Publicado
7 de nov de 2011
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Direto ao ponto: sabe por quê todo mundo fala (inclusive o título deste post) que o mundo quântico é estranho? Porque no mundo quântico entidades incompatíveis coexistem em paz e harmonia.
No mundo clássico, partículas são partículas e ondas são ondas. Imiscíveis, como água e óleo. Suas propriedades são incompatíveis. No mundo quântico, as partículas entidades são partículas, às vezes, e ondas, em outras vezes. E por isso é tão estranho.
Mas, de verdade, o problema é semântico. Veja só: ondas que eram apenas ondas e partículas que eram apenas partículas estão no nosso dia-a-dia, desde sempre. Desde quando a gente ainda andava pelado e morava em cavernas. Toda a nossa linguagem, entendimento, modelo do mundo cresceu e sedimentou-se sobre esses dois conceitos díspares. Resultado: quando a gente descobre algo que é mais fundamental e onde coabitam os dois conceitos torna-se complicado, estranho até, descrever esse algo – o mundo quântico – com as mesmas palavras (e mesmos conceitos de antes). E por isso a coisa é estranha.
A melhor forma que eu vejo de resolver esse problema é invertendo a situação: “descrever” as entidades do mundo quântico como entidades únicas, que tem um comportamento bem estabelecido e entendido. Chame isso do nome que você quiser, menos onda ou partícula. Porque a luz é assim, o elétron é assim, os átomos são assim. E, finalmente, dizer que esse comportamento de vez em quando se parece com o comportamento do que a gente conhece como partículas e em outras do que a gente conhece como ondas.
Melhor assim? 😉
Publicado
26 de out de 2011
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Um causo que eu ouvi esses dias: uma professora, no desejo de envolver um dos seus alunos em uma pesquisa que está realizando, pediu que ele usasse seu novo, recém-nascido, ultra-rápido código computacional para simular algo que ela tinha feito com um código mais antigo, mais lento, mas que já tinha se mostrado bem sucedido em outras situações. Os resultados são virtualmente idênticos, a menos de um ponto no qual o código do aluno fornece um valor diferente e não esperado do ponto de vista físico.
A conclusão da professora: o código do aluno ainda tem algum probleminha.
A resposta do aluno: “Como você sabe que o seu resultado é o correto?! Como você pode ter certeza que não é o seu código que está errado?”
Na resposta da professora reside uma das faces mais belas e fascinantes da pesquisa científica:
Em pesquisa científica não há uma resposta certa. Muitas vezes, de fato, a gente nem sabe se a pergunta que fez está correta. E isso é fascinante. Um salto dentro do desconhecido. Escuro e silencioso, mas definitivamente cheio de coisas novas para se tocar, cheirar, conhecer, descobrir. Literalmente, fazer pesquisa é levar ao fim e ao cabo o lema da série Jornada nas Estrelas: “audaciosamente ir onde nenhum homem jamais esteve”.
Sob essa óptica, publicar um paper, dar uma palestra sobre novos resultados, enfim, divulgar o que se descobre, seja no laboratório, seja numa simulação computacional, é um ato de coragem e tanto, é dar a “cara a tapa”. Sempre. Simplesmente porque é impossível dizer que aquela resposta é a correta. No máximo, é a melhor resposta naquele momento, baseada nos conhecimentos existentes naquela época e tudo sob as condições específicas nas quais a pergunta foi feita. E salve-se quem puder!
Olhando assim, parece até que o edifício da ciência é de gelatina: construído sobre bases pouco sólidas e que vai tremer ao menor toque, afinal ninguém tem absoluta certeza de nada.
