Todos os nomes*…
Poema para Luís de Camões | |
Meu amigo, meu espanto, meu convívio, Quem pudera dizer-te estas grandezas, Que eu não falo do mar, e o céu é nada Se nos olhos me cabe. A terra basta onde o caminho pára, Na figura do corpo está a escala do mundo. Olho cansado as mãos, o meu trabalho, E sei, se tanto um homem sabe, As veredas mais fundas da palavra E do espaço maior que, por trás dela, São as terras da alma. E também sei da luz e da memória, Das correntes do sangue o desafio Por cima da fronteira e da diferença. E a ardência das pedras, a dura combustão Dos corpos percutidos como sílex, E as grutas do pavor, onde as sombras |
De peixes irreais entram as portas Da última razão, que se esconde Sob a névoa confusa do discurso. E depois o silêncio, e a gravidade Das estátuas jazentes, repousando, Não mortas, não geladas, devolvidas À vida inesperada, descoberta, E depois, verticais, as labaredas Ateadas nas frontes como espadas, E os corpos levantados, as mãos presas, E o instante dos olhos que se fundem Na lágrima comum. Assim o caos Devagar se ordenou entre as estrelas. Eram estas as grandezas que dizia |
(José Saramago in ‘Provavelmente Alegria‘) |
E qual designa a perda maior?
José de Sousa Saramago (Azinhaga, Portugal, 16/nov/1922 – Lanzarote, Canárias, 18/jun/2010) escritor português, Nobel de Literatura de 1998 e Prêmio Camões de 1995.
José, do lat. Ioseph < gr. Ιωσηφ ‘Ioseph‘ < heb. יוֹסֵף ‘Yosef’ (“ele acrescentará”). É um nome bíblico por excelência, embora o escritor tenha sido ateu, fiel ao seu materialismo comunista. Esp. José, fr. Joseph, ing. Joseph.
Sousa < Souza. Originalmente topônimos de várias localidades da Península Ibérica. Correspondente ao esp. Sosa. Algumas fontes especulam que teria origem no port. ant. sausa (“pântano salgado”) do lat. salsa, us “salgada,o”.
Saramago (ár. سارماق ‘sarmaq‘ – mas essa denominação em árabe é aplicada para outras plantas, em especial da família das Amaranthaceae [1,2]), rábano-silvestre, nabiço ou cabresto (Raphanus raphanistrum L.), espécie selvagem da qual procedem os rábanos cultivados. Esp. rabanillo, fr. ravenelle, ing. wild radish. Planta amarga a que os interioranos de Portugal se voltavam em tempos de safras magras. O pai de José Saramago chamava-se José de Sousa e – por motivos um tanto discutidos – acrescentou a alcunha de Saramago (algumas fontes dizem que se tratava de um epíteto insultoso; outras, que foi uma autodenominação voluntária). [3]
Em “Pequenas Memórias”, o nobelista descreve o registro de seu nome:
“Que esse Saramago não era um apelido do lado paterno, mas sim a alcunha por que a família era conhecida na aldeia. Que indo o meu pai a declarar no Registo Civil da Golegã o nascimento do seu segundo filho, sucedeu que o funcionário (chamado ele Silvino) estava bêbado (por despeito, disso o acusaria sempre meu pai) e que, sob os efeitos do álcool e sem que ninguém se tivesse apercebido da onomástica fraude, decidiu por conta e risco acrescentar Saramago ao lacônico José de Sousa que o meu pai pretendia que eu fosse.” [Nota: em Portugal, “apelido” tem o significado de “sobrenome”; no Brasil, é o mesmo que “alcunha”.]
E ele acrescentou o sal na amargura da vida.
Referências
[1] R.A. Blackelock. 1950. The Rustam Herbarium, ‘Iraq. Part IV.
[2] J. Aquilina. 1973. Maltese Plant Names.
[3] José Saramago. Autobiography.
*Todos os nomes, nome do romance de José Saramago de 1997.