Homenagem ao centenário do naturalista Alfred Wallace (1823-1913)
Josmael Corso*
Provavelmente, muitos não sabem, poucos conhecem e um número menor lembra-se que o Brasil abrigou por longo período um dos maiores naturalistas do século XIX. Poderíamos estar nos referindo a Charles Darwin (1809-1882) o que seria verdade, mas este esteve por um pequeno período– quatro meses – e além do mais é bastante conhecido. Refiro-me aquele que ficou à sombra, como dizem alguns, pai esquecido da evolução, dizem outros, Alfred Russel Wallace (Figura 1). Ele que neste ano, em 07 de Novembro, completa um século do seu falecimento e possui méritos de sobra para lembrarmos um pouco da trajetória de contribuições à ciência,que iniciou aqui em solo brasileiro.

Figura1. O naturalista inglês Alfred Russel Wallace (1823-1913) foi um foi um autodidata zoólogo, botânico e filósofo da ciência. Foi fundador da biogeografia e co-fundador da evolução biológica por seleção natural. Fonte: NationalPortraitGallery, London.
O esperado de um naturalista é que tenha feito descobertas de novas espécies, estudado plantas, animais, ou seja, relacionado as ciências naturais, porém, Wallace foi além e se envolveu com também com questões sociais e exatas. Em relação a ciência dos números, incrivelmente ele se meteu a demonstrar que a Terra não é plana, mas antes de chegar nessa questão vamos ler um pouco do seu caminho até lá.
Diferentemente dos primeiros naturalistas da Era Vitoriana, Wallace era fruto de uma família bastante modesta e trabalhou a vida inteira para sobreviver.Aos 14 anos teve que deixar a escola para tornar-se aprendiz de construtor. Pouco tempo depois aprendeu também ofício de agrimensor realizando levantamento de propriedades rurais. A atividade ao ar livre acabou por desenvolver o interesse por história natural, especialmente botânica, geologia e astronomia.
Wallace que nunca estudou em uma universidade, chegou a ministrar aulas de topografia, cartografia e desenho. Como todo grande curioso passava seu tempo livre na biblioteca, imerso em leituras que influenciaram fortemente sua vida futura, como o livro “Uma viagem pelo Rio Amazonas” de William H Edwards (1847) que empolgou a Wallace conduzir sua primeira expedição no Brasil.
Wallace na Amazônia (1848-1852)
Em abril de 1848, ao lado de seu amigo Henry Walter Bates (1825-1892), Wallace chegou à atual cidade de Belém, no Pará. Os jovens aventureiros, Wallace com 25 e Bates 23 anos, esperavam custear a expedição com a captura e venda de espécies coletadas para museus e colecionadores particulares. Bates permaneceu por 11 anos no país e sua principal descoberta ilustra todos os livros didáticos de biologia – mimetismo Batesiano (Figura 2). Wallace a exemplo dos naturalistas do seu tempo mantinha curiosidade em tudo ao seu redor, o que era vivo e não vivo. Escreveu ensaios sobre diferentes campos da biologia, geografia e até sobre antropologia, descrevendo vocabulários das tribos do Rio Uaupés, Amazonas (Figura 3).

Figura 2. Mimetismo batesiano, primeira e terceira fileira pertencem a mesma família, a segunda e quarta fileira são espécies que ‘imitam’ as anteriores. Fonte: Henry Walter Bates 1862, wikipedia.org

Figura 3. Mapa do Rio Amazonas, realizado por Alfred Russel Wallace durante sua expedição pelo Brasil 1848-1852. Fonte: archive.org
Em 1852, em retorno a sua terra natal, o navio em que se encontrava incendiou-se, perdendo grande parte dos itens coletados, incluído espécimes vivas. A coleção particular de insetos e aves formadas desde que chegou ao Brasil perdeu-se, assim perdendo a oportunidade de descrever centenas de novas espécies. Wallace e a tripulação tiveram muita sorte em sobreviver e foram resgatados após dias em alto mar. Com as anotações que conseguiu salvar do naufrágio elaborou dois livros: Palmeiras da Amazônia e seus usos e Narrativa da viagem ao Rio Negro e Amazonas (Figura 5). Os trabalhos repercutiram certo prestígio que lhe forneceram condições para reiniciar suas atividades de explorador com uma segunda expedição.

Figura 5. Palmeira piaçava (Leopoldinia piassaba) descrita por Alfred Russel Wallace, espécie amplamente utilizada em construção civil até os dias de hoje. Fonte: wallace-online.org
Wallace no Arquipélago Malaio (1854-1862)
Durante o período que esteve na região realizou centenas de expedições às ilhas, coletou uma incrível quantidade de espécimes: em torno de 125 mil, próximo de 5 mil eram espécies novas à ciência. As experiências desse período estão relatadas na obra O Arquipélago Malaio (1869), considerado o melhor livro de viagem científica do século XIX, descrevendo a captura de orangotangos, aves-do-paraíso e o convívio com os povos nativos (Figura 6).

Figura 6. Ave-do-paraíso vermelha (Paradisaea rubra) umas das incríveis espécies de aves encontradas na região por Alfred Russel Wallace. Fonte: wallace-online.org
A polêmica correspondência entre Darwin e Wallace O ano de 1858 foi marcado por um acontecimento histórico muito importante para aciência, considerado um impasse entre Wallace e Charles Darwin. Wallace passou anos investigando os mecanismos que atuavam sobre a evolução dos organismos, porém foi através de um episódio de febre por malária, quase custando-lhe a vida que concebeu a teoria pela qual organismos com atributos melhor ajustados ao ambiente possuem uma chance elevada de sobreviver e transferir características aos seus descendentes. Empolgado com sua descoberta escreveu um ensaio e enviou para Darwin, com quem já se correspondia há anos. A teoria de Wallace embora muito semelhante era distinta da proposta de Darwin. Sem prévia permissão de Wallace, seu ensaio juntamente com fragmentos inéditos da futura e mais importante obra de Darwin foram apresentados por membros na reunião da Sociedade Lineana de Londres em 1° de Julho de 1858. Darwin estava a cerca de 20 anos trabalhando em um volume muito maior e detalhado sobre o surgimento de espécies, e muitos estudiosos afirmam que o ensaio de Wallace o auxiliou no estímulo para que concluísse de forma compacta e simples a obra marco das ciências naturais – A Origem das Espécies (1859), publicada 18 meses após a leitura dos ensaios.