Mas aí uma outra característica essencial à ciência salta aos olhos: ela é auto-consistente e auto-corretiva. Trocando em miúdos: cada novo tijolinho no edifício do conhecimento é colocado com argamassa ligando-o ao(s) anterior(es), seja para sedimentá-los, seja para “dar prumo” para algo que vinha torto. Mas o mais importante: sobe-se um degrau e só é possível subir esse degrau porque o anterior estava lá. E quanto mais degraus se sobe, mais se corrige o que estava errado e/ou mais se sedimenta (confirma/tem-se certeza/acredita-se) no que estava certo. O que vale é sempre continuar subindo. Veio à mente de alguém aí: “Se enxerguei longe, foi porque me apoiei nos ombros de gigantes“? Pois é.
Para arrematar este post, que já está ficando muito longo, uma situação bem corriqueira, pelo menos em cursos de graduação de ciências: alunos “bons de prova”, aqueles com as melhores notas, que sabem fazer/reproduzir todos os exercícios do livro, nem sempre (quase nunca) se tornam os melhores pesquisadores. Normalmente são esses os alunos que sabem “a resposta certa” para as perguntas dos professores mas que ao se depararem com perguntas sem resposta, ou mesmo tendo que formular as próprias perguntas, não se saem tão bem. Coincidência?
Publicado
20 de out de 2011
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A ideia para este post nasceu, literalmente, quando eu estava com a cabeça nas alturas, sobrevoando os Alpes, voltando da Itália pra casa. Vocês vão entender o porquê, mas vamos devagar.
Um conceito importante em qualquer tipo de medida é o de quanto tempo se passa entre uma medida e outra. Isso é especialmente importante quando você quer entender um processo que muda com o tempo. Você mede agora, mede daqui 1 minuto, depois de outro minuto mede de novo e por aí vai. A diferença no resultado das medidas vai dar uma ideia de quão rápido/devagar é o processo que você está estudando.

O meu exemplo favorito para ilustrar esse conceito é quando você encontra um conhecido num dia e encontra no outro e nota que ele, por exemplo, cortou o cabelo. Conclusão: o fenômeno (no caso, o corte de cabelo) aconteceu em algum momento dentro de 24 horas. Mas, se você encontrou com ele logo antes e logo depois do almoço, então a “taxa de medida” foi muito maior e facilmente você pode afirmar que o corte se deu em algum momento naquela uma hora entre as duas “medidas”. Se você tentar investigar a fundo e perguntar, por exemplo, para o segurança do salão de cabeleireiro que horas ele entrou e saiu, a distância em tempo entre as duas medidas é ainda menor e sua “precisão” em apontar o exato momento do acontecimento do fenômeno aumenta grandemente. E assim vai.
Mas veja que isso tem um limite interessante: o cabeleireiro, por exemplo. Ele NUNCA vai poder apontar um instante específico de tempo no qual o cabelo foi cortado. Como ele faz parte do processo e, digamos, mede o corte mais rápido do que o próprio corte como um todo acontece, ele vê o processo de uma forma completamente diferente. Para ele, faz sentido perguntar que horas cortou a franja, ou aparou a lateral, etc, etc.
Esse exemplo bobo mostra como é importante encontrar formas mais e mais eficientes de se medir um sistema a taxas cada vez maiores. É isso que cientistas buscam quando desenvolvem, por exemplo, lasers pulsados com tamanhos de pulso menores (a taxa com a qual você mede) ou métodos mais sensíveis que permitem testar um sistema por um tempo mais curto ou pontas de prova menores que permitem medir pedacinhos cada vez menores do que quer que seja.
Mas toda história é como toda moeda: tem dois lados. Vamos nos ater ao exemplo do cabeleireiro. Imagine que ao invés de ver seu amigo todo dia, ou toda hora você só o vê de 6 em 6 meses pontualmente e que ele, um metódico exemplar, corta o cabelo também (e sempre da mesma forma) de 6 em 6 meses. Qual é a sua conclusão, óbvia e inapelável? O cabelo dele não cresce! O ponto é: se você mede algo que é periódico com a mesma (ou muito próxima) periodicidade de que o fenômeno acontece, isso pode te levar à conclusões muito erradas… MUITO ERRADAS!
