Lançamento do e-book “Oficinas de imaginação e escrita para a educação em Direitos Humanos”

O grupo de pesquisa Nós-Outros: linguagem, memória e direitos humanos acaba de publicar, coordenado pela professora Daniela Palma, do IEL/UNICAMP, um material didático que visa orientar a abordagem de Direitos Humanos em aulas de Língua Portuguesa dos Ensinos Médio e Fundamental II. Trata-se do e-book Oficinas de imaginação e escrita para a educação em Direitos Humanos, disponível para download gratuitamente no site institucional do projeto (link no final do texto).

Esse material está dividido em 5 oficinas de escrita, organizadas ao redor de 5 eixos temáticos principais que tratam de uma série de direitos: o direito à moradia; o direito à liberdade de expressão e à identidade cultural; o direito à migração; o direito à água e à natureza; e o direito ao luto. Por meio de um processo de imersão em cada um desses temas, a ideia é mobilizar a leitura de uma grande variedade de textos e a apreciação de outras produções culturais, como músicas, documentários e filmes, de forma a estimular, em momentos apropriados, os alunos e as alunas a escrever suas principais impressões em sua “Caderneta de escritor(a)”. O objetivo é que essas anotações constituam progressivamente um importante acervo de referências e reflexões para que, ao final de cada unidade, os/as estudantes estejam preparados para se dedicar a uma proposta de produção de texto mais extensa.

Assim está estruturada a Oficina 2, “Dos fios que trançam uma história: liberdade de expressão, identidade cultural e autoestima”, por exemplo, que irá se centrar na importância dos cabelos para discutir a liberdade de expressão e de identidade cultural à que cada pessoa tem direito. Os alunos e as alunas serão então expostos a uma série de leituras de aproximação ao tema que irão percorrer, ao longo de épocas e territórios diversos, a relação de cada povo com os seus cabelos. Dessa forma descobriremos que, no Antigo Egito, por exemplo, os cortes de cabelo estavam relacionados à hierarquia e ao gênero de quem os portava; ou ainda que as tranças nagô, ou de raiz, presentes até hoje na cultura brasileira, remetem à maneira como homens e mulheres iorubás arrumavam seus cabelos há muitos séculos.

Orna Wachman/Pixabay

Essa contextualização culminará em uma densa reflexão sobre como uma simples parte do nosso corpo representa, na verdade, uma série de possibilidades (ou impossibilidades) de manifestarmos social, política e religiosamente nossa própria identidade. A parte escrita, ao final dessa unidade, se dedicará então à produção de textos que reflitam sobre essas questões por meio de duas possibilidades: a escrita de um roteiro ou a escrita de uma canção. Caberá ao professor ou à professora a escolha de abordar apenas uma ou as duas propostas em sala de aula.

Vale notar que todas as oficinas possuem orientações para guiar os professores e as professoras durante a utilização do material, mas há também um grande apelo à autonomia dos alunos e das alunas para que eles/elas possam construir o conhecimento de forma crítica ao longo de todas as leituras e produções escritas. Além disso, as unidades contam ainda com glossários para palavras mais específicas ou complicadas, além de diversas sugestões para aprofundamento sobre cada tema, o que garante um maior suporte para compreensão dos pontos abordados.

Também é fundamental dizer que todo o material se volta à importância de imaginar e narrar. Você já parou para pensar que um dos motivos que nos fazem gostar de ler ou assistir filmes é justamente o fato de essas produções nos permitirem ter contato com experiências que, vivendo nossas próprias vidas, não seríamos capazes de ter? E será que, estabelecendo esse contato com as experiências de vida de outras pessoas, poderíamos ter mais consciência e respeito pelas diferenças? É nesse caminho que o livro aposta. Tanto pelo contato com narrativas produzidas por outras pessoas, quanto pelo estímulo de narrar as próprias experiências por meio das propostas de escrita, há ao longo de todas as unidades um reforço da ideia de que “pensar pela imaginação da experiência do outro é fundamentalmente a possibilidade de construir inversões de perspectiva”, segundo trecho da introdução “Direitos Humanos em aulas de escrita: apontamentos e orientações”. Aliás, uma dica preciosa: as páginas iniciais que antecedem as oficinas são um conteúdo excelente para nos aprofundarmos em questões que envolvem conceitualmente os temas abordados; vale a pena demorar-se na apresentação e introdução do material, bem como na rica bibliografia sugerida! Esse momento anterior à utilização do material em sala de aula é também uma oportunidade de os professores e as professoras terem um panorama mais completo e geral de como as oficinas se organizam, além de compreenderem em quais pilares teóricos se sustentam as unidades.

