>Fauna de Lantian – Uma nova assembléia fóssil ediacarana

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Há aproximadamente 600 milhões de anos atrás, antes mesmo da grande explosão de vida Cambriana, uma comunidade de criaturas semelhantes a algas marinhas e vermes primitivos floresceu nas profundezas de um primitivo e tranqülo mar na região que é hoje Lantian, uma pequena aldeia na Província de Anhui, no sul da China. Estes organismos simplesmente se extinguiram ainda há centenas de milhões de anos atrás, porém deixaram pelo menos 3.000 fósseis em fantástico estado de preservação. 
Os leitos de xisto negro de Lantian revelam detalhes interessantes sobre vida misteriosa durante o Neoproterozóico, período em que os organismos multicelulares macroscópicos davam apenas os seus primeiros passos em direção ao sucesso hoje alcançado na evoulução da vida….



Cientistas chineses e estadunidenses reportaram na edição deste mês da revista Nature a descoberta de uma nova assembléia fóssil de idade ediacarana. Encontrada nas proximidades de uma aldeia no sul da China, a fauna de Lantian – nomeada de acordo com a sua localização – tem cerca de 600 milhões de anos (início do período Ediacarano). Ela inclui criaturas que estariam entre as primeiras formas de vida multicelular macroscópica do planeta. Os fósseis indicam que algumas das espécies encontradas teriam estruturas complexas e intrigantes, podendo inclusive ser comparadas a formas primitivas de algas e vermes. 
Foram identificados pelo menos 15 diferentes espécies no local.

Alga marinha primitiva? – Fóssil encontrado em Lantian.

Período Ediacarano?

O período Ediacarano (630 – 542 milhões de anos atrás) está incluído no Neoproterozóico, final do Éon Proterozóico. É imediatamente anterior ao Período Cambriano, o primeiro período da Era Paleozóica, Éon Fanerozóico. O seu status oficial como um período geológico  foi ratificado em 2004 pela International union of Geological Sciences (IUGS).O seu nome provém dos montes de Ediacara, lugar aonde o geólogo Reg Sprigg descobriu os fósseis da famosa biota homônima em 1946 (Fauna de Ediacara).

Reconstruções da Fauna de Ediaca.

A ‘Fauna de Ediacara’?

Como já foi dito, Ediacara é o nome de uma região da Austrália. Nesta região foram encontrados alguns dos mais antigos fósseis de metazoários do mundo. Tratam-se apenas de impressões nas rochas, pois estes animais não tinham partes duras tais como conchas ou placas mineralizadas. Porém, estes registros são de importância incalculável para compreensão da evolução da vida complexa no planeta Terra. Também chamada de ‘Biota Vendiana’, a Fauna de Ediacara inclui criaturas como DicksoniaSprigginia.

Dicksonia e
Sprigginia respectivamente.


Os fósseis de Lantian sugerem que a diversificação morfológica dos eucariotos –  organismos com estruturas celulares complexas –  macroscópicos pode ter ocorrido apenas algumas dezenas de milhões de anos após o evento conhecido como ‘Snow  Ball Earth’ (Terra Bola de Neve), que acabou há cerca de 635 milhões de anos atrás.

Snow Ball Earth”?

Terra bola de neve é uma hipótese que sugere que a Terra esteve completamente coberta de gelo durante o período Criogeniano, entre 790 a 630 milhões de anos atrás. Foi desenvolvida de modo a explicar depósitos sedimentares normalmente considerados de origem glaciais em latitudes aparentemente tropicais  para a época, bem como outras características enigmáticas do registo geológico do Criogeniano. A existência desta glaciação global permanece, contudo, controversa, uma vez que vários cientistas contestam a possibilidade da existência de um oceano completamente congelado, ou ainda outros fundamentos geológicos em que a hipótese é baseada.

A Hipótese ‘Snow Ball Earth’

A presença dos fósseis em um tipo de xisto negro, altamente orgânico, sugere condições de deposição livres de oxigênio (anóxicas). Provavelmente a oxigenação dos oceanos deve ter oscilado muito ao longo dos milhões de anos no fim do Proterozóico.

