Conhecendo uma pesquisa acadêmica em estudos literários, por Nina Borges Amaral

Que tal conhecer alguns dos passos possíveis para a realização de uma pesquisa acadêmica na área dos estudos literários? Nina Borges Amaral, bacharel e mestranda pela Unicamp, nos conta um pouco de sua trajetória: como iniciou sua pesquisa durante a graduação, como chegou ao seu tema de mestrado e os recortes escolhidos para realizar essa pesquisa sobre o escritor  brasileiro Bernardo Élis.

Conhecendo uma pesquisa acadêmica em estudos literários: o exemplo de Bernardo Élis

Nina Borges Amaral

Minha pesquisa acadêmica sobre o escritor goiano Bernardo Élis começou em 2013, no meu último ano de graduação em Estudos Literários[1] pela Unicamp. No curso, dentre as variadas disciplinas que cada estudante tem que fazer para se formar, estão duas obrigatórias finais: as disciplinas chamadas Monografia I e II. Nelas, desenvolve-se uma pesquisa de final de curso, cujos resultados são apresentados para uma banca de professores avaliadores na forma de um trabalho de conclusão de curso.

Diferentemente de alguns dos meus colegas, que encontraram um assunto particular que lhes interessasse e começaram suas respectivas pesquisas durante a graduação[2], passei pelo curso gostando muito de diferentes assuntos (como tradução e poesia francesa, para citar apenas dois exemplos), mas acabei não me aprofundando em nenhum. Entretanto, já quase no fim do curso, tomei conhecimento da existência do acervo Bernardo Élis no Centro de Documentação Alexandre Eulálio (o CEDAE), e foi esse material que despertou meu interesse e que proporcionou meu primeiro contato mais próximo tanto com essa literatura, quanto com a pesquisa na academia.

Naquele momento inicial, parte considerável do meu trabalho foi fazer um levantamento da fortuna crítica[3] sobre o escritor e, ao perceber que muitos críticos literários o classificavam como regionalista (como é também o caso de Guimarães Rosa e Graciliano Ramos, por exemplo), tentar entender quais seriam as implicações de tal afirmação. Na minha monografia, portanto, apresentei uma compilação e análise de textos de crítica sobre a literatura bernardiana, assim como um breve estudo sobre o conceito de regionalismo literário.

Depois de defendida a monografia e concluída a graduação, entrei no mestrado com um projeto de pesquisa ainda sobre Bernardo Élis, já que, muitas vezes, a pesquisa que desenvolvemos na graduação (seja em uma iniciação científica ou mesmo nas disciplinas de monografia ou TCC) acaba levantando novos questionamentos para além de nossos objetivos iniciais.

No mestrado, passei a estudar, de um lado, o papel da identidade regional goiana na literatura bernardiana e, de outro, a relação entre regionalismo e modernismo em sua obra, pois, para muitos críticos, Bernardo Élis é o principal expoente do modernismo em Goiás. Atualmente, estou na reta final da pesquisa de mestrado: a escrita da dissertação – que é o principal requisito para a obtenção do título de mestre. A dissertação nada mais é que um texto final, mais longo e aprofundado, que cada aluno de mestrado deve apresentar para uma banca avaliadora explicando seus procedimentos de pesquisa, discutindo questões importantes relacionadas a seu objeto de estudo e apontando conclusões para os problemas e questionamentos levantados.

E essa reta final é muito importante, pois, tanto na graduação quanto na pós-graduação, só então podemos verificar os resultados materializados de uma ocupação solitária como é a pesquisa acadêmica.

Sugestões de leitura:

Bernardo Élis. Ermos e Gerais. São Paulo: Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, 1944; 2. ed. Goiânia: Ed. Oió, 1959; reedição (org. Luiz Gonzaga Marchezan). São Paulo: Martins Fontes, 2005 (Coleção Contistas e Cronistas do Brasil).

Dossiê Bernardo Élis – Remate de Males: revista do Departamento de Teoria Literária. Disponível em: http://revistas.iel.unicamp.br/index.php/remate/issue/view/220

[1] Para conhecer mais sobre a graduação em Estudos Literários e sobre as disciplinas que formam seu currículo acadêmico, visite http://www.iel.unicamp.br/br/content/estudos-liter%C3%A1rios.

[2] Quando isso acontece, os alunos podem ser orientados de maneira mais ou menos formal, seja por meio da participação em grupos de estudo, de disciplinas voltadas para a pesquisa acadêmica ou do desenvolvimento da chamada Iniciação Científica (http://cnpq.br/iniciacao-cientifica).

[3] Fortuna crítica é o termo usado para se referir a um conjunto de textos feitos por críticos literários para analisar uma produção literária específica. Aqui, os textos que fazem parte da fortuna crítica bernardiana são, portanto, textos de diferentes autores que analisam sua obra.

