Fantásticas fotos e gravuras de Trouvelot
Descobri a figura curiosa do astrônomo e artista Étienne Trouvelot (1827-1895) por um post da Rebecca Rosen, no site da The Atlantic. A biblioteca pública de Nova York digitalizou recentemente os desenhos que Trouvelot fez para um atlas astronômico publicado em 1882. Um imigrante francês nos EUA, Touvelot se juntou a equipe do Observatório de Harvard nos anos 1870. Na galeria online encontramos belos desenhos em pastel dos planetas, da aurora boreal, manchas e tempestades solares, chuvas de meteoros, uma nebulosa, um aglomerado estelar, a Via Láctea e o grande cometa de 1881.
Claro, quem já viu as inúmeras fotos desses mesmos fenômenos astronômicos disponíveis hoje percebe que Trouvelot deixou sua imaginação realçar e acrescentar certos detalhes. Isso me faz pensar em como as representações artísticas geradas por computador que costumam acompanhar as notícias espaciais de hoje vão parecer aos olhos das pessoas do futuro…
Além de desenhar, Trouvelot criou na mesma época uma série de fotografias de faíscas elétricas geradas por bobinas de indução ou de Ruhmkorff (veja uma em ação aqui).
Infelizmente, Trouvelot, também um entomólogo amador, entrou para história como o infeliz que trouxe uma praga para a América do Norte, a mariposa-cigana.
“Cana-de-açucar vai resfriar clima do Brasil” – Ou da frigideira para o fogo
“Plantar cana-de-açucar pode ajudar a esfriar o Brasil”. Levei um susto ontem quando li esse título infeliz no site da New Scientist, noticiando um estudo, cujo o próprio título não tem nada de senscionalista, que, informa o site G1, concluiu que
“quando a vegetação original foi substituída por plantações e pastagens, a temperatura subiu em média 1,55 °C. Contudo, quando estes foram substituídos pela cana-de-açúcar, a temperatura caiu em 0,93°C, em média. As medições foram feitas na Região Centro-Oeste do Brasil, onde a vegetação nativa predominante é o cerrado.“LINK
Notem que a cana dimunui a temperatura em relação a outras plantações e pastagens, mas não em relação ao bom e velho cerrado, como ressalta a matéria na edição de hoje da Folha:
“Tudo isso não significa, porém, que se deva sair por aí derrubando árvores e florestas e colocando um monte de cana-de-açúcar no lugar. Os autores da pesquisa, publicada na última edição da revista “Nature Climate Change”, alertam que a cana não substitui a boa e velha mata nativa.” LINK.
O próprio texto da New Scientist alerta, mas só no finalzinho:
“Timothy Searchinger da Universidade de Princeton diz que [a expansão da cana e a consequente expansão das demais culturas] pode levar ao corte de mais cerrado para plantar comida, de modo que as temperaturas locais subiriam, e não cairiam.”
Enfim, só enfatizando que essas culturas precisam ser planejadas para manter uma boa porção de cerrado em pé, se não quisermos viver em um inferno onde até uma plantação de cana é relativamente fresquinha.
Quatro cuidados que fazem um bom jornal
A edição 690 de Jornalistas&Cia., um boletim impresso
distribuído entre profissionais da imprensa, informa que a “Folha dá mais um passo na direção de novo
conceito de jornal”. O boletim cita um comunicado escrito pelos
principais dirigentes da redação do jornal, Otavio Frias Filho e Eleonora de
Lucena, que propõe quatro novas diretrizes aos seus jornalistas.
Sinceramente, não consigo ver nada de originalnessas “novas” diretrizes. Contudo, elas resumem tão bem as regras de ouro de um bom jornal que não resisti em publicá-las aqui [texto entre colchetes são observações minhas]:
1. Organizar a pauta [gíria dos jornalistas que
significa “assuntos/fatos/histórias sobre os quais vamos escrever”],
selecionando mais os assuntos e priorizando as abordagens exclusivas dos fatos de relevo. Buscar o furo
como prioridade máxima. Ter um planejamento de médio e longo prazo
para o desenvolvimento de pautas mais abrangentes.
2. Na produção, cuidar para ampliar o número de fontes,
buscar o contraditório e sempre entender o contexto e os interesses que cercam
a notícia. Não hesitar em pautar histórias que revigorem o prazer da leitura.
3. Na elaboração dos textos, trabalhar com concisão e
didatismo. Observar a necessidade de a redação ter: a) frases e parágrafos
curtos (máximo de 10 linhas justificadas); b) uso de aspas apenas quando houver
relevância ou quando a declaração for curiosa; c) emprego de números e cifras com
mais critério, lembrando sempre de relacionar a parte e o todo; d) preocupação
com as nuances, os matizes de argumentos e fatos, fazendo relatos com
fidelidade, sem tentar enquadrá-los em categorias preconcebidas; e) a memória
do caso e suas inter-relações; f) narração clara e fácil, evitando jargões; e
g) conexão com a vida prática dos leitores.