Em linhas gerais, podemos dizer que é pelo contato com a experiência narrada por outra pessoa que alunos e alunas serão educados a observar o mundo à sua volta e a olhar para si mesmos e mesmas enquanto sujeitos de experiências que também são ressignificadas quando colocadas em perspectiva. E assim, de forma intuitiva e sensível, mas também orientada por atividades pensadas para tal fim, é possível trabalhar conteúdos referentes aos Direitos Humanos a partir da conscientização de que esses direitos dizem respeito aos próprios alunos e alunas e aos demais seres humanos com quem compartilhamos o mundo. Aprimorar a percepção do outro é um excelente caminho para entendermos nós mesmos/as e, em uma espécie de ciclo de reações, todo mundo ganha quando estamos mais conscientes de quem somos, do lugar que ocupamos e com quem dividimos nossas vivências. Parece que nos últimos tempos uma parte de nós anda se esquecendo disso, mas sempre vale a pena lembrar: é em contato com o que sou, com o que somos, e com o que os outros são que nos tornamos, finalmente, um pouco mais humanos.

Então vamos lá, ao trabalho! E não se esqueça de compartilhar esse e-book com mais educadores, para que ele possa viajar cada vez mais longe. Obrigada!

* Para download gratuito do e-book Oficinas de imaginação e escrita para a educação em Direitos Humanos e demais publicações do grupo Nós-Outros: http://www2.iel.unicamp.br/nosoutros/publicacoes/

* Para mais informações sobre o grupo de pesquisa Nós-Outros: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/527218

O compromisso político de fazer ciência no Brasil hoje

Hoje o dia amanheceu chuvoso em muitas cidades, e aqui em Roma também. Andando pelas ruas, reparei em quantas pessoas carregavam seus guarda-chuvas. Não pude evitar o pensamento: nenhuma delas estava com medo de levar um tiro e morrer por causa do que carregavam. Esse post é em memória de Rodrigo Serrano, brutalmente assassinado no dia 17 de setembro de 2018 pela polícia militar do Rio de Janeiro.

O compromisso político de fazer ciência no Brasil hoje

Quem escolhe ser pesquisador em nosso país (e no mundo todo) acaba se acostumando com o questionamento recorrente sobre a utilidade prática do que faz, do seu trabalho. Nas ciências humanas, esse questionamento é talvez ainda mais frequente porque nossas pesquisas não produzem, na maioria das vezes, resultados imediatos, pragmáticos, mensuráveis pelos parâmetros da sociedade de consumo. Estudar as diversas perspectivas da representação literária ao longo dos anos na literatura brasileira não parece ter o mesmo prestígio que compreender a reprodução de uma bactéria a fim de criar um novo remédio, por exemplo. E por que será que isso acontece? Arrisco um palpite: porque, nessa sociedade, pesquisas que não geram patentes, sobretudo porque não geram lucros, não despertam muito interesse.

Sempre que posso, faço questão de começar meus textos por aí, porque acredito que precisamos lembrar – e relembrar quantas vezes pudermos – que estamos vivendo em uma época em que a formação e a reflexão de tipo humanística correm o risco de cair em desuso. Atualmente, a ideia de trabalho e produção de conhecimento está ligada a valores capitalizados, tecnocráticos, pouco ideológicos ou apolíticos, e, nesse espaço, a maturação de reflexões humanas não tem tempo suficiente para acontecer. Tudo precisa ser rápido e funcional. Já deu para perceber que a conversa é tensa, né? Mas todo esse preâmbulo é para pensarmos juntos como a ideia de produção científica se encaixa nesse contexto – e como fazer ciência, em todas as áreas, principalmente dentro de uma universidade pública, só pode ser entendido como um gesto político.

Nos estudos literários (e talvez posso afirmar que no âmbito das pesquisas sobre linguagem em geral), existe um esforço em se pensar os poderes que estão em disputa. Nosso trabalho muitas vezes se volta à desnaturalização de ideias consolidadas e de pensamentos enraizados em nossa cultura. Nesse sentido, fica difícil imaginar como uma pesquisa desse tipo pode ser considerada apolítica: estamos constantemente exercitando nossa reflexão crítica ao olhar para o mundo e estudar suas diversas manifestações ao longo do tempo.

É por esse caminho que muitos estudiosos pensam na capacidade transformadora que a própria literatura exerce. Escrever seria um gesto de colocar no papel aquilo que precisa ser revisto em nosso mundo e, a partir daí, gerar no leitor um pensamento com potencial para se tornar atitude. Estamos então em um terreno em que a literatura pode ser vista como um espaço público de politização e também de disputa de histórias. Por meio dos livros, seria possível contar uma história que sistematicamente determinadas esferas de poder quiseram (e querem) calar, assim como poderia despertar nos leitores uma reflexão. Ou seja: quanto mais a gente lê, mais a gente se depara com versões diferentes para uma mesma história e dificilmente sairemos dessas leituras da mesma forma que entramos.

Jean Paul Sartre, importante filósofo e escritor francês do século XX, publicou em 1948 o livro Que é a literatura? (Editora Ática, 2004, tradução Carlos Felipe Moisés), no qual discute, após o final da Segunda Guerra Mundial, o que, por que e para quem escrever literatura. Depois das atrocidades cometidas pelos governos fascistas e nazistas nos anos anteriores, Sartre e tantos outros intelectuais voltaram seus pensamentos em direção às ainda possíveis perspectivas de existência humana – e como o ato de pensar e escrever sobre essa existência ainda poderia ter alguma função.

