Fantásticas fotos e gravuras de Trouvelot
Descobri a figura curiosa do astrônomo e artista Étienne Trouvelot (1827-1895) por um post da Rebecca Rosen, no site da The Atlantic. A biblioteca pública de Nova York digitalizou recentemente os desenhos que Trouvelot fez para um atlas astronômico publicado em 1882. Um imigrante francês nos EUA, Touvelot se juntou a equipe do Observatório de Harvard nos anos 1870. Na galeria online encontramos belos desenhos em pastel dos planetas, da aurora boreal, manchas e tempestades solares, chuvas de meteoros, uma nebulosa, um aglomerado estelar, a Via Láctea e o grande cometa de 1881.
Claro, quem já viu as inúmeras fotos desses mesmos fenômenos astronômicos disponíveis hoje percebe que Trouvelot deixou sua imaginação realçar e acrescentar certos detalhes. Isso me faz pensar em como as representações artísticas geradas por computador que costumam acompanhar as notícias espaciais de hoje vão parecer aos olhos das pessoas do futuro…
Além de desenhar, Trouvelot criou na mesma época uma série de fotografias de faíscas elétricas geradas por bobinas de indução ou de Ruhmkorff (veja uma em ação aqui).
Infelizmente, Trouvelot, também um entomólogo amador, entrou para história como o infeliz que trouxe uma praga para a América do Norte, a mariposa-cigana.
Os tesouros alienígenas enterrados na Lua
Se a exploração da Lua tivesse acontecido da forma que o escritor de ficção científica Arthur Clarke imaginou nos anos 1960, hoje haveriam bases permanentes por lá, da onde poderiam sair expedições rotineiras de astronautas prontos para escavar o solo lunar. Estudos recentes sugerem que esses exploradores poderiam desenterrar coisas incríveis, de rochas contendo informações sobre a nossa jornada ao redor da Via Láctea, até possíveis artefatos alienígenas.
Em um artigo na revista Acta Astronautica, uma dupla de físicos, Paul Davies e Robert Wagner, da Universidade Estadual do Arizona, EUA, sugerem a busca de vida inteligente extraterrestre pelo escrutínio de imagens em alta resolução da Lua obtidas por sondas como a LRO, da Nasa. Em uma das um milhão de fotos que a LRO terá tirado quanto completar seu mapeamento da superfície do satélite, seria possível em tese encontrar sinais de visitas alienígenas como pilhas de lixo, evidências de mineração, mensagens e artefatos abandonados.
Embora a dupla concorde que as chances dessa busca dar certo sejam ridiculamente pequenas, o baixíssimo custo da operação, que poderia ser feita por voluntários online usando softwares especiais, justificaria a empreitada.
Diferente da superfície da Terra, em constante mutação, a Lua está há bilhões de anos geologicamente morta, de modo que sua superfície permanece praticamente a mesma através dos séculos. Como explica Ian Sample em reportagem do The Guardian:
O sismógrafo a bordo da missão Apolo 12, da Nasa, detectou apenas um impacto por mês de meteoritos do tamanho aproximado de uma pêra dentro de um raio de 350 km. De acordo com Davies e Wagner, poderia demorar centenas de milhões de anos para um objeto de dezenas de metros de comprimento ser enterrado pelo solo e a poeira lunar lançada por esses impactos. (…) Vida alienígena poderia ter alguma vez se estabelecido uma base lunar na rede subterrânea de tubos de lava embaixo das escuras planícies lunares de basalto e talvez deixado detritos quando partiram. “Os mesmos fatores que fazem os tubos de lava atrativos como hábitat implicam que quaisquer artefatos deixados para trás perdurariam quase indefinidamente, sem ser danificados ou enterrados”, os cientistas escrevem.LINK
Possibilidades exóticas a parte, outros tesouros mais pé-no-chão mas tão fascinantes quanto se escondem enterrados na Lua. Stephen Battersby escreve na New Scientist de 3 de dezembro sobre a praticamente desconhecida história da jornada do Sol ao redor do centro da nossa galáxia, a Via Láctea. Durante os seus 5 bilhões de anos de vida, o Sol, bem como todo o sistema solar, deram várias voltas galácticas – uma a cada 200 milhões de anos. Nessa viagem já cruzamos regiões com muito mais estrelas, atravessamos nebulosas escuras, além de passarmos perigosamente perto de explosões de supernovas. Esses ambientes interestelares hostis podem ter influenciado a história da vida na Terra.
