Entre os dias 16 e 18 desta semana, participamos do curso de Geocomunicação (i.e. divulgação de geociências), que ocorreu nas dependências da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, Recife, PE). Tivemos a honra de assistir palestras de vários pesquisadores brasileiros de destaque, que se empenham de alguma forma na área, e também do ilustre visitante, Professor Iain Stewart, da Universidade de Plymouth (Reino Unido). Iain Stewart é muito famoso entre o público geral por conta de vários documentários que produziu junto à rede televisiva BBC, como “Men of Rock” ou “How to Grow a Planet”, com a finalidade de divulgar as ciências geológicas.

Entre vários temas de grande relevância discutidos durante o evento, um deles, apresentado na palestra de abertura, chamou bastante a atenção e é ele que eu gostaria desenvolver hoje aqui no blog.
Além de todas as dificuldades comuns que você pode imaginar que um cientista que se empenha em divulgação de ciência possa enfrentar, talvez um problema que você nunca imaginaria que poderia existir é o grande preconceito entre os próprios colegas acadêmicos.
O que acontece é que muitos acadêmicos desprezam ou diminuem o trabalho de colegas que se empenham em divulgação de ciência para o público geral. Isso acontece em todo lugar. Inclusive com o Iain, no Reino Unido. Não é raro a comunidade acadêmica enxergar os divulgadores como em um “patamar inferior”, colocando-os em uma espécie de limbo, posicionados entre “os jornalistas” (vistos como seres menores e quase repulsivos) e o que eles consideram como “cientistas propriamente ditos”.
O mais engraçado é que, quando o cientista se desdobra nos dois campos (tanto pesquisa quanto divulgação – acredito que a maioria, devido as exigências do nosso sistema de contratação de professores/pesquisadores, mas posso estar enganada), a produção acadêmica dos divulgadores não raramente é completamente ignorada! Em outros casos, como no dos que optaram em algum momento de sua carreira por se dedicar exclusivamente a divulgação científica, o preconceito é ainda maior. Quando muito pelo contrário, não existe nenhum demérito nisso!
Existe a ideia de que dialogar com o público não é papel do cientista e que isso deve ser feito exclusivamente pelos jornalistas. Entende-se, que participar do processo de divulgação (em primeira pessoa) desprestigia o cientista e que para continuar sendo respeitado (e eu diria “temido”…), o pesquisador deve manter “uma distância segura do público”.
Sinceramente, na minha opinião, isso não passa de um reflexo da arrogância que infelizmente acompanha os papéis impressos com pomposos títulos e também uma forma de pedantismo e inveja. A ciência é um produto que pertence a toda a população, e se o cientista quer ser ouvido por suas descobertas, ele precisa também dialogar diretamente com o povo (não apenas em sala de aula com os seus estudantes). O medo da ciência e o posicionamento desconfiado em relação às descobertas científicas surge desse tipo de atitude. A ciência ainda está muito distante das pessoas. “Títulos” e um vocabulário rebuscado e difícil ainda são usados como forma de status para criar abismos entre cientistas e sociedade.
Professor Iain nos deu uma enxurrada de exemplos sobre como isso pode ser extremamente danoso para a ciência, como descobertas importantes da área da saúde serem ignoradas, vacinas serem demonizadas, milhares de pessoas morrerem por conta de desastres naturais, porque simplesmente não os compreendem, ou apoiar coisas como a extinção dos financiamentos para ciência ou o fim dos licenciamentos ambientais, etc. Isso já deveria ser suficiente para repensarmos o assunto!
Alguns colegas acadêmicos simplesmente se afastam da divulgação científica, porque não sabem como fazê-la (ou porque tem algum tipo de fobia). Até aí tudo bem. Mas daí para desprestigiar e diminuir o trabalho dos colegas que se empenham com o tal?!
