TERMOS CIENTÍFICOS (FILOSAFANDO #1)

Olá a todos! Sei muito bem que o Colecionadores de Ossos é um blog de divulgação sobre paleontologia, no entanto, justamente por isso ele é um blog cientifico. Muitas vezes para se entender informações científicas, mesmo em mídias de divulgação isso demanda certo conjunto específico de conhecimentos que associamos a ciência, como por exemplo, anatomia e filosofia. Portanto, venho por meio desta apresentar uma nova sequência de textos que irá tratar de assuntos direta e indiretamente relacionados à Filosofia da Ciência, que carinhosamente apelidei de Filosofando. O intuito dessa série é divulgar, facilitar e ampliar o entendimento em filosofia por parte daqueles interessados em ciências em geral. Recomendarei leituras do tipo para aqueles que veem a filosofia como algo “inútil” ou não vinculado a ciência e, assim espero, conseguir mudar essa visão ou pelo menos fazê-los repensar sobre o assunto.
Como primeira postagem, trago um tema básico que são os termos científicos. Aqui trarei algumas definições de termos que provavelmente vocês já ouviram no dia a dia ou leram em textos tanto de divulgação quanto em artigos científicos. No entanto, como esses mesmos termos possuem inúmeras definições, trarei aqui aquelas que considero como as melhores e que, portanto, serão a base que usarei nas próximas postagens. Convido todos que usam, conhecem ou preferiram outras definições a deixar um comentário para que discutamos sobre o assunto!
A comunicação que está ocorrendo entre minhas palavras escritas nesse texto e sua interpretação como leitor só são possíveis devido à semântica intrínseca de cada palavra aqui usada e dos significados destas retidas em seu cérebro. Sendo assim, o entendimento semântico dos termos usados em qualquer campo cientifico, e obviamente a paleontologia não se difere nisso, deve ser buscado por todos aqueles que praticam ciência. Por isso, existem severas discussões acerca de todos os termos usados buscando sempre haver uma uniformização de suas definições e aplicações para que haja uma otimização na transmissão das ideias produzidas. Quem nunca teve problema com um familiar ou amigo por usar uma palavra que foi interpretada por ele em um sentido diferente da que você usou? Na ciência também temos problemas deste tipo e justamente por isso tais discussões acerca da semântica das palavras é tão relevante. Além disso, o ato de citar autores prévios que forneceram a definição que você esta aplicando é um habito cientifico que seria muito bem aceita em nossa vida cotidiana, pois dessa forma, mesmo que o ouvinte tenha um conhecimento de definição diferente da mesma palavra ele estará contextualizado do sentido que você impôs ao usar tal termo.
Então vamos comparar aqui duas situações: 1) a calçada está molhada as 16:34; e, 2) Fulana é mão de vaca. Em geral, nos referimos a ambas as frases como fatos. No entanto, se valendo das definições do que significa “fato”, apenas a situação 1 pode ser considerada como tal. Para Mahner & Bunge (1997) fato é tanto a existência de algo em determinado estado quanto um evento que ocorreu em uma coisa, sendo, portanto, fato algo que podemos considerar como real/existente independente de nossa interação com ele – ou seja, ele não é uma alucinação e, portanto pode ser percebido pelos sentidos de outras pessoas. Nesse contexto, retomo a situação 1, qualquer pessoa que ver a calçada X as 16:34 perceberá que a mesma se encontra molhada, sendo portanto um fato. Uma propriedade interessante dos fatos é que eles não são passíveis de serem tratados como verdadeiros ou falsos, eles apenas são o que são. Todavia, na situação 2, a frase não é um fato, pois esta foi construída para explicar um fato ou conjunto de fatos que é ou foram a observação da Fulana se negando a pagar determinado valor em um produto. Ou seja, ver Fulana agindo de tal forma com relação a seu dinheiro é um fato perceptível a todos, no entanto, nomear Fulana como mão de vaca é atribuir uma explicação causal ao fato de Fulana ter agido de tal maneira. Sendo assim, a situação 2 na verdade é uma hipótese baseada no fato descrito acima. Mas então qual seria a definição de uma hipótese? Hipóteses são explicações de algum fato ou conjunto de fatos, dando a nós pelo menos um entendimento inicial daquilo que nós percebemos (Fitzhugh, 2008). Portanto, podemos considerar hipóteses como sendo espaço temporalmente restrito. Além disso, diferente dos fatos, as hipóteses são passíveis de falsificação diante de procedimentos conhecidos como testes (que aprenderemos mais em uma eventual postagem futura)! Em suma, diante do fato expresso na situação 1, posso propor uma hipótese explanatória, com caráter causal, que seria “antes das 16:34 choveu nessa região”. Ou seja, diante do fato uma hipótese foi proposta e que por meio desta adquiri certo conhecimento inicial do fato exposto na situação1.
