Inventário da energia do Universo

O Universe Today destacou ontem um gráfico criado pelo físico e educador da área de astronomia Markus Pössel, que mostra todas as formas em que a energia total do Universo assume no presente e as suas proporções. O gráfico é baseado em um inventário compilado em 2004 pelos físicos Masataka Fukugita e James Peebles, que por sua vez é baseado em inúmeras observações astrofísicas e em nossas melhores explicações para elas até agora.

Inventário da energia cósmica por Markus Pössel. Clique na imagem para visulalizar uma versão maior

Deixem-me explicar um pouco do gráfico. Como vocês devem saber, a energia nunca é uma “coisa” por si só – não existe esse negócio de “energia pura”. Energia sempre existe na forma de alguma coisa, seja na forma de partículas de matéria (E = mc2!), seja na forma de partículas mediadoras das forças fundamentais. No gráfico dá para ver que a energia do Universo aparece essencialmente em seis formas diferentes:

matéria “bariônica” ordinária – a matéria de que nós e o resto dos planetas são feitos, isto é, prótons, neutrons e elétrons.

radiação – mais especificamente, radiação eletromagnética, que é constituída de partículas chamadas fótons.

neutrinos – partículas extremamente leves que quase não interagem com a matéria bariônica. Trilhões deles atravessam seu corpo a cada segundo sem que você perceba

energia de ligação (negativa) – é a energia que mantém partículas unidas, por forças gravitacionais, eletromagnéticas ou nucleares. No balanço total da energia do Universo, ela conta como negativa, porque representa o déficit de energia que seria necessário superar para “desligar” totalmente as partículas constituintes umas das outras.

matéria escura – até hoje não detectada diretamente mas cuja influência gravitacional governa a formação das estruturas em larga escala do universo

energia escura – mais misteriosa que a matéria escura, seja lá o que for, diferente da matéria normal tem uma pressão negativa, que faz com que o Universo acelere sua expansão

Agora vamos examinar cada tipo específico de energia mencionado no gráfico em ordem crescente de contribuição para o total da energia do Universo:

planets (planetas) – É nóis. O número é uma estimativa do número de planetas no universo baseado no sistema solar – uma parte por milhão (ppm)

stellar-era radiation – radiação eletromagnética emitida por estrelas e em discos de gás em núcleos de galáxias ativas nos últimos bilhões de anos – 2 ppm

dust (poeira) – quantidade de poeira cósmica, baseada em observações da Via Láctea – 2,5 ppm

stellar- neutrinos – neutrinos produzidos durante explosões de supernova, formação de anãs brancas e pela atividade normal de fusão nuclear das estrelas – 3,2 ppm

SMBHs – energia na forma de buracos negros supermassivos que devem existir no centro da maioria das galáxias – mais de 4 ppm

stellar-era nuclear binding – energia de ligação associada ao processo de fusão nuclear nas estrelas – 6,3 ppm negativos

gravitational binding energy – energia de ligação devida a atração gravitacional que formou a estrutura de estrelas, galáxias e aglomerados de galáxias do Universo – 13,4 ppm negativos

neutron stars– estrelas de nêutrons – 0,005 %

cosmic background radiation – radiação cósmica de fundo – 0,005%

primordial nuclear binding – energia de ligação que formou os
primeiros núcleos atômicos nos primeiros três minutos depois do big bang – 0,008%

black holes – buracos negros de massa estelar – 0,007%

 

brown dwarfs – anãs marrons – 0,014%

molecular gas – gás molecular, a maior para na forma de moléculas de H2 − 0,016%

white dwarfs– anãs brancas – 0,036%

H and He atoms – átomos de hidrogênio e hélio ionizados dentro das galáxias – 0,062%

neutrino background – fundo cósmico de neutrinos, formado na mesma época que a radiação cósmica de fundo – 0,13%

 

plasma in galaxy clusters – gás ionizado (plasma) preenchendo o vazio entre algomerados de galáxias – 0,18%

ordinary stars “main sequence” – estrelas normais da sequência principal mais ou menos massivas que o Sol – 0,205%

warm intergalactic plasma – porção de plasma não detectada diretamente pelos telescópios, mas cuja existência é deduzida a partir de medidas da radiação cósmica de fundo e da abundância dos elementos leves – 4%

dark matter – matéria escura – 23%

dark energy –  energia escura – 72%

Conclusão humilhante n° 1:  a energia da qual somos feitos representa uma fração ridícula do total do Universo.

Conclusão humilhante n° 2:  95% da energia do Universo está em formas sobre as quais sabemos quase nada.

Ondas de rádio vindas da matéria escura?

Representação artística do ARCADE2. Crédito: NASA, ARCADE, Roen Kelly

Um misterioso sinal de rádio captado por um experimento com participação brasileira talvez seja a nossa primeira evidência não gravitacional de que a matéria escura existe, sugere um artigo publicado quinta-feira passada na revista Physical Review Letters.

