Se te chamarem de louco, você está no caminho certo

Das mãos do famoso Dean Kamen já saíram extraordinárias invenções.

Sempre buscando criar objetos que efetivamente mudam a vida das pessoas, o inventor e empreendedor inspirou a plateia presente no evento BetterWorld, que aconteceu dia 30 de abril no MIT. Organizado pelo fórum de empreendedorismo do instituto, o tema deste ano foi “Acelerando inovações do laboratório para o mercado”. Ao resgatar um pedaço da sua história, Kamen motivou e emocionou os ali presentes.

Fiquei imaginando Kamen-criança-inventora trabalhando no porão da casa dos seus pais, montando e desmontando objetos, criando máquinas. Seu talento me parece nato. Há 32 anos ele inventou a primeira bomba de insulina (AutoSyringe) para pacientes diabéticos. A pedido do cliente Johnson&Johnson, mudou em apenas seis semanas a geometria dos stents cardíacos. No início da década de 1990, ajudou a desenvolver o ThinPrep, teste muito mais sensível do que o tradicional teste Papanicolau para detecção de câncer cervical. 

“Talvez a nossa história de maior sucesso tenha sido o equipamento de diálise Homechoice PD”, disse. O aparelho é pequeno e permite que o paciente faça diálise em casa, todas as noites, evitando as inúmeras visitas ao hospital, o que faz com que ele se sinta bem melhor. Lembrei dos sofridos pacientes em diálise que eu esbarrava no Hospital das Clínicas, durante meu doutorado. Kamen contou que quando ele propôs tal tecnologia, disseram que ele era louco e que o produto nunca seria aprovado pelas agências regulatórias. “Esta é a melhor maneira de começar um projeto, sinal de que você está no caminho certo”, destacou.

Segundo o inventor, o equipamento mais sofisticado que eles conseguiram aprovar até hoje foi o iBot. Usando uma tecnologia de auto equilíbrio, o iBot é uma reinvenção da cadeira de rodas por possibilitar subir e descer escadas e deslocar em terrenos esburacados. Vale assistir ao hilário vídeo em que Kamen é entrevistado por Stephen Colbert.

iBot. Fonte: DEKA Research & Development Corporation

Ao tentar extrapolar o uso do iBot para uma área fora da medicina, Kamen lançou o Segway, um veículo – ecologicamente correto – de transporte pessoal . “Hoje sou conhecido como o homem Segway, mas confesso que gastei apenas um fim de semana para desenvolvê-lo e anos para chegar a outros produtos”, disse.

Segway, veículo de transporte pessoalFonte: Segway

Projetos e produtos não param por aí. Um de seus projetos atuais é o desenvolvimento de um braço protético (The DEKA Arm), encomendado pelo departamento de defesa do governo norte-americano. Kamen está envolvido também com o problema da falta de água limpa e de energia ao redor do mundo. Ao tentar superar o modelo antigo de grandes reservatórios de água, ele criou uma caixa – facilmente transportável para qualquer lugar – que fornece água potável a partir de qualquer fonte de água. “A política global e modelos de negócios desatualizados impedem a disseminação de tecnologias como esta. A solução tecnológica existe, mas não sei como resolver este problema não-tecnológico”, desabafou.

Foi tocante ouvir sobre invenções que vêm impactando a vida de tanta gente. Mas a parte mais comovente, na minha opinião, foi quando ele descreveu o programa FIRST (For Inspiration and Recognition of Science and Technology), criado em 1992 com o objetivo de inspirar jovens para carreiras de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, por meio de competições em robótica. Segundo Kamen, a ideia partiu do desconforto com o peso quase que exclusivo que o esporte tem na vida das crianças norte-americanas. “Elas sabem tudo sobre as ligas de futebol e de basquete, mas não sabem dizer o nome de um cientista”. Já ouvimos sobre este problema antes, certo? 

Não resisti e tive que colocar mais uma foto dessa figura inspiradora. E sorrindo ainda, como ele deve ter recebido as milhares de crianças que têm participado do FIRST.

Detecção precoce de câncer tem limite*

Prometi que não publicaria a mesma informação aqui e no blog da SBI, mas, neste caso, não resisti. 