Mas agora, por exemplo, se você leitor disser que tem uma opinião diferente da minha acerca da situação 1, cientificamente falando o que isto implicaria? O resultado dessa divergência de opiniões e bastante severa visto que isso indicaria que você leitor considera um determinado conjunto de hipóteses e teorias diferentes das minhas como verdadeiras. Sendo assim, podemos definir opinião como o ato de aceitar como verdadeiro determinado conjunto de hipóteses e teorias (Fetzer & Almeder, 1993). Portanto, opiniões diferentes implicam na aceitação de hipóteses/teorias diferentes como verdadeiras. Voltando ao exemplo da situação 1, na minha opinião a hipótese “chuva” é verdadeira para o fato “calçada molhada”, no entanto, para você leitor a hipótese “Maria lavou a rua” é a verdadeira. Cientificamente falando, a opinião que for embasada em hipóteses que tiverem as melhores evidências deverá prevalecer a menos que novas evidências surjam. Mas afinal o que são evidências? Segundo Fetzer & Almeder (1993) evidência seria aquilo que demonstra que algo seja o caso, ou seja, observações, experimentos ou construções linguísticas na forma de premissas que suportam determinada hipótese. Sendo assim, toda opinião fundamentada por evidências (opinião justificada) forma aquilo que chamamos de Conhecimento (Fetzer & Almeder, 1993). Portanto, como só somos capazes de adquirir conhecimento a partir do momento que fundamentamos nossas opiniões com evidências, sendo assim, a opinião sempre precede o conhecimento (Williamson, 2000).
Quando nos baseamos em informações prévias adquiridas em nosso tempo de vida para propor uma hipótese para explicar a situação 1 ou mesmo para propor a situação 2, nós nos baseamos no conhecimento prévio, que são todas as opiniões aceitas como verdade em relação a condução de uma observação ou experimento (Fetzer & Almeder, 1993). Portanto, todas as teorias, leis e outras hipóteses de conhecimentos, juntamente com nossas vivências (coisas não diretamente relacionadas com o que tradicionalmente chamamos de ciência) compõem nosso conhecimento prévio. Por isso que, quando paleontólogos dizem que “um bom paleontólogo é aquele que viu mais ossos”, essa argumentação e bem fundamentada visto que quanto mais materiais vistos por ele maior será seu conhecimento prévio e, portanto mais evidências ele terá para sustentar suas opiniões.
Bom, mas vamos retomar a discussão sobre evidências. Tradicionalmente podemos reconhecer dois tipos distintos de evidência que possuem funções e são usadas em momentos e situações completamente distintas. O primeiro tipo seriam as evidências usadas para sugerir uma hipótese (Fitzhugh, 2006), por exemplo, na situação dois usamos os fatos da Fulana se negar a gastar dinheiro em diversas situações e a teoria ou concepção geral que temos acerca de “mão de vaca” e com base nisso propusemos a hipótese presente na situação 2. Nesse contexto, tanto os fatos quanto a teoria são evidências. O segundo tipo de evidências, também conhecidas como evidências de teste, são usadas como base para julgar a veracidade de uma hipótese (Fitzhugh, 2006; obs: veremos mais sobre elas na postagem sobre testes). Portanto, na situação2, todas outras evidências que não sejam do primeiro tipo, mas que podem ser usadas para julgar a veracidade da hipótese pertencerá a esse segundo tipo.
Por fim, me resta distinguir dois termos corriqueiramente usados no dia a dia e na ciência que são teoria e lei. Leis são sumarizações de fatos ou eventos que apresentem certa periodicidade ou tendência, portanto ainda falando da situação 2, podemos propor uma Lei para Fulana visto que sempre que possível ela age de forma a gastar a menor quantidade de dinheiro possível. Já as teorias são conceitos explanatórios que buscam estabelecer relações de causa-efeito, que podemos usar junto as nossas percepções para adquirir entendimento (conhecimento) acerca de determinados fatos. De tal forma, teorias são espacial e temporalmente irrestritas, inclusive permitindo graus de inferências. Portanto, Leis e Teorias não são as mesmas coisas e muito menos possuem funções parecidas, enquanto leis buscam descrever padrões as teorias buscam explicações para tais. Por exemplo, podemos propor a lei “quando a água entra em contato com objetos eles se molham”, na situação 1 essa lei faz parte do nosso conhecimento prévio e é uma evidência a ser usada para propor uma hipótese explanatória. Além disso, temos a teoria de que certos eventos meteorológicos possibilitam a precipitação de água dos céus (i.e., chuva). Sendo assim, unindo esses conhecimentos prévios de que a calçada esta molhada (situação 1), de que para estar molhado o objeto entrou em contato com água (lei) e que a água pode ter vindo do céu (teoria), podemos propor a hipótese de que em determinada hora choveu na região da calçada X. Uma conclusão bastante importante é que nesse contexto de definições uma hipótese nasce como uma hipótese e morrerá como uma hipótese, assim como as teorias nascem e morrem como tal, sendo, portanto, impossível que uma hipótese se torne uma teoria (discutirei mais sobre isso em uma postagem futura).
Bom pessoal era isso! Espero que tenham gostado do texto e que achem tal tipo de postagem interessante e pertinente ao blog. Sempre que possível darei continuidade a essa série! Obrigado a todos.
 
