamanho, porém o estresse no crânio do segundo responde de forma diferente à sua mordida.
Crânio do espécime UFAC-1403. Ilustração: Tito Aureliano.
O crânio dos caimãs é mais compacto e dissipa melhor a força do impacto, enquanto o focinho longo e estreito do gavial, ao morder, sofre muito mais tensão e movimentos laterais bruscos poderiam facilmente fraturá-lo. O impacto ecológico disso está na seleção das presas. O gavial, por exemplo, tende a selecionar presas menores e mais macias. No caso extremo do Purussaurus brasiliensis, ele tanto podia exercer uma força-mordida enorme, como também seria capaz de sustentá-la devido ao formato de seu crânio largo e robusto. Uma curiosa e marcante característica deste animal, além do mais, é a abertura nasal avantajada que poderia responder como dissipador do impacto gerado ao morder e capturar a presa.
P. brasiliensis estava no topo da cadeia trófica, e podia se alimentar desde grandes peixes e aves até mamíferos gigantes que viviam na interface com a água. A dentição de P. brasilensis era apropriada para perfurar, segurar e rasgar a carne das presas.
“Amazonia: landscape and species evolution”, Eds. Hoorn & Wesselingh. 2010. Extinção na Amazônia no Mioceno
Durante meados Período Mioceno, uma enorme reentrância marinha preenchia a Amazônia, o mar de Pebas. Durante a formação da cordilheira dos Andes, o sistema Pebas transformou-se gradualmente em uma imensa planície com lagoas e pântanos. No final do Mioceno, este era o habitat da paleofauna da Fm. Solimões, do Acre, a qual inclui P. brasiliensis. A contínua subida dos Andes restringiu progressivamente esse ambiente pretérito e acabou por modificá-lo no sistema fluvial que temos na atualidade. As espécies adaptaram-se às mudanças ou foram extintas gradualmente, esse último foi o caso de P. brasiliensis.
Sobre os primos distantes do Purussaurus ‘Sarcosuchus imperator‘. Fonte: NatGeo.
Dentro do grupo dos Crocodyliformes, três espécies são recordistas em tamanho: os Alligatoróides Purussaurus brasiliensis, do Mioceno (12,5 m), e Deinosuchus sp., do Cretáceo Tardio (10,6 m), e o Pholidossaurídeo Sarcosuchus imperator, do Cretáceo Inicial (11 m). Apesar de Sarcosuchus ser ligeiramente maior que Deinosuchus, e, por conseguinte, produzir mordidas mais fortes, há uma restrição biológica: é improvável que o primeiro táxon se alimentasse de animais grandes como dinossauros, pois o longo e estreito focinho (semelhante ao dos gaviais e tomistomas atuais) sofreria um estresse muito acentuado quando submetido à tensões laterais (uma presa grande se debatendo, por exemplo). Crocodyliformes atuais com essas características normalmente selecionam presas menores. Portanto, Sarcosuchus provavelmente alimentava-se de peixes e animais como crustáceos, tartarugas, e pequenos dinossauros.
‘Deinosuchus sp.’ Fonte: BBC.
Deinosuchus, por sua vez, seria capaz de obter presas maiores. Apesar de não haver nenhum crânio completo para este gênero, reconstruções baseadas em fragmentos ósseos sugerem um crânio com focinho mais largo e robusto, portanto, capaz capturar e sustentar o estresse de abater presas grandes. Foram encontradas marcas de mordidas atribuídas a esse predador semiaquático em cascos de cágados e ossos de dinossauros de grande porte.
Dentre os três Crocodyliformes recordistas, o primo brasileiro, Purussaurus brasilensis, é o que apresenta maior robustez craniana, e o que aparentemente teria maior resistência ao estresse dado pela alimentação durante a captura de presas.
Há, contudo, muito o que se estudar sobre a biomecânica da mordida desses três fascinates SuperCrocs, bem como sua interação com as espécies ao redor. Os cálculos de massa, comprimento e ingestão de alimentos serão úteis no futuro para estimar a transferência de energia/biomassa em redes ecológicas. Com isso será possível compreender em grande escala como evoluíram os ecossitemas terrestres ao longo do tempo. Fiquem ligados para novidades! Bibliografia recomendada
Aureliano, Tito; Ghilardi, Aline M.; Guilherme, Edson; Souza-Filho, Jonas P.; Cavalcanti, Mauro; Riff, Douglas (2015). “Morphometry, Bite-Force, and Paleobiology of the Late Miocene Caiman Purussaurus brasiliensis“. PLOS ONE10(2): e0117944. doi:10.1371/journal.pone.0117944. ISSN1932-6203.