Interpretado muitas vezes como uma competição entre os dois naturalistas esse acontecimento permitiu que Wallace se tornasse conhecido e abriu portas para que participasse dos diálogos científicos em grupos restritamente fechados. Wallace pode usufruir dessa oportunidade e manteve se como admirador do trabalho de Darwin, escrevendo uma dedicação no livro O Arquipélago Malaio (1869)e uma obra completa para difundir as idéias sobre seleção natural em Darwinismo (1889).
Wallace e a Terra plana
Em 1870, anos depois do retorno da ultima expedição, Wallace aceita uma aposta com o líder da Sociedade da Terra Plana, John Hampden, no valor de 500 libras – que na época deviam valer muito mais – para provar em publico que a Terra possui curvatura (Figura 7). Para a entidade se a Terra fosse plana, o raio de curvatura seria infinito e não poderia ser medido. Wallace, estimulado pelo desafio e por dificuldades financeiras, desenvolveu um experimento em um canal de navegação. Estabelecendo dois pontos com estacas de mesma altura distantes a cerca de 10km em linha reta no canal acima do nível da água, com auxilio de teodolito. Conseguiu demonstrar que as estacas não permaneciam alinhadas por conta da curvatura da Terra. O teste ainda apontou o raio da terra de 6.428 km, ou seja, levemente maior que a atual estimativa de 6.378 km. Tudo fiscalizado por engenheiros, o juiz da aposta declarou Wallace vencedor, porém o líder ativista não aceitou a derrota e lançou uma extensa campanha de combate à Wallace. Esse fato ficou conhecido como Experimento do Canal Bedford, Wallace ficou envolto em uma batalha judicial que afetou profundamente a sua imagem. Pois as sociedades científicas britânicas da época não queriam conflitos com grupos religiosos, mantiveram-se apáticos e deixaram Wallace desamparado academicamente.

Figura 7. Ilustração mostrando, acima, o experimento do ativista da Sociedade da Terra Plana, e abaixo o experimento de Alfred Russel Wallace. Fonte: Wallis, T.W. (1899) Autobiography of Thomas Wilkinson Wallis, Sculptor in Wood, p. 181, J.W. Goulding& Son.
Contribuições de Wallace a Ciência
Wallace durante seus 90 anos de vida produziu 22 livros e mais de 700 artigos englobando uma grande diversidade de temas. Atualmente, Wallace foi reconhecido por suas contribuições à ciência entre elas é considerado o pai da biogeografia pela descoberta da descontinuidade da distribuição da fauna. Também é considerado co-fundador da astrobiologia e antropologia evolutiva, sendo o primeiro a sugerir que a extinção de animais no final do Pleistoceno (Era do Gelo – 12 mil anos atrás) poderia ter sido causado por excesso de caça pelos humanos pré-históricos. Foi presidente da Sociedade pela Nacionalização de Terras por cerca de 30 anos promovendo discussões sobre a reforma agrária na Inglaterra.
Embora pouco popular Wallace foi membro de um grande número de sociedades acadêmicas, recebendo títulos e premiações de diversas universidades e instituições. Entre elas recebeu a medalha de Ordem de Mérito em 1908, premiação fornecida pelo império britânico. Foi a quinta personalidade a receber a medalha de ouro da Sociedade Lineana, em 1892. A mesma sociedade estabeleceu o prêmio ‘Medalha Darwin-Wallace’ para descobertas relacionadas à biologia evolutiva, uma forma de reconhecer e reparar as contribuições de Wallace.
Pelos menos duas hipóteses podem explicar o menor reconhecimento acadêmico de Wallace: pertencia a uma classe sócio-econômica diferente da tradicional elite social inglesa, responsável pelo conhecimento científico reconhecido na época; envolveu-se e escreveu sobre espiritismo, embora houvessem membros religiosos na academia científica, não eram espíritas. Em conjunto, esses fatos podem ter refletido para aresistência as suas ideias pela sociedade que dominava o cenário científico.
Alfred Russel Wallace possui muitas razões para ser lembrado neste mês e todos os outros. Representa um fantástico exemplo de autodidata, aventureiro, cientista e mais importante de tudo um curioso. O nome de Wallace deve ser posto ao lado de Galileu, Darwin, Einstein, entre outros gênios. Gradualmente as suas contribuições à ciência e a humanidade estão sendo reconhecidas e tributos tendem a aumentar ao passo que se conhece mais sobre esse singular naturalista.
*Josmael Corso é Doutorando em Genética e Biologia Molecular – UFRGS
A Rainha e o Sexo
Luiz Max Fagundes de Carvalho,
Setor de Epidemiologia de Doenças Infecciosas, UFRJ.
O sexo faz parte de nossas vidas de diversas e profundas formas. Ao mesmo tempo em que gera a vida, é alvo das mais acirradas polêmicas nos âmbitos moral e ético. Em diversas culturas é tido como um ritual, um evento divino em que homem e mulher se tornam um só para trazer ao mundo um novo ser humano. É visto nos animais como um instinto inexorável na busca do objetivo último da existência: a perpetuação da espécie.
A idéia de sexo está diretamente associada à reprodução. Contudo, nem sempre sexo resulta em reprodução. Se considerarmos que é preciso que o número de indivíduos aumente ao final do processo reprodutivo, nem sempre há reprodução quando há sexo. Bactérias e ciliados praticam uma modalidade de sexo não reprodutivo, na medida em que apenas trocam material genético. No entendimento da biologia moderna, o sexo é a atividade caracterizada pelo intercâmbio de material genético entre indivíduos. Há seres que se reproduzem sem este intercâmbio, isto é, apenas dividindo-se (reprodução assexuada), outros misturam material genético durante a reprodução (reprodução sexuada).