Referências:
Fetzer, J. H. & Almeder, R. F. 1993. Glossary of Epistemology/ Philosophy of Science
Fitzhugh, K. 2006. The abduction of phylogenetic hypotheses. Zootaxa, 1145: 1-110.
Fitzhugh, 2008. Fact, theory, test and evolution. Zoologica Scripta, 37, 109–113.
Mahner, M. & Bunge, M. (1997). Foundations of Biophilosophy. New York: Springer-Verlag.
Williamson, T. 2000. Knowledge and its limits.
 
Sites recomendados para consultas de termos filosóficos:
Stanford Encyclopedia of Philosophy = http://plato.stanford.edu/entries/lawphil-nature/
Internet Encyclopedia of Philosphy = http://www.iep.utm.edu/

Tetrapodophis amplectus e a história sem fim da “cobra” de quatro patas: uma perspectiva interna.

Em 2015, um fóssil proveniente do Brasil veio à tona com uma publicação feita por Martill e colaboradores. A repercussão dessa publicação foi imensa por vários motivos, como por exemplo, o fato de se tratar de um espécime muito bem preservado de uma suposta cobra de quatro patas. No entanto, nem tudo foram flores, críticas acerca da procedência duvidosa do material e até mesmo da sua designação como uma serpente foram levantadas. Para sabermos um pouco mais sobre o assunto e a importância das discussões levantadas convidamos o Doutorando Tiago Rodrigues Simões, especialista no estudo da origem e evolução de Squamata (lagartos e cobras), para escrever o esclarecedor texto abaixo.

Obs: Agradeço ao colega João Francisco Botelho pela sugestão do tema, que me motivou a convidar o Tiago para redigir tal texto.

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 (TEXTO POR TIAGO SIMÕES)   

Tetrapodophis amplectus e a história sem fim da “cobra” de quatro patas: uma perspectiva interna

Fósseis espetaculares costumam chamar a atenção da comunidade científica e da mídia ao redor do mundo. Em parte pelo fascínio que a paleontologia como um todo (especialmente através dos dinossauros) causa em muitos, em parte pelas novas perspectivas que certos fósseis fornecem acerca da evolução dos seres vivos. Dentro desse último aspecto encontra-se um réptil fóssil denominado Tetrapodophis amplectus (Figura 1), da Formação Crato da Bacia do Araripe, que viveu a cerca de 115 milhões de anos atrás. A espécie, originalmente publicada como uma cobra de quatro patas (Martill, Tischlinger & Longrich, 2015) criou grande comoção na comunidade científica internacional no ano de 2015. Contudo, logo após a sua publicação, o estudo foi alvo de uma série de controversas envolvendo tanto a procedência do material, quanto a ciência por trás da descoberta. No relato abaixo, eu forneço um relato e as minhas perspectivas sobre o assunto do ponto de vista de um brasileiro, especialista em lagartos fósseis e diretamente envolvido na nova pesquisa sobre a Tetrapodophis.