 

Machado de Assis em espanhol, por Juliana Gimenes

Na semana de aniversário de Machado de Assis, vamos falar sobre um dos maiores escritores brasileiros e retomar a questão das traduções literárias. Para essa tarefa, convidei a doutoranda Juliana Gimenes para contar um pouco sobre suas pesquisas. A autora é formada em Linguística e em Letras pela Unicamp. Em sua dissertação de mestrado (“‘Você já reparou nos olhos dela?’ – metáforas do olhar em duas traduções de Dom Casmurro para o espanhol”), concentrou-se na tradução dos famosos “olhos de ressaca” nas duas mais recentes traduções do romance para o espanhol. Agora, no doutorado também pela Unicamp, está estudando a tradução para espanhol das personagens femininas de Machado de Assis.

Machado de Assis em espanhol

Juliana Gimenes

Na semana em que Machado de Assis comemoria seu 178º aniversário, fui convidada a escrever sobre suas traduções para o espanhol. Coincidência? “Há mais cousas no céu e na terra do que sonha a filosofia…”. Sua obra, imortalizada nos romances, nos contos, nos poemas, entre outros gêneros, viajou o mundo todo graças às traduções. Ironicamente, em vida Machado nunca saiu do Brasil, mas sua obra ganhou o mundo em diferentes línguas: são mais de 99 traduções, segundo o Index Translation, banco de dados da UNESCO.

Machado de Assis aos 25 anos

E a história dessas traduções vale a pena contar. Quando escrevia seus textos, Machado os enviava a seu editor F. H. Garnier, na França. Só depois de impressos, seus livros eram trazidos de volta ao Brasil. Em cartas com o editor, o escritor brasileiro teria pedido autorização para que, em 1899, um de seus textos fosse traduzido para o alemão, mas Garnier não autorizou. Em 1901, houve novamente outra tentativa de tradução, desta vez para o francês, do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas. Mais uma vez, porém, o pedido foi negado. Na visão de Machado, as traduções poderiam ser uma porta de entrada para um mundo tão diferente do seu. Na visão do editor, porém, havia a ideia de que os admiradores preferem ler as obras na língua materna do escritor.

Sabemos que não é bem assim. Faça um teste rápido: veja quantos dos seus livros são traduzidos e quantos não. Quanta coisa boa você não teria perdido se não fossem as traduções para o português?

Infelizmente, durante sua vida, Machado de Assis teve acesso a apenas duas traduções de dois de seus romances, ambas para o espanhol: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1902, do tradutor uruguaio Julio Piquet) e Esaú e Jacó (1905, tradução argentina). O caso de Esaú e Jacó é bem peculiar: o jornal argentino La Nación distribuiu a tradução do romance brasileiro como brinde a seus leitores. A tradução, no entanto, não trazia o nome do tradutor.

Durante o período em que Garnier foi editor de Machado, mesmo depois da morte do autor, houve um baixo interesse por traduções. Na década de 1940, porém, ocorre a venda dos direitos autorais para o editor argentino W. M. Jackson, e com isso Buenos Aires dá novos ares às traduções machadianas.

Embora as traduções não tenham ocorrido de um modo sistemático e constante, timidamente elas foram ocupando espaço no mercado editorial latino americano. Enquanto dois dos romances, Ressurreição e Iaiá Garcia, não foram traduzidos para o espanhol, alguns contos, como O Alienista, Missa do Galo, A causa secreta, A cartomante, tornaram-se clássicos em língua espanhola e têm várias traduções. Além disso, não há uma sistematicidade de tradutores, ou seja, muitos tradutores traduziram um ou, no máximo, dois textos de Machado. E outro dado que não pode ser deixado de lado é o fato de o governo brasileiro, em muitos casos, financiar a tradução para a língua espanhola, visando promover um intercâmbio cultural.

Capa da tradução mais recente de Dom Casmurro para espanhol, de 2008

Sobre esse assunto, dois estudiosos são fundamentais para entender um pouco mais sobre as traduções machadianas: Pablo Soto e Carlos Domínguez. Para Soto, a avaliação que se pode fazer do número de traduções é positiva, pois demonstra o interesse contínuo do mundo hispânico por nosso escritor. Domínguez, por sua vez, traz um contraponto importante: talvez Machado de Assis seja muito lido em espanhol, mas apenas por especialistas e em ambientes acadêmicos.

Considerarmos que essa baixa circulação de textos de Machado de Assis em língua espanhola é, sem dúvida, uma grande ironia para o mestre da ironia, que sempre quis ser popular e adorava ser lido.

Dicas de leitura:

“Traducciones de Machado de Assis al Español”, de Pablo Cardellino Soto (GUERINI, A. et al. (Orgs.). Machado de Assis: tradutor e traduzido. Florianópolis: Ed. Copiart, 2012, p. 129-159).

“Andanzas póstumas: Machado de Assis en español”, de Carlos Espinosa Domínguez (Caracol, n°1, p. 64-85, 2010. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/caracol/article/view/57638>)

Vou ali fazer um sanduíche e já volto…, por Danielle Lima

É comum encontrarmos estudantes de pós-graduação, dos estudos literários ou das demais áreas, que já viveram ou têm planos de viver algum tipo de experiência de pesquisa no exterior, ou seja, o famoso doutorado sanduíche. O texto de hoje é uma contribuição da mestra e doutoranda pela Unicamp Danielle Lima, falando sobre sua experiência como pesquisadora no exterior. A autora explica ainda as motivações e os ganhos de um doutorado sanduíche. Em uma época em que a pesquisa científica do nosso país anda  agonizante, vale a pena conhecer um pouco mais sobre a importância dessa experiência!

