INTRODUÇÃO
Quando iniciamos a leitura de um livro em português, isto é, no nosso próprio idioma, somos muitas vezes levados a acreditar que aquelas palavras foram concebidas daquela forma pelo autor. Muitos tradutores realizam um trabalho tão bom com as obras originais, que praticamente se apagam durante a nossa leitura, sendo eventualmente esquecidos pelos leitores. Porém, nos estudos literários, há vários campos de pesquisa que se dedicam a desnaturalizar os processos de tradução e a compreender os métodos e as teorias que embasam esse trabalho.
O assunto é vasto, então vamos pegar um gancho em um livro de 1964, Paris é uma festa (que, vejam só, foi publicado originalmente em inglês como A Moveable Feast), de Ernest Hemingway. Em uma conversa ocorrida por volta dos anos 1920, o escritor estadunidense comenta com seu amigo Evan Shipman sobre a leitura que está fazendo de um dos maiores escritores russos de todos os tempos, Fiódor Dostoiévski:
” — Tenho meditado muito sobre Dostoiévski ultimamente – disse eu. – Como é possível alguém escrever tão mal, tão incrivelmente mal, e ainda assim comunicar tanta emoção a quem o lê?
— Não creio que seja culpa da tradutora – respondeu Evan. – Constance Garnett nos dá um Tolstói bem legível.
— É verdade. Tentei ler Guerra e paz não sei quantas vezes, até encontrar uma tradução de Constance.
— Há quem diga que ainda poderia ser melhor – disse Evan – e acredito que sim, embora não conheça russo, para opinar com segurança. Mas nós dois conhecemos muito bem esse negócio de traduções, e não há dúvida de que ela trabalhou direito. É um romance fenomenal, talvez o melhor de todos os romances, penso eu. Tão bom que é possível relê-lo várias vezes.”
(Paris é uma festa. Trad. Ênio Silveira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013).
Quem poderia conhecer a língua russa o bastante para ler um livro de Dostoiévski no original? Sabemos que a grande maioria dos leitores, assim como o próprio Hemingway, precisa recorrer a traduções, o que demonstra a importância que elas têm na circulação de obras literárias escritas em línguas estrangeiras. E se hoje em dia é assim, mesmo na era da globalização e de facilidades como Google Translator, imaginem no começo do século XX. Por isso, o tradutor é um grande mediador entre a obra original e seu leitor. E é graças ao seu trabalho que podemos ter acesso a tantos livros.
QUANTAS LÍNGUAS UM TRADUTOR PRECISA FALAR?
O trabalho de um tradutor não é nada fácil. Além de ler e reler, na língua original, a obra que será traduzida, ele ainda precisa ter total domínio da segunda língua para conseguir escrevê-la nesse outro idioma. Ou seja, ele precisa conhecer muito bem, no mínimo, duas línguas. Porém, há muitos que não param por aí, e conseguem traduzir para português, por exemplo, mais de uma língua românica (por exemplo, espanhol, italiano, francês).
É curioso, entretanto, como cada tradutor se identifica com as línguas estrangeiras que irá traduzir e acaba por se reconhecer como tradutor. Existem várias histórias como a da tradutora Constance Garnett, que possibilitou a Hemingway e a muitas outras pessoas que lessem os autores russos em inglês. Ela foi uma das principais responsáveis pela difusão mundial das obras russas do século XIX, mas ela não falava russo até começar a traduzir as primeiras obras! Foi graças às suas traduções que pôde aprender o novo idioma. Segundo um artigo da revista italiana Studio, Garnett aprendeu o idioma sozinha e traduziu cerca de 70 volumes. Até hoje, continua a ser uma referência para as traduções posteriores.
Ainda há muito que conversar sobre esse assunto… Já parou para pensar em quem traduziu o último livro estrangeiro que você leu? Dê uma olhada nas informações que ficam nas primeiras páginas dos livros, pois muitas vezes o nome do tradutor não aparece na capa. E será que deveria?
Comentem e continuemos a falar sobre tradução em um novo post!
Link para o artigo da Rivista Studio (em italiano): http://www.rivistastudio.com/cose-che-succedono/prima-traduttrice-tolstoj-e-dostoevskij-non-parlava-russo/