O preconceito acadêmico com os divulgadores

Entre os dias 16 e 18 desta semana, participamos do curso de Geocomunicação (i.e. divulgação de geociências), que ocorreu nas dependências da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, Recife, PE). Tivemos a honra de assistir palestras de vários pesquisadores brasileiros de destaque, que se empenham de alguma forma na área, e também do ilustre visitante, Professor Iain Stewart, da Universidade de Plymouth (Reino Unido). Iain Stewart é muito famoso entre o público geral por conta de vários documentários que produziu junto à rede televisiva BBC, como “Men of Rock” ou “How to Grow a Planet”, com a finalidade de divulgar as ciências geológicas.

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Iain Stewart

Entre vários temas de grande relevância discutidos durante o evento, um deles, apresentado na palestra de abertura, chamou bastante a atenção e é ele que eu gostaria desenvolver hoje aqui no blog.

Além de todas as dificuldades comuns que você pode imaginar que um cientista que se empenha em divulgação de ciência possa enfrentar, talvez um problema que você nunca imaginaria que poderia existir é o grande preconceito entre os próprios colegas acadêmicos.

O que acontece é que muitos acadêmicos desprezam ou diminuem o trabalho de colegas que se empenham em divulgação de ciência para o público geral. Isso acontece em todo lugar. Inclusive com o Iain, no Reino Unido. Não é raro a comunidade acadêmica enxergar os divulgadores como em um “patamar inferior”, colocando-os em uma espécie de limbo, posicionados entre “os jornalistas” (vistos como seres menores e quase repulsivos) e o que eles consideram como “cientistas propriamente ditos”.

O mais engraçado é que, quando o cientista se desdobra nos dois campos (tanto pesquisa quanto divulgação – acredito que a maioria, devido as exigências do nosso sistema de contratação de professores/pesquisadores, mas posso estar enganada), a produção acadêmica dos divulgadores não raramente é completamente ignorada! Em outros casos, como no dos que optaram em algum momento de sua carreira por se dedicar exclusivamente a divulgação científica, o preconceito é ainda maior. Quando muito pelo contrário, não existe nenhum demérito nisso!

Existe a ideia de que dialogar com o público não é papel do cientista e que isso deve ser feito exclusivamente pelos jornalistas. Entende-se, que participar do processo de divulgação  (em primeira pessoa) desprestigia o cientista e que para continuar sendo respeitado (e eu diria “temido”…), o pesquisador deve manter “uma distância segura do público”.

Sinceramente, na minha opinião, isso não passa de um reflexo da arrogância que infelizmente acompanha os papéis impressos com pomposos títulos e também uma forma de pedantismo e inveja. A ciência é um produto que pertence a toda a população, e se o cientista quer ser ouvido por suas descobertas, ele precisa também dialogar diretamente com o povo (não apenas em sala de aula com os seus estudantes). O medo da ciência e o posicionamento desconfiado em relação às descobertas científicas surge desse tipo de atitude. A ciência ainda está muito distante das pessoas. “Títulos” e um vocabulário rebuscado e difícil ainda são usados como forma de status para criar abismos entre cientistas e sociedade.

Professor Iain nos deu uma enxurrada de exemplos sobre como isso pode ser extremamente danoso para a ciência, como descobertas importantes da área da saúde serem ignoradas, vacinas serem demonizadas, milhares de pessoas morrerem por conta de desastres naturais, porque simplesmente não os compreendem, ou apoiar  coisas como a extinção dos financiamentos para ciência ou o fim dos licenciamentos ambientais, etc. Isso já deveria ser suficiente para repensarmos o assunto!

Alguns colegas acadêmicos simplesmente se afastam da divulgação  científica, porque não sabem como fazê-la (ou porque tem algum tipo de fobia). Até aí tudo bem. Mas daí para desprestigiar e diminuir o trabalho dos colegas que se empenham com o tal?!

