Vuvuzelas, aprenda a amá-las sem ficar surdo

Shaya Vuvuzela! Após um longo silêncio, volto a blogar ao som das vuvuzelas do apocalipse, discutindo a acústica da corneta maldita. Shosholoza bafana!

A cacofonia da torcida berrando com as vuvuzelas irrita especialmente quem não curte atividades, digamos assim, carnavalescas, como este que vos escreve. Semana passada, os vuvuzeleiros de plantão do centro de São Paulo puseram minha paciência à prova, enquanto trabalhava na já ruidosa assessoria de imprensa da Reitoria da Unesp.

Não à toa, portanto, me chamou a atenção a entrevista a New Scientist do engenheiro de som Trevor Cox, da Universidade de Salford, Reino Unido, explicando as propriedades do som da torcida de vuvuzelas.

A vuvuzela é uma corneta de uma nota só. Um instrumentista profissional, capaz de soprar uniformemente e manter constante o movimento dos lábios, pode até tirar um som agradável da vuvuzela (veja o vídeo abaixo). Um torcedor médio, porém, tira um tom desafinado.

O som de toda nota musical cantada ou tocada por um instrumento é feito de uma soma de ondas sonoras com frequências de oscilação fixa. A frequência principal é chamada de primeiro harmônico. Os valores das demais frequências são múltiplos do valor do primeiro harmônico e chamadas de segundo harmônico, terceiro harmônico etc.

O Prof. Dulcídio, do blog Física na Veia, estimou a frequência do primeiro harmônico de uma vuvuzela aproximando a forma da vuvuzela por um tubo sonoro cilíndrico. Pela conta que todo vestibulando deveria saber repetir (atenção às questões sobre vuvuzelas, meninada), o som da vuvuzela é feito principalmente de ondas de compressão do ar oscilando mais ou menos 250 vezes por segundo, isto é, a uma frequência de 250 Hertz. O valor exato, segundo Cox, é 235 Hz. Imagino que a diferença entre a estimativa e o valor medido pelos engenheiros deva ser por conta da forma real da vuvuzela, que está mais para cônica do que cilíndrica.

Além disso, instrumentos de forma cônica, Cox explica na entrevista, produzem harmônicos superiores com frequências mais altas do que os produzidos por instrumentos cilíndricos. É por isso, por exemplo, que o som do saxofone é mais alto que o do clarinete. Os harmônicos da vuvuzela, de acordo com Cox, são 235, 470, 700, 940, 1171, 1400 e 1630 Hz.

Resumindo, o que faz da vuvuzela irritante são os harmônicos altos e o som tonal mas desafinado de milhares de torcedores tocando aleatoriamente.

E também a intensidade do barulho, claro, arrebenta o ouvido. Segundo artigo de pesquisadores sul africanos e norte americanos, a vuvuzela soprada com vontade chega a emitir um som cuja intensidade pode alcançar 131 decibéis na boca do instrumento e 113 decibéis a 2 metros dela. É mais intenso que o som de um britadeira, que fica entre 90 e 100 decibéis. Em outro artigo, os mesmos pesquisadores reportam casos de surdez temporária e de danos permanentes à audição de torcedores durante um jogo amistoso em estádio sul africano em 2009.

A FIFA deveria escutar esses dados. Proibir as vuvuzelas seria ofensivo e antipático. Mas bolar algum tipo de regulação para o número e o volume delas nos estádios é questão de saúde pública.

Mercado Anti Vuvuzela

Nas transmissões dos jogos pela TV, o zumbido de vuvuzelas não chega a estourar os timpanos, mas irrita, principalmente os espectadores do Reino Unido e da Alemanha, ao que parece. Haja vista a notícia do jornal britânico Telegraph (via Discoblog)  de que um engenheiro de som alemão, Clemence Schlieweis, anda vendendo na internet um arquivo de áudio MP3 de 45 minutos de duração que ele afirma ser capaz de fazer desaparecer o som das vuvuzelas das transmissões.

