Ossos do ofício

Um mês exatamente sem postar. {modo carente ON} Mas aposto que ninguém aqui sentiu falta, né? {modo carente OFF}.

Mas eu explico: estava afundado dentro de um projeto de pesquisa, escrevendo, pegando preço de equipamento, escrevendo, arrumando justificativa praqueles equipamentos caros, escrevendo, arrumando sub-projeto para futuros alunos usarem os equipamentos caros, escrevendo…  É impressionante como à medida que a gente vai mais e mais a fundo na vida dentro da academia o foco do nosso trabalho muda do “dia-a-dia do laboratório” para a “procura por financiamento para manter alguém cuidando do dia-a-dia do laboratório”. E é exatamente esse último que eu andei fazendo nesse último mês.

Você vai me dizer: “Tá reclamando de quê? Você sabia que ia ser assim!” E eu vou te dizer: não estou reclamando não. Só constatando. Eu sabia que o foco ia mudando com o tempo, que a gente deixa de colocar a mão na massa e fazer ciência todo dia e passa a formar pessoas, negociar financiamentos, fazer política no departamento, essas coisas pra poder… fazer ciência. Mas saber não significa que é preciso gostar, certo? Aqui vale um parênteses: meu ex-chefe e meu chefe atual são pesquisadores impressionantes e ainda assim capazes de fazer política e ganhar financiamentos como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. Quando eu crescer quero ser assim.

Gostando ou não, fazendo bem ou não, essa é o tipo da transição que tem que ser feita, sem choro nem vela. Sabe as “dores do crescimento”? Pois é. Hoje eu ainda me vejo mais como alguém que põe um laboratório pra funcionar, faz medidas, analisa dados, escreve paper, briga com referee de paper, por fim publica o paper e aí começa tudo de novo. Mas uma hora a gente passa pro lado do escrever projeto, orientar tese, administrar o orçamento, escrever relatório, divulgar os resultados e começar tudo de novo. Espero poder manter o primeiro o máximo possível, mesmo assumindo o segundo lado de braços abertos.

Mas nem tudo é ruim nessa transição. Na verdade, esta foi está sendo uma experiência bem interessante: projetar o futuro, pedir auxílio pra fazer coisas relevantes sem tirar os pés do chão e sem reinventar a roda. O mais difícil é a parte do orçamento. É muito? É pouco? Eu vou pedir um experimento inteiro. A FAPESP vai me dar? Eu não faço a menor ideia. Depende só da física que eu quero fazer ou depende da física que o assessor acha interessante? Ou ele vai pesar se eu tenho alguma capacidade de fazer? São todas perguntas que eu não faço a menor ideia de como responder. {modo irônico ON} Dúvidas da juventude, sabe como é? Afinal, o projeto não se chama Jovem Pesquisador à toa, né? {modo irônico OFF}

E aí com todas essas dúvidas, você monta o projeto pra ser algo flexível, que você precisa de equipamento, mas escolhe uma rota em que eles são mais baratos, mas ao mesmo tempo tenta justificar um laser mais caro que é essencial pro que você quer fazer e assim vai… Ciência, embebida em orçamento, misturada com prazos apertados mas factíveis. E esse coquetel vira um projeto de pesquisa.

Mas o próximo passo é saber o que os futuros colaboradores pensam… Pelo menos eles têm mais experiência. 🙂

P.S.: Semana que vem, como você sabe, estarei em Lindau. Tentarei, veja bem, TENTAREI, fazer uma cobertura bacana do evento com os ganhadores do Nobel. Fique ligado.

Discussão - 3 comentários

  1. massacritica disse:

    Essa é uma grande burrice do sistema. Um pesquisador com formação cara e específica acaba virando um burocrata de escritório.
    Outra burrice é o foco quase que exclusivo na escrita de artigos e relatórios. Que acabam sendo utilizados para fazer mais artigos e relatórios.

    • Emanuel Henn disse:

      De fato, Luis. Seria ideal um sistema onde é possível fazer ciência, conseguir (e prestar contas, claro) financiamento e etc sem precisar passar por toda essa burocracia. É simplesmente detalhe demais, formulário demais, negociação demais...

  2. Luis Brudna disse:

    Formulários e detalhes são inseridos para deixar o processo mais embolado e afastar os novatos que não tem intimidade com tantos campos e informações que precisam ser preenchidas.
    Valorizam apenas o relatório e não o que foi produzido. Pesquisadores esqueceram do mundo concreto, da realidade.

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