A necessidade de simplificar a linguagem científica para o público geral, por exemplo, é um elemento chave para os divulgadores. Além de ter que ser muito bem pensada, inclusive para não subestimar a inteligência do público, tem que se tomar cuidado, porque a simplificação da linguagem pode ser uma faca de dois gumes. Uma simplificação exacerbada de um conceito pode fazer com que um tema se torne muito mais próximo do público geral, porém pode gerar entre os acadêmicos uma compreensão enviesada. O problema é que muitos colegas acadêmicos, ao invés de entender o que está em questão e colaborar positivamente, sentem-se *extremamente* ofendidos com esse processo e não medem palavras para critica-lo. Professor Iain já recebeu diversos comentários ofensivos de colegas como “obrigada pela divulgação de merda” e outras coisas piores. Sem contar, que esses mal entendidos podem até mesmo virar chacota entre os acadêmicos da área e mais uma forma de desprestigio e inferiorização do trabalho do divulgador.

Uma argumentação comum de colegas que são contra o envolvimento do cientista com o público geral por meio da divulgação em primeira pessoa é que o cientista já se preocupa demais com diversas questões muito mais importantes do que isso. Eu compreendo que temos muita coisa pra fazer. Afinal… também sou cientista, também publico artigos acadêmicos, também dou aula, também faço pesquisa e exensão (não sou só divulgadora, viu?!). Mas devolver para sociedade de forma acurada, palatável e bem explicada uma informação que ela mesma investiu não é importante? Humanizar a ciência não é importante? Extinguir o medo que as pessoas têm de ciência e dos cientistas não é crucial? A divulgação não vai somente aumentar o seu retorno em investimento? O retorno da sociedade não vai ajudar nas suas pesquisas?

Uma questão discutida durante o encontro de geocomunicação foi  a possibilidade de se criar disciplinas de divulgação científica e ética nos cursos de ciências, como Física, Química, Matemática, Biologia, Geologia, etc. A conclusão geral foi: que já está mais do que na hora! Os currículos de cientistas precisam ser (urgentemente!)  mais humanizados. Estamos criando demais “doutores Frankenstein” e “doutores Aronnax”…

Você, colega, que despreza o trabalho dos cientistas divulgadores é um perfeito tolo. Tudo o que você tem é medo de descer do seu pedestal. Desculpe a sinceridade, mas sua atitude realmente soa como insegurança quanto a si próprio e quanto ao seu trabalho. Talvez, você ainda esteja muito preso ao argumento da autoridade. Lembrando também, que cabelos brancos ou um par de anos a mais não mudam a força do seu argumento.

Ao invés de se esconder atrás dos seus preciosos títulos ou entrar em enfadonhas guerras de palavras para defender o seu ponto de vista preconceituoso e caduco, vamos começar a trabalhar juntos. Vamos procurar alcançar a população de múltiplas formas e compreender, de uma vez por todas, a importância fundamental de qualquer desdobramento que traga retornos positivos para a ciência. Já é difícil demais ter que abdicar um tempo de nossas vidas e pesquisas para parar e dialogar com o público geral, imagine ainda mais ter que lidar com a infantilidade de um bando de adultos guerreando para ver quem tem mais status.

Mesmo em um evento legal como esse de Geocomunicação que participamos, não foi difícil detectar grandes doses de hipocrisia com relação a esse tema. Sentimos falta, por exemplo, de apresentações de cientistas comunicadores que trabalham com mídias ‘mais populares’ como Blogs, Podcasts e YouTube (geralmente cientistas mais jovens!). Temos uma imensa lista de comunicadores importantes que poderiam ter sido chamados para apresentar os seus trabalhos, inclusive alguns premiados internacionalmente (como o Pirulla!). MAS infelizmente, predominou ainda uma “lambeção acadêmica”. Não diminuindo o trabalho dos colegas que foram convidados para apresentação, mas apenas dizendo que faltou representatividade de uma parcela extremamente significativa da comunicação científica atual. (Aí aqui me pergunto, o cientista que divulga ciência por meio de blogs, podcasts e vídeos é ainda mais excluído?!)

