Novo estudo, liderado por pesquisador brasileiro e publicado hoje na revista científica ‘Scientific Reports‘ (UK), investigou o cérebro de um dos mais antigos dinossauros do mundo e revelou detalhes importantes sobre o comportamento desses animais. O dinossauro estudado foi Saturnalia tupiniquim, uma espécie brasileira, descoberta no Rio Grande do Sul, e proveniente de unidade geológica de relevância internacional, que tem fornecido peças chaves na compreensão da evolução dos primeiros dinossauros.
O estudo foi liderado pelo aluno de doutorado Mario Bronzati Filho, do Programa Ciência sem Fronteiras (CNPq), e contou ainda com a participação do pesquisador alemão Dr. Oliver W. M. Rauhut (Ludwig-Maximilians-Universität), supervisor do estudante na Alemanha, e também com professores de duas universidades brasileiras, Dr. Jonathas S. Bittencourt (UFMG) e Dr. Max C. Langer (FFCLRP-USP).
Os pesquisadores usaram microtomografia computadorizada para reconstruir o cérebro de Saturnalia e, assim, puderam entender em maior detalhe a sua estrutura. Com base nisso, foi possível realizar inferências sobre o comportamento desses animais. Esta foi a primeira vez que partes do cérebro de um dinossauro tão antigo foram reconstruídas. Os fósseis de Saturnalia foram encontrados em rochas de 230 milhões de anos da chamada Formação Caturrita, unidade geológica da Bacia Sedimentar do Paraná, que afloram no estado do Rio Grande do Sul.
Saturnalia tupiniquim foi um dinossauro de pequeno porte, com cerca de 1,5 m de comprimento e que pesava aproximadamente 10 kg. Seus fósseis foram encontrados há cerca de 20 anos, na área urbana de Santa Maria, RS. Muitos detalhes da anatomia do seu esqueleto pós-craniano (isto é, dos membros, coluna vertebral e cinturas escapular e pélvica) já eram conhecidos, mas essa foi a primeira vez que partes internas de seu crânio foram estudadas.
Saturnalia pertence ao grupo de dinossauros conhecido como ‘Sauropodomorpha’, uma linhagem de espécies essencialmente herbívoras, que inclui os famosos saurópodes, dinos de pescoço comprido, que estão entre alguns dos maiores animais que já caminharam sobre o planeta Terra, como os titanossauros, o apatossauro e o braquiossauro. A linhagem Sauropodomorpha viveu na Terra por cerca de 170 milhões de anos e os últimos representantes desse grupo foram extintos há cerca de 66 milhões, durante o evento de extinção em massa do final do Cretáceo, que extinguiu todos os dinossauros não-avianos (as Aves, que são dinossauros, continuam muito bem, obrigada).
Saturnalia é um dos mais antigos Sauropodomorpha conhecidos (no que diz respeito à tamanho, essa foi uma origem bastante humilde para um grupo de gigantes, não?). O resultado curioso do estudo de Bronzati e colegas é que, com base em análises comparativas, o cérebro de Saturnalia revela que ele – literalmente – tinha “a cabeça de um predador”. Isso é extremamente relevante do ponto de vista ecológico e evolutivo. A linhagem dos Sauropodomopha é conhecida pela evolução de formas muito bem adaptadas à herbivoria, porém o estudo com Saturnalia revela que a origem desse grupo de dinossauros estava longe de ser “vegana”…
A dieta de um dinossauro é geralmente inferida com base na morfologia dos dentes e de outras partes de seu esqueleto. Entretanto, a morfologia do cérebro também pode fornecer informações valiosas para o estudo do comportamento de animais extintos. Diferentemente dos gigantes saurópodes, que tinham uma dieta baseada somente em plantas, a dentição dos primeiros sauropodomorfos (incluindo Saturnalia tupiniquim) indica que esses animais tinham uma dieta onívora (baseada em plantas e outros animais) ou faunívora (baseada somente em outros animais). Agora, a nova pesquisa traz evidências adicionais de que os sauropodomorfos mais antigos eram animais predadores.
De acordo com a avaliação dos paleontólogos responsáveis pelo estudo, Saturnalia apresentava um grande volume do “flóculo e o paraflóculo do cerebelo”. Esqueça os nomes complicados… Estes tecidos fazem parte de sistemas neurológicos que operam no controle do movimento de cabeça e do pescoço do animal, e também no controle da visão. O grande volume destas estruturas indica um comportamento em que movimentos rápidos de pescoço e cabeça deveriam ser parte do repertório desse animal. Isso é observado, normalmente, em predadores, que usam essas habilidades para capturar presas pequenas e esquivas. Apesar do alongamento do pescoço e a redução do crânio representarem marcas registradas do plano corpóreo Sauropodomorpha mais derivados (i.e. os saurópodes), os primeiros passos na aquisição dessa morfologia única parecem ter surgido como adaptações para predação, um cenário evolutivo conhecido como exaptação, explicam os autores.
Exaptação é um processo em que uma característica surge com uma certa função, mas passa a ter outra função em um momento distinto da história evolutiva de uma linhagem.
Os saurópodes, herbívoros, não possuíam grandes volumes dos tecidos do cérebro ligados ao controle refinado do movimento da cabeça, pescoço e visão. Isto indica que a evolução da herbivoria nessa linhagem também se deu com mudanças na estrutura dos cérebros desses animais.
O estudo do comportamento de animais extintos é muito difícil e muitas vezes depende da observação de evidências indiretas, como os icnofósseis. Estudos de reconstruções digitais do cérebro são uma forma de se obter tal tipo de informação, mas eles sempre devem ser interpretados com cautela. Não obstante, o novo estudo é um importante primeiro passo na busca por uma melhor compreensão do comportamento dos primeiros dinossauros. Por fim, estudos futuros certamente trarão mais informações para entender em mais detalhes a evolução da linhagem dos sauropodomorfos, que começou com pequenos animais predadores e posteriormente deu origem aos gigantes herbívoros do passado.
Veja o vídeo de divulgação do artigo:
Veja algumas informações exclusivas no bate-papo que tivemos com o Mario Bronzati, autor principal do estudo, em nosso canal (clique na imagem para ser redirecionado para o YouTube):
Agradecemos ao colega Mário Bronzati por ter compartilhado as informações desse maravilhoso estudo conosco antecipadamente. Ademais, não deixem de se inscrever em nosso canal (http://www.youtube.com.br/colecionadoresdeossos)!
Bronzati-Filho et al. 2017. Endocast of the Late Triassic (Carnian) dinosaur Saturnalia tupiniquim: implications for the evolution of brain tissue in Sauropodomorpha. Scientific Reports.