Shuhau Xiao, professor de geobiologia no College of Science em Virginia Tech, um dos autores do trabalho, sugere que há uma  principal questão a ser considerada:  “Por que esta comunidade evoluiu neste lugar e neste período?” – Esta assembléia fóssil é claramente diferente em termo de número de espécies em comparação com biotas preservadas em rochas mais antigas. Há mais espécies e elas são maiores e mais complexas. Estes depósitos foram formados logo após o maior evento de glaciação que já existiu – o período “Snow Ball Earth” -, quando hipoteticamente grande parte do oceano global foi congelado. Há 635 milhões de anos atrás, o evento terminou e o grande oceano estava livre de gelo. Talvez isto tenha preparado o terreno para a evolução de eucariotos complexos.


A equipe estava examinando as rochas de xisto negro porque, apesar de terem sido estabelecidas em condições não favoráveis para organismos dependentes de oxigênio, elas são conhecidas por serem capazes de preservar muito bem os fósseis. Na maioria dos casos os organismos mortos são carregados e só então preservados em folhelhos deste tipo. Neste caso, os pesquisadores descobriram que alguns fósseis foram preservados em sua condição original: aonde viviam. Shuhai afirma que algumas ‘algas’ estariam inclusive ainda enraizadas.


Ele concluiu por meio de dados geoquímicos, que o ambiente teria sido venenoso, porém, a superfície exata aonde estão depositados os fósseis representaria um período de tempo durante o qual o oxigênio estava livre e disponível para os organismos – as condições eram favoráveis! Tratou-se de um momento muito breve, mas o suficiente para que os organismos dependentes de oxigênio colonizassem a Bacia de Lantian – criaturas oportunistas de raras oportunidades.


O artigo na Nature sugere que a Bacia de Lantian foi em grande parte um ambiente incapaz de sustentar a vida complexa, porém durante breves episódios foi oportunamente preenchida por novas formas de vida complexas, que foram posteriormente mortas e preservadas quando o oxigênio desapareceu. Para localizar estes intervalos demandam-se estudos geoquímicos de alta resolução. Somente assim poder-se-á entender parte da complexa dinâmica ambiental desta localidade durante período Ediacarano.


Acesse o artigo em: 
http://www.nature.com/nature/journal/v470/n7334/full/nature09810.htm

>As pegadas fósseis do interior paulista – O Grande deserto Botucatu, Parte I

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Texto original por Marcelo Adorna Fernandes – adaptações por Aline Ghilardi

Há aproximadamente 140 milhões de anos, durante o final do Período Jurássico e início do Período Cretáceo, a região onde hoje se localizam as cidades de Araraquara e São Carlos, no interior de São Paulo, era coberta por um imenso deserto que se extendia por uma superfície de cerca 1.600.000 km2 (do sul de Minas Gerais até o Uruguai).

Imagem ilustrativa de como se pareceria o antigo deserto de Botucatu.

Este antigo deserto, chamado de Botucatu, foi um dos maiores que já existiu na história do Planeta Terra, e nele, dinossauros e pequenos mamíferos caminharam em busca de água, que brotava em pontuadas lagoas – oásis – formadas entre as gigantescas dunas de areia. Estes animais pré-históricos deixaram suas pegadas enquanto prosseguiam em suas jornadas diárias, e fortuitamente, estes registros fossilizaram, deixando pistas valiosas sobre a vida misteriosa do passado.
As pegadas fossilizadas são encontradas hoje em lajes de arenito retiradas de algumas pedreiras de Araraquara e São Carlos. Estas lajes foram vastamente utilizadas durante os séculos passados para o calçamento público de diversas cidades do interior paulista. Hoje, as calçadas dessas cidades guardam um tesouro precioso de dezenas de milhões de anos….

Reconstituição da fauna extinta do antigo deserto Botucatu. Por Ariel Milani e Aline Ghilardi.

Como as pegadas fossilizaram?

Pegada de dinossauro carnívoro.

As pegadas deixadas pelos animais que habitavam o paleodeserto de Botucatu eram delicadamente recobertas pela areia trazida pelo vento, que formava camadas sobrepostas protegendo a pista do animal. Depois de milhões de anos, a areia das dunas compactou-se de tal maneira – por cimentação natural dos grãos devida aos sais minerais de sua composição – que transformou-se em rocha (arenito), preservando o registro da vida extinta.
As dunas do antigo deserto continham um certo teor de umidade que também ajudava na preservação das pegadas. Porém, a umidade não era suficiente para favorecer a fossilização dos restos ósseos de animais que ali caminhavam. O clima rigoroso, associado ao desgaste pela ação erosiva dos grãos de areia e o vento, destruía completamente os corpos dos animais. Por isso não encontramos fósseis corporais de dinossauros – ou outros bichos -, mas somente suas pegadas.