Erickson GM, Gignac PM, Steppan SJ, Lappin AK, Kent AV, et al. (2012) Insights into the Ecology and Evolutionary Success of Crocodilians Revealed through Bite-Force and Tooth-Pressure Experimentation. PLoS ONE 7: 3. doi: 10.1371/journal.pone.0031781
O episódio quatro da série “Os fósseis de Pernambuco” fala sobre os fósseis do Pleistoceno do estado.
Conheça os mamíferos gigantes que habitaram Pernambuco entre 60 e 10 mil anos atrás, quando a vegetação de cerrado dominava a região, o clima era mais úmido e as temperaturas médias eram mais baixas. O que será que levou localmente essa magnífica fauna à extinção? Conheça os trabalhos desenvolvidos por pesquisadores da UFPE para desvendar os mistérios do Pleistoceno de Pernambuco!
Veja o episódio 1 da série AQUI, que fala sobre os fósseis mais antigos do estado de Pernambuco, o episódio 2 AQUI, que mostra como era o período Jurássico no nordeste brasileiro e o episódio 3 AQUI, que fala sobre Bacia da Paraíba e o limite K-Pg. A série foi produzida em conjunto com o PALEOLAB-UFPE e conta com apoio financeiro do CNPq.
O trailer do mais novo filme da série “Jurassic Park” já foi lançado há algumas semanas, o que levantou muita polêmica entre fãs, dinomaníacos e paleontólogos no mundo todo. A discussão se acalorou até mesmo entre amigos, e os pontos de discórdia foram diversos. Não só quanto à ausência de penas nos bichos (o que já era esperado), mas também quanto às proporções supostamente exageradas de alguns animais, além de críticas quanto ao “não mais tão misterioso” Indominus rex (I-rex), um dino-monstro criado pelos cientistas de Jurassic World, estrela do próximo filme.
Não podíamos ficar de fora dessa, então, vamos tentar ver o que há de tão errado – cientificamente falando – com o filme e, se no fim, vale a pena assistí-lo.
“Ter penas ou não ter penas?”
Microraptor zhaoianus, do Cretáceo da China. O fóssil têm evidências de penas alongadas nos braços e pernas do animal.
É FATO que a partir da década de 90, muitos fósseis de dinossauros com penas começaram a ser encontrados desde a exploração dos depósitos de Liaoning, na China. Essa localidade, reconhecida como um lagerstätte pela qualidade de preservação de seus fósseis, ampliou significativamente o nosso conhecimento sobre a aparência em vida dos dinossauros e suas relações com as aves atuais.
Desde que essas descobertas começaram a ser realizadas, muito mais atenção foi dada à preparação e interpretação de fósseis pelo mundo. Antigos fósseis começaram a ser reestudados, e materiais com evidências da presença de penas começaram a ser encontrados em outros sítios fossilíferos.
Sinosauropteryx, terópode compsognatídeo do início do Cretáceo da China. O fóssil mostra evidências da presença de uma cobertura de penas sobre o corpo do animal.
Hoje, pelo menos 40 espécies de dinossauros apresentam evidências DIRETAS da presença de penas (veja uma lista aqui), ou estruturas semelhantes à penas, no seu tegumento. Dessas, a maioria pertence ao grupo dos terópodes, dinossauros saurísquios que teriam dado origem às Aves. Todavia, estruturas filamentosas que lembram muito penas simples, também foram encontradas em dinossauros ornitísquios, especificamente ceratopsianos e ornitópodes basais.
O fato de penas e estruturas semelhantes à penas terem sido encontradas nos dois grandes grupos de dinossauros – que se diferenciaram bem cedo na história evolutiva do grupo -, nos leva a crer que essa teria sido uma característica presente no ancestral comum de saurísquios e ornitísquios. Trata-se da explicação mais parcimoniosa para a presença desse caracter nos dois grupos.
É importante observar também, que Pterosauria, grupo irmão de Dinosauria, também apresenta evidências fósseis da presença de estruturas filamentosas (picnofibras) no tegumento. Esse caracter pode ser ainda mais basal na história evolutiva dos Avemetatarsalia do que se pensava há uma década.
Detalhes das estruturas filamentosas encontradas na cauda de Psittacosaurus sp., um ceratopsiano (Ornitischia) basal. O fóssil é proveniente da região de Liaoning, na China.Cladograma mostrando os grupos de saurísquios que apresentam evidências fósseis de penas. Amplie para ver detalhes.
Certo. Qual a relação de tudo isso com “Jurassic World”?
A questão é, que quando os primeiros filmes da série Jurassic Park foram lançados, o conhecimento sobre a presença de penas em dinossauros estava apenas engatinhando. Não sabia-se ao certo como elas se distribuíam pelo corpo do animal, detalhes de sua estrutura ou como ocorriam entre os diferentes grupos. Hoje, esse conhecimento avançou bastante, ao ponto de investigarmos até mesmo as cores das penas desses animais (por mais distante da perfeição que esse procedimento ainda esteja).