Registros dessa viagem devem estar preservados no solo e nas rochas da Lua. Os raios cósmicos expelidos por supernovas, por exemplo, teriam deixado rasgos em minerais que seriam visíveis ao microscópio. Seu impacto teria criado isótopos exóticos como o criptônio-83 e o xenônio-126. Essas rochas, formadas em uma época em que a Lua ainda era quente e sofria erupções vulcânicas, teriam sido preservadas embaixo de camadas depositadas posteriormente.
Já a passagem do Sol pelo interior de nebulosas estaria gravado pela presença de grãos de poeira dessas nuvens misturados ao solo lunar. Esses grãos poderiam ser identificados por seus altos níveis de isótopos como o urânio-235. Essas amostras de solo estariam preservadas também por camadas de lava resfriada.
Um dos pesquisadores autores da ideia, Ian Crawford, da Universidade de Londres, sugere que futuras sondas lunares poderiam buscar por essas rochas em camadas antigas expostas nos flancos de crateras.
Feliz Aniversário, Stephen Hawking!
Hoje o físico vivo mais famoso do mundo faz 70 anos. Parabéns para o homem que vem mostrando desde os anos 1970 como investigar buracos negros e o universo quanticamente, ao mesmo tempo que nos dá uma verdadeira lição de vida.
Se você está online agora, pode conferir o final da conferência em homenagem ao físico britânico.
Fonte de imagem: Brickshelf
O Universo nas últimas semanas
Na última semana de 2011, a colaboração Double Chooz, que estuda os antineutrinos do elétron emitidos pela usina nuclear francesa de Chooz e conta com participação brasileira, publicou online os resultados de sua medida do “ângulo de mistura θ13“, uma quantidade relacionada com o fenômeno chamado de oscilação, pelo qual os neutrinos de diferentes tipos podem se transformar em outros. O fato dos dados de Double Chooz, bem como de outros experimentos, o T2K e o MINOS, indicarem que esse ângulo e os demais são diferentes de zero é uma boa notícia, porque de acordo com a teoria isso permitirá aos físicos medirem outro parâmetro relacionado com a chamada “violação de carga-paridade”. Medir essa quantidade vai ajudar a explicar como a matéria se tornou diferente da antimatéria no início do universo e assim não foi aniquilada completamente.
O par de sondas Grail, da Nasa, começou a orbitar a Lua no fim de semana do réveillon. As sondas vão mapear o campo gravitacional da Lua com uma precisão que vai dar uma ideia da composição de seu interior. Seus também vão podem ajudar a entender porque a face que vemos da Lua tem um relevo suave enquanto o outro lado do satélite é montanhoso e testar a hipótese de que a Lua na verdade é fruto da colisão de dois satélites anteriores.
Em artigo na revista PNAS, pesquisadores confirmaram que a única amostra de quasicristal já encontrada na natureza deve ter origem extraterrestre. Sofia Moutinho, da Ciência Hoje, tem os detalhes.
Ainda no mundo dos minerais exóticos, um mineral descoberto primeiramente em uma amostra trazida da Lua por astronautas da Apolo 11, a tranquilitita, foi encontrada analisando rochas da Austrália com microscopia eletrônica. Os geólogos acreditam que o mineral deve certamente existir em outras partes do globo. As propriedades da tranquilitita permitem que se aplique nela um método para determinar a idade das rochas, baseado na lenta transformação de átomos de urânio em chumbo.
Um estudo de biomecânica publicado na Nature demonstrou com câmeras de alta velocidade e modelos matemáticos como uma cauda longa e flexível ajuda lagartos e robôs a cair e saltar agilmente, sem se desiquilibrar. O mesmo deve ter valido para dinossauros como o velociraptor. Veja o vídeo.