“Quanto mais cedo o câncer for detectado, maiores serão as chances de cura”. Não há nada de novo nesta afirmação, certo? Mas para garantir tal detecção precoce, você estaria disposto(a) a implantar em seu corpo um sensor que libera um sinal (câncer!) lido por um equipamento do tamanho de um celular que você mesmo carrega? Fico imaginando a seguinte cena: a pessoa acorda, liga o aparelho e pergunta: “será que é hoje o dia em que serei diagnosticado(a) com câncer?”

Sensores in vivo para detecção de câncer. Fonte: Koch Institute/MIT

Escutei sobre tais sensores in vivo na última sexta-feira (30/abril), como parte de uma das atividades do evento BetterWorld, organizado pelo Fórum de empreendedorismo do MIT. Urvashi Upadhyay, médica e pesquisadora do Koch Institute (MIT), explicou que os sensores utilizam sistemas micro-eletromecânicos que detectam, por exemplo, uma alteração de pH. Combinados a nanopartículas que permitem visualizar alterações moleculares e celulares, os sensores podem ser utilizados não só para detecção precoce mas também para liberação de drogas no local e no momento apropriados. 

Não há dúvidas de que a tecnologia é de fronteira e pretende tratar eficientemente a doença mais temida da humanidade. Robert Urban, diretor executivo do Koch Institute, falou sobre a estratégia que os engenheiros e cientistas do instituto estão adotando. “O câncer é uma doença tão complexa que optamos não por buscar a cura, e sim por usar tecnologias para melhorar o tratamento”, disse.

Mas será que é saudável carregar tais sensores? Eles devem ser adotados por todos ou apenas por grupos de risco? Será que eles nos fariam doentes? Há algum paralelo entre os sensores e os testes genéticos? O que você faria com a informação de que está escrito no seu DNA que você tem 30% de chance de desenvolver um câncer aos 58 anos? E onde entram os RNAs, que podem regular tudo isso?

Enfim, este post deveria ter seguido o modelo do Perguntas de Biruta, de André Báfica.

E, para terminar, mais uma pergunta: será que Ray Kurzweil está certo? Segundo o futurista, sofremos tantas doenças pois o nosso DNA está desatualizado. Está na hora de reprogramar o nosso código genético com implantes de microchips para acompanhar a contento o desenvolvimento tecnológico?

Adoro a liberdade que o blog permite. Mais perguntas do que respostas.

*Publicado originalmente no SBlogI.

Pesquisadores brasileiros em Boston

No último sábado (24), minha casa se encheu de gente interessante. Não é só por serem brasileiros que os chamo de interessantes (dá-lhe saudades!), mas também por realizarem pesquisas formidáveis em universidades de ponta. Após várias horas de apresentações e discussões, posso dizer que me enchi de orgulho.

Podem chamar de ufanismo, não me importo.

A ideia de reunir pesquisadores brasileiros residentes em Boston partiu de Marcelo Mori e de José Raimundo Correa. Eu e meu querido amigo Leo Iwai concretizamos e organizamos o evento informal que começou cedo e seguiu noite adentro. Cada pesquisador tinha cinco minutos para falar, e o desafio imposto era explicar sua linha de pesquisa para uma plateia diversificada: químicos, engenheiros, biólogos, biomédicos, dentistas, fisioterapeutas, entre outros.

Dos envolvidos com biologia e saúde, ouvimos sobre imunologia (diabetes, injúria por reperfusão renal, receptores lipídicos), microRNA (envelhecimento e restrição calórica), doença de Chagas, células tronco em Drosophila, fatores de crescimento para enxerto ósseo dentário, lesão medular, BMPs (Bone morphogenetic proteins). Tem também endocrinologista estudando plaquetas e uma biomédica do InCor que ainda está a definir seu projeto em doenças cardiovasculares. 

Dos engenheiros que têm um pé nos negócios, aprendemos sobre pesquisa operacional aplicada a energia e também ao mercado de paineis solares. Outro engenheiro busca tornar o trabalho dos controladores aéreos mais fácil. O aprimoramento de paineis solares portáteis é também um dos projetos em andamento de um dos engenheiros brasileiros trabalhando em Boston.