Pista de pequeno mamífero.

A raridade de fósseis nesse tipo de ambiente faz com que todas as informações a respeito da vida nos paleodesertos restrinja-se sempre à impressões – vestígios indiretos – como pegadas e escavações para fuga ou habitação, por exemplo.

Pista de pequeno dinossauro carnívoro e detralhe de uma pegada.

Os arenitos da Formação Botucatu

Com o passar do tempo, a areia deste imenso deserto foi sofrendo um processo de compactação. As camadas inferiores de areia foram sendo gradativamente cobertas por novas camadas que o vento trazia, e as pegadas foram “guardadas” num “arquivo sedimentar”. Camada após camada, a areia endureceu formando as rochas conhecidas como arenito, da Formação Botucatu, pertencente à Bacia do Paraná, a mesma rocha que compõe o Aqüífero Guarani.

Diagrama litoestratigráfico indicando o posicionamento da F,. Botucatu dentro da Bacia do Paraná.

Pedreira na cidade de Araraquara, SP, onde afloram os arenitos da Formação Botucatu. Ainda pode-se observar a inclinação da antiga paleoduna.

Calcamento de arenito em Araraquara, SP.

Pegadas no calçamento. Algumas são cobertas com cimento: Alguns moradores as tinham como ‘defeitos’ na calçada.
O arenito foi muito utilizado para calçamentos de vias públicas em Araraquara e região, conseqüentemente muitas pegadas são encontradas ainda hoje nas próprias calçadas de diversas cidades do interior paulista e inclusive na Capital.

O estudo do registro icnofossilífero

O estudo de um icnofóssil (vestígio preservado da atividade de um organismo) é de grande importância, pois pode auxiliar nas interpretações paleoambientais e paleoecológicas de um determinado período de tempo geológico, assim como evidenciar o comportamento dos diversos organismos fósseis.

As pegadas fósseis podem estar preservadas basicamente como impressões (epirrelevo côncavo), correspondendo a moldes das plantas dos pés do animal, e como contra-moldes (hiporrelevo convexo) produzidos pelos sedimentos sobrejacentes nas impressões originais. Devido ao peso, alguns animais poderiam ainda provocar deformações nas camadas inferiores do sedimento, formando as undertracks ou subpegadas.
A partir das pegadas fossilizadas é possível reconstruir o esqueleto do pé do animal, saber como era a pele e musculatura do pé. Também é possível conhecer relações ecológicas destes seres primitivos e sua influência nos ecossistemas. O estudo destes vestígios torna-se algo fascinante e que nos permite reconstruir, passo a passo, a trajetória da vida no Planeta.
O final da existência dos dinossauros do deserto no interior paulista foi selado por um grande evento magmático (registrado como a Fm. Serra Geral), no qual grandes fissuras na crosta terrestre derramaram magma sobre o paleodeserto, mudando o clima e a paisagem e determinando o fim do antigo ambiente do Botucatu. Isso se deu há pelo menos 135 milhões de anos.

Pegadas de pequeno mamífero.

Ilustração representando a antiga fauna do deserto Botucatu. Por Ariel Milani.

Maiores informações sobre o sítio paleontológico de Araraquara no site:
— Em próximos posts: “A fauna do Paleo-Deserto Botucatu”, “Xixi de dinossauro” e “Um estranho gigante nas dunas”

>Click Ciência: Paleontologia !

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A última edição da revista digital de divulgação científica “Click Ciência” veio com um tema especial este mês: A PALEONTOLOGIA.


A equipe editorial – composta por vários alunos e profissionais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – reuniu uma série de reportagens e entrevistas sobre variados temas dentro da paleontologia. Profissionais competentes de diversas instituições brasileiras foram entrevistados e a edição está cheia de informações fabulosas para todo tipo de público. Confira abaixo alguns dos temas abordados:

Reportagens: 

Entrevistas:

Resenhas:

Artigos:



Click aqui e confira: Click Ciência, edição 23, Fevereiro de 2011: Paleontologia


Boa leitura!!!

A Click Ciência é um trabalho do Laboratorio Aberto de Interatividade, o LAbI, especializado em todo tipo de divulgação científica. Para saber mais visite: http://programapaideia.wordpress.com/  ou 

>"O que todo mundo deveria saber sobre paleontologia??"