Vou ali fazer um sanduíche e já volto…
Danielle Lima

Você pode estar se perguntando o que um sanduíche tem a ver com a universidade, se nunca ouviu falar desse termo. É assim que a gente chama o período de estágio que os alunos de pós- graduação – que fazem mestrado e doutorado – fazem no exterior. Pois é, o período de pesquisa em outro país é o recheio desse lanche, digo, desse trabalho que fazemos durante alguns anos na academia. Pode até parecer que eu inventei esse nome, mas é assim que a própria Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que são agências de fomento da ciência no Brasil[1], denominam o estágio de pesquisa doutoral no exterior. Para os alunos de graduação, há também bolsas que permitem a realização de uma graduação-sanduíche, ou ainda o duplo-diploma.

Mas o que é que se faz nesse estágio, afinal? Ao longo de nossa pesquisa, nos deparamos, algumas vezes, com a dificuldade de encontrar fontes, textos ou trabalhos que nos ajudem a construir a nossa tese. E como não há (quase) nada de novo sobre a terra, pode ser que aquilo que precisamos esteja em algum outro canto do planeta. Por isso, os alunos de pós-graduação podem se candidatar a uma bolsa sanduíche no exterior para complementar suas pesquisas.

O processo todo envolve escrever um projeto que, além de explicar sua proposta, justifique a necessidade de ir a outro país buscar novos dados para a escrita de nosso trabalho. Precisamos também encontrar um professor que aceite nos receber nessa universidade no exterior e enviar os demais documentos solicitados, como carta de motivação, currículo etc. Depois disso, é só fazer as malas e se preparar para conhecer outro ambiente de pesquisa e pôr a mão na massa!

Faço parte dos meus estudos, ou seja, meu sanduíche, na França, numa cidade chamada Bordeaux. Aqui há várias universidades e fui aceita para trabalhar como pesquisadora na Université Bordeaux Montaigne. Veja só: aqui na França, o trabalho de pesquisa é considerado um emprego mesmo; então, não necessariamente sou considerada aqui uma estudante. Em outros países, ou a depender da universidade (mesmo na França), os alunos que vêm fazer seu sanduíche podem frequentar a universidade como estudantes e, assim, a depender de suas pesquisas e de seus orientadores no exterior, além de pesquisarem, também podem frequentar aulas.

No meu caso, meu trabalho é ir a bibliotecas (sim, há várias!), recolher material de pesquisa e apresentar relatórios para o professor que acompanha minha pesquisa aqui. Então, uma das bibliotecas que mais frequento é especial para pesquisadores e doutorandos, havendo muita bibliografia interessante para meu trabalho. Ou seja, pesquiso, separo obras, me dedico à leitura e também a me organizar para levar o que for possível para o Brasil.

Ah, mas precisa ir tão longe para isso? Hoje há tantas coisas na internet, não dá para pesquisar assim? Sim, é preciso ir longe!

 

O período sanduíche de uma pesquisa é importante não só para o pesquisador em si, que encontrará materiais variados, em diversas línguas, mas também para a própria universidade de onde vem. Afinal, para além do trabalho braçal de pesquisa, esse estágio permite a troca de ideias, o conhecimento de outra cultura e a divulgação daquilo que fazemos no Brasil. Vejam, eu sou aluna de Letras Clássicas e estudo latim. Trata-se de uma área de pesquisa que ainda pode ser considerada recente e que ganha cada vez mais força em nosso país. Porém, já são estudos tradicionais em diversos países como França, Itália, Alemanha entre outros, que muito produziram e ainda produzem sobre a literatura e cultura clássica – sem contar que alguns deles guardam não só influências da cultura greco-romana em sua arquitetura, mas também ruínas da Antiguidade.

Assim, tendo a oportunidade de vir pesquisar na França, posso conhecer um pouco das inúmeras pesquisas feitas aqui e contar o que faço no Brasil, expandindo as possibilidades de diálogo na pesquisa científica.

Isso vale, é claro, para qualquer área do conhecimento! Por isso as bolsas sanduíche são importantes para a formação acadêmica e para tornar a pesquisa brasileira internacional. Não à toa, além das bolsas oferecidas por instituições nacionais (tanto governamentais, quanto privadas), muitas universidades estrangeiras oferecem financiamento para que brasileiros realizem pesquisas no exterior.

Se você ganhou ânimo para pensar num tema de pesquisa e, quem sabe, fazer parte dela no exterior, você pode procurar informações práticas pelos links abaixo:

Bolsa Sanduíche Capes: http://www.capes.gov.br/bolsas/bolsas-no-exterior

Bolsa Sanduíche CNPq: http://cnpq.br/bolsas-no-exterior1

Outras bolsas: http://noticias.universia.com.br/estudiar-extranjero

[1] Ou seja, agências que são responsáveis por manter e por divulgar a produção científica em nosso país.