Em 2009, uma descoberta surpreendente foi anunciada por pesquisadores que construíram e operaram o ARCADE2 (Radiômetro Absoluto para Cosmologia, Astrofísica e Emissão Difusa), uma sonda lançada por um balão estratosférico, que permaneceu a 36 km de altitude por algumas horas, buscando pelas emissões de rádio que teriam sido produzidas pelas primeiras estrelas do universo, na janela de frequências entre 3 e 90 gigahertz.

(O ARCADE2 contou, aliás, com a participação de dois brasileiros, Thyrso Villela e Alexandre Wuensche, ambos do Inpe, que desenvolveram parte dos instrumentos da sonda.)

No lugar do sinal esperado das estrelas primordiais, o ARCADE 2 captou estranhas emissões de rádio chegando igualmente de todas as direções do céu. Nenhuma das as fontes prováveis de rádio conhecidas – a radiação cósmica de fundo, as estrelas primordiais, as explosões de supernovas, o núcleo de certas galáxias, o gás ao redor de nossa e de outras galáxias e no meio de aglomerados delas, etc. – podia explicar as propriedades do sinal, incluindo sua intensidade, cinco a seis vezes maior que a esperada.

Agora, Nicolao Fornengo, da Universidade de Turim, na Itália, junto com mais três colegas, demonstraram que o misterioso sinal poderia em princípio ser produzido pela matéria escura.

Para explicar uma série de observações astronômicas – o movimento de rotação das galáxias, a velocidade delas em seus aglomerados, a distorção da luz provocada por esses aglomerados (lentes gravitacionais) e as variações na temperatura da radiação cósmica de fundo – a maioria dos astrofísicos acredita que, para cada pedaço de matéria “normal”, do tipo de que somos feitos, existe aproximadamente 6 vezes mais matéria de um tipo desconhecido, que quase não interage com a luz e o resto da matéria, mas cuja presença no universo percebemos por sua força gravitacional.

Existem várias ideias sobre a possível natureza da matéria escura, como a possibilidade de que ela seja formada por pequenos buracos negros produzidos durante o big bang. Mas a ideia mais popular é a de que ela seria um gás rarefeito de partículas conhecidas por WIMPS (partículas massivas fracamente interagentes, em inglês). Como os neutrinos, os WIMPs interagiriam muito pouco com a matéria e a radiação, mas ao contrário dos últimos seriam bem mais pesados que prótons. Dois experimentos com detectores instalados em minas subterrâneas, os italianos CRESST e DAMA, e o norte-americano CoGeNT, afirmam ter encontrado evidências de WIMPs, embora outro do mesmo tipo, só que maior e mais sensível, o XENON100, não tenha encontrado nada até agora.

De acordo com a teoria, os WIMPs podem se transformar em partículas mais leves, produzindo raios gama, elétrons e pósitrons (o anti-elétron). Como nota Stanley Brown no site Physics, duas análises recentes de dados do telescópio espacial de raios gama Fermi que observou galáxias anãs, onde a quantidade de matéria escura é proporcionalmente muito maior que o montante de matéria normal, não encontraram nenhum sinal de matéria escura, sugerindo que os WIMPs têm uma massa menor que 30 GeVs.

Nos últimos anos, alguns físicos também sugeriram que um excesso de elétrons detectado pela sonda ATIC e um excesso de pósitrons semelhante observado pela sonda PAMELA poderiam ser sinais da aniquilação de WIMPs.

Agora, Fornengo e colegas conseguiram reproduzir o sinal do ARCADE2 ao imaginarem que o universo está repleto de inúmeras fontes fracas espalhadas pelo universo, do mesmo modo que estão espalhadas as galáxias. As emissões de rádio seriam produzidas pelos elétrons e pósitrons gerados pelos WIMPs dos halos de matéria escura envolvendo as galáxias, à medida que essas partículas eletricamente carregadas fossem aceleradas pelos campos magnéticos galácticos.

De acordo com a equipe, esta seria a única explicação que não entra em conflito com observações em outras frequências (infravermelho e raios gama). Além disso, seus cálculos indicam que os WIMPs devem de ter uma massa da ordem 1o GeVs, o que é consistente com os dados do CRESST, DAMA, CoGeNT e Fermi.

Embora abertos à explicação invocando a matéria escura, os astrofísicos ouvidos por Jon Cartwright do site Physics World mostraram ceticismo, ainda acreditando que o sinal do ARCADE2 possa ser explicado por detalhes desconhecidos da evolução das galáxias.

Os físicos concluem que sua explicação poderá ser verificada em novas observações, principalmente as que serão realizada pelo super rádio telescópio SKA, planejado para ser construído em breve na Austrália, Nova Zelândia ou África do Sul, que terá a resolução necessária para enxergar as ondas de rádios vindas de cada um dos halos de matéria escura.

