A física do Champagne

 

Propaganda de 1923 do champagne Chauvet. Fonte: Wikimedia Commons

Como você vai servir a champagne hoje no Réveillon? Qual a melhor forma de servir a champagne de modo a maximizar a experiência sensorial? Um estudo publicado em 2010 na revista Journal of Agricultural and Food Chemistry confirmou a sabedoria dos connoisseurs. Usando uma técnica para visualizar as bolhas e a temperatura do líquido por radiação infravermelha, uma equipe liderada pelo físico-químico Gérard Liger-Belair, da Universidade de Reims, na França, mostrou que derramar a champagne na taça inclinada preserva até duas vezes mais bolhas de gás carbônico do que derramá-la no meio da taça.

Servir a Champagne bem gelada também é extremamente importante para manter as bolhas, verificou esse estudo que descobri assistindo a um vídeo especial de fim de anos da American Chemical Society sobre champagne (via Discovery, destacado pelo sempre atento @Peter_Moon1).

Há mais de uma década, Liger-Belair e sua equipe vêm estudando a formação das bolhas no champagne, usando técnicas avançadas de dinâmica dos fluidos, que eles descrevem em um longo artigo publicado em 2009 na American Scientist. Liger-Belair escreveu em 2004 um livro de 160 páginas sobre a ciência do champagne

Como todos os vinhos, a champagne surge da fermentação feita por leveduras, que transformam as moléculas de glicose e frutose do suco de uva em outros compostos, incluindo o dióxido de carbono e o etanol. A champagne, entretanto, passa por uma segunda fermentação quando já está engarrafada, que produz o gás carbônico que se dissolve no líquido.
Embora mais de 600 compostos químicos contribuam com o aroma e o sabor da bebida, o segredo da experiência única de tomar champagne está mesmo nas suas bolhas. À medida que as bolhas ascendem pela taça, elas arrastam consigo as pequenas moléculas que explodem na superfície fazendo cócegas no nariz e estimulando os sentidos.

Liger-Belair e seus colegas determinaram a formação das bolhas em uma taça depende da viscosidade do líquido, da presença de microfibras de celulose que permanecem na superfície da taça depois que estas são limpas por um pano, bem como do formato das taças.

Eles observaram em detalhe o colapso das bolhas, quando atingem a superfície do líquido, como descrevem no artigo da American Scientist:

Apenas a parte de cima da bolha emerge do líquido, como um iceberg. A medida que o fluído no topomicrossegundos da bolha escorre para baixo, em cerca de 10 a 100 microssegundos, a parede da bolha alcança uma espessura de menos de 100 nanômetros e se rompe. Os lados correntes da bolha em colapso se encontram no fundo da cavidade, provocando a ejeção de um jato de líquido, que se quebra em gotículas. O jato pode viajar a uma velocidade tão grande quanto alguns metros por segundo e alcançar alguns centímetros acima da superfície.

Bolha implodindo e formando um jato na superfície da Champagne. Crédito: American Scientist/Guillaume Polidori, Philippe Jeandet, Gérard Liger-Belair

Mas o fenômeno essencial por trás da formação das bolhas é mesmo a chamada Lei de Henry, descoberta em 1803 pelo químico inglês William Henry, cuja fórmula aparece na foto abaixo, tirada da edição de maio da Wired:


C é a concentração do gás em uma solução. kH  é uma constante que mede a habilidade do líquido em dissolver o gás. P é a pressão parcial do gás acima do líquido. Em outras palavras, essa lei dita que a pressão P de um gás acima de uma solução é proporcional a concentração do gás na solução. Em uma garrafa fechada de champagne, o dióxido de carbono dissolvido no vinho está em equilíbrio com o gás entre a rolha e o líquido. Abrindo a garrafa o equilíbrio se desfaz. Subitamente a pressão do gás acima do líquido diminui e, pela lei de Henry, a concentração do gás no líquido também deve diminuir. Assim, o dióxido de carbono dissolvido deixa o líquido.

O gás não pode escapar de uma vez porque a tensão superficial do líquido torna difícil as bolhas se formarem e expandirem. Assim ele sai aos poucos, na forma de pequenas bolhas. Mas você  pode acelerar o processo se chacoalhar a garrafa. Mais gás vai se dissolver no líquido e assim, pela lei de Henry, vai aumentar a pressão, dando mais ímpeto ao gás. Quando abrir a rolha o gás vai sair explodindo na forma de um jorro de espuma.

O típico estampido da rolha saltando e o som de fizzzzz das bolhas da espuma se dissolvendo foi analisado em um artigo publicado na Physical Review Letters, em 2001, por uma equipe de físicos liderada por Nicolas Vanderwalle , da Universidade de Liege, na Bélgica (soube via Nature  News). Eles descobriram que esses sons são o resultado da soma de vários estouros individuais de bolhas que não acontecem uniformemente, mas agrupados em surtos. Os físicos mediram a duração dos surtos de estouros de bolha verificando que eles são imprevisíveis. Podem durar de milissegundos a segundos. Esse “comportamento de avalanche” que obedece o que se chama de lei de potência é típico de vários fenômenos naturais, de deslizamentos de terra às flutuações do mercado financeiro (saiba mais na minha reportagem para Unesp Ciência de maio de 2010, sobre a física da economia). Se os estouros acontecessem uniformemente, o som seria mais parecido com o ruído de estática do rádio. Isso acontece porque o estouro de cada bolha não acontece independentemente. Ao implodir, uma bolha afeta as outras ao seu redor.


