Um grande marco para o Jurássico brasileiro

Batrachomimus pastosbonensis é o nome do primeiro réptil a ser descrito para o Jurássico do Brasil. O pequeno animal, que devia medir cerca de 1 m de comprimento, abre portas para novas descobertas e revela detalhes sobre a história da evolução dos crocodyliformes.

Batrachomimus pstosbonensis
Batrachomimus pstosbonensis – reconstrução de Rodolfo Nogueira.

No Brasil, o Período Jurássico sempre foi considerado elusivo em termos de registros de fósseis corporais de tetrápodes. Icnofósseis, todavia, já eram amplamente conhecidos e são relativamente abundantes, como os do Paleodeserto Botucatu (Bacia do Paraná), frequentemente atribuídos ao final do Jurássico e início do Cretáceo. A evidência da presença de tetrápodes em depósitos de idade jurássica já era bem documentada (veja por exemplo os registros de fósseis corporais da Fm. Brejo Santo, Bacia do Araripe e da Fm. Aliança, Bacia de Jatobá, no nordeste brasileiro), mas a descoberta de Batrachomimus pastosbonensis é inédita por outras razões. A descrição deste novo animal surpreendeu pela qualidade de preservação do fóssil e a possibilidade de se reconhecer um novo gênero e espécie.

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Crânio quase completo de Batrachomimus pastosbonensis

O animal foi descrito com base em um crânio quase completo, além dos elementos pós-craniais (que não foram incluídos nesse primeiro artigo).

Batrachomimus tinha um focinho longo e afilado, com uma série de dentes semi-curvados e pontiagudos. Tudo indica que ele era adaptado para capturar peixes, em semelhança aos gaviais atuais (Crocodylia endêmicos da Índia e do Nepal).

Os restos do animal são procedentes de um afloramento da Formação Pastos Bons, Bacia de Alpercatas, que fica nos arredores do município de Nova Iorque, Estado do Maranhão. Foram encontrados por acaso, como conta o primeiro autor do artigo Felipe Montefeltro“O alvo da coleta que recuperou os fósseis do Batrachomimus, na verdade, eram as rochas do Permiano que afloram na região de Nova Iorque, visadas por um projeto maior do nosso laboratório.”, ele conta.  “O pessoal no campo acabou encontrando essa localidade, sem mesmo saber que era composta por rochas jurássicas em princípio.”

A localidade na qual o fóssil do animal foi encontrado
A localidade na qual o fóssil do animal foi encontrado

Felipe conta ainda, que quando o fóssil foi coletado, todos acreditavam que deveria tratar-se de um anfíbio temnospôndilo (um tipo de anfíbio que apresenta algumas formas de rostro longo, semelhantes a crocodilos. Anfíbios temnospôndilos eram animais muito comuns no Período Permiano). Só depois de algum esforço de preparação é que ficou evidente que o tal fóssil tinha, na verdade, afinidades aos Crocodyliformes. Felipe diz que comemorou, afinal ele é estudioso desse grupo de animais.

O nome “Batrachomimus” faz uma alusão à essa pequena confusão. Batrachomimus significa “mímico de sapo”.

Até então, os fósseis corporais de répteis recuperados de depósitos jurássicos brasileiros não passavam de fragmentos ou partes isoladas do esqueleto de animais, sem elementos suficientes para diagnosticar gêneros ou espécies. Placas e dentes de crocodyliformes já haviam sido recuperados nas formações Brejo Santo e Aliança, mas nunca nada mais completo. Fósseis jurássicos são, de uma maneira geral, bastante raros no mundo todo. Especialmente aqueles de ambientes continentais. No que diz respeito ao Gondwana, então, são raríssimos! “Batrachomimus abre uma janela fascinante para esse período”, afirma Felipe.

A importância de Batrachomimus também se estende para a filogenia dos Crocodyliformes. Ele pertence a um grupo conhecido como Paralligatoridae e sua existência fora da Ásia Central tem implicações importantes para a biogeografia do grupo. Além disso, sua idade coloca a origem dos Crocodyliformes mais derivados – incluindo os atuais – como 30 milhões de anos mais antiga do que se pensava.