Esquema do sexo em bactérias, também chamado conjugação (fonte: Wikimedia Commons)
Observando a natureza, porém, constatamos que o sexo é de longe a forma de reprodução mais disseminada entre os seres vivos atuais. Isso é espantoso, já que o sexo é um processo oneroso para o indivíduo que o pratica como forma de reprodução. Para entender porque, imaginemos que uma fêmea pode gerar sozinha um filho – que terá todos os seus genes –, ou contribuir com metade de seus genes para a formação de um novo indivíduo. Se concordarmos que o “objetivo” da fêmea é passar o maior número de genes para a próxima geração, a melhor opção se torna óbvia. A fêmea que escolher gerar um filho com apenas metade de seus genes pagará o custo dobrado pela opção sexual¹.
A sua quase universalidade, a despeito da desvantagem intrínseca, sugere que o sexo tem de concederalguma vantagem valiosa àqueles que o usam. Mas qual? Várias teorias foram desenvolvidas para explicar o aparente paradoxo do sexo. Uma delas argumenta em favor da seleção de grupo. De acordo com essa teoria, grupos que realizassem reprodução sexuada teriam vantagem na competição com outros, na medida em que evoluiriam mais rapidamente – e se extinguiriam menos -, já que teriam maior diversidade genética.
O argumento apesar de coerente não é convincente. Isso porque há diversos seres, como afídeos, plantas e rotíferos que podem se reproduzir tanto sexuada quanto assexuadamente. Desta forma, o sexo tem de ser vantajoso para o indivíduo, do contrário uma população que realizasse apenas reprodução sexuada seria facilmente invadida por variantes que se reproduziriam assexuadamente, aumentando a freqüência dos genes destes últimos nas gerações seguintes. Como se pode perceber, a seleção de grupo no sexo não constitui uma estratégia segura a longo prazo, isto é, não é uma estratégia evolucionariamente estável².
Outras duas teorias procuram mostrar as vantagens do sexo. São elas: a teoria mutacional do sexo e a hipótese da Rainha Vermelha (ou Rainha de Copas), cunhada por Leihg Van Valen em 1973, que foi a inspiração para o título deste texto. A teoria mutacional – proposta por Kondrashov em 1988 – diz que a vantagem do sexo para as fêmeas a curto prazo seria a de diminuir o número de mutações deletérias na prole. Essa tese é convincente, porém apenas quando assumimos que a taxa de mutações deletérias é alta. Infelizmente os dados quanto a essas taxas ainda são conflitantes³. Além disso essa hipótese deixa no ar a dúvida de como seres assexuados lidam com o acúmulo de mutações deletérias*.
A explicação mais sólida para o sexo vem do estudo da coevolução antagônica entre parasitas e hospedeiros. Essa perspectiva se encaixa exatamente num ponto que ainda não analisamos: a influência do ambiente no processo evolutivo. Se o ambiente fosse pouco variável não haveria justificativa para o sexo porque a variabilidade genética que ele traz não constituiria uma vantagem sensível. Porém, se o meio estivesse em constante e rápida transformação, faria sentido combinar uma parte do genoma com um parceiro para aumentar as possibilidades de adaptação e sobrevivência da prole. A segunda situação é que mais se aproxima da realidade, e na maior parte dos ecossistemas o elemento mais variável são os parasitas.
Por serem, em sua maioria, estrategistas r, os parasitas tem ciclos de vida curtos e altas taxas de replicação, o que acelera sua evolução. Isso faz deles um elemento extremamente variável do ambiente e força seus antagonistas (os hospedeiros) a modificarem constantemente suas defesas. Numa relação bilateral, o aperfeiçoamento dos sistemas de defesa dos hospedeiros força os parasitas a se modificarem para infectar seus alvos. O tempo de replicação do parasita pode ser bem menor que o do hospedeiro, portanto este ultimo precisa ter opções de rápida variabilidade: o sexo.
Como numa corrida armamentista, cada adversário impõe ao outro condições desafiadoras para a próxima geração. Como conseqüência, temos o equilíbrio entre as taxas evolutivas de parasitas e hospedeiros – exemplo disso é o ajuste do relógio molecular de vírus aos de seus hospedeiros4 -, criando uma espécie de “esteira rolante” evolutiva, em que os participantes correm sem nunca saírem do lugar. E é dessa peculiaridade que vem o nome Rainha Vermelha: do livro de Lewis Caroll, Alice Através do Espelho em que a rainha de copas diz a Alice: “aqui neste país Alice, você precisa correr o máximo que puder para permanecer no mesmo lugar…”.
A rainha puxa Alice na incansável corrida para não sair do lugar. (fonte: Wikimedia Commons)
A hipótese da Rainha Vermelha não foi formulada para explicar o sexo, mas sim o comportamento de curvas de sobrevivência de várias espécies expostas a parasitas. William D. Hamilton (1936-2000) explicou que isto podia ser decorrente do potencial de variação genética introduzida pela reprodução sexuada, mesmo com o custo dobrado que ela representa. Ele então juntou fatos que apoiassem sua teoria e formulou modelos matemáticos que apoiassem a hipótese da dinâmica da Rainha Vermelha. Várias de suas publicações mostram fortes indícios de que a luta para escapar à virulência dos parasitas pode ter mesmo dados origem ao sexo.
Desde Hamilton, muitos trabalhos foram publicados mostrando evidencias experimentais da hipótese da Rainha Vermelha, tanto da perspectiva dos parasitas como dos hospedeiros. Joachim Kurtz5, por exemplo, publicou uma revisão em que mostra a dinâmica evolucionária entre tênias, copépodes (um tipo de crustáceo) e o esgana, um peixe parente do cavalo-marinho. No artigo, Kurtz mostra que ovos de tênia gerados por fecundação cruzada têm maior poder infeccioso. Ora, a tênia é hermafrodita, o que significa que pode se reproduzir assexuadamente. Mas como o autor mostra, os ovos competem pelo hospedeiro (apenas um tipo é encontrado infectando o mesmo indivíduo), o que significa que a tênia que se reproduza sexuadamente levará vantagem sobre as outras e aumentará sua prole.