Meu recado final é: nós, cientistas, precisamos valorizar mais os nossos comunicadores (de todas as mídias). Precisamos valorizar a comunicação. A comunicação de ciência feita por cientistas tem que ter mais espaço. A ciência evoluiu. Não devemos ficar presos ao século XVIII. A ciência não é mais uma conversa restrita a um minúsculo círculo de pessoas abastadas. Não é mais questão de status. A ciência é uma questão  que diz respeito a todos.

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Aproveite e veja aqui o vídeo que gravamos com Iain Stewart (clique na imagem para ser redirecionado ao YouTube):

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Encerramento de nossa campanha no Kickante!

Ontem, no fim do dia, encerrou o prazo de nossa campanha no Kickante. Foram 60 dias e  63 apoiadores. Arrecadamos não só o valor esperado, mas cerca de 15% a mais do que esperávamos!!

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Gostaríamos MUITO de agradecer a todos que apoiaram! Não só aos que contribuíram financeiramente com o valor que podiam, mas também a todos aqueles que acompanharam, compartilharam e torceram por uma conclusão positiva de tudo isso. Muito obrigada!!

Agora, estamos no aguardo de instruções do Kickante. Aparentemente teremos até 15 dias para ter acesso ao valor arrecadado. Pelos nossos cálculos, será possível comprar, além da câmera nova e  do microfone, o aparato de iluminação! Então, estamos ansiosos <3. Vocês ficarão sabendo de cada etapa lá pelo mini-blog da campanha.

Nos próximos 15 dias esperamos também entrar em contato com todos os que solicitaram recompensas que incluem escolher a temática de um ou mais vídeos de nosso canal. Então, fiquem ligados!

Agora sim, nosso canal vai ARRASAR!!!  Se inscreve aí:
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Nossos agradecimentos especiais vão para:

Alessandro Bastos Ferreira
Alex Barbosa
Ana Carolina Dalla Vecchia
André Luiz Neves da Silva
Beatriz Ghilardi
Carlos Alejandro Rico Guevara
Diogo Theobaldo da Cruz
Douglas Miranda
Gabriel Rubens
Gislaine Rosa
Giuliana Miranda Santos
Guilherme Raffaeli Romero
Helder da Rocha
Helio e Eloisa Pacheco
Hevisley Ferreira
Hugo Napoleão Bezerra Aragão
Igor Lemos
Izabel Lima dos Santos
Jesse Jesus
João Carlos Moreno de Sousa
João Paulo Reis
Jonathan Zanella
Juan Cisneros
Julia Back Comandolli
Keila Matsumura
Leandro Araujo
Leticia Emidio
Lilian Pavani
Ludson Neves de Ázara
Maico Moura
Marcelo Adorna Fernandes
Marcelo Reis
Marcelo Vargas dos Santos
Marcos Paulo
Maria Lucinda Morais
Mário Durando
Melissa Fasano
Naieni Ferraz
Nicholas Bittencourt
Patrick Król Padilha
Paulo Sérgio Guimarães Lopes de Castro
Pietro Antognioni Alves
Ricardo Dias Alves
Richard Carvalho da Silva
Rodolfo Nogueira Soares Ribeiro
Rodrigo Calegario
Rodrigo Giesta Figueiredo
Rodrigo Satoro Mizobe
Silvia Naylor
Tahiana D’Egmont
Tiago Rodrigues Simoes
Vinicius Carvalho
Viviani Zaffani

Vocês fazem a diferença!!!
Além disso, gostaríamos de agradecer também aos doadores anônimos e todos aqueles abdicaram das recompensas. Um por todos e todos por um!!