Aprendemos sobre um protótipo em desenvolvimento que pode revolucionar a oftalmologia e o receituário oftalmológico. Very disruptive! Discutimos o tema urgente e atual da combustão de bagaço de cana. Morando no exterior, todo brasileiro acaba em algum momento sendo questionado sobre o etanol… Ah, tivemos também representantes do mundo corporativo e uma professora das escolas públicas de Cambridge.

MIT, Harvard e Northeastern foram as universidades representadas desta vez. Esperamos ampliar nossa rede de brasileiros em Boston, buscando por pesquisadores em outras instituições e em outras áreas do conhecimento.

É o networking tupiniquim em ação!

Bill Gates convoca mentes brilhantes a salvar o mundo Abri a caixa do correio e, entre contas e mil

Bill Gates convoca mentes brilhantes a salvar o mundo

Abri a caixa do correio e, entre contas e mil papeis indesejados, lá estava ele, Bill Gates, na capa da edição de maio da revista Wired. Coincidência! Soubera, poucos minutos antes, que eu poderia vê-lo no dia seguinte, ao vivo, no MIT.

Quarta-feira (21) foi o dia em que fiquei no mesmo ambiente que o multibilionário, co-fundador da Microsoft, filantropo, e que agora se dedica às atividades da Fundação Bill & Melinda Gates (ahah, quantos adjetivos!).

Devo confessar que gostei do burburinho, da agitação e dos mil flashes nos primeiros cinco minutos após a entrada de Gates no auditório. No entanto, já sabendo que o tema de sua palestra seria filantropia (Giving Back: Finding the Best Way to Make a Difference), não esqueci dos criticismos a ele (monopólio, concorrências desleais, dúvidas se o dinheiro da fundação é só para fazer o bem mesmo…). Enfim, não quero aqui discutir estas questões, e sim relatar o que ele disse durante os 25 minutos da palestra, parte de um tour que ele fez em cinco universidades norte-americanas convocando mentes brilhantes a trabalhar em problemas, segundo ele, verdadeiramente importantes.

Gates falou sobre saúde – com foco exclusivo em vacinas para doenças que atingem países em desenvolvimento – e educação. Ele contou que há um tempo atrás leu uma reportagem sobre doenças em países pobres e aprendeu que o rotavírus (então novidade para ele), embora responsável pela morte de inúmeras crianças, não era tema prioritário na ciência. Pouquíssimos pesquisadores estudavam a doença. O mesmo acontece com a malária. “E por que não utilizar os lucros da Microsoft para tentar solucionar tais problemas da humanidade?”, disse.

O único gráfico apresentado por Gates mostrou que, na década de 1960, 20 milhões de crianças morriam anualmente antes de completar cinco anos, número que agora atinge a marca dos 8.8 milhões. Tal decréscimo aconteceu por conta da melhoria na nutrição e na renda, mas, segundo ele, as vacinas foram as principais responsáveis por esta drástica diminuição no número de mortes infantis. O que o impressiona é o fato de que menos de 1% dos gastos médicos é com vacinas. “É uma área desvalorizada. E as vacinas, depois de prontas, são baratas”, destacou.

Melhorar a saúde infantil tem um impacto direto no tamanho da família e, consequentemente, é uma boa saída para controle populacional, enfatizou Gates, que destacou uma palestra de Hans Rosling, médico e pesquisador do Instituto Karolinska (Suécia) como importante na área.

Em seguida, o multibilionário falou sobre educação, que além de tornar nossas vidas mais interessantes, amplia enormemente nossas oportunidades, disse. Ele falou sobre o precário sistema educacional nos Estados Unidos e da preocupante tendência de que cada vez um número menor de pessoas frequentará a universidade. “Nosso objetivo é achar as melhores práticas educacionais e disseminá-las”. 

Gates citou a iniciativa de cursos abertos, liderada pelo MIT, e recomendou que todos façam pelo menos algum dos cursos disponíveis online de graça: MIT OpenCourseWare. É uma fonte riquíssima de informação!