Existem também trabalhos que mostram existir seres que realizam reprodução sexuada apenas quando estão infestados de parasitas. A forte evidência experimental posiciona o efeito Rainha Vermelha para explicar o surgimento do sexo. È bom que se diga, no entanto, que nada está definido e que a literatura sugere que a teoria mutacional pode ser válida em alguns casos. Desta maneira, uma explicação mais completa para um assunto tão complexo quanto a origem e a distribuição taxonômica do sexo talvez deva levar em conta a multifatorialidade.
A evolução do sexo tem sido um quebra-cabeças (e uma dor de cabeça!) para os biólogos há tempos e essa história ainda promete ainda encher muitos livros.
Luiz Max é microbiologista (UFRJ), assistente estatístico no Centro Panamericano de Febre Aftosa (OPAS/OMS), onde pesquisa como aplicar toda sorte de métodos matemáticos e estatísticos aos problemas das ciências da vida. Seus principais interesses científicos são Evolução Molecular, Redes Complexas e Estatística Espacial. Nas horas vagas gosta de não fazer nada, treinar judô e ficar com a namorada. Perfil no ResearchGate (em inglês).
Leituras Recomendadas
O blog Rainha Vermelha, traz dois textos muito bons sobre o assunto e ainda ótimos textos sobre temas diversos relacionados à biologia celular e molecular. O texto Parasitas, evolução e sexo, também é uma boa leitura para quem quiser a visão mais leve e descontraída do genial Sergio Pena. Para os mais técnicos recomendo dois textos de Hamilton: Sexual reproduction as an adaptation to resist parasites (A Review) e Sex against virulence: the coevoluton of parasitic diseases.
* Existe uma teoria, a catraca de Muller, que propõe a acumulação irreversível de mutações deletérias nos genomas assexuados. Essas mutações, no entanto, acabam sendo eliminadas através de processos de recombinação.
Referências
1- Lewis, W.M. in The Evolution of Sex and its Consequences. Birkhauser Verlag, Basel, Switzerland, 1988.
2- Dawkins, C.R. O Gene Egoísta. 2ed. São Paulo, Companhia da Letras, 2007.
3- Ridley, M. Evolution.3ed. Porto Alegre, Artmed, 2006.
4- Villareal, L.P. Viruses and The Evolution of Life. 1ed. Washington, ASM Press, 2005.
5- Kurtz, J. Sex, parasites and resistance – an evolutionary approach. Deutsche Zoologische Gesellschaft 106 (2003) 327-339.
Natureza Perfeita
Por Glauco Kohler
Frequentemente, quando declaro que sou biólogo, recebo elogios e comentários de que a minha é uma profissão nobre, pois estuda a beleza, perfeição e equilíbrio da natureza. Como um defensor do pensamento científico, quase que na totalidade das vezes em que ouço tais afirmações, me obrigo a concordar com metade; de que minha profissão é nobre por estudar a beleza e funcionamento do mundo natural, mas que este não é perfeito e muito distante do equilíbrio. O conceito de mundo natural perfeito e em equilíbrio é fruto de nossa limitada capacidade de observação nas dimensões de tempo e espaço. Como produto, nossas conclusões e asserções tornam-se igualmente limitadas e presas a esta ótica empiricista e equivocada.
De forma semelhante a nós humanos, natureza não é nunca foi e nunca será perfeita e equilibrada, pois o próprio dinamismo natural baseia-se em relações desonestas e trapaceiras, onde impera a lei do mais forte, e mais ainda, do mais esperto. Os epífitos (bromélias, orquídeas e outras) não pedem autorização para crescer sobre seu hospedeiro arbóreo, tampouco estão preocupadas com o peso de suas biomassas sobre os ramos do mesmo, o que lhes preocupa é crescer e se desenvolver num local favorável a suas atividades vitais. São egoístas. Os leões na savana africana, lutam ferozmente por um harém de fêmeas para poder propagar seus genes. Se neste harém recém conquistado pela expulsão do antigo macho houver ainda genitores do antigo líder, os mesmos serão assassinados friamente e suas mães aceitarão impotentes a intervenção do novo macho. Egoísmo e crueldade, sentimentos muito humanos. Os carneiros monteses (Ovis canadensis), das montanhas dos EUA e Canadá, travam combates violentos pelo direito a fêmeas na época do acasalamento. Não raramente o macho derrotado morre, mas se não, pouco interessa ao vencedor se o derrotado terá acesso a alguma fêmea. Indiferença e egoísmo. As orquídeas do gênero Ophyr têm flores que imitam as cores e padrões morfológicos de fêmeas de certas espécies de vespa e chegam até mesmo a produzir seus feromônios para atração dos machos ansiosos em copular. A orquídea se vale do esforço do macho iludido para levar suas polínias até outra planta que o enganará novamente, uma estratégia trapaceira e humilhante.
Estes são apenas algumas entre as mais notáveis e engenhosas estratégias de barganha no mundo natural, mostrando que a visão romancista, ingênua e benevolente dos seres vivos e suas relações não condizem com a realidade. Na natureza não há o equilíbrio e sim a guerra e o caos, dos quais provem a ordem magna natural. Porém, a humanidade comete pecados ainda maiores ao lidar com as interpretações d a natureza do qual provém: a de julgar suas relações sob a luz opaca de seus preceitos morais. Muitos que lerem os exemplos acima citados julgarão os organismos como de índole bestial e irracional, ante suas próprias concepções morais distorcidas advindas de crenças religiosas e metafísicas, no entanto, compartilho que devemos analisar estas relações com a veracidade que nos é nata. Seria-nos mais construtivo absorver o subliminar destas e entender que o sentido da vida que muitos procuram reside na própria existência e não dos produtos de nossa consciência. A única preocupação dos organismos é viver.