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Uma boa pergunta! Dr. Thomas Holtz aceita o desafio responde com uma lista de conceitos chave baseado na sua experiência como professor de paleontologia e geologia histórica.

Dr. Thomas Holtz discorre sobre a visão binocular de Tyrannosaurus. Fonte: http://forgottenarchosaurs.blogspot.com/

O texto original está em inglês e é retransmitido a partir do link abaixo:

“What Should Everyone Know About Paleontology?” – …: “The title question was recently asked by Roberto Takata on the Dinosaur Mailing List and Dr. Tom Holtz took up the challenge. I have re-post…” Fonte: Crurotarsi: The forgotten Archosaurs

Dr. Thomas Holtz é Ph.D. pela Yale University e Senior Lecturer pela University of Maryland, onde também é diretor do programa Earth, Life and Time. Trabalha com evolução, morfologia funcional, biomecânica e tendências adaptativas dos grandes grupos de vertebrados extintos, especialmente dinossauros terópodes. Seu web site AQUI.


Para facilitar o acesso dos falantes da língua portuguesa, no entanto, demos uma mãozinha e traduzimos …

“O que todos devem saber sobre Paleontologia?”
Por Thomas R. Holtz Jr.

Acredito que esta é uma boa pergunta. Quais são os elementos mais importantes da paleontologia que o público geral deve compreender? Figurei uma lista de conceitos-chave, baseados em experiências com o ensino da paleontologia e da geologia histórica, e também experiências menos formais de divulgação. Ofereci essa lista como uma maneira de alcançar um público amplo, e, aproveitando que esta é a “Semana de Darwin”, isto se tornou ainda mais apropriado: acredito que devemos utilizar esta ocasião para encorajar uma melhor compreensão das mudanças da Terra e da vida através do tempo geológico.


Por mais que eu gostasse de pensar de outra forma, os detalhes específicos da função dos membros de Tyrannosaurus rex ou as características das vértebras pneumáticas dos saurópodes realmente não são os elementos mais importantes do campo da paleontologia. Compreender e apreciar os pequenos pormenores da filogenia ou anatomia de cada ramo específico da Árvore da Vida não são conhecimentos realmente necessários para todos. Não são mais significantes do que o conhecimento detalhado da bioquímica bacteriana ou da divisão de minerais em uma câmara de magma (Na verdade, estes dois últimos itens afetariam muito mais a sociedade humana do que qualquer aspecto específico da paleontologia. Sob este ponto de vista, portanto, ser
iam muito mais importantes para a ciência da sociedade do que a própria história da vida.)



Dito isto, todas as sociedades humanas e muitos indivíduos se perguntam de onde viemos e como o mundo veio a ser do jeito que está. Esta é, na minha opinião, a maior contribuição da paleontologia: ela nos dá um vislumbre da história da Terra e da Vida, e especialmente nos ajuda a contar a nossa própria história.



Dividi a lista em duas seções. A primeira parte reúne temas gerais da paleontologia, abrangendo os principais elementos da geologia que alguém precisa saber para que o registro fóssil faça algum sentido; e a segunda parte, mais específica, reúne pontos-chave sobre a história da vida na Terra.

(NOTA: como a idéia desta lista é destiná-la ao público em geral, eu tentei evitar a terminologia técnica sempre que possível).

GERAL:

— Que as rochas são produzidas por vários fatores (da erosão à sedimentação; pelo metamorfismo, por atividade vulcânica, etc);
— Que as rochas não se formam em um único momento no tempo, mas em vez disso têm sido e continuam a ser geradas ao longo da história do planeta;
— Que os fósseis são restos ou vestígios de organismos e/ou de seu comportamento registrado nas rochas;
— Que as rochas (e os organismos que produziram os fósseis) podem ter milhares, milhões ou até bilhões de anos;
— Que espécies fósseis e as comunidades de organismos extintos encontrados em diferentes espaços geográficos e período de tempo diferem daquelas atuais e também entre si;
— Que, apesar dessas diferenças existe continuida
de entre a vida no passado e a vida no presente, e essa continuidade é um registro da evolução da vida;
— Que podemos usar os fósseis, em conjunto com os dados anatômicos, moleculares e do desenvolvimento de formas de vida, para reconstruir o padrão evolutivo da vida através do tempo;
— Que os fósseis são restos incompletos de coisas outrora vivas e que para reconstruir a maneira como os organismos que os produziram viveram, podemos:
— Documentar sua anatomia (tanto externa como interna – esta última com a utilização de CT Scan), e compará-la com a dos seres vivos atuais, a fim de estimar a sua função;
— Examinar a sua composição química para revelar aspectos de sua bioquímica;
— Examinar sua microestrutura para estimar padrões de crescimento;
— Modelar de suas funções biomecânicas utilizando técnicas de engenharia e outros;
— Investigar as suas pegadas, tocas e outros vestígios, a fim de revelar aspectos de sua locomoção e outros comportamentos enquanto estavam vivos;
— E coletar informações sobre as várias espécies que viveram juntos, a fim de reconstruir as comunidades passado.
— No entanto, mesmo com tudo isso, os fósseis ainda são necessariamente registros incompletos, e sempre haverão informações sobre a vida do passado que estarão perdidas para sempre. Aceitar isso é muito importante quando se trabalha com a paleontologia.
— Que os ambientes do passado eram diferentes dos atuais.
— Que têm havido episódios catastróficos em que frações importantes do mundo dos seres vivos foram extintas em um período muito curto de tempo: esses dados não poderiam ser conhecidos sem o registro fóssil;
Que ramos inteiros da árvore da vida morreram (por vezes em eventos de extinção em massa, mas também às vezes de forma gradual).
— Que certos nichos (de formadores de recifes, de predadores marinhos velozes, de herbívoros terrestres de grande porte, etc) foram ocupadas por grupos diferentes de organismos em diferentes períodos da História da Terra;
Que toda espécie vivente, cada organismo, tem um ancestral comum com todas os outros seres vivos em pelo menos algum momento na História de Vida.

ESPECÍFICOS:


Apesar do fato de questões específicas dentro da paleontologia serem as que mais atraem os paleontólogos, a mídia, e o cidadão médio, etc, elas são muito pouco significativas para o público geral. Os pontos acima são muito mais importantes. Infelizmente, as empresas de documentário e similares esquecem disso e uma grande parte do público permanece ignorante.

Realmente, no panorama geral, a distinção entre os dinossauros, pterossauros e crurotarsos são trivialidades em comparação com a compreensão básica de que o registro fóssil é o nosso documento da história da vida e as mudanças da Terra.



Resumir os pontos-chave da história da vida sobre a quase 4 bilhões de anos de história evolutiva é uma grande tarefa. Afinal, há uma tendência a concentrar-se naquilo que é espectacular e sensacionalista, em detrimento do que é o comum e no rotineiro. Como Stephen Jay Gould
e outros pesquisadores muitas vezes observaram, de um ponto de vista externo e puramente objetivo, nós sempre vivemos na Era das Bactérias e as mudanças
no último meio bilhão de anos quanto a animais e plantas, foram apenas superficiais


Mas a questão não era “o que deve um estrangeiro sem paixão ter como o aspecto modal da História da Vida? “, mas: “O que todos devem saber sobre paleontologia?”. Desde que somos mamíferos terrestres do final do Cenozóico, temos um interesse natural por eventos continentais e que ocorreram na parte mais recente da História da Terra. Isso é um viés justo: ele se concentra em quem somos nós e de onde nós viemos.



Dito isto, aqui está uma lista de conceitos-chave na história de vida. Outros pesquisadores poderão escolher outros momentos, ou não concordar com alguns que considero importantes. Ainda assim, acredito que a maioria dos itens dessa lista coincidem com os de colegas:

— A vida desenvolveu-se pela primeira vez no mar, e por quase toda a sua história foi confinada ali;

— Durante a maior parte da história da vida os organismos foram unicelulares (E hoje, a maior parte da diversidade continua a ser unicelular);

— A evolução da fotossíntese foi um evento crítico na história da Terra e da Vida: as coisas vivas foram capazes de afetar o planeta e sua química em uma escala global;

— A vida multicelular evoluiu repetidas vezes independentemente;

— As primeiras formas animais foram todas marinhas;

— Os principais grupos de animais divergiram entre si antes mesmo de terem a capacidade de produzir partes duras complexas;

— Há cerca de 540 milhões de anos, a capacidade de produzir partes duras tornou-se possível para uma ampla faixa de grupos animais: a partir disso, o registro fóssil tornou-se muito mais bem marcado;

— As plantas colonizaram a terra em uma série de estágios adaptativos. Isso transformou profundamente a superfície terrestre, e permitiu que os animais as seguissem;