O que muitos dinomaníacos e paleontólogos argumentaram é“Por que os dinossauros em Jurassic World não teriam penas?”.
Bem, o filme Jurassic Park, lançado em 1993, foi um exponente em sua época, modificando a visão arcaica que a opinião pública tinha sobre os dinossauros, como lagartões lerdos e burros. Muito do conhecimento paleontológico que se tinha de mais avançado na época foi empregado no filme, como o fato de esses animais formarem bandos, botarem ovos, alguns assumirem uma postura mais horizontal em relação ao chão, serem rápidos e se comportarem quase que como aves. Esse padrão “inovador” de apresentação dos dinossauros também é observado no livro que inspirou o filme, o romance de mesmo nome escrito por Michael Crichton em 1990.
O filme faturou U$915 milhões e ganhou 3 prêmios Oscar. O seu sucesso acabou atraindo a atenção de milhões de pessoas para os avanços na ciência paleontológica, servindo indiretamente como um divulgador de ciência. Além disso, outros milhares de jovens se interessaram em ingressar na carrreira acadêmica para estudar Paleontologia e muitos dos avanços na área nos últimos anos se devem ao “efeito Jurassic Park“.
O que muitos estavam esperando era que o novo filme da franquia, a ser lançado mais de 20 anos depois (junho de 2015), também seguisse esse padrão, abraçando as mais novas descobertas científicas da presente década. A decepção é que os roteiristas e produtores optaram por não fazer assim. Logo que o filme começou a ser produzido, o diretor, Colin Trevorrow, informou “não teremos penas em Jurassic World”.
Sinornithosaurus millenii, dromeossaurídeo (grupo que inclui o velociraptor e o tiranossauro) da China, encontrado com penas. Clique para ampliar.
Dinomaníacos e paleotólogos esperaram até o momento do lançamento do trailer (há algumas semanas) para ver se o anúncio era mesmo verdade e o resultado foi uma extrema revolta por parte de muitos: nada de penas. “Seria esse um desfavor à divulgação de ciência?!”, muitos argumentaram.
“Deveriam esses animais apresentar penas, se são monstros recriados geneticamente, não dinossauros, por assim dizer?”, responderam os fãs. “Isso é para ser entretenimento, não divulgação científica!”, outros ainda argumentaram. Muitos debateram com razão, mas outros visivelmente se ofenderam com a ameaça à visão que carregavam nos seus sonhos de infância: dinossauros estritamente reptilianos, com escamas cobrindo todo corpo e pupilas verticais.
This is science, Bitch!
Tamanho é documento?
Mosasauridae apresentado no trailer de Jurassic World
Outro ponto levantado foi a questão do tamanho exagerado do réptil aquático apresentado no trailer de Jurassic World. Supostamente um mosassauro. O tamanho realmente não é compatível com o de fósseis desses animais encontrados pelo mundo. Os maiores mosassaurídeos são o Tylosaurus e o próprio Mosasaurus, cujos fósseis encontrados indicam que teriam até 15 m de comprimento. É verdade que não sabemos qual teria sido o tamanho máximo desses animais, mas certamente não passaria de 30 m (tamanho de uma baleia azul) e o animal figurado no trailer parece ser bem maior que isso.
Tamanho máximo de Mosasaurus inferido por meio de fósseis.Escala real de um Velociraptor mongoliensis
Bichos fora de escala: isso não é novidade em Jurassic Park, já que o Velociraptor apresentado desde o primeiro filme também é crescidinho demais (o real não teria sido maior que um peru). Quanto a essa questão, alguns argumentam que tudo não passaria de uma grande confusão: o bicho retratado seria na verdade um Deinonichus, animal muito semelhante ao Velociraptor, porém com cerca de 3,5 m de comprimento e 1,20 m de altura.
Há também algumas outras discussões sobre possíveis inconsistências em relação ao tamanho dos Dilophosaurus do primeiro filme (inferências com base nos fósseis indicam que esses animais teriam cerca de 6 m de comprimento), mas os fãs sustentam que, na verdade, os animais não passariam de filhotes.
Lagardos varanídeos são parentes próximos dos mosassauros.
Voltando a Jurassic World, pelo que se pode ver no trailer, os produtores até que se esforçaram para reproduzir de forma acurada a aparência do suposto mosassauro, representando a dupla fileira de dentes no palato da criatura. Porém, também teriam pecado em não colocar a língua bifurcada, observada em animais atuais pertencentes ao mesmo grupo do monstrão, como o lagarto varanídeo aí ao lado.