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Texto escrito por Glauco Kohler, biólogo chloroceryle [arroba]
gmail [ponto] com
O matador de passarinhos
separando o joio do alpiste
por Ricardo Braga Neto (Saci)
O conhecimento humano é mesmo muito vasto. Sabemos como ir à Lua, como escrever uma peça de teatro, a usar veneno de sapo para caçar. Sabemos! No plural: os seres humanos sabem. Eu sou um desses, logo eu sei? Não sou nenhum Neil Armstrong, nem William Shakespeare, quem dera um Yanomami. Bem que eu gostaria. Mas eu sei que eles sabem algo que eu não sei. Se um alienígena chegasse ao planeta agora, eu teria orgulho em contar para ele que o rádio foi uma grande invenção que revolucionou a comunicação entre as pessoas. Mas se foi Guglielmo Marconi que aprimorou idéias malucas de James Maxwell sobre ondas eletromagnéticas que se propagavam no espaço, idéias que foram testadas por outra pessoa, Heinrich Hertz em 1888, seria justo citar apenas um inventor para o rádio? Sabemos, no plural, pois individualmente sabe-se muito pouco, quase nada sobre a maioria das coisas. E a essência da ciência é essa. Nada mais que um acúmulo coletivo de experiências, buscando um meio objetivo de tentar entender o mundo em que evoluímos.
Pouco mais de um século depois, outro grande invento da humanidade deu à comunicação asas velozes do tamanho do mundo. E a produção de ciência acompanhou a ascensão da internet e dos gigabytes. Não existem apenas mais pessoas fazendo pesquisa, cada pessoa faz mais. A comunicação online foi a alavanca dessa conquista, mas em geral os pesquisadores brasileiros exploram pouco os recursos da web. Se por um lado cada pesquisador cumpre sua função publicando suas idéias e resultados relevantes em revistas de alto fator de impacto, ‘peer reviewed’ com um corpo editorial rigoroso, isso está perfeitamente correto. Isso é lastro científico. Porém, por outro lado, a comunicação científica complementar desses mesmos resultados para o restante da sociedade em veículos especializados fica relegada ao terceiro plano, à penúltima página da agenda, a uma idéia lembrada em um momento inoportuno. Infelizmente, muitas vezes os responsáveis pelas pautas jornalísticas cometem gafes com imprecisão, são apressados e não permitem a revisão de conteúdo antes de apertar a tecla PRESS. Contudo, algumas vezes, alguns jornalistas cometem delitos dignos de mea culpa.
Um exemplo fresquinho vem de uma entrevista na revista Época sobre o pesquisador Alexandre Aleixo, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Ainda que o conteúdo das respostas de Aleixo reflita a experiência e profissionalismo de alguém que é “apenas” o curador da coleção de aves do MPEG, a abordagem da entrevistadora induz o leitor de forma subliminar a se armar contra um absurdo óbvio: estão matando passarinhos indefesos e chamando isso de ciência. A repercussão não foi das menores: a entrevista, publicada em 31/10/08, foi a mais comentada na última semana no site da Época. A Assessoria de Comunicação do MPEG escreveu uma resposta ao editor da revista protestando com toda a razão. Aparentemente, tomando alguns comentários a esse artigo e o posicionamento incisivo da entrevistadora, o público não tem uma idéia clara da realidade de pesquisa básica sobre biodiversidade, seja na Amazônia ou em qualquer outro lugar do mundo.
Esse tipo de desserviço jornalístico à imagem de cientistas brasileiros idôneos e produtivos não deve ficar impune, mas sim gerar uma revolta inteligente por parte dos pesquisadores, uma revolta tranquila, que os leve a tomar as rédeas da comunicação dos resultados de suas pesquisas à sociedade. A ignorância leva ao medo. E o medo ao erro. Pois bem, um bom modo de vencer o medo é dialogar com as pessoas sobre nosso trabalho, usando canais de divulgação rápidos, precisos e eficientes. Este blog [ULE, União Local de Ecólogos (Inpa)] é um exemplo metafísico (e gratuito) que isso não é tão inacessível assim. Acreditamos que isso aumentará muito a visibilidade do nosso trabalho. Um jornalista especializado em meio ambiente me escreveu recentemente: “O blog é bem interessante. Primeiro, porque é um canal de divulgação rápido e preciso; segundo, porque facilita a vida dos repórteres, dado que a maioria dos pesquisadores tem pouquíssimo tempo para atender a jornalistas e com o blog a informação é mais rapidamente divulgada. Boa iniciativa. Espero que prospere. Qualquer novidade é só entrar em contato.”
Parcerias entre jornalistas e pesquisadores devem ser estimuladas, sempre buscando devolver ao público um pouco do investimento; afinal muito dos recursos que bancam as pesquisas são públicos. Críticas saudáveis sempre serão bem-vindas, mas abordagens infantis dentro de um periódico do escopo da revista Época devem ser rechaçadas com veemência.
Publicado originalmente no blog da ULE (União Local de Ecólogos, Inpa) :: http://uleinpa.blogspot.com/
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Saci é biólogo e trabalha com ecologia de fungos na Amazônia. Dentre outras safadezas, escreve para o blog da ULE, União Local de Ecólogos (Inpa) [http://www.uleinpa.blogspot.com/].
África: Memórias, Presente e Futuro
por Maira Begalli.
Lembro das primeiras impressões que tive sobre ‘África’, na minha infância. As imagens fortes ecoam na minha mente até hoje: crianças mutiladas por minas, a AIDS, a miséria, a violência, o Apartheid. Também tenho lembranças dos documentários sobre os parques nacionais como o Serengueti, por exemplo.
Apesar de ter estudado um pouco sobre as características da biodiversidade do imenso continente, considerava a realidade africana algo distante da minha, ocidental. Porém, em 2000, durante o meu segundo curso graduação, em Jornalismo, isso mudou.
Na época elaborei um seminário sobre “O Processo de Descolonização dos Países em Desenvolvimento”. Durante um semestre, tive o privilégio de entender como as relações internacionais e as manobras políticas
pré-Desmoronamento (de Berlim, em 1989) estavam diretamente relacionadas aos impactos sociais e ambientais que ocorrem lá atualmente – mas refletem no mundo todo.
Entre 1880 e 1914, o continente africano foi palco de disputas de nações européias que visualizavam a exploração do território e dos recursos naturais. Tal advento foi batizado como “neo-imperialismo”, um período em que a África sofreu domínio territorial, econômico e cultural, principalmente, por parte do Reino Unido e da França.