4. Na edição, ter a preocupação de oferecer um produto
mais compacto e integrado, sem reduzir espaço reservado a artes e fotos. É
necessário reforçar a hierarquia nas páginas. Ajuste gráfico em curso auxiliará
nessa tarefa. É preciso dar visibilidade ao “outro lado” e usar com mais
frequência recursos como: a) “análise”; b) “perguntas e respostas” / “para
entender o caso”; c) “quem ganha e quem perde”; d) “saiba mais”; e e) “e eu com
isso?”.
No item 2, eu acrescentaria “buscar ir além de meras opiniões, verificando as evidências científicas que existem sobre os fatos”.
Censura no Stoa – Mais um sintoma de “fachadismo”
Menos virulenta que a gripe suína, porém mais perigosa a longo prazo, uma doença crônica e altamente adaptada ao seu hospedeiro causou sintomas agudos na USP, nesta semana. A reitoria da USP censurou a rede social da comunidade da instituição. O motivo foi obviamente injusto (leia mais aqui, por exemplo).
Trata-se de um sintoma do “fachadismo”, uma doença que João Barata, professor do Instuto de Física da USP, define muito bem:
“uma atrofia moral, abundantemente observada no seio da USP, que se manifesta na tentativa de preservar a todo custo a imagem externa da instituição como a de a mais importante universidade do país, livre de vícios e máculas. Segundo essa prática, todos os escândalos e todos os desvios de conduta devem ser internamente abafados e ocultados para que a sociedade externa não altere sua visão da universidade como sendo a de uma vestal erudita e serena, impoluta e estática.” LINK
O único tratamento eficaz contra o fachadismo, escreve Barata, “a única postura realmente eficaz em preservar a dignidade de uma instituição, qualquer instituição, é a oposta: a da transparência isenta e austera nos julgamentos e procedimentos corretivos.”
Infelizmente, o fachadismo não é exclusividade da USP. Felizmente, a cura também não é. Está amplamente disponível e é só questão de aplicar.
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DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSE: Everton Alvarenga é meu amigo e ex-colega do IFUSP, onde me graduei bacharel em física. Barata foi o melhor professor que tive durante a graduação.
Newton descobrindo a lei da gravitação, por Vladimir Kush
Em um dia do ano de 1666, Newton tinha ido ao campo e, ao observar a queda de uma maçã, segundo o que a sua sobrinha me contou, deixou-se cair em profunda meditação a respeito da causa do que atrai todo objeto ao longo de uma linha cuja extensão atravessaria praticamente o centro da Terra. – Voltaire, em Elementos da Filosofia de Newton (1738) [citado em Gravitation (1973)]
Essa pintura surrealista é do mágico Vladimir Kush. Procurem obras dele na web e vocês vão achar maravilhas tais como:
Matemática aplicada vai salvar a África
Semanas atrás, perdi a oportunidade de participar da blogagem coletiva sobre a África, promovida pelo Lablogatórios. Vale a pena conferir os posts sobre esse continente ao mesmo tempo tão vital e esquecido. Os links você encontra no blog Raio-X, aqui, aqui e aqui.
Para me redimir, chamo atenção a um projeto que pode muito bem fazer com que “o próximo Einstein” seja um africano. Esse, aliás, é o slogan do projeto, encabeçado pelo físico sul-africano Neil Turok, um dos três ganhadores do prêmio TED de 2008, que reconhece pioneiros das artes e ciências.
Turok conta em seu discurso de premiação do TED que, aos 17 anos, quando era professor voluntário em Lesoto, percebeu pela primeira vez como muitas crianças inteligentes, com talento para matemática e ciências, acabariam na melhor das chances trabalhando como operários nas minas de diamante do país.
Utilizando seus contatos de físico teórico conceituado e professor na Universidade de Cambridge–que incluem o famoso Stephen Hawking–, Turok arrecadou dinheiro e voluntários para criar o Instituto Africano de Ciências Matemáticas (AIMS, em inglês).
Todo ano desde 2003, uma turma de estudantes de graduação e pós-graduação africanos é selecionada para um curso intensivo de 9 meses no prédio do instituto–um antigo hotel de luxo de 18 quartos, em Muizenberg, próximo a Cidade do Cabo, África do Sul. Os estudantes moram ali, junto com os professores visitantes de universidades sul africanas, norte-americanas e européias. As aulas e a convivência com os professores fora delas preparam os estudantes para serem aceitos nas melhores universidades do mundo. Vejam os depoimentos de alunos e ex-alunos na página do projeto no YouTube.