Felipe está muito otimista com a descoberta e acrescenta que as perspectivas futuras incluem descrever o pós-crânio do animal para melhor posicioná-lo filogeneticamente e realizar “coletas adicionais na região, muitas de preferência!”. Seu laboratório pleiteia fazer um projeto específico para explorar paleontologicamente essa unidade geológica, até então pouquíssimo conhecida .

Felipe é Doutor pela USP de Ribeirão Preto e membro do Laboratório de Paleontologia da FFCLRP-USP. Um dos coordenadores do laboratório é o paleontólogo Max Langer, co-autor do trabalho, juntamente com mais um membro da equipe. O artigo ainda conta com a colaboração internacional de Hans Larson, conhecido estudioso de crocodyliformes e outros arcossauros.

MONTEFELTRO, F. et al. 2013. A new neosuchian with Asian affinities from the Jurassic of northeastern Brazil. Naturwissenschaften,  DOI 10.1007/s00114-013-1083-9
Acesso o artigo aqui: http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00114-013-1083-9
Veja a reportagem no site do G1 (e o vídeo): http://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2013/07/fossil-de-reptil-de-150-milhoes-de-anos-e-descoberto-no-brasil.html
Veja a reportagem no site da Folha: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2013/08/1319818-fossil-de-jacare-do-periodo-jurassico-e-descoberto-no-maranhao.shtml

Um bicho tinhoso!! Conheça o mais novo predador do Cretáceo do Brasil

Durante do Cretáceo Superior, há cerca de 80 milhões de anos atrás, a região hoje correspondente ao noroeste do estado de São Paulo e Triângulo Mineiro em Minas Gerais, abrigava uma rica e diversificada fauna de crocodiliformes terrestres  (parentes distantes dos crocodilos e jacarés atuais), que prosperava em meio aos gigantes dinossauros.

Recentemente uma nova espécie de crocodiliforme desse período foi descoberta em uma cidade do interior de São Paulo. Descrita por pesquisadores brasileiros, o novo animal, com o crânio extraordinariamente bem preservado, ganhou um nome de dar medo: Gondwanasuchus scabrosus. Quer entender o por quê desse estranho nome de batismo? Vamos primeiro conhecer um pouco mais sobre esse animal:

Gondwanasuchus scabrosus_Rodolfo Nogueira
Arte de Rodolfo Nogueira.

– Texto por Thiago Marinho –

O mais novo representante dos crocodiliformes terrestres do Cretáceo do Brasil, Gondwanasuchus scabrosus, é um pequeno predador da Família Baurusuchidae, composta por importantes predadores e carniceiros que poderiam até mesmo competir por presas com pequenos dinossauros. Essa nova espécie foi descrita com base em um crânio parcialmente completo e muito bem preservado, proveniente de rochas da Formação Adamantina do município de General Salgado, noroeste do estado de São Paulo. Gondwanasuchus não passaria de 1,30 m de comprimento, mas o que esses animais não tinham em tamanho, tinham em adaptações que os tornavam eficientes predadores.

O nome do gênero, Gondwanasuchus, faz alusão a distribuição da família dos baurussuquídeos, restrita a regiões do antigo supercontinente Gondwana (que durante o Cretáceo agrupava a América do Sul, África, Madagascar, Índia, Oceania e Antártica) e, suchus, que significa crocodilo. O nome que define a espécie, scabrosus, é uma palavra em Latim que significa “tinhoso”, um apelido dado pelos pesquisadores que descreveram a espécie, devido à aparência “mal-encarada” do animal.

Figure 5 colourO fóssil de Gondwanasuchus scabrosus é representado por um crânio parcialmente completo, que foi encontrado em 2008 em associação a um grande indivíduo de Baurusuchus salgadoensis, um crocodiliforme também da família dos baurussuquídeos. Gondwanasuchus scabrosus convivia não só com outros baurussuquídeos, mas também com crocodiliformes herbívoros da família dos esfagessaurídeos. A presença de esfagessaurídeos e o fato de os depósitos da Formação Adamantina no município de General Salgado serem basicamente compostos por paleossolos (solos que foram preservados no registro geológico), sugerem que pelo menos algumas partes do habitat de Gondwanasuchus eram compostas por áreas com vegetação  arbustiva e arbórea.

Crânio peculiar:

O crânio de Gondwanasuchus  é altamente comprimido lateralmente, como o de muitos dinossauros carnívoros – bastante diferente dos crocodilos atuais! Suas narinas eram posicionadas lateralmente na região anterior do focinho e o animal possuía grandes órbitas oculares voltadas para frente.