Análise quantitativa dos fósseis de Dinossauros do Brasil e da Argentina

Esta contribuição foi feita pelo aluno de graduação da Universidade Federal de Uberlândia chamado Rodolfo Otávio dos Santos. Atualmente ele se encontra no 5º periodo do curso de Ciências Biológicas e está estagiando no Laboratório de Paleontologia da UFU (https://www.facebook.com/PaleoUFU). Devido ao seu interesse na área e de auxiliar na divulgação sobre tais assuntos ele seguirá contribuindo com mais postagens sobre os mais variados tópicos (obs: aguardem temas nerds hehe).
Então vamos ao texto!
Entre 225 e 65 milhões de anos, durante a Era Mesozóica, o planeta Terra foi dominado pelos Dinossauros, principalmente pelas linhagens não-avianas. Na região onde hoje é a América do Sul, mais especificamente Brasil e Argentina, numerosas espécies desses animais prosperaram e deixaram muitas evidências deste passado remoto, sob a forma de fósseis. Considerando-se a geografia atual, o Brasil possui uma área de aproximadamente 8,5 milhões de km², enquanto nossos vizinhos têm apenas cerca de 2,8 milhões de km². Numa análise superficial, levando em conta apenas a área total, espera-se que o país com maior território possua uma quantidade superior de espécies preservadas na forma de fósseis. Porém, até o ano de 2010, mais de 110 fósseis de diferentes espécies de dinossauros foram encontrados em terras argentinas, enquanto no território brasileiro, até o mesmo periodo, pouco mais de 20. Este cenário se mantém até os dias atuais em termos de proporção. Este texto busca explicar as razões para tamanha diferença na quantidade de espécies de dinossauros entre os dois países tendo como base as discussões iniciadas por Anelli (2010).
 
Os fósseis de dinossauros são conhecidos pelo homem há milênios: Na China, dois mil anos atrás, em rochas jurássicas, esqueletos fossilizados eram encontrados e atribuídos a dragões. Apenas no séc. XIX o ser humano passou a compreender melhor a origem e preservação dos fósseis, graças a avanços científicos importantes da Biologia e da Geologia. No Brasil, durante os períodos colonial e Imperial, e o início da República, vários relatos atribuem fósseis de vertebrados a dinossauros. Porém, sabe-se que a maioria dessas atribuições na verdade não correspondiam a dinossauros, e sim a outros grupos próximos (Crocodilomorfos, por exemplo). Além disso, muitos materiais foram enviados para fora do país, e acabaram se perdendo, não havendo como confirmar sua afinidade para com os dinossauros. O primeiro paleontólogo a realizar trabalhos mais consistentes no Brasil foi o dinamarquês Peter Wilhelm Lund, que chegou ao país em 1825 e por vinte anos procurou por fósseis no estado de Minas Gerais, sendo então considerado o pai da paleontologia brasileira.
 
Lund, porém, estava interessado em prospectar e estudar vestígios de seres humanos pré-históricos, tendo explorando rochas do período Pleistocênico, muito mais recentes do que aquelas onde se espera encontrar os dinossauros não avianos, há muito já extintos. Foi o gaúcho Llewellyn Ivor Price, durante a década de 30 do século XX que iniciou os estudos de dinossauros de forma mais profunda no Brasil. Price realizou escavações no triângulo mineiro, na região de Peirópolis, e no Rio Grande do Sul, coletando fósseis de crocodilos e dinossauros. No ano de 1970 foi descrito o primeiro dinossauro brasileiro, o Staurikosaurus pricei Colbert, 1970, a partir de fósseis coletados por Price, cujo nome o homenageava. Vale ressaltar que embora esta seja a primeira espécie descrita para o Brasil, seu material encontra-se depositado em coleções estrangeiras. Enquanto isso, na Argentina, os irmãos Florentino e Carlos Ameghino, pioneiros da paleontologia no país, realizaram escavações em rochas da Era Mesozóica, encontrando e descrevendo o primeiro fóssil de dinossauro argentino, o Argyrosaurus superbus Lydekker, 1893, no ano de 1893, 77 anos antes do Staurikosaurus pricei. Na década de 70, quando o Brasil possuía apenas um dinossauro descrito, já eram conhecidas 23 espécies argentinas.
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A esquerda Peter Wilhelm Lund e a direita Llewellyn Ivor Price, grandes paleontologos do cenário brasileiro.
Nos anos 2000, a Paleontologia ganhou destaque na mídia, graças a filmes como “Jurassic Park”, o que influenciou positivamente a quantidade de pesq uisas sobre dinossauros no Brasil. Porém, ainda assim, a proporção de fósseis encontrados na Argentina continuou sendo maior em relação à brasileira. Portanto, há outros fatores, além do tempo de pesquisa, que explicam a diferença dos números.
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A grande e comovente cena final do Jurassic Park (1993) que motivou uma nova geração de paleontólogos (fonte: http://vignette4.wikia.nocookie.net/jurassicpark/images/a/ae/T-rex-jurassic-park-1-.jpg/revision/latest?cb=20120816155226)
 