Com o patrimônio de 53 bilhões de dólares, segundo a revista Forbes, Gates quer saber agora como envolver as pessoas mais inteligentes para resolver os problemas de saúde e educação levantados.

Ao terminar sua fala, abriu uma garrafa de Diet Coke e respondeu a inúmeras perguntas da plateia. Fez uma convocação para que pessoas entrem no Facebook e coloquem lá suas ideias.

Gostei da reflexão proposta:

Em qual problema você está trabalhando? O que te atrai? Como você atrairia outras pessoas para tal área?

Para tirar suas próprias conclusões, assista ao vídeo e, se quiser, compartilhe comigo suas reações e impressões.

Peculiaridades do ecossistema empreendedor do MIT

Os números do empreendedorismo no MIT impressionam: as 25.800 empresas atualmente ativas, fundadas por alunos do MIT, empregam mais de três milhões de pessoas e geram uma receita anual de dois trilhões de dólares, rendimento equivalente a 11ª maior economia do mundo.

Alnylam, empresa que vem desenvolvendo terapias inovadoras baseadas na tecnologia de RNA de interferência, tem como sócios fundadores e membros do conselho científico os professores Robert Langer e Philip Sharp.

Quer saber mais sobre tal tema? Leia a reportagem que escrevi para a Revista Conhecimento&Inovação.

DNA não é só o “segredo da vida”, diz cientista

Gosto dos conselhos que alguns cientistas dão para a plateia, geralmente ao final de suas palestras. Em um dos primeiríssimos eventos de que participei no MIT, ouvi o que talvez tenha sido uma das dicas (acadêmicas) mais importantes que recebi até hoje. Frank Wilczek, prêmio Nobel em física, disse: “saiba a história da sua área”. Embora pareça óbvio, muita gente acaba não colocando em prática. Vale pregar na parede para não esquecer. Talvez a busca frenética pelo novo faça com que o tão importante resgate histórico fique de lado. “Ele está sendo ahistorical”, me disse certa vez Susan Silbey, professora de antropologia e sociologia do MIT, ao criticar as conclusões do trabalho de um colega.

Depth, 1955; Fonte: site oficial M. C. Escher 

Hoje ouvi outro conselho precioso: “não se esqueça da arte; há ideias formidáveis por lá”. Adivinhe de quem partiu tal conselho? Do bioquímico Nadrian (Ned) C. Seeman, o inventor da nanotecnologia de DNA. Ele falou hoje para o colóquio da Biologia, evento realizado semanalmente no MIT, e que conta com a participação de cientistas do mundo todo, das mais diversas áreas das ciências biológicas.

Seeman disse que sempre começa suas palestras pedindo para que as pessoas esqueçam o conceito biológico de DNA, e todas as imagens de plantas e bichos com as quais relacionamos a “molécula da vida”. Logo no início deixou claro que usa materiais naturais (DNA) para criar coisas não-naturais (DNAs malucos). A ideia é afastar o DNA fonte de informação genética e usá-lo como uma espécie de aparato, aproveitando sua importante característica de reconhecer trechos específicos de DNA e de se montar sozinho (self-assembly).

Um dos grandes feitos de Seeman foi criar moléculas ramificadas de DNA. Refrescando a memória, o DNA é uma cadeia linear, com duas fitas entrelaçadas, formando uma dupla hélice. O bioquímico, inspirado pela obra Depth, de E. C. Escher, quebrou o paradigma da linearidade e desenhou moléculas com vários galhos. Usando extremidades coesivas do DNA (com informação exata de onde se ligam), Seeman e seu grupo montaram um cubo que foi o primeiro objeto tridimensional construído em escala nanométrica. Não sei se ele foi inspirado por ou se apenas usou o exemplo dos tijolos das tumbas da dinastia Ming, em Nanjing, na China, que contêm pequenas letras que representam instruções para montagem. Ele usa o mesmo princípio de instrução ao desenhar seus minúsculos objetos feitos de DNA.