A necessidade de simplificar a linguagem científica para o público geral, por exemplo, é um elemento chave para os divulgadores. Além de ter que ser muito bem pensada, inclusive para não subestimar a inteligência do público, tem que se tomar cuidado, porque a simplificação da linguagem pode ser uma faca de dois gumes. Uma simplificação exacerbada de um conceito pode fazer com que um tema se torne muito mais próximo do público geral, porém pode gerar entre os acadêmicos uma compreensão enviesada. O problema é que muitos colegas acadêmicos, ao invés de entender o que está em questão e colaborar positivamente, sentem-se *extremamente* ofendidos com esse processo e não medem palavras para critica-lo. Professor Iain já recebeu diversos comentários ofensivos de colegas como “obrigada pela divulgação de merda” e outras coisas piores. Sem contar, que esses mal entendidos podem até mesmo virar chacota entre os acadêmicos da área e mais uma forma de desprestigio e inferiorização do trabalho do divulgador.
Uma argumentação comum de colegas que são contra o envolvimento do cientista com o público geral por meio da divulgação em primeira pessoa é que o cientista já se preocupa demais com diversas questões muito mais importantes do que isso. Eu compreendo que temos muita coisa pra fazer. Afinal… também sou cientista, também publico artigos acadêmicos, também dou aula, também faço pesquisa e exensão (não sou só divulgadora, viu?!). Mas devolver para sociedade de forma acurada, palatável e bem explicada uma informação que ela mesma investiu não é importante? Humanizar a ciência não é importante? Extinguir o medo que as pessoas têm de ciência e dos cientistas não é crucial? A divulgação não vai somente aumentar o seu retorno em investimento? O retorno da sociedade não vai ajudar nas suas pesquisas?
Uma questão discutida durante o encontro de geocomunicação foi a possibilidade de se criar disciplinas de divulgação científica e ética nos cursos de ciências, como Física, Química, Matemática, Biologia, Geologia, etc. A conclusão geral foi: que já está mais do que na hora! Os currículos de cientistas precisam ser (urgentemente!) mais humanizados. Estamos criando demais “doutores Frankenstein” e “doutores Aronnax”…
Você, colega, que despreza o trabalho dos cientistas divulgadores é um perfeito tolo. Tudo o que você tem é medo de descer do seu pedestal. Desculpe a sinceridade, mas sua atitude realmente soa como insegurança quanto a si próprio e quanto ao seu trabalho. Talvez, você ainda esteja muito preso ao argumento da autoridade. Lembrando também, que cabelos brancos ou um par de anos a mais não mudam a força do seu argumento.
Ao invés de se esconder atrás dos seus preciosos títulos ou entrar em enfadonhas guerras de palavras para defender o seu ponto de vista preconceituoso e caduco, vamos começar a trabalhar juntos. Vamos procurar alcançar a população de múltiplas formas e compreender, de uma vez por todas, a importância fundamental de qualquer desdobramento que traga retornos positivos para a ciência. Já é difícil demais ter que abdicar um tempo de nossas vidas e pesquisas para parar e dialogar com o público geral, imagine ainda mais ter que lidar com a infantilidade de um bando de adultos guerreando para ver quem tem mais status.
Mesmo em um evento legal como esse de Geocomunicação que participamos, não foi difícil detectar grandes doses de hipocrisia com relação a esse tema. Sentimos falta, por exemplo, de apresentações de cientistas comunicadores que trabalham com mídias ‘mais populares’ como Blogs, Podcasts e YouTube (geralmente cientistas mais jovens!). Temos uma imensa lista de comunicadores importantes que poderiam ter sido chamados para apresentar os seus trabalhos, inclusive alguns premiados internacionalmente (como o Pirulla!). MAS infelizmente, predominou ainda uma “lambeção acadêmica”. Não diminuindo o trabalho dos colegas que foram convidados para apresentação, mas apenas dizendo que faltou representatividade de uma parcela extremamente significativa da comunicação científica atual. (Aí aqui me pergunto, o cientista que divulga ciência por meio de blogs, podcasts e vídeos é ainda mais excluído?!)
Meu recado final é: nós, cientistas, precisamos valorizar mais os nossos comunicadores (de todas as mídias). Precisamos valorizar a comunicação. A comunicação de ciência feita por cientistas tem que ter mais espaço. A ciência evoluiu. Não devemos ficar presos ao século XVIII. A ciência não é mais uma conversa restrita a um minúsculo círculo de pessoas abastadas. Não é mais questão de status. A ciência é uma questão que diz respeito a todos.
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Aproveite e veja aqui o vídeo que gravamos com Iain Stewart (clique na imagem para ser redirecionado ao YouTube):