Referências:
Fornengo, N., Lineros, R., Regis, M., & Taoso, M. (2011). Possibility of a Dark Matter Interpretation for the Excess in Isotropic Radio Emission Reported by ARCADE Physical Review Letters, 107 (27) DOI: 10.1103/PhysRevLett.107.271302

Balões na Antártida detectam possível sinal de matéria escura

At an accent rate of 1000ft/minute, the flight train is not visible for very long. Credit T. Gregory Guzik
Balão carregando instrumentos do experimento ATIC sobe nos céus da Antártida subindo a uma velocidade de 300 metros por minuto.
Crédito: T. Gregory Guzik

Um estranho sinal de elétrons de alta energia, registrado por detectores de partículas em balões sobrevoando a Antártida, está fazendo a alegria de físicos e astrofísicos. As duas explicações mais prováveis para o sinal são fantásticas.

Esses elétrons podem ter sido acelerados pelo poderoso campo magnético gerado por uma estrela de neutrons ou um buraco negro, a não mais que 4 mil anos-luz de distância da Terra. Não se conhece nenhum objeto assim tão perto de nós, mas é possível que ainda não o tenhamos observado.

A outra explicação, mais incrível ainda, é a de que os elétrons tenham sido criados durante a aniquilação de partículas de matéria escura.

A existência da matéria escura é a idéia mais aceita para entender uma série de observações astronômicas: o movimento de rotação das galáxias, a velocidade delas em seus aglomerados, a distorção da luz provocada por esses aglomerados (lentes gravitacionais) e as variações na temperatura da radiação cósmica de fundo. Todas essas observações sugerem que, para cada pedaço de matéria “normal”, do tipo de que somos feitos, existe aproximadamente 6 vezes mais matéria de um tipo desconhecido, que não interage com a luz, mas cuja presença no universo percebemos pela sua força gravitacional. Nesse cenário, 85% da matéria no universo deve ser matéria escura.

A descoberta dos misteriosos elétrons, publicada semana passada pela revista Nature, vem da análise dos dados tomados entre 2000 e 2003 pelo experimento ATIC.

Para estudar elétrons e núcleos de átomos de alta energia vindos do espaço, uma equipe internacional de pesquisadores vêm lançando detectores de partículas presos a balões na Antártida, chamados de ATIC (sigla em inglês para “calorímetro de ionização fina avançado”). Os detectores são lançados na Antártida para aproveitar os ventos da alta atmofera que circulam em torno do Pólo Sul–ali não há perigo do balão sair voando mundo afora e cair sabe-se lá onde. O ATIC fica por até 15 dias, a 35 km de altura, acima de 99,5% da atmosfera terrestre, praticamente no espaço, detectando raios cósmicos.

Os detectores do ATIC registraram um excesso de elétrons com energias em torno de 620 gigaeletron-volts (GeV). (Só para comparar, um próton em repouso tem 1 GeV de energia.) Chamou a atenção dos pesquisadores do ATIC o fato de 620 GeV ser mais ou menos a energia esperada para uma das candidatas a partículas de matéria escura.

Observações indicam que a matéria escura é feita de partículas além das conhecidas, que formam o Modelo Padrão das partículas elementares. Os físicos teóricos imaginam várias partículas candidatas a matéria escura e elas são genericamente conhecidas como WIMPs (sigla em inglês para partículas massivas fracamente interagentes).

Os WIMPs que correspondem ao pico de energia observado pelo ATIC são as partículas de Kaluza-Klein, K-K, para os íntimos. Essas tais K-K seriam capazes de viajar por dimensões espaciais extras de tamanho finito e microscópico. A qualquer momento uma partícula K-K pode se transformar em várias partículas mais leves e estáveis, como por exemplo, pares de elétrons e anti-elétrons (pósitrons). Os pesquisadores do ATIC investigaram se a origem dos elétrons podia ser a colisão de partículas K-K e descobriram que sim, mas apenas se o sistema solar estiver passando por uma nuvem de matéria escura com densidade anormalmente alta, o que não é impossível.

Outra evidência tentadora a favor da hipótese da matéria escura são os resultados de outro experimento, o PAMELA (“equipamento para exploração de matéria e antimatéria e astrofísica de núcleos leves”), um satélite que detectou um excesso de anti-elétrons em uma energia próxima à dos elétrons detectados pelo ATIC. (Veja os artigos científicos submetidos respectivamente a Nature e a Physical Review Letters.) É possível que os WIMPs. estejam colindindo entre si por ai e o PAMELA tenha detectado os anti-eletrons resultantes da colisão, enquanto o ATIC tenha detectado os elétrons!

Mais dados são necessários para traçar o perfil desses excessos de elétrons e anti-elétrons com maior precisão, antes de eliminar as hipóteses mais convencionais e dizer que descobrimos as partículas da matéria escura.

Tanto o ATIC, quanto o PAMELA ainda tem mais dados a serem analisados. O telescópio espacial Fermi de raios gama pode também confirmar os resultados de ambos experimentos, detectando os raios gama vindos da aniquilação de WIMPs.

Enquanto isso, o LHC pode acabar produzindo partículas de matéria escura, quando finalmente começar a funcionar. Pode ser também que detectores construídos dentro de minas subterrâneas para detectar raríssimas colisões de WIMPs com núcleos atômicos consigam, como os da mina Boulby em Yorkshire, reino Unido, tenham sucesso.

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