Os fósseis são encontrados majoritariamente em rochas sedimentares. Comparado à Argentina, o Brasil possui uma área aproximadamente quatro vezes maior onde existem afloramentos de rochas sedimentares da Era Mesozóica. Na mais antiga das subdivisões da Era Mesozóica, o Período Triássico, fósseis de dinossauros são raros, não apenas na América do Sul, e sim em todo mundo. Isso ocorre porque apesar das principais linhagens de dinossauros já terem aparecido neste momento, elas ainda não haviam se diversificado, o que só ocorreu de forma expressiva no período seguinte, o Jurássico. São conhecidos doze fósseis argentinos desse período, e no Brasil, seis. Levando em consideração essa baixa diversificação dos dinossauros triássicos, conclui-se que a pequena diferença nos números de fósseis entre os dois países não é suficiente para explicar a enorme variação dos números totais. Essa variação provavelmente está condicionada a quantidade de rochas aflorantes de tal idade e com registros de dinossauros, sendo no Brasil estas predominantemente limitadas ao sul do pais enquanto que na Argentina há uma maior diversidade de formações geológicas para este periodo.
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Espécime de Sacisaurus “aguardando sua descoberta”. O gênero Sacisaurus é um dos grupos de dinossauros que habitaram o sul do Brasil durante o periodo Triássico. (fonte: http://sites.ffclrp.usp.br/paleo/galeria_final/photos/foto32.jpg)
A grande irradiação dos dinossauros durante o Jurássico refletiu no registro fossilífero, pois os restos desses animais são abundantes em todo planeta em rochas desse período. Entretanto, na América do Sul, fósseis de dinossauros jurássicos não são comuns. Isso ocorre graças à imperfeição do registro fossilífero, que é condicionado pela existência de bacias sedimentares, locais cujo sedimentos se depositam e acumulam dando origem, posteriormente, as rochas sedimentares. No Brasil existem poucos locais com rochas sedimentares jurássicas, e em nenhuma delas dinossauros foram encontrados. As poucas rochas jurássicas sul americanas com chances boas de encontrar fósseis dinossauros estão na região oeste da Argentina, onde sete espécies foram descritas. Essa pequena diferença, no entanto, novamente não explica a enorme desigualdade nos números, restando então analisar as rochas do período seguinte, o Cretáceo.
 
O registro fóssil nos mostra que os dinossauros alcançaram sua máxima diversificação durante o período Cretáceo. De fato, cerca de 80% dos dinossauros conhecidos da América do Sul são cretáceos, e destes, aproximadamente 90% foram encontrados na Argentina. Isso mostra que a grande diferença entre a quantidade de fósseis dos dois países se deve, principalmente, a fatores ligados às rochas do período Cretáceo. O primeiro deles relaciona-se com a quantidade de camadas de rochas (sucessão sedimentar), muito mais espessa na Argentina do que no Brasil. Sendo assim, mesmo havendo maior área de afloramentos em nosso país, na Argentina existem mais camadas onde fósseis foram encontrados. As 24 camadas fossilíferas (28, se os icnofósseis de pegadas e ovos forem contabilizados) abrangem quase todas as idades do período Cretáceo, enquanto no Brasil, até o momento, apenas em cinco camadas foram encontrados dinossauros, sendo representados em cerca de cinco idades do Cretáceo. Com a maior diversidade de idades, há maior chance de se encontrar diferentes espécies.
 