Em reportagem na Nature, Nicolas Jones destacada cinco experimentos de física tão insanamente difíceis e importantes quanto a busca por novas partículas elementares no LHC: 1) Detectar a composição atmosférica de exoplanetas já é possível para gigantes gasosos e super Terras usando os telescópios espaciais Hubble e Spitzer, e será possível para planetas do tamanho da Terra com o sucessor do Hubble, o James Webb. 2)Usar espectroscopia de altíssima precisar para buscar por diferenças na vibração de uma dupla de moléculas que são quase idênticas, cuja estrutura de uma é o espelho da outra pode revelar melhor como a força nuclear fraca distingue a esquerda da direita, o que vai ajudar a entender melhor tanto as forças fundamentais do universo, como o mistério de por que nos seres vivos só encontramos a versão canhota dessas moléculas. 3)Buscar por dimensões espaciais extras usando uma balança de torsão com precisão de bilionésimos de grau para medir desvios na força gravitacional em escala micrométrica. Até agora, experimentos de uma equipe da Universidade de Washington já verificaram que não existem dimensões extras maiores que 44 micrômetros. 4) Detectar ondas gravitacionais monitorando ao longo de dez anos os flashes de radiação que 20 pulsares emitem milhares de vezes a cada segundo. A ideia é procurar por desvios na frequência ultraprecisa desses pulsares causadas por ondas gravitacionais passando entre eles e a Terra, geradas por exemplo por pares de buracos negros gigantes em rota de colisão. 5) Redefinir o quilograma com base em uma constante fundamental da natureza, a constante de Planck, que físicos experimentais vêm medindo por dois métodos diferentes e chegando a resultados levemente diferentes.
Na mesma revista, Ron Cowen reporta como os teléscópios espaciais Corot e Kepler, famosos por suas descobertas de exoplanetas, também estão revolucionando o estudo do interior das estrelas por meio das ondas que propagam dentro delas e chegam a sua superfície e afetam seu brilho em uma parte em mil – a astrosismologia. Até agora, essas observações confirmam que as estrelas tem o tamanho esperado, mas a distribuição de suas massas é menor do que a teoria prevê. Observações do Kepler também permitiram examinar a evolução do interior de gigantes vermelhas, o tipo de estrela que o Sol deve se transformar daqui uns 5 bilhões de anos. Se a missão Kepler for estendida por mais alguns anos, será possível comparar os ciclos de atividade magnética do Sol com os de outras estrelas.
Também na Nature, um grupo de físicos descreve uma nova técnica para resfriar átomos presos em uma armadilha feita de raios laser entrecruzados, chamada de rede ótica. Diferente de outros métodos baseados em colisões aleatórias que removem átomos com maior energia, o novo método aplica uma série de modulações na luz laser e pode em princípio alcançar temperaturas abaixo do que é possível atualmente (menos que 10-12Kelvins)
Nanofio pode salvar indústria de computadores
Nos anos 1960, um dos fundadores da Intel, Gordon Moore, notou uma tendência na indústria eletrônica, que de tão bem comportada ganhou o nome de “lei de Moore“: o número de transistores que cabem dentro de um chip de circuito integrado dobra a cada dois anos mais ou menos. Essa miniaturização frenética chegou ao ponto que os componentes da última geração de microchips tem um tamanhos de 22 nanômetros, isto é, apenas 100 vezes o espaçamento entre os átomos do cristal de silício de que são feitos.
Com os componentes chegando perto da escala atômica, a lei de Moore está próxima de ser quebrada. Isso porque as leis clássicas da eletrônica, que tratam os elétrons da corrente elétrica como bolinhas, não devem funcionar direito na escala atômica, em que os elétrons também podem se comportar como ondas, interferindo uns com os outros. Além disso, físicos e engenheiros esperam que à medida que a espessura dos fios interconectando os componentes dentro dos microchips ultrapasse a marca dos 10 nanômetros, a sua resistência – uma medida de quanto o material impede o movimento dos elétrons da corrente elétrica – aumentará exponencialmente devido ao aumento da razão entre área e volume dos fios – os elétrons na superfície dos fios perderiam muito mais energia para o meio externo. A indústria eletrônica precisaria reformular todo o seu processo de produção ao alcançar essa escala.
Mas de acordo com uma pesquisa publicada ontem na revista Science, parece que a lei de Moore pode ser mantida por mais duas ou três gerações a mais do que se pensava. Uma equipe internacional de onze pesquisadores coordenada por Bent Weber e Michelle Simmons da Universidade da Nova Gales do Sul, Austrália, conseguiu criar nanofios feitos de até quatro fileiras de átomos de fósforo (1,5 nanômetro de largura). O fósforo tem um elétron a mais que o silício, funcionando como um fio condutor de eletricidade imerso em um cristal de silício. Surpreendentemente, a resistência desses fios não cresce exponencialmente mas linearmente, obedecendo a clássica lei de Ohm, V = RI, onde V é o potencial elétrico entre as extremidades do fio, I é a corrente elétrica e a constante R é a resistência. A leis da eletrônica clássica também ditam que R é proporcional ao comprimento do fio e inversamente proporcional a sua área.