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Figura 1: Espécime (holótipo) de Tetrapodophis amplectus. Créditos: Michael W. Caldwell

Problemas na caracterização anatômica e classificação

A posição ocupada pela Tetrapodophis na evolução do grupo que compreende as cobras e lagartos (Squamata, ou escamados) é sem dúvida o aspecto mais problemático na interpretação científica do fóssil. No último encontro da Society of Vertebrate Paleontology (SVP) em Salt Lake City, nos EUA, um time de colaboradores liderados por Michael Caldwell (University of Alberta, Canadá), e que também inclui Robert Reisz (University of Toronto, Canadá), Randall Nydam (Midwestern University, EUA), Alessandro Palci (Flinders University, Austrália), além de mim (afiliação abaixo), apresentou uma série de dados novos sobre a Tetrapodophis. Em resumo, aspectos da morfologia dentária (Figura 2), craniana e das vértebras indicam que o indivíduo se parece mais com um grupo extinto de lagartos aquáticos denominados dolicossaurídeos (proximamente relacionados aos mosassauros) do que com qualquer cobra vivente ou fóssil conhecida. Um dos aspectos mais relevantes dos novos dados obtidos é que a informação anatômica presente na descrição original do espécime ou está errada, ou é impossível de ser visualizada. Além disso, partes do material preservam impressões da morfologia do crânio (Figura 3) que foram simplesmente ignoradas no estudo original. É de se espantar que tal informação não tenha sido incluída no estudo original, já que tais impressões em baixo relevo do crânio fornecem informações valiosas sobre alguns ossos que são importantes para a classificação dessa espécie dentre os escamados (Squamata).

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Figura 2: Imagem dos dentes presentes no holótipo de Tetrapodophis amplectus . a) material original; b) representação esquemática, enumerando os dentes. Créditos: Michael W. Caldwell

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Figura 3: Imagens do crânio de Tetrapodophis amplectus . Principais ossos preservados, bem como as impressões de ossos completa ou parcialmente destruidos. Créditos: Michael W. Caldwell

O leitor pode se perguntar como que erros em tamanho volume podem ter sido cometidos em um estudo publicado num periódico de tamanho escalão como a Science? Pois bem, você não é o único. Diversos outros especialistas em escamados presentes na reunião anual da SVP ficaram igualmente espantados sobre a falta de cuidado na correta interpretação anatômica da Tetrapodophis. Alguns já desconfiavam de diversos erros ao comparar as fotos publicadas com a descrição escrita do material no artigo original, mas somente agora com os novos dados fornecidos pelo nosso time de colaboradores puderam confirmar tais suspeitas (veja relato do Dr. Jason Head, Cambridge University: http://news.nationalgeographic.com/2016/11/snakes-tetrapodophis-fossils-ethics-science/).

Uma outra pergunta que aqueles que não são especialistas em cobras e lagartos podem fazer (e extremamente relevante nessa discussão) é: como um animal alongado e de patas curtas não é uma cobra? O que ocorre é que diversas linhagens de lagartos adquiriram um corpo alongado seguido de redução dos membros durante a sua história evolutiva, incluindo as cobras, dolicossaurídeos, anfisbênias, dibamídeos, pigopodídeos, diversas grupos de anguídeos, scincídeos, entre outros. Dessa forma, a redução de membros e presença de um corpo alongado estão longe de ser um aspecto exclusivamente observado nas cobras. Para se reconhecer uma cobra como tal, deve-se analisar a morfologia das vértebras e, em especial, do crânio. Sendo assim, a combinação de dados que foram mal-interpretados ou ignorados certamente influenciou os resultados apresentados por Martill e co-autores, inclusive a análise filogenética realizada pelos mesmos.

Problemas na interpretação do hábito de vida

A interpretação inicial do fóssil como um animal fossorial foi um dos pontos que mais me chamou a atenção na descrição por parte de Martill e colaboradores. O indivíduo possui os ossos do pulso e do tornozelo pouco ou não ossificados. Apesar de essa característica poder ser indicativa de um estágio juvenil em répteis, especialmente no estágio embrionário ou recém-nascido, nenhum outro aspecto da morfologia do animal indica um estágio de desenvolvimento tão jovem. Uma outra hipótese, no entanto, explica de forma mais parcimoniosa esse baixo grau de ossificação: um hábito de vida aquático, conforme observado em inúmeras linhagens de répteis que adquiriram um hábito aquático em sua história evolutiva (ex: mosassauros, plesiossauros, talatossauros, entre outros). Além disso, a baixa ossificação dos ossos do pulso e tornozelo tornariam as patas da Tetrapodophis pouco úteis para atividades como escavar ou escalar. Outros argumentos também foram utilizados em um estudo mais recente para demonstrar empiricamente que a Tetrapodophis não possui o leque de adaptações que normalmente se observa em lagartos ou cobras fossoriais (Lee et al., 2016).