Sabemos que animais gigantes excitam o público e é o que mais atrai as pessoas para gostarem de dinossauros e outros bichos pré-históricos. Fazer o mosassuro gigante poderia ser apenas uma jogada do parque para ganhar mais dinheiro. Todavia, fãs de bichos pré-históricos e paleontólogos não gostaram nada da ideia. Muitos acharam que os bichos reais já são por si só suficientemente impressionantes, sem a necessidade de modificações exageradas. Falando em modificações exageradas…
Um monstro que nunca existiu
“Diabolous rex”
O I-rex, estrela do próximo filme, foi o mais criticado. Resultado da mistura genética proposital de pelo menos 3 espécies de animais diferentes (aparentemente), os geneticistas de Jurassic World parecem que não estavam satisfeitos com a cara dos dinossauros “reais”. Independentemente do porquê da escolha de se criar um animal desses (vamos descobrir apenas com o lançamento do filme), os dino-fãs e os paleontólogos não entenderam a necessidade de usar um bicho que nunca existiu, sendo que temos tantos dinossauros legais para se escolher por aí.
“Pode ser que a trama seja boa, não se pode julgar até entender a história”, argumentaram fãs. Outros disseram: “Isso não é um documentário, mas sim um filme”.. e de monstros, dá bem para entender.
A mistura genética de espécies diferentes no parque já ocorria desde o primeiro filme, quando foi explicado que DNA anfíbio era usado para completar a sequência genética dos animais. Isso criou defeitos, como o T. rex com a visão baseada em movimentos, o Dilophosaurus venenoso e a possibilidade da troca de sexo nos bichos (“Life finds a way”), características de alguns anfíbios modernos. PORÉM, os cientistas argumentam que com o avanço dos conhecimentos sobre a relação entre dinos e aves, os geneticistas de JW poderiam ter começado a utilizar DNA de ave para completar as sequências. Isso teria corrigido defeitos e justificaria a colocação de dinos emplumados em Jurassic World. Seria uma ótima explicação para se adequar cientificamente, mas para os responsáveis pelo filme não! Nada feito! 🙁
Muitas outras inconsistências
É claro que as inconsistências vão MUITO além disso, como encontrar fragmentos viáveis de DNA de criaturas pré-histórias em fósseis de mosquitos no âmbar. Isso por si só já desbanca todo cerne da história de JP. É bom que se saiba que é certamente impossível que sequências úteis de DNA com mais de 10 milhões de anos tenham sido preservadas em um fóssil. O DNA é uma molécula muito estável, mas não por tanto tempo! Estudos sobre a degradação de DNA comprovam isso.
Jurassic World foi além: trouxe a tona possibilidade de se encontrar DNA de criaturas aquáticas. A primeira coisa que disseram foi: “WTF! Como um mosquito sugou o sangue de um Mosassauro?”. E com toda razão. Seja lá qual seja a explicação que vão dar no filme, isso é impossível ao quadrado.
Os únicos animais pré-históricos que poderíamos recriar com base em seu próprio DNA seriam aqules relativamente recentes (menos de 500 mil anos), como os mamutes. Pesquisas sobre essa possibilidade já vêm sendo realizadas nas últimas décadas e logo se tornará possível ter mamutes caminhando por aí… Se você se interessar pelo assunto procure ler artigos sobre “Desextinção”.
Ainda assim, Jurassic World vale a pena
– “COMO?”
– Sim. É isso mesmo que dissemos.
Ainda com tantas inconsistências e erros, acreditamos que Jurassic World ainda vale a pena. Ao contrário do que muitos dinomaníacos e cientistas ranzinzas podem dizer por aí. Afinal, é entretenimento!
Quase tudo que esse filme traz parece ser um grande desserviço à ciência, pois essa imagem ERRADA será abraçada e adorada pelo público. Para uma parte das pessoas que vão assistir, talvez isso até seja verdade (os alienados e os fanáticos). Porém, Jurassic World abriu, desde já, um importante espaço para discussão: Nunca vi falarem e divulgarem tanto a questão de dinossauros com penas, ou ainda sobre o que é ou não um dinossauro. No facebook, nos canais de notícias e na blogsfera. Sem querer, Jurassic World chegou para mudar paradigmas. Não foi a intenção deles, mas mesmo sendo um filme estilo “retrô”, se você leu essa postagem (e ainda mais se a compartilhou), a missão de “divulgar ciência” atrelada ao entretenimento está cumprida.
A vantagem do entretenimento é que ele tem um alcance amplo. Isso pode ser uma faca de dois gumes, mas é aí que ao invés de só reclamar e se negar a assistir, que o cientista tem que divulgar e se comunicar.
Aqui vamos todos assistir. E usar o entretenimento para discutir ciência!