Bom, essa história toda para mostrar os dois três vídeos abaixo. Eu estava em um avião pequeno, movido à hélices sobre os alpes e filmando o visual bacana lá de cima. Aí eu notei que o movimento que eu via das hélices pelo visor da câmera era diferente (muito mais lento) do que com meus olhos. A explicação eu acho que você já deduziu dessa conversa aí de cima. A taxa com que a câmera salva os frames que compõe o vídeo é bem próxima da freqüência de rotação da hélice e dá a impressão de ela estar rodando devagar… (Aos que gostam de exatidão: a freqüência de gravação da câmera pode ser levemente diferente da freqüência de rotação da hélice dividido pelo número de pás desta ou qualquer múltiplo.) Na hora que eu vi isso quase pulei da cadeira e falei pra minha mulher que estava do meu lado: preciso colocar isso no blog. Vai ficar bem legal. Fora o visual que é imbatível…
Uma meia hora mais tarde eu fiz este outro vídeo, quando o avião estava descendo e a hélice estava rodando em outra freqüência. Veja você mesmo como o resultado que você tem é bem diferente, com as hélices meio borradas a cada frame. Eu não mudei minha taxa de observação, ou seja, a câmera é a mesma, mas o resultado…
Sei lá, eu gosto de tirar lições dessas coisas, e pra mim, isso só reforça a certeza que o cuidado em medir no laboratório tem que ser dobrado. Ainda bem que, no momento, não meço nada periódico… 😉
Pra finalizar, que este post já está longo, eu fiz o mesmo filminho lá de cima com um celular. Descobri que: 1) não faço a menor ideia de como celulares guardam os frames dos filmes e 2) coisas esquisitíssimas podem aparecer quando sua “máquina de medida” não faz a coisa do jeito certo. Dá só uma olhada no jeito que as hélices ficam filmadas do celular…
Publicado
7 de out de 2011
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Não! Ele não ganhou o Nobel! |
Acontece que a música tem muito a ver com o Prêmio Nobel de Física 2011. Saul Pearlmutter, Adam Riess, ambos americanos e Brian Schmidt, australiano, ganharam o Prêmio por revelarem, em 1998, não como a expansão do Universo começou, mas como ela continua hoje.
Explica-se: o Universo começou com uma explosão, certo? Então, mais que natural, no começo de tudo ele expandir e expandir e expandir. Evidências de que o Universo expandia-se datam do início do século passado. De fato, a descoberta de que ele expande-se é que leva à conclusão de que, voltando no tempo, ele deve ter começado com uma explosão.
Passado o período de expansão, a expectativa natural dos cientistas era de quê o Universo desacelerasse sua expansão e tomasse um dos três rumos possíveis: continuasse a se expandir à uma velocidade constante, parasse completamente, tornando-se estático ou começasse a se contrair, fazendo o caminho de volta e acabando sua vida de volta ao ponto inicial. Ingenuamente, ninguém poderia imaginar que o Universo acelerasse sua expansão, já que para isso deveria haver uma fonte de energia que continuasse a empurrar e empurrar mais o Universo.
Pois os cientistas premiados neste ano descobriram exatamente o que não era esperado: o Universo continua a expandir-se e está acelerando. Para isso eles tiveram que medir estrelas, na verdade a explosão de estrelas, muito distantes e relacionar essas medidas com a sua velocidade e… surpresa até mesmo para eles: o Universo expande-se aceleradamente!
Aí você vai me perguntar o porquê. A explicação, até o momento, recai sobre a intrigante, desconhecida e inobservável “energia escura”, parceira, amiga-de-fé-irmã-camarada da matéria escura que, juntas, recebem a responsabilidade de carregar 95% da energia do Universo. Mas, apesar de tamanha responsabilidade e, aparentemente, efeitos observáveis, ninguém foi ainda capaz de ver, medir ou quantificar as duas. Muita água ainda vai rolar debaixo dessa ponte…
Para mais informações você pode ir direto ao website do Nobel, clicando aqui (em inglês).