— Para os primeiros 100 milhões de anos de existência dos animais com alguma forma de esqueleto, o nosso próprio grupo (os vertebrados) foi relativamente raro e consistia puramente de formas que se alimantavam de matéria suspensão. A evolução das mandíbulas, no entanto, permitiu ao nosso grupo diversificar-se em profusão, e a partir desse ponto em diante, os vertebrados – de uma forma ou outra – têm permanecido predadores na maioria dos ambientes marinhos;

— Florestas de plantas mais complexas – mais relacionadas à vegetação de pequeno porte de pântanos da atualidade – cobriram vastas regiões das planícies do Carbonífero.

— O soterramento desta vegetação antes que ela entrasse em decaimento levou à formação de grande parte do carvão que impulsionou a Revolução Industrial e continua a alimentar o mundo moderno;

— Enquanto que a maioria destas plantas carboníferas necessitava de uma superfície úmida para se propagar, um ramo desenvolveu um método de reprodução utilizando sementes. Esta adaptação lhes permitiu colonizar o interior dos continentes, e desde então, as plantas com sementes tornaram-se a forma dominante de plantas terrestres;
— Nos pântanos carboníferos, um grupo de artrópodes (os insetos) adquiriu a capacidade de voar. Desde ponto em diante, os insetos tornaram-se um dos grupos mais comuns e diversos de animais terrestres;
— Os primeiros vertebrados terrestres comumente eram muito competentes em locomover-se em terra quando adultos, mas tipicamente deveriam voltar para a água para reproduzir-se. Nos pântanos carboníferos um ramo destes animais evoluiu um tipo de ovo especializado que permitiu a reprodução independente da água;
Estas novas formas de vertebrados terrestres – os amniotas – diversificaram-se amplamente. Algumas formas seriam os ancestrais dos mamíferos modernos, enquanto que outros, os ancestrais dos répteis (incluindo as aves);
— Um evento de extinção enorme, o maior da história da vida na terra, devastou o mundo há cerca de 252 milhões de anos atrás. Ele foi causado pelos efeitos colaterais da erupção catastrófica de vulcões gigantes, e alterou radicalmente a composição das comunidades marinhas e terrestres;
— No período após a extinção Permo-Triássica, os répteis (e, especialmente, um ramo que inclui os ancestrais dos crocodilos e dinossauros) tornaram-se um grupo diversificado e ecologicamente dominante em meio a nichos de grande porte;

— Durante o Triássico, muitas das linhagens distintas de animais terrestres modernos (incluindo tartarugas, mamíferos, crocodilomorfos, lagartos, etc) apareceram. Outros grupos que seriam muito importantes no Mesozóico, mas viriam a desaparecer ainda no final deste período (como os pterossauros e os ictiossauros e plesiossauros), evoluíram também neste momento.

— Os dinossauros eram inicialmente um componente raro das comunidades terrestres no Triássico. Somente os sauropodomorfos foram ecologicamente diversos durante este período. No entanto, um evento de extinção em massa no final do Triássico (essencialmente a extinção Permo-Triássico em miniatura) permitiu aos dinossauros diversificarem-se;

— Durante o Jurássico os dinossauros diversificaram-se estrondosamente. Alguns adquiriram o gigantismo e outros evoluíram armaduras espetaculares. Alguns tornaram-se os maiores predadores que já caminharam sobre a superfície terrestre. Entre os pequenos dinossauros carnívoros, um revestimento isolante de penas evoluiu para cobrir o corpo (possivelmente de origem bastante antiga e compartilhada por todos os dinossauros). Entre os dinossauros com penas, evoluíram as aves;

— Outros grupos terrestres, como os pterossauros, crocodilos terrestres, mamíferos e insetos continuaram a diversificar-se em forma e hábitos;

— Durante o Jurássico e (sobretudo) o Cretáceo, uma grande transformação na vida marinha ocorreu. Algas verdes fitoplanctônicas foram deslocadas pelas algas vermelhas (que continuam a dominar os ecossistemas marinhos modernos); e uma grande variedade de novos predadores – como tubarões e arraias mais avançados, peixe teleósteos, moluscos, crustáceos e equinóides especializados – apareceram. Os animais sésseis de ambientes marinhos rasos, que dominavam as comunidades marinhas desde o Ordoviciano, tornaram-se raros eormas móveis, com natação ativa, ou ainda animais escavadores de substrato tornaram-se mais comuns;