Nos próximos 5 anos, Turok espera criar 15 institutos como esse espalhados pelo continente (um deles já foi inaugurado, em Abuja, Nigéria) formando uma rede colaborativa, a AMI-Net. Dá para acompanhar o progresso do projeto neste blog e na página NextEinstein.
Conferindo as fotos dos estudantes do AIMS, o que me espanta é a diversidade de etnias convivendo em uma turma. Me faz lembrar que em colaborações científicas internacionais como o LHC, físicos indianos e pasquitaneses, árabes e israelenses trabalham lado a lado. A colaboração científica internacional vai trazer paz ao mundo. Nada me convence do contrário.
Brinquedos científicos divertem crianças e adultos
Tim Rowett coleciona artefatos que fazem você dizer “uau!” e depois se perguntar “como é possível?”. Em sua coluna na edição de janeiro da Physics World, Robert Crease descreve os brinquedos da coleção de Rowett:
Cada um deles tem uma ordem oculta que, embora familiar, se revela de maneira inesperada e aparentemente mágica. Seu brinquedos nos permitem apreciar a ordem bem como a mágica. LINK
Rowett vende esses brinquedos em sua loja online Grand Illusions. A maioria garante no mínimo uma diversão momentânea. Um deles, porém, chega a ser assustador, porque demonstra como nosso cérebro constrói a realidade a partir de nossos sentidos. Trata-se da “face vazia”, nada mais do que o lado interior de uma máscara em revelo. Veja Rowett demonstrando a ilusão neste vídeo:
Rowett explica a Crease que as crianças não precisam de alta tecnologia, elas querem coisas que possam tocar. Os adultos também.
Tenho em casa um brinquedo científico, “um pião magnético”, um simples tetraedro formado por quatro bolinhas de metal, ligadas entre si por seis pequenos cilindros imantados, que ganhei de brinde em uma visita à tenda do Nanoaventura, no Museu Exploratório de Ciências da Unicamp. Se estou aborrecido, sou capaz de passar meia hora brincando com ele, girando o pião e experimentando montar as bolinhas e os imãs de maneiras diferentes.
Está ai uma vantagem dos brinquedos científicos sobre os demais: eles fascinam tanto as crianças quanto os adultos. Pais e filhos podem brincar juntos sem aborrecer um ao outro.
Sem explorar, experimentar, desmontar e montar, o cérebro das crianças não se desenvolve e o dos adultos atrofia. Contra isso, esqueça a televisão e o computador. Passar o dia inteiro assistindo os DVDs do Baby Einstein não funciona, nem os videogames para exercitar a mente na terceira idade.
Ironicamente, parece que o vício de lamber tela pode ser combatido por ele próprio, garante o guru geek Mark Frauenfelder em um ensaio recente. Ele afirma que, graças à internet e a um punhado de entusiastas, estamos vivendo uma renascença do fascínio por experimentos científicos caseiros.
Um exagero, claro, mas que dá o que pensar.
Quando a diversão das demonstrações científicas escapará do círculo das peregrinações escolares ao Show da Física da USP ou ao Show de Física da Unesp? Voltarão essas demonstrações a serem ocasiões de prestígio social como eram as concorridíssimas aulas de ciência de Natal de Michael Faraday na Londres vitoriana? Ou, sendo ainda mais radical, será que participar com um projeto em uma “feira de ciências” vai deixar de ser um rito de passagem para se tornar um hábito para o resto da vida?
Malcom Gladwell – um escritor cheio de idéias sobre idéias
Grandes idéias são raras? Quem cria essas idéias? Só os gênios, os jovens, os privilegiados? Têm certeza de que você sabe a resposta para essas perguntas?
Malcom Gladwell dedica artigos imensos e livros inteiros a essas questões e sobre como ganhar dinheiro com suas respostas. Grande idéia.
Em uma entrevista ao site Goodreads por ocasião do lançamento de seu novo livro, Gladwell fala de suas idéias sobre
Onde encontrar idéias:
The one thing I learned from all my years at The Washington Post is how social reporting is. It is really about talking to people, having people tell you things. That will always be the most efficient and useful way of finding out new and interesting things. You have to expose yourself to as many interesting people as you can. There’s no shortcut for that kind of process.
Se ser bem sucedido em algo depende de começar a fazer esse algo cedo na vida:
(…)you will only reach a level of mastery if you are willing to devote essentially 10 years to a particular discipline. There’s nothing special about when you devote those 10 years. Those 10 years can be between the ages of 40 and 50, or 60 and 70. It just so happens that many of us who achieve great things put in those 10 years early in life, but there’s nothing special about youth. Youth is not necessary for the process; what’s necessary is time and honest effort, which is heartening.
Escrever claramente:
There’s no idea that can’t be explained to a thoughtful 14-year-old. If the thoughtful 14-year-old doesn’t get it, it is your fault, not the 14-year-old’s. I think that’s a very important fact. LINK