Além das práticas realizadas pelos imperialistas europeus, no final da Idade Média (apropriação territorial, militar e econômica), os “neo-imperialistas” ignoraram as tradições, as disputas e as tradições dos africanos, suprimindo inteiramente os direitos de quem lá vivia. Literalmente “retalharam” o mapa do continente segundo interesses comerciais. Forjaram nações, unindo povos inimigos, separando
famílias, reorganizando funções de trabalho (tanto é que muitos senhores se tornaram servientes de seus antigos servos).
Porém, com o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os países neo-colonos iniciam um processo de “descolonização”, graças ao estado caótico que o mundo se encontrava (tanto físico, como financeiro). Assim, os antes interessados nas maravilhas do grande continente, deixaram as pseudo-nações, sem parâmetros e sem diretrizes sócio-culturais em comum.
Foi nesse período que despontou um dos regimes oficiais mais violentos da história, o Apartheid. A política de segregação racial, que começou em 1948 e terminou em 1990, criou premissas de exclusão e medo: apenas os brancos eram considerados cidadãos e tinham seus direitos civis assegurados. E, por mais de 40 anos, milhares de africanos foram reféns dessa situação que ilustra a frase, de Indira Gandhi: ” O pior tipo de poluição é a miséria”.
África. Ontem, continente super populoso, sem acesso a educação, saneamento básico, saúde, sem políticas democráticas. Hoje, o continente que nos relatórios do clima aparece com uma das áreas que será mais afetadas pelos efeito do aquecimento global – acelerado principalmente pelas ações predatórias dos seus ex-neo-colonizadores. Segundo dados fornecidos pelo Green Peace, cerca de 180 milhões de habitantes da região subsaariana poderão morrer até o final deste século, por causa das chuva imprevisíveis, da redução de terras agrícolas, e dos recursos naturais.
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Maira Begalli mandou sua contribuição para a Blogagem Coletiva da África diretamente pro Tubo de Ensaios! Mande o seu também!
S. de Down: uma possibilidade de um futuro melhor?
Por Sandra Goraieb
Talvez em futuro breve, uma gestante que se descubra esperando um bebê portador da Síndrome de Down vai poder minimizar os efeitos da Síndrome através de terapia intrauterina. Isto porque um estudo conduzido pela Dr.a Catherine Spong da National Institutes of Health – Bethesda, e publicado na Obstetrics and Gynecology, conseguiu reduzir os sinais e sintomas da síndrome em ratos, que atingiram as metas de desenvolvimento da mesma forma que ratos normais.
Para entender melhor, a Síndrome de Down ocorre quando o feto humano possui um cromossomo 21 a mais, ou seja, onde deveria existir um par, existem 3 cromossomos 21. Em ratos, uma síndrome similar ocorre na trissomia do gene 16. Em ambos os casos acontecem retardos no desenvolvimento motor e sensorial e poderão ter dificuldade no aprendizado e sofrer de sintomas de Alzheimer na vida adulta.
Em ratos trissomicos, a inibição de um neurotransmissor chamado GABA (ácido gamaaminobenzóico), pode melhorar as capacidade cognitivas. Isto levou a se pensar que este tratamento pudesse ser aplicado também às crianças portadoras da Síndrome. Porém, este tratamento só seria possível após o nascimento. O ideal seria poder iniciar a correção das alterações ainda na fase intrauterina.
Outras alterações acontecem nas células da Glia. Estas são células que fazem parte do sistema nervoso que sustentam e regulam o desenvolvimento dos neurônios através da liberação de algumas proteínas, como a ADNP. No caso da Síndrome de Down ocorre uma diminuição da disponibilidade destas proteínas. Além disso, alguns segmentos destas proteínas chamados NAP e SAL, quando agregados a culturas de neurônios de pessoas portadoras da síndrome e que degenerariam, parecem exercer um efeito protetor sobre estes neurônios.
Então o grupo da Dr.a Spong, injetou NAP e SAL em ratas grávidas (modelo Ts65Dn para S. de Down) com fetos trissômicos obtendo resultados bastante interessantes, pois ao nascerem, os ratos tratados demonstraram-se similares aos ratos sadios em 4 de 5 parâmetros motores e um de quatro parâmetros sensitivos. Considerando que ratos trissômicos apresentam-se em deficit em todos os parâmetros, o resultado foi bastante significativo (p<0,01). Os ratos tratados também mostraram níveis normais de ADNP nas células da glia. Os pesquisadores agora observam como os ratos tratados se comportarão em relação ao aprendizado.
Apesar destes resultados, não é certo que este procedimento poderá ser efetivo também em humanos, mas existe um certo otimismo entre os especialistas.
Tomara que aconteça de verdade. Muitas crianças poderiam ter garantidos um desenvolvimento motor e cognitivo melhor e consequentemente um futuro mais tranquilo para eles e seus pais.
Para saber mais:
Toso L, Cameroni I, Roberson R, Abebe D, Bissell S, Spong CY.
Prevention of Developmental Delays in a Down Syndrome Mouse Model.
Obstet Gynecol. 2008 Dec;112(6):1242-1251.
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Sandra Goraieb é médica, especialista em Anestesiologia e em Medicina Intensiva, e diretora científica do Projeto Millebolleblu. Escreve o blog Mamãe passou açúcar em mim.
A Ciência e sua sombra.
Por Daniel Christino.
Dentre todos os objetos disponíveis ao escrutínio da razão nenhum é mais interessante do que o próprio homem. Há muito o intelecto humano se diverte com esse movimento de virar-se sobre si mesmo. Somos, neste aspecto, bastante únicos na natureza. Segundo Rilke, ao contrário de nós, os animais conseguem “vislumbrar o aberto”. Não estão obrigados a olhar sempre sobre o próprio ombro.
Não têm história ou mundo. Não são capazes de perceber sua sombra como um índice de si mesmos.
Dentre os possíveis discursos que escolhemos para falar de nós mesmos dois se destacam. O primeiro encontra-se no domínio do mito e das religiões e podemos defini-lo, grosso modo, como moralidade. O Bem e o Mal. Via de regra tal discurso aponta para uma dimensão transcendental da qual é possível colocar a natureza humana sob perspectiva. Seu pressuposto é o de que precisamos ir além do homem para poder pensá-lo. O contrário seria equivalente a tentar “saltar a própria sombra”.
