Crianças compartilham guloseimas melhor em pequenas turmas e depois dos sete anos

Justiça social se aprende no meio da infância, e aprende-se melhor ainda convivendo em pequenos grupos. Essas são as respectivas conclusões de duas pesquisas independentes com crianças, feitas por psicólogos da Suíça e do Brasil.

Ernst Fehr, da Universidade de Zurique, e seus colaboradores propuseram jogos para 229 crianças de ambos os sexos, entre 3 e 8 anos de idade. Sozinhos com cada uma das crianças, os pesquisadores davam a elas duas opções. Em um dos jogos, por exemplo, as opções eram “dou um doce para você e nenhum para o seu amiguinho [mostrando foto de colega da escola]” ou “dou um pra você e outro pra ele”.

O resultado, divulgado na edição de 28 de agosto da revista “Nature”, foi que, mesmo sempre ganhando um doce, a maioria das crianças entre 3 e 4 anos de idade escolheu a opção egoísta de ficar com doces só para elas.

Por outro lado, a maioria das crianças entre 7 e 8 anos pensou em seus colegas e escolheu a opção altruísta. Mais do que generosidade, a análise dos resultados desse e dos outros jogos verificou que as crianças dessa faixa etária exigem que os doces sejam distribuídos igualmente entre os colegas. A tendência não existe quando a criança na foto não pertence ao seu grupo de colegas.

Essas conclusões podem ser óbvias para pais e educadores.O objetivo da pesquisa, porém, foi verificar o senso comum e explicá-lo.

“Alguns dos comportamentos que apresentamos hoje são resultado da seleção natural no passado”, explica a psicóloga Maria Emília Yamamoto, da Universidade do Rio Grande do Norte. Embora o ambiente e o estilo de vida modernos sejam bem diferentes dos de nossos ancestrais remotos que viviam vagando pelas savanas africanas em pequenos grupos em busca de comida, tendemos a nos comportar como eles.

O egoísmo das crianças pequenas, por exemplo, parece um traço herdado de nossos ancestrais comuns com os chimpanzés. Em experimentos semelhantes, chimpanzés de todas as idades nunca aproveitam a chance de conseguir comida para os membros de seu grupo, mesmo que isso não custe nada para eles.

Já o comportamento das crianças entre 7 e 8 anos de valorizar a distribuição igual de recursos é típico de tribos de caçadores-coletores.

Enquanto no estudo suíço os pesquisadores fizeram o possível para isolar as crianças, para que não tomassem decisões de maneira “interesseira”, pensando no que ganhariam depois daqueles a quem ofereciam doces, o estudo brasileiro, feito por Yamamoto e Anuska Alencar com 232 crianças de escolas públicas da cidade de Natal, capital potiguar, avaliou justamente o efeito do grupo na decisão delas.

No início, cada membro de uma turma de 6 a 24 crianças recebia três chocolates. Depois, cada um depositava quantos chocolates quisesse em uma urna, atrás de um biombo. “Depois que todas as crianças passavam pelo biombo, nós abríamos a urna na frente delas, contávamos os chocolates doados e, para cada chocolate doado, acrescentávamos mais dois”, explica Yamamoto. O total era dividido entre o grupo. Assim, todas as crianças recebiam sua parte do “fundo público” de chocolates, que era tanto maior quanto mais crianças doassem mais de seus “bens privados”. “A melhor situação para a criança era não doar nada, enquanto todos os outros fossem generosos. Era esse tipo de coisa que o grupo tentava controlar”, explica Yamamoto.

A análise estatística do comportamento das crianças, feita pelo economista José Siqueira, da Universidade de São Paulo, confirmou o que as psicólogas perceberam observando as crianças. A conclusão do estudo, publicada em janeiro na revista “Evolution and Human Behavior”, foi que, quanto menor o grupo, mais as crianças cooperavam entre si.

“Nos grupos menores, as crianças têm mais controle umas sobre as outras”, explica Yamamoto. “Nos grupos maiores, pelo contrário, a tendência é de tirar proveito do fato de não ter uma supervisão dos outros. Esse padrão não é diferente do observado em adultos.”

Alencar entrevistou as crianças após o experimento. Uma delas, que não podia comer chocolate, jogava para levar para a irmã. “Por outro lado, havia crianças que diziam para as outras que todos precisavam doar seus chocolates, enquanto ela mesma nunca doava”, conta Yamamoto. “Tanto o trabalho de Fehr quanto o meu mostram que, embora a gente tenha predisposições biológicas, elas são extremamente plásticas e podem ser moduladas pelo meio.”

* * *

Esta reportagem minha saiu no carderno Mais! da Folha de S. Paulo de 31 de agosto. Fiquei sabendo do trabalho da Universidade do Rio Grande do Norte por um post do blog Marco Evolutivo.

Interessante que os resultados dos experimentos podem servir de argumento para a discutir se o comunismo é uma “doença infantil”. Parece que é , mas só depois dos sete anos de idade…

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