Estudo esclarece “constantes fundamentais” da física

Atenção: os primeiros sete parágrafos deste post são pura ladainha. Se quiser, pule direto para o filé, logo em seguida.
O historiador e filósofo da ciência Robert Crease citou meu nome em sua coluna na edição de dezembro da revista PhysicsWorld. O motivo foi um email que enviei ao editor da Physics World em fevereiro do ano passado, chamando a atenção da revista para uma pesquisa brasileira que lidava com o assunto da coluna do Crease daquele mês: as constantes fundamentais na matemática e na física são expressas da maneira mais eficiente possível?
A citação:

Meanwhile, Igor Zolnerkevic, a former physics graduate student and now a science writer in Brazil, observed that a maximally efficient theory only requires two dimensional constants. He cited a paper by George Matsas from the Universidade Estadual Paulista in Brazil and colleagues, entitled “The number of dimensional fundamental constants” (arXiv:0711.4276), which has implications for what a brutally efficient approach to constants would look like, and suggests that certain constants are more fundamental than others. LINK

Traduzindo: Enquanto isso, Igor Zolnerkevic, um ex-estudante de pós-graduação em física e agora escritor de ciência no Brasil, notou que uma teoria de eficiência máxima requer apenas duas constantes dimensionais. Ele citou um artigo de Geoge Matsas da Universidade Estadual Paulista, no Brasil, e colegas, com o título “O número de constantes fundamentais dimensionais” (arXiv:0711.4276), que tem implicações sobre como seria uma abordagem brutalmente eficiente às constantes, e sugere que certas constantes são mais fundamentais que outras.
O Crease está certo sobre a “abordagem brutalmente eficiente”. O estudo dos brasileros, porém, não sugere que certas constantes sejam mais fundamentais que outras. De fato, a conclusão deles foi a de que existe um número mínimo de constantes (duas) e que alguém pode reescrever as leis da física usando duas constantes independentes quaisquer.
Essa importante sutileza também confundiu o jornalista Philip Ball, quando escreveu sobre essa pesquisa para o site da Nature, em dezembro de 2007:

How many physical constants does it take to describe the Universe? The answer, according to a team of physicists in Brazil, is just two.
The two can be chosen, according to taste, from a list of three: the speed of light, the strength of gravity, and Planck’s constant, which relates the energy to the frequency of a particle of light, say George Matsas of the São Paulo State University and his colleagues.LINK(só para assinantes)

Traduzindo:  Quantas constantes físicas é preciso para descrever o universo? A resposta, de acordo com uma equipe de físicos no Brasil, é apenas duas. As duas podem ser escolhidas, de acordo com o gosto, de uma lista de três: a velocidade da luz, a intensidade da força da gravidade e a cosntante de Planck, que relaciona a energia com a freqüência de uma partícula de luz, dizem George Matsas da Univerisade Estadual Paulista e colegas.
Na verdade, as duas constantes não precisam ser somente as três citadas pelo Ball. Podem ser duas constantes quaisquer, desde que sejam independentes, isto é, desde que a medida de uma não dependa da outra.
Nessa altura do texto, imagino que a maioria dos leitores esteja confusa e se perguntando sobre que raios estou falando. Espero que o artigo abaixo que escrevi originalmente para a revista Pesquisa Fapesp no começo de 2008, mas que nunca foi publicado, esclareça o assunto aos que tiveram paciência de chegar até este parágrafo…