Para criar os nanofios, os pesquisadores esculpiram vários canais nanométricos em um cristal de silício, usando a ponta de um microscópio de varredura por tunelamento para depositar os átomos de fósforo nesses canais. Em seguida, cobriram tudo com outra camada cristalina de silício, isolando os nanofios de efeitos de superfície que poderiam diminuir suas propriedades condutoras.
Os cinco fios de comprimentos diferentes produzidos obedeceram a leis convencionais da eletrônica, conduzindo eletricidade com uma eficiência comparável a dos melhores interconectores de cobre usados nos microprocessadores atuais. O segredo da manutenção da lei de Ohm na escala atômica, de acordo com David Ferry, da Universidade Estadual do Arizona, EUA, que escreveu um comentário sobre a pesquisa na Science, está na alta densidade de átomos de fósforo que os pesquisadores obtiveram. O átomos de fósforos apinhados aumentam a densidade dos elétrons, o que provoca colisões e o espalhamento deles, desfazendo os fenômenos ondulatórios que alterariam a lei de Ohm.
Embora valha com uma demonstração de que é possível estender as leis da eletrônica a escalas atômicas, a técnica usada pelos pesquisadores ainda não pode ser usada em processos industriais, que imprimem circuitos inteiros no silício.
Na verdade, grupo de Simmons não está interessado na eletrônica convencional. Eles esperam usar os átomos individuais de fósforo como bits quânticos que poderiam ser interconectados pelos nanofios no circuito de um computador quântico. Mas Ferry duvida que isso seja possível, uma vez que o fenômeno ondulatório chamado de coerência, destruído nos nanofios, é essencial para a computação quântica.
Fontes: Nature, Sci Am, Physics World, New Scientist
Referências
Weber, B., Mahapatra, S., Ryu, H., Lee, S., Fuhrer, A., Reusch, T., Thompson, D., Lee, W., Klimeck, G., Hollenberg, L., & Simmons, M. (2012). Ohm’s Law Survives to the Atomic Scale Science, 335 (6064), 64-67 DOI: 10.1126/science.1214319
Inventário da energia do Universo
O Universe Today destacou ontem um gráfico criado pelo físico e educador da área de astronomia Markus Pössel, que mostra todas as formas em que a energia total do Universo assume no presente e as suas proporções. O gráfico é baseado em um inventário compilado em 2004 pelos físicos Masataka Fukugita e James Peebles, que por sua vez é baseado em inúmeras observações astrofísicas e em nossas melhores explicações para elas até agora.
Deixem-me explicar um pouco do gráfico. Como vocês devem saber, a energia nunca é uma “coisa” por si só – não existe esse negócio de “energia pura”. Energia sempre existe na forma de alguma coisa, seja na forma de partículas de matéria (E = mc2!), seja na forma de partículas mediadoras das forças fundamentais. No gráfico dá para ver que a energia do Universo aparece essencialmente em seis formas diferentes:
matéria “bariônica” ordinária – a matéria de que nós e o resto dos planetas são feitos, isto é, prótons, neutrons e elétrons.
radiação – mais especificamente, radiação eletromagnética, que é constituída de partículas chamadas fótons.
neutrinos – partículas extremamente leves que quase não interagem com a matéria bariônica. Trilhões deles atravessam seu corpo a cada segundo sem que você perceba
energia de ligação (negativa) – é a energia que mantém partículas unidas, por forças gravitacionais, eletromagnéticas ou nucleares. No balanço total da energia do Universo, ela conta como negativa, porque representa o déficit de energia que seria necessário superar para “desligar” totalmente as partículas constituintes umas das outras.