Dentes modificados:

Crânio em vista lateral anterior dorsal e ventralOs dentes posteriores de G. scabrosus são altamente comprimidos e com bordas serrilhadas, como os dentes de alguns dinossauros carnívoros. Outra peculiaridade da dentição desses animais é a presença de profundas estrias que percorrem os dentes da base para o topo, possivelmente garantindo uma maior resistência a quebra durante o processo de caça e alimentação.

Visão especializada:

Os olhos de Gondwanasuchus scabrosus eram  destacadamente voltados para frente, diferentemente do observado na maioria dos outros crocodiliformes, que possuem os olhos orientados lateralmente. Essa característica permitia que esses animais tivessem visão binocular, ou seja, eles poderiam enxergar tridimensionalmente, o que seria muito útil para uma melhor avaliação da distância dos objetos observados e melhor precisão de seus ataques.

Quer mais detalhes? Clique no infográfico para ampliar!

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Interessado em mais informações sobre esse animal?? Escreva pra gente (colecionadoresdeossos@gmail.com)!! Thiago da Silva Marinho, o primeiro autor do artigo, é membro aqui do Colecionadores de Ossos!! 

Thiago da Silva Marinho

Biólogo pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Mestre e Doutor em Geologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), hoje é professor efetivo da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
Desenvolve estudos com ênfase em arcossauros mesozóicos, especialmente crocodyliformes e dinossauros.
Clique aqui para ver o Currículo Lattes.
 
 

MARINHO, T. S. et alGondwanasuchus scabrosus gen. et sp. nov., a new terrestrial predatory crocodyliform (Mesoeucrocodylia: Baurusuchidae) from the Late Cretaceous Bauru Basin of Brazil. Cretaceous Research. 2013 (on-line).

Em Busca do Permiano (Parte 3) – A raiz dos ecossistemas modernos

Acompanhe a expedição Piauí-Maranhão 2013 em busca de fósseis de vertebrados permianos no nordeste brasileiro. A expedição faz parte de um extenso projeto realizado por um convênio de instituições do mundo todo, mas com base na Universidade Federal do Piauí.

Nessa terceira parte, Dr. Juan Cisneros fala sobre a importância dos estudos sobre o Permiano para compreensão da evolução dos sistemas ecológicos terrestres. Os ecossistemas modernos teriam sua raiz há mais de 290 milhões de anos!

Acompanhe as outras partes desse documentário AQUI.

Diversão: Batalhe pela sobrevivência em meio à criaturas pré-históricas!!

Você que é fã de jogos de tabuleiros vai adorar esse game!!

Os Colecionadores de Ossos tem o prazer de apresentar o seu primeiro jogo de tabuleiro: Mesozoic Tales.

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Trata-se de um jogo de estratégia para adultos, adolescentes e crianças (a partir de 10 anos), inspirado em  livros, jogos e filmes dos anos 1980 e 1990. Você que é fã de Jurassic Park, Dino Crisis, Mundo Perdido, Carnossauro e muitos outros, simplesmente vai adorar!

A história se passa em uma ilha perdida aonde foi construído um tipo de zoológico hi-tech para abrigar bestas pré-históricas: dinossauros! O jogo começa logo após a um acontecimento imprevisível: algum desastre desativou todos os complexos da ilha e as criaturas estão à solta!!! Um grupo de pessoas tenta colocar as coisas em ordem (outras não!) e escapar em segurança.

O jogo oferece a possibilidade de jogar como pessoa ou dinossauro. Você tem a opção de atrapalhar os outros jogadores, tentando devorá-los, até que você consiga completar sua missão!

O mais interessante é que cada partida oferece possibilidades completamente diferentes, o que torna o jogo absolutamente estimulante!!

Aproveite o desconto de lançamento e garanta diversão com os amigos e a família!! (http://game.mesozoictales.com/)

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(O preço do jogo: US$49.99, aproximadamente R$100).

Resolvendo o enigma das tartarugas: A evolução da carapaça

As tartarugas são criaturas únicas. Foram por muito tempo encaradas como grandes enigmas. Como teria evoluído algo tão estranho como um ser com as vértebras e as cinturas escapular e pélvica dentro de sua própria caixa torácica (dentro das próprias costelas)?! Parece anti-natural e difícil de explicar, mas encontrar a resposta para esse “mistério” era questão de tempo… Cientistas acabaram de anunciar, na edição de hoje da Current Biology (veja AQUI), um estudo que veio esclarecer pontos importantes dessa enigmática questão.