O arquivo MP3 vendido por quase 3 euros no site Anti Vuvuzela Filter é nada mais que o áudio de uma transmissão de jogo qualquer da copa do mundo com as ondas sonoras invertidas pelo engenheiro. No lugar das cristas das ondas de som, vales, no lugar dos vales, cristas.

Segundo Schlieweis, quando seu som é tocado na sala junto do som da TV, a parte idêntica de áudio de qualquer jogo da copa, isto é, o zumbido das vuvuzelas, é cancelado. Melhor que isso, só um CalaBocaGalvao Filter.

Mas o que o alemão espertalhão não conta é que seu som só funcionaria se o zumbido de vuvuzelas fosse idêntico em cada jogo, o que obviamente nunca acontece, como bem observou Trevor Cox ao Telegraph.

Alternativas mais efetivas não faltam. Na entrevista a New Scientist, Cox cita o site do Centro para Música Digital da Universidade Queen Mary de Londres (LINK), onde você pode baixar um “devuvuzelator”.

A figura abaixo é uma análise das frequências sonoras de uma transmissão de jogo da copa feita pelo grupo da Queen Mary. Os harmônicos da voz do narrador do jogo são o som mais intenso (em dourado). Interferindo nos harmônicos do narrador estão os harmônicos das vuvuzelas (em roxo).

Vuvuzela.png

A partir dessa análise, os engenheiros identificaram o que seriam as frequências do primeiro e segundo harmônicos das vuvuzelas e as eliminaram com o tal devuvuzelator. Escutei o resultado e, para ser sincero, notei pouca diferença entre a gravação original e a gravação tratada com o software.

Com a mesma estratégia, o autor do blog Die Surfpoeten produziu um filtro que extrai do áudio da TV o som das frequências que ele afirma serem os harmônicos mais fortes das vuvuzelas: 233, 466, 932 e 1864 Hz. A solução do alemão não é exclusiva e o pessoal do blog Ars Technica dá a dica para um geek fazer o mesmo com Linux (soube via @astrorho). Esses filtros parecem funcionar melhor que o do grupo da Queen Mary, mas também não são perfeitos. O som do zumbido das vuvuzelas é simplesmente complexo demais para ser eliminado.

Zen com as Vuvuzelas

Melhor que o devuvuzelator, é o conselho do pessoal da Queen Mary: desista de lutar e aceite a vuvuzela!

Difícil? Não achei depois de descobrir que a vuvuzela é derivada de um instrumento tradicional sul africano, a mhalamhala e que existe até uma orquestra de vuvuzelas (site por enquanto fora do ar), coordenado pelo músico Pedro Espi-Sanchis.

Neste vídeo do The Guardian, um dos músicos da orquestra, Samora Ntsebeza, explica como tocar a vuvuzela direito.

Dá para conferir as performances da orquestra no canal de Espi-Sanchis no Vimeo, em vídeos como este abaixo. Shosholoza!

Discussão - 4 comentários

  1. Muito bacana seu texto!!! E quem diria, das vuvuzelas pode sair um som agradável....e divertido!

  2. Igor Z disse:

    Obrigado, Fernanda! Pois é, também me surpreendi.

  3. Igor Santos disse:

    Ah, os engenheiros de som e suas loucas aventuras...
    Eu ainda não ouvi um só assopro dessas cornetas pela TV porque descobri logo cedo um devuvuzelador extremamente eficiente: o botão de mudo.
    E, em todo lugar onde houver torcida, haverá um instrumento sendo mal utilizado e ganhando má fama.

  4. Igor Z disse:

    Sua solução tem um efeito benéfico adicional: eliminar a voz de locutores e comentaristas!
    E quanto a torcida, bem, acho que faz parte da natureza humana. Alias, esqueci de comentar no texto que a vuvuzela, antes de chegar nos estádios, era (ainda é?) soprada por milícias para juntar a tropa e aterrorizar os adversários. É quase a definição de torcida, não?

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