Usar tais objetos de DNA – que incluem nanotubos e cristais tridimensionais – ligados a biomoléculas e a componentes nanoelétricos é um dos objetivos de Seeman em suas variadas pesquisas. Foram criados instrumentos nanomecânicos, incluindo nano-robôs. Segundo ele, a ideia é sair cada vez mais do desenho de objetos estáticos e partir para uma combinação de diversos componentes. 

Vou ficar de olho nele, principalmente no movimento “de genes para máquinas”. Ganhador de inúmeros prêmios, Seeman atualmente é professor do Departamento de Química da Universidade de Nova Iorque (NYU).

Jerome Friedman, Prêmio Nobel em Física, discute a peça Copenhagen

Copenhagen, premiada peça do inglês Michael Frayn, conta a história do misterioso encontro entre os físicos Niels Bohr e Werner Heisenberg, ocorrido em 1941. Baseada em fatos reais, Frayn usa a ficção para criar diferentes cenários de como teria sido a visita de Heisenberg a Bohr, em Copenhagen. Antes parceiros, os então ícones da física atômica estavam agora em lados opostos durante a segunda guerra mundial e eram líderes de um domínio da ciência que poderia criar a arma mais perigosa da humanidade. Bohr colaborou com os Estados Unidos no projeto Manhattan e Heisenberg permaneceu na Alemanha tentando desenvolver sua própria bomba. Ainda hoje se discute o quê exatamente Heisenberg teria dito a Bohr, e qual teria sido o verdadeiro motivo da sua viagem à Dinamarca. 

Jerome I. Friedman, no MIT, discutindo Copenhagen (02/abril/2010)

Participei de uma discussão sobre Copenhagen, na última sexta-feira, que contou com a presença de Jerome I. Friedman, professor emérito do MIT e ganhador, juntamente com Henry W. Kendall e Richard E. Taylor, do Prêmio Nobel de Física em 1990. A discussão é parte de uma disciplina sobre liderança que se baseia na leitura de clássicos, oferecida aos alunos da escola de negócios do MIT (Sloan School of Management).

Friedman contou que encontrou Heisenberg duas vezes. A primeira foi em 1951, ainda quando estudante. “Heisenberg era considerado persona non grata”, disse. Já no segundo encontro, em 1970, a relação do físico alemão – pai da física quântica – com a sociedade científica norte-americana havia sido restabelecida, e o reconhecimento de que Heisenberg era um dos mais importantes físicos do século 20 dominava.

Segundo Friedman, Heisenberg não era nazista e sim nacionalista. Abalado com o sofrimento dos alemães após a primeira guerra mundial, ele preferiu ficar em seu país à época da segunda guerra, enquanto muitos físicos deixaram o país. “Ele não queria ver a Alemanha perder”. Para Friedman, embora os físicos alemães tivessem o conhecimento científico necessário para o desenvolvimento da bomba, a industrialização do processo não era apropriada. O reator construído por Heisenberg tinha um design ruim. Além disso, ao contrário dos cientistas envolvidos no Projeto Manhattan, os pesquisadores alemães não se comunicavam e trabalhavam isoladamente, o que para ele foi um dos principais motivos da Alemanha ter perdido a corrida pela bomba. Friedman destacou também que os físicos envolvidos no Projeto Manhattan, para ele, eram pessoas decentes e ao mesmo tempo receosos de que a Alemanha desenvolvesse a bomba e dominasse o mundo: “imagine o mundo tomado por Hitler”, disse.

Pelos comentários da plateia, deu para perceber que essa é a noção ensinada na escola aos norte-americanos: salvamos o mundo de Hitler. Por outro lado, segundo depoimento de uma das alunas, a costa oeste dos Estados Unidos e as ilhas do pacífico carregam um maior sentimento de culpa pela explosão das bombas atômicas, possivelmente pela proximidade com o Japão. Um dos alunos, que morou em Hiroshima por cinco anos, contou que o que se diz por lá é que as bombas faziam parte de experimentos, uma vez que três dias após as explosões, os norte-americanos voltaram ao local para fazer medidas.