* * *

A medida de todas as coisas
Estudo esclarece o papel das constantes fundamentais da física
Dê-me uma régua e um relógio, e eu descreverei a realidade. Esse poderia ser o lema da física moderna, concluiu uma equipe de teóricos brasileiros ao tentar passar a limpo uma questão fundamental: quantos e quais são os números mais importantes das leis da física? Embora cada físico pareça ter uma resposta diferente a essa questão, e a controvérsia esteja longe de ser resolvida, a equipe brasileira conseguiu colocar um pouco de ordem na casa, provando de maneira simples e direta que o número mínimo de constantes fundamentais é dois.
“Nossa contribuição não foi trazer uma física nova, mas escrever a física padrão da forma mais econômica possível, eliminando o desnecessário para enxergar mais longe”, diz George Matsas, do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp, um dos quatro autores do estudo. “Um pouco dessa controvérsia vem da falta de consenso do que é uma constante fundamental”, explica Matsas.
Os físicos usam números para descrever e tentar explicar o mundo. A maioria dos números que os físicos usam, aparecem quando eles comparam alguma coisa com outra. É como quando queremos mudar de casa e comparamos o tamanho das salas de estar e dos dormitórios de vários imóveis anunciados no jornal; usamos um padrão (metros quadrados) para comparar, ou melhor, para medir os imóveis. Assim, padrões são necessários para medir quantidades; o atual padrão de medida de tempo, por exemplo, é quanto demora para um elétron em um átomo de Césio transitar entre certos dois movimentos básicos; todas as unidades de tempo, como o segundo e o minuto, são definidas como múltiplos ou frações deste padrão. Os físicos, porém, não medem somente as coisas; eles constroem relações matemáticas entre quantidades de natureza diferente, como a equação E = mc2, que relaciona a energia E, a massa m de um objeto e a velocidade da luz no vácuo c. Certos números, como o valor de c que é sempre o mesmo, aparecem freqüentemente multiplicando quantidades diferentes nas equações da física. São esses números que, em geral, são chamados de constantes fundamentais.
A opinião mais comum atualmente é a de que as constantes fundamentais são três–a velocidade da luz c, que é o limite absoluto de velocidade para todos os corpos; a constante G, que expressa na lei da gravidade de Newton a intensidade da atração entre duas massas; e a constante de Planck h, que relaciona a energia de uma partícula da luz com o seu comprimento de onda.
Ainda assim, perguntar em uma roda de físicos se as constantes fundamentais são mesmo c, G, e h, pode gerar debates intermináveis. Um famoso debate desses começou em 1992, na cafeteria do Cern (Organização Européia para Pesquisa Nuclear), entre os físicos Gabriele Veneziano, Lev Okun e Michael Duff, resultando em um artigo publicado em 2002, em que Veneziano defendia que existem apenas duas, Okun acreditava nas três tradicionais e Duff dizia que não existem constantes fundamentais.
O artigo foi mencionado em 2004, em um dos seminários do grupo de pesquisa de Matsas, no IFT. “Achamos escandaloso que nessa altura do campeonato da ciência ainda haja controvérsia sobre quantas são as constantes fundamentais”, lembra Matsas. A partir daí, por três anos, os autores do estudo–Matsas e Vicente Pleitez, do IFT, Alberto Saa, do Instituto de Física de Unicamp, e Daniel Vanzella, do Instituto de Física de São Carlos da USP–, junto com seus alunos e colaboradores, passaram de vez em quando a dedicar o seminário para discutir o assunto.
Em um seminário em maio de 2005, Matsas estava convencido de que a resposta definitiva seria dada somente por uma futura “teoria final”, que teria uma explicação para os valores de todas as propriedades do universo. A idéia de que quanto mais sofisticada a teoria, menos constantes fundamentais ela tem, e que portanto a “teoria final” teria o número mínimo possível de constantes, é defendida atualmente pelo prêmio Nobel de física de 2004, Frank Wilczek. “Quanto mais leis você assume, menos constantes independentes você precisa”, explica Wilczek.
Todavia, Matsas e seus colegas logo perceberam que não precisavam esperar pela teoria final para obter uma resposta. Eles começaram a imaginar um laboratório ideal com todos os instrumentos necessários para verificar todas as leis físicas que conheçemos. Eles perceberam que os cientistas desse laboratório imaginário precisariam definir apenas dois padrões de medida, usando duas propriedades constantes e independentes, para realizarem as medidas de todas as demais propriedades, tais como massa, corrente elétrica e temperatura. Isso porque, em última instância, tudo o que se mede são comprimentos e intervalos de tempo.
“Mas, e a massa?”, alguém que se lembre de aprender na escola sobre o sistema MKS (metro, kilograma, segundo) pode perguntar. “A maneira mais direta de medir massa é pelo experimento de Cavendish”, exemplifica Matsas. Esse experimento, desenvolvido por Henry Cavendish, em 1798, mede a massa de um corpo registrando apenas distâncias e aceleração de movimentos. Poderíamos, portanto, expressar massas por uma combinação de unidades de tempo e espaço, em vez de usar kilogramas. O mesmo vale para todas as demais propriedades.
Os pesquisadores deduziram que a partir de dois padrões fundamentais surgem necessariamente duas constantes fundamentais nas equações. Todas as constantes além das duas são opcionais, definidas por mera conveniência.
Um ponto importante é que a conclusão deles pode ser refutada por um experimento científico. Se a medida de uma quantidade física não puder ser expressa em termos de dois padrõesindependentes, então o mínimo de constantes fundamentais não poderá ser duas.
“Note também que não estamos dizendo quais constantes são mais fundamentais que as outras; não há um par preferencial”, ressalta Matsas. O estudo afirma apenas que, em princípio, basta escolher quaisquer duas constantes independentes dentre todas a possíveis–c, G, h, carga do elétron, etc.– para expressar todas as demais propriedades do universo em termos de combinações delas. Expressar, é claro, não é o mesmo que deduzir tudo o que existe; isso seria trabalho para uma teoria final.
Os pesquisadores observam no estudo, entretanto, as vantagens conceituais de se eliminar G, ao redefinir a massa em termos de unidades de espaço e tempo, ficando apenas com duas constantes fundamentais, c e h(G), esta última nada mais sendo que h multiplicado por G. Essa escolha de constantes parece a mais natural para estudar como as partículas elementares são afetadas pela gravidade e vice-versa.
Foi com prazer que a equipe de teóricos verificou mais tarde que pesquisadores de outras disciplinas chegaram a conclusões semelhantes.
A filha de Saa, Olívia, estudante de engenharia, escutando as conversas do pai com Matsas ao telefone, chamou a atenção dos dois para um resultado de 1914, do físico Edgar Buckingham, muito usado por engenheiros ao estudarem a estabilidade de suas máquinas por meio de maquetes. Buckingham já pregava naquela época a necessidade de no mínimo dois padrões fundamentais de medida.
Mais recentemente, metrólogos–físicos que estudam a definição de padrões de medida–estão concluíndo o mesmo. Entre outros, John Wignall, da Universidade de Melbourne, Austrália, defende que o padrão de massa do Sistema Internacional de unidades seja substituído por uma definição de massa em termos de unidades de tempo e comprimento. “Há possibilidade de que a massa venha a ser determinada através de oscilações de íons aprisionados em armadilhas; determinada a massa atômica, o kilograma seria apenas um múltiplo dela”, explica Vanderlei Bagnato, do Instituto de Física de São Carlos, da USP.

Discussão - 2 comentários

  1. Augusto disse:

    Vê se consegue extrair alguma referência deste blog..

  2. […] um múltiplo dela”, explica Vanderlei Bagnato, do Instituto de Física de São Carlos, da USP. (texto base) (jan/2009)  ******************************(texto […]

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