Outro fator determinante para uma grande biodiversidade é o paleoclima. Analisando a biota terrestre atual, pode-se perceber que regiões com clima quente e úmido, como as florestas tropicais, possuem uma maior diversidade de espécies em detrimento àquelas com clima mais seco, como os desertos. Basicamente, a maior disponibilidade de recursos nesses locais (luz solar, água, entre outros) permite o desenvolvimento de um maior número de plantas, que por sua vez sustentam um número maior de animais herbívoros, e estes, de carnívoros. No passado, essa relação entre clima e biodiversidade também existia, e durante as fases do período Cretáceo argentino que ficaram preservadas nas rochas, o clima predominante era o subtropical úmido, com extensas florestas que se desenvolviam no entorno de lagos e de regiões pantanosas. A principal evidência deste cenário vem dos inúmeros fósseis de vegetais encontrados nas rochas cretáceas argentinas, e essa riqueza de recursos certamente atraía os dinossauros, que também deixaram os vestígios de sua presença.
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Reconstituição paleoambiental durante o Cretáceo na região do sudoeste paulista. Elucidando o clima árido da época e seus rios entrelaçados. (Fonte: https://pepiart.files.wordpress.com/2012/07/monte1.jpg)
Já no Brasil, as evidências sugerem que nas bacias sedimentares do Cretáceo onde foram encontrados fósseis de dinossauros (Bauru, Araripe e São Luís-Grajaú) predominava o clima semiárido, ao menos nas regiões até o momento estudadas (o que não significa que durante mais de 80 milhões de anos essas regiões possuíam apenas este tipo climático). Na Bacia Bauru, por exemplo, os fósseis de vegetais são raramente encontrados, um indicativo de que as plantas estavam presentes na região, mas sua preservação não foi favorecida pelo ambiente deposicional. Na Bacia do Araripe os fósseis de dinossauros encontrados foram depositados sobre uma laguna, propiciando um ambiente de deposição de baixa energia, que também possibilitou a preservação de espécies vegetais. Porém, muitas dessas plantas fossilizadas são indicadoras de um clima semiárido, como pro exemplo a araucariácea Brachyphyllum. Por fim, na Bacia de São Luís-Grajaú, as evidências também apontam um clima semiárido, porém a proximidade com o oceano Atlântico permitiu certa retenção de umidade, propiciando a presença de uma maior variedade de espécies vegetais que foram preservadas, como samambaias, coníferas e angiospermas, bem como de dinossauros. De fato, essas rochas contêm o maior número de fósseis de dinossauros do Brasil, porém devido a outros fatores que serão abordados na seqüência, a maioria deles não permite uma identificação precisa.
 
Outro fator crucial para a preservação de fósseis é o grau de transporte aos quais os restos são submetidos. Eventos de transporte acabam por retrabalhar o fóssil, ocasionando desarticulação e fragmentação do esqueleto, e consequentemente, perda de informações valiosas para a identificação de tais restos. Na Bacia Bauru, como comentado anteriormente, o clima era semiárido. Sendo assim, as chuvas eram concentradas em poucas estações do ano, sendo torrenciais, num tipo de regime hídrico que favorece o aparecimento de rios entrelaçados, Neste tipo de rio, a quantidade de sedimentos presente é muito maior do que aquela que o rio consegue transportar, Os sedimentos então ficam depositados no próprio canal, e a água precisa abrir novos espaços para fluir, criando uma feição entrelaçada. Nos anos seguintes, novas chuvas fazem com que o processo se repita, e a água acaba atravessando os canais em que os sedimentos com esqueletos estavam acabando por desarticulá-los de acordo com a sua densidade, fazendo com que boa parte dos ossos ficasse exposta ao intemperismo, desaparecendo gradualmente. Muitos dentes e pequenos fragmentos fossilizados são encontrados na região, pois estes são mais resistentes aos processos de transporte e diagênesis, porém essas partes muitas vezes não são suficientes para identificação de uma espécie.
 