A discussão em seguida foi sobre a conduta ética de cientistas trabalhando em áreas que possam vir a trazer algum risco para a sociedade. Friedman foi taxativo: “O objetivo da ciência é entender a natureza, e não há nada de errado ou mau nisso. Os cientistas, ao tentar entender a natureza, não têm ideia do que vão encontrar. Nunca sabemos, e por isso não podemos colocar restrições”, disse. Para ele, os cientistas têm sim a responsabilidade de alertar políticos e outros setores da sociedade sobre resultados de suas pesquisas que tenham impacto importante, como o que está acontecendo agora com o aquecimento global. 

Entendo quando Friedman fala em não criar restrições às pesquisas, principalmente depois de ouvir sua explicação sobre o fascínio que a física desperta nele. Ao falar sobre a dualidade do elétron, que ora se comporta como onda, e ora como partícula, mas nunca os dois simultaneamente, o físico lembrou que sempre que tentamos observar o elétron, ele se transforma em partícula. O fato de não conseguirmos medir exatamente onde um objeto está em um determinado momento, é fascinante. “Ficamos loucos por não conseguirmos entender“, disse. É o princípio da incerteza de Heisenberg. Aliás, Frayn me deu de presente a melhor explicação até hoje sobre o tópico. Em um dos diálogos de sua peça, Heisenberg pede que Margrethe, esposa de Bohr, fique parada representado o núcleo. A cidade de Copenhagen representa o átomo (proporção correta). Bohr, como elétron, fica caminhando ao redor do núcleo. Quando Heisenberg, o fóton, tenta observar o elétron com uma lanterna, o elétron diminui sua velocidade e pára. Não podemos observar nada sem introduzir um novo elemento à situação: o observador influenciando a observação. Com todo esse fascínio, claro que a vontade é de não parar as pesquisas. Mas penso que nem todos os cientistas são tão ingênuos/imaculados assim.

O assunto é sensível e interminável. Mesmo correndo o risco de tocar em temas já muito comentados, não queria deixar de compartilhar a experiência de ouvir a opinião de um renomado físico que despertou em mim a vontade de entender mais sobre a matéria, literalmente. Fiz um julgamento moral, na última frase do parágrafo anterior, exatamente o que Michael Frayn disse que não quis fazer com sua peça. “Antes de fazermos qualquer julgamento moral precisamos saber os reais motivos, eventos, mistérios que levaram a tomada de determinado caminho”, disse Frayn na apresentação do filme baseado na peça, produzido pela BBC. Fazendo um paralelo com o princípio da incerteza de Heisenberg, “não conseguimos ter conhecimento absoluto sobre as intenções de ninguém”. E é possível também que nem o próprio Heisenberg soubesse o motivo de sua visita a Bohr.

Ao final da manhã, em agradecimento por sua participação na discussão, Friedman ganhou do professor da disciplina o mais novo livro de Ian McEwan, Solar.

Alunos do MIT apresentam protótipos de brinquedos

Olhe com cuidado para as fotos abaixo. Um dos protótipos pode vir a ser o próximo brinquedo de sucesso entre a criançada. Desenvolvidos por alunos do MIT, como parte de uma disciplina que ensina processos e técnicas de design com ênfase em brincadeira e entretenimento (Toy Product Design 2.00b), os modelos foram apresentados hoje no museu da instituição e prometem diversão para a garotada.

O curso, criado em 2006 pelo professor David Wallace e por seu aluno Barry Kudrowitz, ambos do Departamento de Engenharia Mecânica, permite que alunos explorem conceitos do design – criatividade, desenho, fabricação, estética, entre outros – ao desenvolver um projeto de criação de um brinquedo.

O local de trabalho do grupo não poderia ter outro nome: MIT Toy Lab (Laboratório de Brinquedo). 

Divirtam-se!

Para ser colocado no fundo da piscina, as luzes acendem, a criança mergulha e aperta os botões para apagá-las.

Carro de controle remoto com gizes gigantes acoplados. A criança traça a rota que quiser e pode brincar, por exemplo, com carrinhos de ferro no mesmo espaço.

Frisbee que solta bolinhas de sabão (parte azul).

Blocos infláveis que a criança pode montar da maneira que quiser e depois pular, como se fosse uma almofada (blocos abaixo estão em tamanho reduzido).

