Observações desafiam teoria sobre raios cósmicos

Raios cósmicos são núcleos atômicos, principalmente  hidrogênio e hélio, que chegam à Terra vindos de todas as direções do espaço com velocidades incríveis. A teoria mais aceita para a origem da maioria deles diz que são lançados ao espaço pela explosão de supernovas em nossa galáxia.

A ideia é que as ondas de choque da explosão lançam nuvens de gás eletricamente carregadas que, por sua vez, geram campos magnéticos que arremessam núcleos atômicos carregados ao espaço. Desviados e acelerados ainda mais pelo campo magnético da própria Via Láctea, alguns deles chegam à Terra.     

Parece, porém, que essa não é toda a história, de acordo com um novo estudo publicado na revista Science em 3 de março, baseado em três anos de observações de raios cósmicos feitas pelos instrumentos da missão PAMELA, em órbita da Terra.

Conforme a teoria vigente, por serem acelerados pelo mesmo mecanismo, a abundância dos núcleos de hidrogênio e hélio com relação a sua energia deveria seguir um mesmo padrão conhecido por “lei de potência”. Mas contrariando a previsão, os dados do PAMELA sugerem que tanto o hidrogênio quanto o hélio foram acelerados por mecanismos diferentes.

Os autores do estudo afirmam que outras fontes de raios cósmicos além das supernovas podem ser importantes e precisam ser buscadas. Outros especialistas ouvidos pelos sites Science News e Physics World, entretanto, acham que é cedo para buscar teorias alternativas, já que a diferença observada entre o hidrogênio e o hélio é pequena e pode, talvez, ser explicada por cálculos mais detalhados, levando em conta, por exemplo, desigualdades dentro de uma mesma onda de choque ou entre ondas de choques de supernovas diferentes.

Cem anos de núcleo atômico e colisões

“Foi de longe o evento mais incrível que jamais aconteceu comigo em minha vida. Foi quase tão incrível quanto se você atirasse um projétil de 40 centímetros contra um pedaço de papel toalha e ele ricocheteasse e acertasse você.” – Ernest Rutherford (1871-1937), citado no livro Big Bang, de Simon Singh.

Assim o físico Ernest Ruhterford descreveu a incrível descoberta do núcleo atômico, anunciada pela primeira vez na Sociedade Filosófica e Literária de Manchester, Reino Unido, em 7 de março de 1911, como ficamos sabendo neste artigo na Ciência Hoje do físico Odilon Tavares, do CBPF, que relata vários detalhes interessantes da história e o espírito da física na época.
  
A descoberta resultou dos experimentos de Rutherford, realizados com seus colegas Hans Geiger e Ernest Marsden, em 1909. Na época, a visão que se tinha do átomo era a de uma esfera pouco densa e uniforme de carga elétrica positiva, incrustada com partículas de carga elétrica negativa (a esfera vermelha da figura abaixo). Para verificar esse modelo, Ruhterford, Geiger e Marsden resolveram lançar um feixe de partículas positivamente carregadas (núcleos de átomo de hélio, na época chamadas de partículas alfa) contra uma placa fina de ouro (figuras do experimento podem ser vistas no artigo da Ciência Hoje). Se o átomo fosse mesmo com se pensava até então, os núcleos de hélio atravessariam a placa de ouro sem sofrer quase nenhum desvio (setas pretas na figura). Mas em vez disso, os físicos observaram que uma vez ou outra, uma partícula alfa era fortemente espalhada, como se tivesse colidido com algo muito duro e ricocheteasse (figura abaixo).

Foi só em 1910 que Rutherford conseguiu entender o que estava acontecendo. Ele foi forçado a concluir que toda a carga elétrica positiva do átomo estava concentrada em seu centro, em uma região 100 mil vezes menor que o próprio átomo. Na maioria de seu volume, o átomo era essencialmente vazio. Foi uma conclusão estarrecedora, que desencadeou uma série de questionamentos que contribuiram ao desenvolvimento da mecânica quântica.


Fonte: Wikipedia
 
E há mais um motivo para se comemorar o experimento de Rutherford, Geiger e Marsden. Como ressaltam
Frederick Dylla, do American Institute of Physics, e Steven Corneliussen, do Jefferson Lab, nesta apresentação em PDF, o método do experimento de colidir partículas e analisar o resultado das colisões é a base de todos os experimentos de física nuclear e de partículas elementares que resultaram em todas as outras descobertas da estrutura da matéria no século XX. Já no século XXI, embora um milhão de vezes mais energéticos que as partículas alfa de Rutherford, os prótons do recém inaugurado LHC, e os elétrons e pósitrons do ainda em projeto ILC, colidem em experimentos cuja essência é basicamente a mesma.

Estrela de neutrons tem superfluido em seu interior

Astrofísicos descobriram uma evidência clara de que no núcleo dos objetos estáveis mais densos do universo, as estrelas de nêutrons, a matéria existe em um dos estados mais bizarros já observados, o da superfluidez.