Já na Bacia de São Luis-Grajaú, os esqueletos sofreram com um tipo de retrabalhamento diferente, ocasionado pelas forças da maré, pois no passado o local era um grande estuário, uma região onde a força das marés adentrava pelo rio, que era circundado por uma vegetação densa, capaz de prover recursos para muitas espécies de dinossauros. Porém, o efeito do vaivém das marés era grande, e os esqueletos ali depositados eram retrabalhados, sendo constantemente fragmentados, transportados e destruídos. Assim como na Bacia Bauru, apenas partes mais densas, como vértebras e dentes conseguiam suportar estes eventos sem se fragmentar, e são hoje encontradas nas rochas da região. Por fim, como foi visto, a laguna que serviu como ambiente deposicional da Bacia do Araripe propiciou um bom ambiente de deposição de sedimentos, com pouca energia de transporte. De fato, muitos fósseis de peixes e outros organismos aquáticos são encontrados em excelente estado de conservação. Os fósseis de dinossauros, porém, são raros, pois o modo de vida desses animais não estava tão diretamente relacionado com a água. Portanto, além do clima semiárido, o tipo de ambiente deposicional foi um fator crucial para que o Brasil tivesse uma menor quantidade de fósseis diagnósticos de dinossauros.
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Exemplo de dinossauro (Oxalaia quilombensis) encontrado nos depósitos da Bacia de São Luis-Grajaú mostrando o alto grau de retrabalhamento e fragmentação dos materiais da região. (Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-5ImRSMo_z6A/Tme-JCGjQ6I/AAAAAAAAAnw/9_6B4LNW6kc/s320/Oxalaia+%25282%2529.jpg)
 
Finalmente, o último e mais importante fator determinante na diferença dos números de espécies de dinossauros entre os dois países está relacionado com o clima atual de Brasil e Argentina. Em nosso país, as bacias sedimentares onde os fósseis são encontrados estão localizadas em regiões com alta taxa de insolação e/ou elevados índices pluviométricos, além de em sua maioria as bacias hidrográficas se sobreporem quase que por completo as bacias sedimentares (por exemplo a Bacia do rio Paraná que se sobrepõem à Bacia Sedimentar do Paraná). Tal situação favorece a ação do intemperismo, tanto o físico, responsável pela dilatação e contração térmica, quanto o químico, onde a água proveniente das chuvas reage com os elementos químicos que compõe a rocha e altera sua composição, transformando-a em solo, juntamente com os fósseis nela preservados. Devido a isso, a maior parte das camadas de rochas sedimentares brasileiras está coberta por estratos de solo de grande espessura, o que impede que os paleontólogos tenham acesso aos fósseis nela contidos. Apenas em regiões onde a rocha foi cortada no intuito de abrir espaço para a construção de rodovias e ferrovias, ou então em margens de rios expostas à erosão por eles causada, é possível observar o afloramento das rochas sedimentares e dos fósseis, porém essas áreas representam somente uma pequena parcela do total de rochas com potencial fossilífero.
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Ilustrando o alto indice pluviométrico no Brasil, inclusive havendo regiões com tempestades tropicais. (Fonte: https://eco4u.files.wordpress.com/2011/06/tempestade.jpg)
 
Já na Argentina, o cenário é completamente oposto, pois diversos fatores, como a Corrente fria de Humboldt, a presença da Cordilheira dos Andes, entre outros, tornam o clima mais seco nas áreas em que são encontradas rochas sedimentares, diminuindo os efeitos do intemperismo, fazendo com que a camada de solo seja muito fina, impossibilitando o estabelecimento de uma cobertura vegetal e expondo a maioria das rochas e, consequentemente, dos fósseis, assim como acontece em outras regiões do planeta com condições semelhantes, como, por exemplo, o deserto de Gobi, na Mongólia e o meio oeste americano, notáveis pela imensa quantidade dos mais variados fósseis.
 