— Durante o Cretáceo um grupo de plantas terrestres evoluiu as estruturas hoje chamadas de flores e frutos. Sua reprodução estava estreitamente ligada a colaboração com animais. Embora não tenha se tornado imediatamente o grupo ecologicamente dominante, este tipo de planta viria a ser o principal componente vegetal dos ecossistemas terrestres;

— O impacto de um asteróide gigante, juntamente com outras grandes mudanças ambientais que estavam em curso, trouxeram um fim para o Mesozóico. A maioria dos grupos de animais de grande porte em terra e mar, além de muitas formas pequenas, desapareceram. Os únicos dinossauros sobreviventes foram as aves;

— Durante o início do Cenozóico os mamíferos se estabeleceram como o grupo dominante de vertebrados terrestres de grande porte. Logo colonizaram também o ar e os oceanos;

— Durante o início da Era Cenozóica, o mundo era quente e úmido, parecido com o Cretáceo. No entanto, uma série de alterações na posição dos continentes, e o surgimento de cadeias montanhosas, causaram um resfriamento global e o início de um período mais seco;

— Enquanto o mundo resfriava-se, enormes áreas de pastagens desenvolveram-se (primeiro na América do Sul, e mais tarde em quase todos os continentes);

— Vários grupos de animais adaptados às novas condições desenvolveram-se. Os mamíferos herbívoros tornaram-se corredores rápidos, com dentições modificadas e organizados em bandos para proteção. Mamíferos predad
ores também tornaram-se mais rápidos e alguns evoluíram para formas grupos de caçadores sociais.

— Outras novas comunidades vegetais evoluíram, assim como suas comunidades animais associadas. A ascensão das pradarias modernas (formações vegetacionais dominadas por gramíneas) deu suporte a diversificação de roedores, sapos, rãs, cobras, aves canoras, entre outros;
— Um grupo de mamíferos arborícolas com cérebros muito grandes, complexas comunidades sociais, e polegares opositores – os primatas – evoluiu para diversas formas. Na África, um ramo destes animais adaptou-se para viver às margens de florestas, em áreas mistas com pastagem e, a partir deste ramo, evoluíram alguns que se tornaram bípedes;
— Este grupo de primatas reteve e desenvolveu ainda mais a capacidade de usar ferramentas de pedra, que seus antepassados florestais já produziam. Muitas linhagens de primatas bípedes evoluíram e algumas desenvolveram cérebros ainda maiores, associados a capacidade de produzir ferramentas mais complexas. É entre estes animais que os ancestrais dos humanos modernos e de outros parentes próximos evoluiram, e eventualmente se espalharam para fora da África, por todas as regiões do planeta.

— Cerca de 2,6 milhões de anos atrás uma série de fatores levou à condições glaciais. Vários grupos de animais desenvolveram adaptações para climas frios;

— Os primeiros seres humanos conseguiram colonizar grande parte do planeta e logo após sua chegada aos novos mundos, quase todas as espécies da fauna de grande porte nativa desapareceram;

— Em algum momento antes do ancestral comum de todos os seres humanos modernos se espalharem pelo planeta, a capacidade de ter uma linguagem complexa e simbólica evoluiu. Isto levou a muitas, muitas diversificações tecnológicas e culturais que mudaram muito mais rápido do que a biologia do próprio homem;

— Na Ásia ocidental e norte da África (e eventualmente em outras regiões), os seres humanos modernos desenvolveram técnicas para cultivar alimentos em condições controladas, levando à verdadeira agricultura (Em outras culturas são conhecidos por terem evoluído de forma independente técnicas proto-agrícolas);

— Esta revolução neolítica permitiu o desenvolvimento de comunidades sedentárias e a especialização das competências individuais dentro de uma comunidade (incluindo soldados, os metalúrgicos, os oleiros, os sacerdotes, governantes e com o surgimento da escrita, os escribas);

— A partir deste ponto, começamos a obter um registro escrito, e assim os historiadores podem tomar conta da história …

Esta lista não é abrangente, obviamente, e existem muitos elementos que eu tive que ignorar para mantê-la relativamente curta. Ainda assim, espero que este vislumbre ajude a nos colocar onde nos encaixamos como espécie numa perspectiva mais ampla da longa jornada da Vida. Uma jornada que só poderia ter sido traçada pelo estudo dos fósseis.