Liger-Belair capturou ao microscópio o momento em que uma bolha implode, deformando suas vizinhas, criando padrões em forma de flores que desabrocham e desaparecem num piscar de olhos (via Reader’s Digest) :

Crédito: Gerard Liger-Belair/CIVC

 

Físicos enxergam “universo” em gota d’água

 


Gotas d’água que levitam e giram pela força de campos eletromagnéticos podem ajudar a entender planetas, núcleos atômicos e até buracos negros. Até parece que, como canta o Chico, qualquer interação pode ser a gota d´água…

Quando giram rapidamente, as gotas criadas pelos físicos Richard Hill e Laurence Eaves, da Universidade de Nottingham (Reino Unido) se transformam em “amendoins” e triângulos.

A tecnologia que faz as gotas pararem no meio do ar é a mesma que fez um sapo levitar, em uma pesquisa ganhadora do infame Prêmio IgNobel, em 1997. Um campo magnético 10 vezes mais intenso que o de um imã de autofalante faz com que a água das gotas produza seu próprio campo magnético em reposta. “A força magnética [da água] contrabalança a força da gravidade em nível molecular, por todo o objeto”, explicou Hill. “Podemos investigar como as coisas se comportam no espaço, aqui no solo.”

Em “gravidade zero”, a gota que teria normalmente a forma de uma lágrima vira uma esfera perfeita. Se a gota começar a girar em torno de si mesma, porém, o equilíbrio entre a coesão das moléculas e a tendência da água de “escapar pela tangente”, faz a gota assumir o formato de um bola de futebol americano ou de uma melancia.

Cálculos teóricos feitos em 1980 sugeriam que à medida que girasse cada vez mais depressa, a gota-melancia assumiria a forma de um amendoim, depois a de um triângulo arredondado, podendo chegar até ao extremo da forma de uma rosquinha. Segundo os cálculos a forma triangular seria muito instável. Experimentos em órbita chegaram a ver de relance gotas triangulares, mas que logo se desmanchavam.

Agora, no conforto de seu laboratório bem aqui na Terra, Eaves e Hill fizeram gotas flutuantes girarem graças à força de correntes elétricas passando por um par de pequenos eletrodos nelas. Os pesquisadores gravaram vídeos das gotas com mais ou menos 1,5 cm de diâmetro, girando em várias velocidades, chegando até seis rotações por segundo. As gotas assumiram todas as formas previstas pela teoria, exceto a forma de rosquinha.

Eles ficaram surpresos ao verem que, diferente do previsto, suas gotas triangulares eram estáveis. Hill explica que, de alguma forma ainda desconhecida, pequenas ondas na superfície da gota provocadas por variações na corrente elétrica passando pelos eletrodos mantêm intacta a forma de triângulo. “Gostariámos de fazer mais estudos para investigar esse efeito”, disse.

Controlando essas ondas de superfície, os pesquisadores conseguiram também moldar as gotas girando, de modo a assumir as formas estáticas de um quadrado e um pentágono.

Veja as gotas girando neste vídeo, junto com outras experiências de levitação magnética do mesmo laboratório:


A dupla de físicos afirma, em seu artigo científico no periódico Physical Review Letters de 5 de dezembro, que estudar o comportamento dessas gotas pode ajudar a entender objetos criados por outros tipos de forças coesivas, como a força nuclear e a gravitacional, sugerindo que certos núcleos atômicos ou planetas girando tenham formas semelhantes as das gotas.

Vitor Cardoso, do Instituto Superior Técnico de Lisboa (Portugal), é um entusiasta dessa analogia. Ele explica que, se o universo tiver mais dimensões espaciais do que três, como sugere a cosmologia da teoria das supercordas, então as mesmas equações que descrevem as gotas líquidas servem para descrever buracos negros–regiões no espaço normalmente esféricas, onde a gravidade é tão forte que nada escapa de dentro. “Estamos a tentar compreender agora se buracos negros com forma de amendoim ou outras formas podem existir”, disse Cardoso.

Mais cauteloso é o astrônomo também português Pedro Lacerda, da Universidade do Havaí (EUA). Lacerda observa o brilho fraquíssimo de planetas anãos orbitando o Sol em uma região além de Plutão, chamada de cinturão de Kuiper. Lacerda explica que ali devem existem objetos em forma de amendoim. “Eles nem precisam de rodar muito depressa”, ele disse. “Têm é que termassa suficiente para que a sua forma seja moldada pela auto-gravidade e não pela força do material de que são feitos (gelo e poeira). Um bom exemplo é o objeto Haumea“.


Se a analogia com as gotas for válida, então talvez existam planetas anãos triangulares. “Seria muito interessante se os encontrasse”, disse Lacerda.

Quanto a comparar núcleos atômicos com gotas líquidas, a física Alinka Lépine, da Universidade de São Paulo, explica que certas propriedades do núcleo há muito tempo são explicadas dessa maneira. Se sabe, por exemplo, que núcleos que giram depressa têm forma de melancia. “Há evidências recentes que apontam para a existência de núcleos ainda mais deformados”, ela disse. Hill e Eaves sugerem que suas gotas possam ajudar a entender esses núcleos hiperdeformados.


Por enquanto, Hill conta que planeja continuar o experimento para ver se consegue produzir as outras formas, como a de rosquinha. “Se ela é alcançável, não sabemos, porém”, ele disse.

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Figura 1: gota triangular girando três vezes por segundo.
Figura 2: Planeta anão Haumea, crédito: Wikimedia Commons
Figura 3: Gráfico das formas teoricamente possíveis de uma gota girando, em função de sua velocidade e momento angular. Extraído daqui.

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Essa é uma versão extendida da reportagem publicada originalmente na Folha de S.Paulo, dia 23 de dezembro de 2008. Veja a versão online aqui.

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