Imagine os blocos abaixo sem os fios. A criança pode distribuí-los da maneira como quiser, em qualquer ambiente. Luzes acendem e ela brinca de apagá-las, inventando a própria brincadeira.

“Batata quente” acoplada a uma mangueira. Quando enche, uma válvula abre, e a pessoa que estiver com a batata fica ensopada. 

PS: Texto escrito ao som de Yamandú Costa.

Alimento: ciência, indústria e política

Após frequentar uma semana de palestras e discussões sobre o emaranhado e sempre atual tema “alimento”, penso que nunca mais olharei para um prato de comida, para uma embalagem de biscoito ou para uma fruta – etiquetada com código de barra -, com a mesma passividade de antes. E olha que em casa desde cedo aprendemos a avaliar com cuidado os rótulos dos alimentos procurando pela quantidade de carboidrato, proteína e gordura presentes. Minha mãe dizia: “nunca compre nada em que o primeiro ingrediente da lista é açúcar”.

Minha visão sobre o food system se ampliou depois que participei, na semana passada, de um workshop com pesquisadores e líderes de universidades, governo e indústria, oferecido pelo programa de jornalismo científico Knight do MIT, onde temas de ciência do alimento se misturaram a discussões sociais, políticas e econômicas relacionadas ao cultivo, distribuição e consumo de alimentos.

Phil Hilts, diretor do programa, abriu o workshop destacando que, com 1,6 bilhão de pessoas obesas ou abaixo do peso no planeta, o momento é de, como repórteres, “puxar o rabo desse tigre”. A epidemia da obesidade se tornou problema de saúde pública em inúmeros países, e o epicentro agora está migrando dos Estados Unidos para países como a China. O governo norte-americano gasta 150 bilhões de dólares por ano com doenças resultantes da obesidade. E o gasto só vem crescendo nos últimos anos. Michele Obama abraçou a causa da obesidade infantil e lançou, em fevereiro deste ano, o programa “Let’s Move”. Além do custo, a primeira-dama foi motivada também, segundo o site da campanha, pelo dado assustador de que esta é a primeira geração em que os filhos provavelmente viverão menos que seus pais.

Segurança alimentar foi o tema de abertura do evento. Robert Tauxe, diretor de uma das divisões do centro de controle e prevenção de doença (CDC, na sigla em inglês), órgão do governo, contou os desafios em monitorar os 12 mil casos anuais de doenças desencadeadas por alimentos. Segundo ele, aves, folhagens, carne vermelha, derivados de leite, frutas e nozes são os principais alimentos envolvidos em surtos desencadeadas por inúmeros patógenos (Listeria, E. coli, Toxoplasma, Salmonella, Campylobacter, Norovirus, entre outros). Atualmente, o CDC faz o que ele chamou de diagnóstico de alta precisão. Tauxe descreveu como sua equipe rastreou e descobriu a origem de um surto da perigosa E. coli O157:H7 (veja abaixo) em espinafres. Com o código de barras da embalagem, foi possível localizar onde os espinafres tinham sido produzidos. Os técnicos foram até a fazenda e, após criteriosa investigação, descobriram que porcos selvagens eram os vetores da doença.

J. Glenn Morris, professor de medicina da Universidade da Flórida, continuou o assunto de alimentos como carreadores de doenças trazendo um rico resgate histórico da emergência da linhagem bacteriana E. coli O157:H7, descrita em 1982. Pessoas que consomem alimentos contaminados com esta bactéria apresentam, segundo o médico, sintoma clínico de diarreia com sangue (30-95% dos casos) e síndrome hemolítico-urêmica (2-7% dos casos), a maior causa de insuficiência renal em crianças nos Estados Unidos. A toxina shiga, produzida pela bactéria, quebra as células vermelhas do sangue, que se depositam nos rins, levando à insuficiência. A taxa de mortalidade varia de 1 a 35%. Idosos e crianças abaixo de cinco anos são os mais afetados.