matéria escura – até hoje não detectada diretamente mas cuja influência gravitacional governa a formação das estruturas em larga escala do universo
energia escura – mais misteriosa que a matéria escura, seja lá o que for, diferente da matéria normal tem uma pressão negativa, que faz com que o Universo acelere sua expansão
Agora vamos examinar cada tipo específico de energia mencionado no gráfico em ordem crescente de contribuição para o total da energia do Universo:
planets (planetas) – É nóis. O número é uma estimativa do número de planetas no universo baseado no sistema solar – uma parte por milhão (ppm)
stellar-era radiation – radiação eletromagnética emitida por estrelas e em discos de gás em núcleos de galáxias ativas nos últimos bilhões de anos – 2 ppm
dust (poeira) – quantidade de poeira cósmica, baseada em observações da Via Láctea – 2,5 ppm
stellar- neutrinos – neutrinos produzidos durante explosões de supernova, formação de anãs brancas e pela atividade normal de fusão nuclear das estrelas – 3,2 ppm
SMBHs – energia na forma de buracos negros supermassivos que devem existir no centro da maioria das galáxias – mais de 4 ppm
stellar-era nuclear binding – energia de ligação associada ao processo de fusão nuclear nas estrelas – 6,3 ppm negativos
gravitational binding energy – energia de ligação devida a atração gravitacional que formou a estrutura de estrelas, galáxias e aglomerados de galáxias do Universo – 13,4 ppm negativos
neutron stars– estrelas de nêutrons – 0,005 %
cosmic background radiation – radiação cósmica de fundo – 0,005%
primordial nuclear binding – energia de ligação que formou os
primeiros núcleos atômicos nos primeiros três minutos depois do big bang – 0,008%
black holes – buracos negros de massa estelar – 0,007%
brown dwarfs – anãs marrons – 0,014%
molecular gas – gás molecular, a maior para na forma de moléculas de H2 − 0,016%
white dwarfs– anãs brancas – 0,036%
H and He atoms – átomos de hidrogênio e hélio ionizados dentro das galáxias – 0,062%
neutrino background – fundo cósmico de neutrinos, formado na mesma época que a radiação cósmica de fundo – 0,13%
plasma in galaxy clusters – gás ionizado (plasma) preenchendo o vazio entre algomerados de galáxias – 0,18%
ordinary stars “main sequence” – estrelas normais da sequência principal mais ou menos massivas que o Sol – 0,205%
warm intergalactic plasma – porção de plasma não detectada diretamente pelos telescópios, mas cuja existência é deduzida a partir de medidas da radiação cósmica de fundo e da abundância dos elementos leves – 4%
dark matter – matéria escura – 23%
dark energy – energia escura – 72%
Conclusão humilhante n° 1: a energia da qual somos feitos representa uma fração ridícula do total do Universo.
Conclusão humilhante n° 2: 95% da energia do Universo está em formas sobre as quais sabemos quase nada.
Ondas de rádio vindas da matéria escura?
Um misterioso sinal de rádio captado por um experimento com participação brasileira talvez seja a nossa primeira evidência não gravitacional de que a matéria escura existe, sugere um artigo publicado quinta-feira passada na revista Physical Review Letters.
Em 2009, uma descoberta surpreendente foi anunciada por pesquisadores que construíram e operaram o ARCADE2 (Radiômetro Absoluto para Cosmologia, Astrofísica e Emissão Difusa), uma sonda lançada por um balão estratosférico, que permaneceu a 36 km de altitude por algumas horas, buscando pelas emissões de rádio que teriam sido produzidas pelas primeiras estrelas do universo, na janela de frequências entre 3 e 90 gigahertz.
(O ARCADE2 contou, aliás, com a participação de dois brasileiros, Thyrso Villela e Alexandre Wuensche, ambos do Inpe, que desenvolveram parte dos instrumentos da sonda.)
No lugar do sinal esperado das estrelas primordiais, o ARCADE 2 captou estranhas emissões de rádio chegando igualmente de todas as direções do céu. Nenhuma das as fontes prováveis de rádio conhecidas – a radiação cósmica de fundo, as estrelas primordiais, as explosões de supernovas, o núcleo de certas galáxias, o gás ao redor de nossa e de outras galáxias e no meio de aglomerados delas, etc. – podia explicar as propriedades do sinal, incluindo sua intensidade, cinco a seis vezes maior que a esperada.
Agora, Nicolao Fornengo, da Universidade de Turim, na Itália, junto com mais três colegas, demonstraram que o misterioso sinal poderia em princípio ser produzido pela matéria escura.
Para explicar uma série de observações astronômicas – o movimento de rotação das galáxias, a velocidade delas em seus aglomerados, a distorção da luz provocada por esses aglomerados (lentes gravitacionais) e as variações na temperatura da radiação cósmica de fundo – a maioria dos astrofísicos acredita que, para cada pedaço de matéria “normal”, do tipo de que somos feitos, existe aproximadamente 6 vezes mais matéria de um tipo desconhecido, que quase não interage com a luz e o resto da matéria, mas cuja presença no universo percebemos por sua força gravitacional.