O segundo pertence ao âmbito da ciência, e afirma ser possível compreender o homem a partir da própria condição humana, isto é, como ele se dá enquanto fenômeno material e finito, sem o auxílio de uma perspectiva transcendental de tipo religioso. Segundo esta vertente supor que esteja aberto ao homem uma perspectiva não humana é simplesmente absurdo. Ao homem só é possível o que está dentro dos limites de sua humanidade. Ambos são, como dizia Cassirer, “construções simbólicas”, derivadas da capacidade de enunciação da nossa linguagem e, neste aspecto, limitados por ela.
A ferramenta teórico-epistemológica que o discurso cientí fico desenvolveu para pensar o problema do homem e sua sombra foi a dúvida. Obviamente não meramente a dúvida hiberbólica e argumentativa de Descartes, embora esta esteja, de fato, no centro da questão, mas a dúvida metodológica, integrada às próprias condições do exercício da atividade científica. Isto se dá porque ciência é método e não a confiança cega no método. Este é um erro que se comete amiúde, pensar a ciência como se fosse uma crença na verdade ou na capacidade do homem de encontrar uma verdade universal racionalmente justificável. Este valor ideológico do Iluminismo não sobreviveu ao próprio desenvolvimento científico, em última análise. A razão tornou-se muito mais humilde em sua busca pela verdade e abraçou, em seu método, a incompletude e o raciocínio aproximativo. Quem melhor exemplificou este frescor intelectual e esta dinâmica epistemológica foi Richard Feynman. Numa conferência em 1966 ele elabora esta posição metodológica numa fórmula genial: “Science is the belief in the ignorance of the experts”.
Obviamente cada ramo científico determina suas condições de verdade, mas elas não são mais universais e absolutas e têm validade provisória. O que, entretanto, dispara o processo de superação ou substituição destas condições de verdade é a dúvida, ou melhor, as consequências rigorosas do fato de que se pode duvidar, desde que metodologicamente embasado, das próprias condições de verdade de um determinado campo ou subcampo científico. O importante é perceber que a historicidade da ciência não significa uma relativização de seus princípios fundamentais, mas um aprofundamento. Longe de ser uma prática engessada e imóvel, a atividade científica é sempre aberta e fluida . Discutir esta condição em relação a si mesma e seu objeto é o que mantém a ciência perpetuamente diante de si mesma. Dito de outro modo, em cada experimento, em cada projeto de pesquisa, está não apenas uma questão problema relacionada a um tópico específico, mas toda a ciência. É como ela joga luz sobre a própria sombra.
PS. O link para a conferência do Feynman é este http://www.fotuva.org/online/frameload.htm?/online/science.htm
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Daniel Christino escreve no Pasmo Essencial. É graduado em jornalismo e filosofia, mestre em filosofia e doutorando em comunicação. Atualmente é professor da Universidade Federal de Goiás.
Muito além do River Raid
Por Daniel Christino.
Eu adoro jogar videogame. Essa confissão já me rendeu alguns olhares estranhos na Universidade. “Mas você não tem algo mais importante para fazer?”, diziam. “Não!”, respondia meio injuriado. Embora seja uma chatice jogar “a sério” qualquer jogo de videogame, pensar sobre o impacto das novas mídias sobre os modelos de produção cultural já canonizados é um campo de estudos acadêmicos cada vez mais promissor.
Sem querer entrar numa de “peer-reviewing”, pelo menos não agora, indico dois artigos muito legais sobre como os estudos sobre games atravessam diversas áreas de pesquisa: Dynamic Lighting for Tension in Games e Tragedies of the ludic commons – understanding cooperation in multiplayer games.
O primeiro deles possui uma ligação bastante clara com o cinema e com a narratologia (ou teoria da narrativa). O modo como um jogo explora os efeitos de luz para compor um determinado clima supõe uma noção de narratividade visual muitas vezes importada do cinema. Por outro lado, os games, por trabalharem com um ambiente completamente virtual e manipulável (dentro de certos limites tecnológico de velocidade de processamento e memória), potencializam os usos possíveis da iluminação para criação destes efeitos. Ao contrário do cinema, os games têm controle completo sobre o ambienta no qual a ação ocorre. No cinema, isso só acontece nas CGI (imagens geradas por computador).
There are many lighting design techniques exhibited in theatre, film, architecture and dance that address the role of lighting on emotions and arousal. Currently, game developers and designers adopt cinematic and animation lighting techniques to enrich the aesthetic sense of the virtual space and the gaming experience. For example, game lighting designers manually manipulate material properties and scene lighting to set a mood and style for each level in the game.
O segundo entende o videogame como um modelo de interação social, ou seja, discute o modo como um contexto de simulação pode iluminar aspectos comportamentais dos indivíduos. O estudo retira sua força da metáfora do jogo e enfatiza uma das suas principais características: a relação entre os jogadores. Mesmo as brincadeiras de amarelinha ou pique-pega podem ser entendidas como simulações. Há um conjunto de regras não-naturais em funcionamento normatizando o modo como a ação pode ou não acontecer. O legal dos videogames é sua capacidade modelar, ou seja, nele possuímos algum controle sobre o ambiente no qual a ação se desenvolve e, por conta disso, podemos isolar ou testar variáveis de modo muito mais preciso. Neste caso os pesquisadores optaram por estudar o modo com o jogo apresenta alguns conflitos e a relação entre a solução destes conflitos e a vida social “real” do indivíduos. Em outras palavras, o artigo pressupõe que a simulação dos games pode nos ajudar a entender melhor a dinâmica social de pequenos grupos. É o caso quando eles estudam a trapaça (cheating) como um dilema social. O game dado como exemplo é o Diablo.
Accounts of cheating in games almost always invoke the eloquent example of Blizzard’s Diablo (Blizzard Entertainment, 1996), among the first truly successful commercial online games. It is generally acknowledged that the gaming experience was seriously affected by the amount of cheating apparent among many participants. In a somewhat informal survey conducted by the gamer magazine Games Domain (Greenhill 1997), 35% of the Diablo-playing respondents confessed to having cheated in the game (n=594). More interesting, however, were the answers to the question of whether a hypothetical cheat and hack free gaming environment would have increased or decreased the game’s longevity and playability. Here, 89% of the professed cheaters stated that they would have preferred not being able to cheat. This response distribution clearly tells of a social dilemma. Arguably, the players queried are tempted to cheat but understanding that this temptation applies to other players as well, would prefer that no-one (including themselves) have full autonomy.