J. Glenn Morris, cientista da Universidade da Flórida.

Comer hambúrguer ficou mais difícil depois que Morris apresentou o dado de que 28% do gado que entra para abate nos Estados Unidos apresenta E. coli O157:H7 no intestino, como colonizadora assintomática. Considerando que a carne vem de várias fornecedores e é moída em lotes de 2-30 toneladas (que nojo!), e que bastam 100 bactérias para uma transmissão efetiva, a saída é mesmo parar de comer hambúrguer. Ou pedir bem passado. Morris escorregou quando Phil Hilts lhe perguntou o que um fazendeiro deve fazer para descontaminar as vacas, e respondeu que o melhor mesmo é ficar quieto, por conta da enorme briga no sistema regulatório. Ops! Pauta! Mas depois ele falou de vacinas canadenses e norte-americanas que estão sendo desenvolvidas para gado. Segundo Morris, será a primeira vez em que gado de corte será imunizado contra patógeno que não causa doença neles mesmos, e sim no consumidor da carne.

Mas o problema atinge também outros alimentos. A plateia ficou impressionada quando o médico mostrou que a E. coli O157:H7 penetra nas folhas de espinafre, via estômatos, e fica alojada junto aos tecidos. Nesse caso, uma boa higienização não resolve, e sim um eficiente sistema preventivo de vigilância sanitária. Vestindo meu chapéu de imunologista, fiquei curiosa em saber como a planta responde a esta bactéria. Vou pesquisar.

Hilts disse que a ideia do workshop é oferecer aos jornalistas uma variedade de fontes e temas inspiradores para reportagens futuras. Só com as duas primeiras palestras, deu para perceber que há vários tópicos a serem explorados.

Comentarei sobre as demais discussões nos posts seguintes. Adianto que tanto a indústria quanto a academia apresentaram soluções interessantes e controversas para o problema da obesidade e da falta de alimento. Marion Nestlé (alimentos e seus rótulos) e Joseph Hotchkiss (história do processamento de alimentos) merecem posts a parte. 

Aguardem!

PS: André Ramos, obrigada pelo desenvolvimento da marca “Pó de Imburana”. 

Nasce o “Pó de Imburana”

Para quem se interessa por ciência e tecnologia, viver na região da grande Boston, nos Estados Unidos, é um privilégio. Conceituadas universidades e institutos de pesquisa (Harvard, MIT, Boston University, Tufts, entre outros), ao lado de empresas de alta tecnologia (Akamai, Genzyme, Merck, entre outras), formam um ecossistema riquíssimo de descobertas, discussões, desenvolvimentos, inovações. Bibliotecas, livrarias e museus, organizando os mais variados eventos, contribuem para tornar ainda mais intensa a chacoalhada intelectual. Esbarrar em um cientista agraciado com Prêmio Nobel ocorre, eu diria, com certa frequência.

Assim nasce o “Pó de Imburana”, espaço onde pretendo compartilhar um pedaço da experiência que tem sido para mim uma verdadeira revolução – mesmo efeito do pó que meu avô dava aos netos como parte da saudação que nos abençoava.

Costumo frequentar palestras e eventos principalmente no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), daí a explicação para um provável excesso de posts relacionados a esta universidade que, embora tenha sido fundada por engenheiros, tem diversificado cada vez mais as pesquisas desenvolvidas em suas cinco escolas: Arquitetura e Planejamento Urbano; Engenharia; Humanidades, Artes e Ciências Sociais; Escola de Negócios Sloan; e Ciência. Sinto uma incrível liberdade criativa no ar e fico bastante impressionada com tudo que já foi e tem sido desenvolvido por aqui. E, claro, como em toda atividade humana, as críticas aparecem: me incomodo um pouco com o discurso de salvar o mundo que escuto com frequência. Aos poucos vou contando tudo!

Não perco a oportunidade de participar também de eventos em Harvard. A escola de governo (Harvard Kennedy School) tem sempre palestras imperdíveis, assim como as livrarias que rodeiam a universidade. O Museu de Ciência e o Museu do MIT também são fontes constantes de inspiração. 

Preciso confessar que escolher a qual evento atender às vezes é estressante. A sensação é a de “beber de um hidrante”, frase famosa de Jerome Weisner, presidente do MIT entre os anos de 1971 e 1980.

Bem-vindos ao “Pó de Imburana”!

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