Existem várias ideias sobre a possível natureza da matéria escura, como a possibilidade de que ela seja formada por pequenos buracos negros produzidos durante o big bang. Mas a ideia mais popular é a de que ela seria um gás rarefeito de partículas conhecidas por WIMPS (partículas massivas fracamente interagentes, em inglês). Como os neutrinos, os WIMPs interagiriam muito pouco com a matéria e a radiação, mas ao contrário dos últimos seriam bem mais pesados que prótons. Dois experimentos com detectores instalados em minas subterrâneas, os italianos CRESST e DAMA, e o norte-americano CoGeNT, afirmam ter encontrado evidências de WIMPs, embora outro do mesmo tipo, só que maior e mais sensível, o XENON100, não tenha encontrado nada até agora.
De acordo com a teoria, os WIMPs podem se transformar em partículas mais leves, produzindo raios gama, elétrons e pósitrons (o anti-elétron). Como nota Stanley Brown no site Physics, duas análises recentes de dados do telescópio espacial de raios gama Fermi que observou galáxias anãs, onde a quantidade de matéria escura é proporcionalmente muito maior que o montante de matéria normal, não encontraram nenhum sinal de matéria escura, sugerindo que os WIMPs têm uma massa menor que 30 GeVs.
Nos últimos anos, alguns físicos também sugeriram que um excesso de elétrons detectado pela sonda ATIC e um excesso de pósitrons semelhante observado pela sonda PAMELA poderiam ser sinais da aniquilação de WIMPs.
Agora, Fornengo e colegas conseguiram reproduzir o sinal do ARCADE2 ao imaginarem que o universo está repleto de inúmeras fontes fracas espalhadas pelo universo, do mesmo modo que estão espalhadas as galáxias. As emissões de rádio seriam produzidas pelos elétrons e pósitrons gerados pelos WIMPs dos halos de matéria escura envolvendo as galáxias, à medida que essas partículas eletricamente carregadas fossem aceleradas pelos campos magnéticos galácticos.
De acordo com a equipe, esta seria a única explicação que não entra em conflito com observações em outras frequências (infravermelho e raios gama). Além disso, seus cálculos indicam que os WIMPs devem de ter uma massa da ordem 1o GeVs, o que é consistente com os dados do CRESST, DAMA, CoGeNT e Fermi.
Embora abertos à explicação invocando a matéria escura, os astrofísicos ouvidos por Jon Cartwright do site Physics World mostraram ceticismo, ainda acreditando que o sinal do ARCADE2 possa ser explicado por detalhes desconhecidos da evolução das galáxias.
Os físicos concluem que sua explicação poderá ser verificada em novas observações, principalmente as que serão realizada pelo super rádio telescópio SKA, planejado para ser construído em breve na Austrália, Nova Zelândia ou África do Sul, que terá a resolução necessária para enxergar as ondas de rádios vindas de cada um dos halos de matéria escura.
Referências:
Fornengo, N., Lineros, R., Regis, M., & Taoso, M. (2011). Possibility of a Dark Matter Interpretation for the Excess in Isotropic Radio Emission Reported by ARCADE Physical Review Letters, 107 (27) DOI: 10.1103/PhysRevLett.107.271302
A física do Champagne
Como você vai servir a champagne hoje no Réveillon? Qual a melhor forma de servir a champagne de modo a maximizar a experiência sensorial? Um estudo publicado em 2010 na revista Journal of Agricultural and Food Chemistry confirmou a sabedoria dos connoisseurs. Usando uma técnica para visualizar as bolhas e a temperatura do líquido por radiação infravermelha, uma equipe liderada pelo físico-químico Gérard Liger-Belair, da Universidade de Reims, na França, mostrou que derramar a champagne na taça inclinada preserva até duas vezes mais bolhas de gás carbônico do que derramá-la no meio da taça.
Servir a Champagne bem gelada também é extremamente importante para manter as bolhas, verificou esse estudo que descobri assistindo a um vídeo especial de fim de anos da American Chemical Society sobre champagne (via Discovery, destacado pelo sempre atento @Peter_Moon1).