Problemas legais e éticos

O outro aspecto controverso sobre a Tetrapodophis, e que concerne de forma mais direta a paleontologia brasileira, é como esse material foi parar em uma coleção particular na Alemanha. A legislação brasileira proíbe, desde 1942, a venda de fósseis ou a sua retirada do país sem permissão legal. No entanto, toneladas de fósseis deixam o Brasil ilegalmente para serem vendidos no exterior, especialmente aqueles da bacia do Araripe (região de procedência da Tetrapodophis)—para mais detalhes sobre a legislação brasileira sobre os fósseis e o problema do contrabando de fósseis, veja Simões and Caldwell (2015). Os autores do trabalho relataram não saber sobre a exata época em que o fóssil saiu do Brasil (http://www.sciencemag.org/news/2015/07/four-legged-snake-fossil-stuns-scientists-and-ignites-controversy). Na realidade, depoimentos por parte do autor principal (Martill) sobre a saída do material do Brasil demonstram o quão preocupado com as normas éticas e legais o autor parecia estar no momento de sua publicação “pessoalmente, eu não dou a mínima para como e quando o fóssil saiu do Brasil” [tradução livre] (veja o relato de Martill no link anterior). Contudo, o fato do fóssil pertencer a uma coleção particular e devido ao longo histórico de tráfico de fósseis da região do Araripe criam uma situação muito suspeita acerca da procedência do material e as circunstâncias da sua saída do país. Isso levou a abertura de um processo criminal para se investigar a saída desse fóssil do Brasil (http://www.nature.com/news/four-legged-snake-fossil-sparks-legal-investigation-1.18116).

Um dos grandes problemas envolvendo coleções particulares e venda de fósseis é a perda de conhecimento sobre a biodiversidade pretérita devido a exemplares que terminam em gavetas de indivíduos particulares, ao invés de serem estudados por especialistas em museus e universidades. No caso da Tetrapodophis, o exemplar havia sido depositado em um museu na região de Solnhofen à época da publicação. Contudo, o material pertence a um colecionador particular e o dono detém os direitos de retirar o espécime do museu quando bem entender. Em algum momento entre o fim de 2015 e início de 2016, soubemos da notícia que o dono do material havia retirado o espécime do museu em Solnhofen e que, portanto, o holótipo e único espécime conhecido de Tetrapodophis não estava mais disponível para estudo. As observações do espécime feitas por Martill e co-autores, seguidas das realizadas por Caldwell e Reisz em uma visita ao museu logo após a publicação da espécie, poderão permanecer como as únicas existentes acerca desse material, talvez por muitos anos a frente. Nesse contexto, e ao meu entendimento, fica clara a resposta a pergunta: quem ganha com materiais científicos depositados em coleções particulares? Certamente, não é a ciência.

Referências para os artigos citados acima:

Lee MSY, Palci A, Jones MEH, Caldwell MW, Holmes JD, Reisz RR. 2016. Aquatic adaptations in the four limbs of the snake-like reptile Tetrapodophis from the Lower Cretaceous of Brazil. Cretaceous Research 66: 194-199.

Martill DM, Tischlinger H, Longrich NR. 2015. A four-legged snake from the Early Cretaceous of Gondwana. Science 349: 416-419.

Simões TR, Caldwell MW. 2015. Fósseis e legislação: breve comparação entre Brasil e Canadá. Ciência e Cultura 67: 50-53.

Dados sobre o autor:

12645264_10207058817362317_831737693683863186_nTiago Rodrigues Simões possui graduação e mestrado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e atualmente está concluindo o doutorado na University of Alberta (Edmonton, Canandá). A sua pesquisa consiste no estudo da origem e evolução de Squamata (lagartos e cobras), utilizando dados de espécies fósseis e viventes (https://www.researchgate.net/profile/Tiago_Simes2).