Certo. Os artigos foram linkados a partir do site da Game Studies cuja base de dados encontra-se, hoje, aberta ao público. Há outros tantos em bases de dados restritas. Os games não são apenas diversão interessante, são também objetos acadêmicos relevantes tanto por sua popularidade quando pelas questões que levantam. Estamos muito além do River Raid. Divirtam-se.
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Daniel Christino escreve no Pasmo Essencial. É graduado em jornalismo e filosofia, mestre em filosofia e doutorando em comunicação. Atualmente é professor da Universidade Federal de Goiás.
Sobre blogs de ciências
por Charles Morphy D. Santos.
"Tudo o que tem a fazer é escrever uma frase verdadeira. Escreva a frase mais verdadeira que souber (…) Se começasse a escrever rebuscadamente, ou como se estivesse defendendo ou apresentando alguma coisa, achava logo que podia cortar esses floreados ou ornamentos, jogá-los fora e começar com a primeira proposição afirmativa verdadeira e simples que tivesse escrito"
Ernest Hemingway, A moveable feast (Paris é uma festa), p. 29.
O filósofo John Wilkins, no seu artigo The roles, reasons and restrictions of science blogs, publicado na edição de agosto da Trends in Ecology and Evolution , define um blog como "fundamentalmente uma página da web atualizada constantemente, com entradas (‘postagens’) que têm uma data, tempo e, se muitos autores contribuírem para o blog, selos com autor e nome". Para ele, um das razões flagrantes para a existência de blogs é a comunicação científica. Além disso, essa também é uma forma de desmistificar a ciência e de fazer frente a perspectivas contrárias, presentes no discurso público (e.g., anti-evolucionistas), àquelas científicas. Ainda segundo Wilkins, um blog que representa uma comunidade científica ou subdisciplina irá ele mesmo se transformar em uma comunidade.
Tomadas em conjunto, essas idéias parecem expressar, no geral, o que pensam as pessoas que se dedicam a escrever nesses veículos que – erroneamente – são considerados como web 2.0 (essa denominação foi usada inclusive no artigo sobre blogs científicos veiculado na edição de julho da Scientific American Brasil. A tal web 2.0 – discutida por muitos teóricos que trabalham com cibercultura, entre eles o brasileiro André Lemos – demandaria muito mais interação e possibilidade de interferência que o simples postar-comentar-responder dos blogs). Porém, há sempre o outro lado da moeda, que o próprio Wilkins lembra: blogs carecem de controle de qualidade e editoração adequada. Além disso, ainda há o preconceito da "velha guarda" da ciência (sem conotação pejorativa), que privilegia o trabalho "real" em detrimento do que é divulgado na rede.
Assim como o papel das revistas de hard-science , blogs são meios para a divulgação de idéias. É inocente quem pensa que o trabalho publicado (impresso) passa por um crivo tão grande de qualidade quanto seria de se esperar – basta relembrarmos dos recentes episódios de manipulação de dados em artigos da prestigiada Science . Além do mais, mesmo publicações de menor índice de impacto, mas de vital importância para áreas específicas das ciências, também têm problemas com o peer-review . Pesquisadores da "periferia" da ciência, como os brasileiros, sempre sofrem mais para terem seus artigos publicados, sendo eles valiosas contribuições para o campo de escrutínio ou não. Enquanto isso, profusões de textos "copy-and-paste " saem todos os meses, mais onerando do que desenvolvendo as ciências como um todo.
Nesse ínterim, o que talvez conspire contra os blogs seja o próprio rótulo ‘blog’, muito relacionado a diários pessoais on-line que, para muitos, caracterizam a geração e-mail (geração web? geração internet? geração orkut?). Blogs científicos podem significar muito mais do que isso. Para tanto, ao serem preparados, e independentemente da linha de argumentação ou do assunto comentado, as postagens precisam ser cuidadosamente construídas e divulgadas. É claro que a ciência exposta não deve ser vetusta e hermética, sob o risco de afastarmos ainda mais o público já pouco afeito a exposições aprofundadas sobre o conhecimento científico. No entanto, não há motivos para que uma postagem em um blog não seja tão zelosa sobre seu conteúdo e forma quanto um texto para uma revista tradicional. Quem leu o artigo do Wilkins pôde perceber claramente que não há nada ali que já não havia sido discutido anteriormente na própria blogosfera.
Um outro aspecto interessante, levantando no Roda da Ciência, diz respeito ao papel dos blogs na educação. Escrevi anteriormente no blog “Um longo argumento” o seguinte parágrafo:
"A aula não pode se ater à superficialidade dos livros didáticos, devendo ser acrescida das discussões filosóficas e históricas pertinentes. A leitura é fundamental para o professor, incluindo as obras originais e compêndios sobre os tópicos estudados. Atualmente, há ferramentas disponíveis na internet, tais como blogs, revistas de divulgação online, portais com obras completas de autores consagrados das ciências e da filosofia, e sítios com apresentações, exercícios e documentários que podem ser importantes fontes de informação para o docente – e também para os alunos, especialmente quando orientados de forma adequada".
Blogs não são substitutos da divulgação tradicional (em papel) e não devem ser vistos dessa forma. Não obstante, eles são ferramentas complementares, que permitem uma dimensão extra para a publicação da pesquisa científica, com recursos próprios que permitem grande dinamismo e um maior alcance para o que é discutido. Obviamente, a importância dos blogs para a comunidade científica ainda não pode ser analisada em uma perspectiva histórica, mas seu impacto no ensino de ciências, por exemplo, pode ser notado por muitos dos que utilizam tal ferramenta.
Independentemente do rótulo, o que se escreve deve ser "verdadeiro", como Hemingway diz. O meio faz parte, mas não é ele próprio a mensagem.
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Charles Morphy D. Santos escreve no Um longo argumento e é doutor em ciências pela USP-RP.