Há mais de uma década, Liger-Belair e sua equipe vêm estudando a formação das bolhas no champagne, usando técnicas avançadas de dinâmica dos fluidos, que eles descrevem em um longo artigo publicado em 2009 na American Scientist. Liger-Belair escreveu em 2004 um livro de 160 páginas sobre a ciência do champagne
Como todos os vinhos, a champagne surge da fermentação feita por leveduras, que transformam as moléculas de glicose e frutose do suco de uva em outros compostos, incluindo o dióxido de carbono e o etanol. A champagne, entretanto, passa por uma segunda fermentação quando já está engarrafada, que produz o gás carbônico que se dissolve no líquido.
Embora mais de 600 compostos químicos contribuam com o aroma e o sabor da bebida, o segredo da experiência única de tomar champagne está mesmo nas suas bolhas. À medida que as bolhas ascendem pela taça, elas arrastam consigo as pequenas moléculas que explodem na superfície fazendo cócegas no nariz e estimulando os sentidos.
Liger-Belair e seus colegas determinaram a formação das bolhas em uma taça depende da viscosidade do líquido, da presença de microfibras de celulose que permanecem na superfície da taça depois que estas são limpas por um pano, bem como do formato das taças.
Eles observaram em detalhe o colapso das bolhas, quando atingem a superfície do líquido, como descrevem no artigo da American Scientist:
Apenas a parte de cima da bolha emerge do líquido, como um iceberg. A medida que o fluído no topomicrossegundos da bolha escorre para baixo, em cerca de 10 a 100 microssegundos, a parede da bolha alcança uma espessura de menos de 100 nanômetros e se rompe. Os lados correntes da bolha em colapso se encontram no fundo da cavidade, provocando a ejeção de um jato de líquido, que se quebra em gotículas. O jato pode viajar a uma velocidade tão grande quanto alguns metros por segundo e alcançar alguns centímetros acima da superfície.
Mas o fenômeno essencial por trás da formação das bolhas é mesmo a chamada Lei de Henry, descoberta em 1803 pelo químico inglês William Henry, cuja fórmula aparece na foto abaixo, tirada da edição de maio da Wired:
C é a concentração do gás em uma solução. kH é uma constante que mede a habilidade do líquido em dissolver o gás. P é a pressão parcial do gás acima do líquido. Em outras palavras, essa lei dita que a pressão P de um gás acima de uma solução é proporcional a concentração do gás na solução. Em uma garrafa fechada de champagne, o dióxido de carbono dissolvido no vinho está em equilíbrio com o gás entre a rolha e o líquido. Abrindo a garrafa o equilíbrio se desfaz. Subitamente a pressão do gás acima do líquido diminui e, pela lei de Henry, a concentração do gás no líquido também deve diminuir. Assim, o dióxido de carbono dissolvido deixa o líquido.
O gás não pode escapar de uma vez porque a tensão superficial do líquido torna difícil as bolhas se formarem e expandirem. Assim ele sai aos poucos, na forma de pequenas bolhas. Mas você pode acelerar o processo se chacoalhar a garrafa. Mais gás vai se dissolver no líquido e assim, pela lei de Henry, vai aumentar a pressão, dando mais ímpeto ao gás. Quando abrir a rolha o gás vai sair explodindo na forma de um jorro de espuma.
O típico estampido da rolha saltando e o som de fizzzzz das bolhas da espuma se dissolvendo foi analisado em um artigo publicado na Physical Review Letters, em 2001, por uma equipe de físicos liderada por Nicolas Vanderwalle , da Universidade de Liege, na Bélgica (soube via Nature News). Eles descobriram que esses sons são o resultado da soma de vários estouros individuais de bolhas que não acontecem uniformemente, mas agrupados em surtos. Os físicos mediram a duração dos surtos de estouros de bolha verificando que eles são imprevisíveis. Podem durar de milissegundos a segundos. Esse “comportamento de avalanche” que obedece o que se chama de lei de potência é típico de vários fenômenos naturais, de deslizamentos de terra às flutuações do mercado financeiro (saiba mais na minha reportagem para Unesp Ciência de maio de 2010, sobre a física da economia). Se os estouros acontecessem uniformemente, o som seria mais parecido com o ruído de estática do rádio. Isso acontece porque o estouro de cada bolha não acontece independentemente. Ao implodir, uma bolha afeta as outras ao seu redor.
Liger-Belair capturou ao microscópio o momento em que uma bolha implode, deformando suas vizinhas, criando padrões em forma de flores que desabrocham e desaparecem num piscar de olhos (via Reader’s Digest) :