Carapaça de quelônio atual e fóssil sul-africano de 260 milhões de anos

Os fósseis mais antigos de quelônios – até pouco tempo atrás – datavam de aproximadamente 210 milhões de anos (final do período Triássico). Esses fósseis, todavia, não forneciam pistas muito úteis no entendimento da evolução de uma das modificações mais extraordinárias desse grupo de tetrápodes: sua armadura óssea. As “tartarugas” do Final do Triássico já apresentavam sua carapaça e plastrão  completamente formados, fato que deixava os cientistas no mínimo, embaraçados.

odontochelys
Odontochelys

Foi então, que em 2008, uma descoberta fantástica foi anunciada: Odontochelys semitestacea, um tipo basal de tartaruga que tinha o seu plastrão (a parte inferior de sua armadura óssea, que recobre a barriga) completamente desenvolvido, mas apenas parte do escudo ósseo das costas formado. Suas costelas eram notavelmente alargadas, e esse foi o primeiro grande passo na solução do abominável mistério (Ver figura ao lado. Os fósseis dessa criatura foram encontrados em depósitos de 220 milhões de anos de idade, na China).

Com base nos avanços obtidos com os estudos de Odontochelys, cientistas então se voltaram para alguns espécimes recém-descobertos de Eunotosaurus africanusuma criatura 40 milhões de anos mais antiga, comumente encontrada em depósitos sedimentares permianos da África do Sul. Eunotosaurus, há muito tempo já havia sido proposto como uma forma possivelmente ligada ao início da ramificação evolutiva dos quelônios (Veja AQUI – e até mesmo reavaliado recentemente pelo mesmo grupo de autores, veja AQUI). Ele, assim como Odontochelys, também apresenta um evidente alargamento pronunciado das costelas.

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Un dos novos espécimes de Eunotosaurus

Os novos fósseis, todavia, ajudaram a esclarecer mais alguns detalhes anatômicos antes não tão óbvios. Foi possível observar que muitas características de Eunotosaurus são de fato compartilhadas com (e unicamente encontradas em) quelônios, como a configuração dos músculos intercostais, as costelas abdominais (gastrália) pareadas e o modo de desenvolvimento das costelas. Os cientistas então, montaram um novo modelo para explicar a evolução da carapaça e plastrão em quelônios e posicionam Eunotosauros em um dos ramos mais basais da árvore evolutiva das tartarugas.

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Eunotosaurus preenche um hiato de mais de 40 milhões de anos no registro fóssil dos quelônios. Sua morfologia mostra aspectos intermediários do desenvolvimento da carapaça e plastrão, lançando luz sobre o entendimento desse grande mistério. Ele nos faz compreender melhor a ponte entre esse grupo de animais e os outros répteis.

Normalmente, as costelas servem para proteger os órgãos internos e ajudar a ventilar os pulmões, tendo um importante papel na respiração. O fato das costelas terem se modificado tanto nas tartarugas, também mudou o seu modo de respirar, demandando músculos especializados para tal função. De acordo com os cientistas responsáveis pelo estudo recém publicado, esse é o seu próximo desafio. Eles planejam examinar as peculiaridades do sistema respiratório dos quelônios e compreender como isso evoluiu em conjunto com o desenvolvimento da sua impressionante armadura óssea.

Essa animação resume o modelo proposto por Tyler Lyson e colaboradores. Ela mostra a ponte morfológica entre um plano corporal generalizado basal de um organismo possivelmente ancestral e aquele altamente modificado de um quelônio atual.

Encontre o artigo original e maiores informações aqui: http://www.sciencedirect.com.sci-hub.org/science/article/pii/S0960982213005666#fx1

Lyson, T.R., Bever, G.S., Scheyer, T.M., Hsiang, A. Y. & Gauthier, J. A. 2013. Evolutionary origin of the turtle shell. Current Biology, 23:1-7

Chun, L., Wu, X., Rieppel, O., Wang, L. &  Zhao, L., 2008. An ancestral turtle from the Late Triassic of southwestern China. Nature 456: 497-501.