Formadas durante explosões conhecidas como supernovas, a partir da implosão do núcleo de uma estrela muito massiva, as estrelas de nêutrons concentram a massa de até dois sóis (ou seja, 660 mil vezes a massa da Terra) em uma esfera com uns 20 quilômetros de diâmetro. A matéria em seu interior, principalmente em seu núcleo, é tão espremida que os núcleos dos átomos se desfazem e formam uma sopa quente de neutrons. Uma colher de chá dessa sopa de temperatura de milhões de graus pesa seis bilhões de toneladas.

As estrelas de neutrons foram estudadas teoricamente desde os anos 1930 e, desde 1967, mais de duas mil delas já foram detectadas, conta Nicholas Chamel, da Universidade Livre de Bruxelas, que escreveu um comentário sobre a descoberta no site Physics.
 
Uma delas foi identificada pelo telescópio espacial Chandra de raios X em 1999, a 11 mil anos-luz de distância, no centro do remanescente da supernova Cassiopeia A — uma explosão que teria sido vista na Terra há 330 anos. A imagem abaixo mostra uma composição da Cassiopeia A vista em luz visível e em raios X, com uma ilustração artística de estrela de neutrons inserida, marcando sua localização:

 
Crédito:raios X
: NASA/CXC/UNAM/Ioffe/D.Page,P.Shternin et al; luz visível: NASA/STScI; ilustração: NASA/CXC/M.Weiss

As estrelas de neutrons nascem bem quentes, com temperaturas de milhares de bilhões de graus Kelvin, mas esfriam ao longo de suas primeiras décadas de vida até chegarem a temperaturas da ordem de milhões de graus. Os principais responsáveis por esse resfriamento são partículas de massa quase inexistente chamadas de neutrinos. Elas são produzidas em reações nucleares no interior dessas estrelas [uma delas é “o processo Urca“, descoberta pelo físico brasileiro Mário Schenberg (1914-1990)] e rapidamente escapam para o espaço, levando energia consigo, o que com o tempo diminui a temperatura da estrela.

Ano passado, Craig Heinke, da Universidade de Alberta, Canadá, e Wynn Ho, da Universidade de Southampton, Reino Unido, analisaram as observações da estrela de neutrons em Cassiopeia A feitas pelo Chandra entre 1999 e 2009. Deduzindo a temperatura da estrela por sua emissão de raios X, eles notaram uma queda de 4% da temperatura em dez anos. Logo ficou claro que essa taxa era alta demais para ser explicada apenas pelos processos de emissão de neutrinos mais conhecidos. 

Agora, no final de fevereiro, dois grupos de pesquisadores independentes anunciaram que chegaram a uma mesma solução para esse mistério. Um grupo publicou seus resultados em um artigo na Physical Review Letters, assinado por Dany Page, da Universidade Nacional Autônoma do México, e colegas. O outro grupo, liderado por Peter Shternin, do Instituto Técnico Físico Ioffe, na Rússia, e do qual Heinke e Ho fazem parte, publicará seu artigo na Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Ambos grupos de pesquisadores conseguiram explicar as observações de Heinke e Ho, assumindo que há um século mais ou menos depois de nascer, quando o interior da estrela alcançou uma certa temperatura crítica, os seus nêutrons começaram a se organizar em pares. Quando dois nêutrons formam um par, eles emitem um par de neutrinos. Seriam esses neutrinos extras os responsáveis pelo rápido resfriamento da estrela.

De acordo com o modelo teórico, o resfriamento rápido acontece em uma fase da vida bem específica da estrela de nêutrons, durante algumas décadas, e depois continua mais lentamente. Se a explicação estiver correta, foi um lance de sorte encontrar uma estrela de neutrons jovem o suficiente e no momento certo para observar o fenômeno.  

Uma consequência do pareamento dos nêutrons é que, pelas leis da mecânica quântica, o comportamento coletivo deles se transforma radicalmente. A sopa de nêutrons passa a se comportar como um superfluido, um fluido que, diferente da água ou de outro líquido normal, não tem viscosidade. Isso significa que ele flui sem oferecer nenhuma resistência.

Aqui na Terra, os físicos encontraram o fenômeno da superfluidez pela primeira vez em 1938, resfriando hélio de peso atômico 4 líquido até alcançar meros 2,17 graus acima do zero absoluto, como neste vídeo:


Como visto no vídeo, entre outras bizarrices a ausência de viscosidade permite que o superfluido vaze por qualquer canal, não importa o quão pequena seja a sua espessura. Permite também que o líquido superfluido em um recipiente aberto vaze dele escalando a superfície molhada de suas paredes!   