Em suma, os dois últimos fatores abordados – o grau de retrabalhamento dos fósseis brasileiros, e a pequena disponibilidade de rochas sedimentares expostas – são apontados como fatores responsáveis pela grande discrepância dos números de fósseis de dinossauros entre Brasil e Argentina. Entretanto, locais ainda pouco explorados em nosso país, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, podem futuramente mostrar um cenário diferente, onde as condições necessárias para a formação e preservação dos fósseis sejam melhores, tornando possível diminuir essa diferença no número de espécies encontradas. Além disso, evidências provenientes da paleoicnologia apontam uma diversidade muito maior de dinossauros para o território brasileiro, como as ocorrências de pegadas de Ornithischia enquanto ainda não registro de materiais fósseis corporais destes animais.
Referências bibliográficas:
ANELLI, L. E. O guia completo dos Dinossauros do Brasil. 1 ed. São Paulo: Peirópolis, 2010. 222 p.

Conheça Teyujagua, uma nova (e estranha!) espécie fóssil da região Sul do Brasil

Um grupo de pesquisa multinacional, incluindo cientistas de três universidades brasileiras e um pesquisador do Reino Unido, identificou uma nova espécie de réptil fóssil que viveu há 250 milhões de anos no Rio Grande do Sul. A descoberta ajuda a explicar como foi a evolução inicial do grupo de animais que originou os dinossauros, pterossauros, jacarés e aves.

Ilustração de Voltaire Paes
Ilustração de Voltaire Paes

A nova espécie, identificada a partir de um crânio bastante completo e bem preservado, foi batizada de Teyujagua paradoxa. O trabalho foi publicado no periódico científico Scientific Reports, do grupo Nature, em 11 de março de 2016,

“O Teyujagua é bem diferente de outros fósseis de mesma idade. Sua anatomia mostra que este animal era um intermediário entre répteis primitivos e os arcossauriformes, grupo bastante diversificado que inclui todos os dinossauros extintos, além das aves e jacarés atuais”, explica Felipe Pinheiro, professor da Unipampa (Universidade Federal do Pampa) e coautor do trabalho.

Figura 2 - Fotografias
Fóssil de Teyujagua

A descoberta de Teyujagua comprova que os arcossauriformes se tornaram diversos após um grande evento de extinção em massa que ocorreu há 252 milhões de anos. Esta extinção eliminou cerca de 90% de todas as espécies de seres vivos, sendo desencadeada pelo efeito estufa causado por imensas erupções vulcânicas que ocorreram no leste da Rússia. Depois da extinção, o planeta estava despovoado, o que deu oportunidade para que alguns grupos de animais crescessem em número e diversidade. Após essa diversificação inicial, os arcossauriformes se tornaram animais dominantes nas faunas terrestres do planeta, originando incontáveis formas carnívoras e herbívoras. Teyujagua foi encontrado em rochas do início do período Triássico, testemunhando a recuperação da diversidade biológica após a extinção do período Permiano.

O nome do animal, Teyujagua, significa “réptil feroz” na língua Guarani. Faz referência a Teyú Yaguá, um personagem mitológico indígena, representado por um lagarto com cabeça de cachorro.

O Teyujagua era um animal pequeno, quadrúpede, com cerca de 1,5 m de comprimento. Seus dentes curvados, agudos e serrilhados indicam uma alimentação carnívora. As narinas de Teyujagua eram localizadas na parte de cima do focinho, o que é característico de animais aquáticos ou semiaquáticos, como os jacarés atuais. O Teyujagua provavelmente vivia às margens de rios e lagos, caçando anfíbios primitivos e pequenos répteis parecidos com lagartos, os procolofonídeos.

Figura 4 - Desenho
Reconstituição do crânio de Teyujagua

O fóssil foi encontrado no começo do ano 2015 pela equipe do Laboratório de Paleobiologia da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) no município de São Francisco de Assis, Rio Grande do Sul

Os pesquisadores continuam realizando escavações na localidade onde Teyujagua foi encontrado, com a constante recuperação de novos fósseis. Estas novas descobertas nos darão informações sobre como eram os ecossistemas terrestres em uma época anterior ao surgimento dos primeiros dinossauros e como as faunas se recuperam após grandes extinções em massa.

Figura 5 - Trabalho de campo
Pesquisadores da Unipampa em campo, no afloramento onde o fóssil foi encontrado

O trabalho completo pode ser encontrado em:  www.nature.com/articles/srep22817 

PARABÉNS, colegas!!!!