Enquanto que a superfluidez do hélio-4 nos laboratórios aqui na Terra depende das interações entre os átomos resfriados quase ao zero absoluto, a superfluidez dos pares de nêutrons no interior das estrelas de neutrons depende da força nuclear forte, a interação da natureza que mantêm os núcleos atômicos coesos. Como os detalhes da força nuclear forte nas condições extremas de densidade e temperatura das estrelas de nêutrons são ainda incertos, estudar melhor o resfriamento rápido observado pode ajudar a testar os modelos atuais de como se comporta a matéria nuclear superdensa.

Se essa explicação para o fenômeno de Cassiopeia A estiver correta, os pesquisadores prevêm que o Chandra deve observar a mesma tendência de resfriamento pelas próximas décadas. Se a tendência não se confirmar e o resfriamento rápido parar abruptamente, sua causa pode ser algo mais simples, como a colisão de material remanescente da supernova com a estrela.

Referência:

Page, D., Prakash, M., Lattimer, J
., & Steiner, A. (2011). Rapid Cooling of the Neutron Star in Cassiopeia A Triggered by Neutron Superfluidity in Dense Matter, Physical Review Letters, 106 (8) DOI: 10.1103/PhysRevLett.106.081101

O mistério do sumiço das manchas solares

Recentemente, a frequência das tempestades solares começou a aumentar e elas acabaram virando manchete no final do mês passado, como a erupção solar deste vídeo registrado dia 24 de fevereiro pela sonda SDO, da Nasa. As tempestades solares que alcançam a Terra podem danificar a rede elétrica de países em altas latitudes e satélites.
 
Esse aumento acontece depois de um período de calmaria anormalmente longo do Sol, cujo um modelo computacional publicado na revista Nature em 3 de março é o primeiro a explicar.  Veja abaixo uma ilustração feita a partir do modelo:

 

As erupções solares acontecem ao redor de regiões da superfície do Sol onde há uma intensidade momentânea maior de energia magnética, que às vezes é liberada de forma explosiva. O Sol é uma enorme bola feita de um gás quente e eletricamente carregado, o chamado plasma, que circula de maneira turbulenta, gerando campos magnéticos intensos e complicados por toda a estrela, que mudam constantemente. Essas regiões de maior intensidade magnética são as manchas solares, que aparecem como manchas escuras na superfície solar, por serem relativamente mais frias que o material ao seu redor. 

O número de manchas solares aumenta e depois diminui em um ciclo que dura mais ou menos 11 anos. A duração do ciclo está relacionada com o tempo que demora para o plasma solar viajar da superfície em seu equador em direção aos polos, onde afunda 300.000 km para emergir novamente no equador 11 anos depois. É por meio desse movimento chamado de circulação meridional (veja as linhas pretas na figura acima) que os campos magnéticos das manchas solares (linhas douradas na figura) renovam suas forças entrando em contato com o campo magnético principal do Sol, gerado em seu interior.

O último pico de manchas solares (e portanto, também das explosões solares) foi em 2001. Um novo ciclo devia ter começado em 2008, mas, em vez de aumentarem em número, as manchas solares continuaram raras. Entre 2008 e 2010, foram 780 dias sem manchas solares, enquanto que o normal durante o período de atividade mínima de um ciclo solar são uns 300 dias. Foi o mínimo solar mais longo registrado desde 1913.

Para entender o que causou esse mínimo prolongado, um grupo de pesquisadores simulou a circulação de plasma no interior do Sol. Ao simular 210 ciclos solares com seu novo modelo computacional, os pesquisadores concluíram que um mínimo solar prolongado é provocado por variações na velocidade da circulação meridional de plasma. Se essa circulação começa bem veloz no início do ciclo solar, não sobra muito tempo para a renovar os campos magnéticos que formariam as manchas solares. E se a velocidade da circulação diminui no fim do ciclo, ela atrasa o começo do próximo ciclo. 
 
A explicação só tem um pequeno problema. Conforme apurou Lisa Grossman do site Wired Science, um estudo de 13 anos de observações da superfície solar feitas pela sonda SOHO da Nasa, publicado em março de 2010 na Science, inferiu que a circulação meridional foi mais lenta no início do último ciclo e não mais rápida como o novo modelo propõe. Os pesquisadores do novo estudo e do estudo anterior defenderam suas conclusões.   

Se o modelo está certo ou não pode ficar claro nos próximos anos, com observações da sonda SDO da Nasa de oscilações na superfície solar. Da mesma maneira que as ondas dos terremotos são usadas para investigar o interior da Terra, essas oscilações vistas na superfície solar permitem reconstruir o movimento do plasma em seu interior. Os instrumentos da SDO vão explorar camadas de plasma mais profundas que as que a sonda SOHO consegue.

Fontes:
Solar Mystery Solved (Cfa Press Room)
Researchers Crack the Mystery of the Spotless Sun (Nasa)
Study Blames Plasma Flow for Spotless Sun (Wired Science)     

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