Foto por Daniel Frank.

Sartre defende a ideia de que “através da literatura (…) a coletividade passa à reflexão e à mediação, adquire uma consciência infeliz, uma imagem não equilibrada de si mesma, que ela busca incessantemente modificar e aperfeiçoar” (2004, p. 217). Sua posição parece estar entre dois caminhos já bastante trilhados quando se pensa no fazer literário: a ideia de que a literatura vai salvar a humanidade, despertando-lhe a consciência necessária para isso, mas também a ideia de que essa consciência é infeliz, desequilibrada, mediada, o que significa que não necessariamente ela atingirá seu potencial de conscientização nos indivíduos.

Muito complicado? É mais ou menos pensar que ler não é sinônimo de caráter – há muitos exemplos por aí de gente que já leu muito, mas continua tendo comportamentos questionáveis. E também que nem toda literatura é questionadora e progressista, afinal é também no âmbito literário que versões opressoras da história se consolidam. O ponto principal é que, repito, parece que estamos diante do potencial de reflexão e de crítica que pode emanar da literatura. A ideia de que, com esse esforço de leitura, a coletividade pode tomar conhecimento de si mesma, reconhecer onde estão suas falhas e, a partir daí, buscar modificá-las e aperfeiçoá-las. Em outras palavras, escrever e pensar a literatura como pequenos movimentos de transformação.

O lugar que ocupamos como pesquisadoras e pesquisadores, me parece, passa também por essas mesmas questões. A ideia de produzir ciência, ou seja, de produzir conhecimento, em um país com tantas desigualdades (sociais, econômicas, culturais) como o nosso não deve estar isenta de sua potencialidade de reflexão e de transformação social. Porque são ausências políticas em momentos conturbados como os que estamos vivendo ultimamente que podem criar monstruosidades históricas com as quais certamente não queremos conviver.

E assim chegamos ao Brasil do ano de 2018, onde ainda é preciso debater machismo, racismo, homofobia e tantos outros preconceitos enraizados na nossa história. Esse debate, que perpassa todas as esferas públicas de produção de conhecimento (e por isso também todas as universidades, programas de pós-graduação e institutos de pesquisa), não pode ser diminuído ou silenciado, pois estamos disputando a história que se fará daqui por diante. A reflexão humanística, que deveria ser uma guia aos estudos literários e também às demais ciências, reafirma sua importância nesse processo como aquela que não nos deixa esquecer os momentos em que a humanidade se viu ameaçada por seu próprio desenvolvimento e capacidades destrutivas. Posicionar-se politicamente em todas as esferas que nos cabem é então reconhecer a função pública que cada indivíduo carrega em si e estimular a reflexão crítica em todas as frentes imagináveis. Resistir em todos os espaços que ocupamos: esse é o compromisso científico e político do qual não podemos nos isentar.

 

A universidade para além de seus muros: estudos de poesia italiana fora da Academia, por Helena Bressan

O blog Marca Páginas recebe hoje a contribuição de Helena Bressan Carminati (helenabcarminati@gmail.com), estudante de Letras-Italiano da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Por conta da minha própria pesquisa de doutorado, entrei em contato com um grupo de estudos chamado NECLIT (Núcleo de Estudos Contemporâneos de Literatura Italiana), da UFSC. Sempre admirei o trabalho deles e fiquei ainda mais feliz quando soube que lá também tem gente pensando em formas de transpor as barreiras acadêmicas que, muitas vezes, nos seguram dentro das universidades. Então, quando conversei com a Helena, foi natural convidá-la para dividir aqui no blog seu depoimento sobre o projeto de extensão Geografia e Cultura Italiana por meio da Poesia, que busca discutir poesia com quem não está necessariamente ligado à universidade (um assunto sempre considerado muito difícil por quase todo mundo, mas que é ao mesmo tempo uma das formas mais maravilhosas que o ser humano encontrou para se expressar). Os resultados são incríveis e agradeço muito a oportunidade de compartilhá-los aqui. Esse projeto merece ser conhecido e nos inspira a continuarmos nossos trabalhos de divulgação dos estudos literários. Agradeço a Helena e a equipe NECLIT. E que nunca nos falte poesia!

A universidade para além de seus muros: estudos de poesia italiana fora da academia, por Helena Bressan Carminati

Quando conheci a Cláudia, pelas redes sociais, começamos a conversar e ela me convidou, muito gentilmente, para escrever a respeito do projeto Geografia e Cultura Italiana por meio da Poesia. De imediato, fiquei empolgadíssima e comecei a pensar sobre isso. O que teve início como um projeto de extensão, em 2016, deu origem a um minicurso na XII Semana Acadêmica de Letras da UFSC, em 2018, e gostaria então de compartilhar com vocês um pouco dessa minha experiência.

Em 2016, com o apoio do Edital PROBOLSA/UFSC e a coordenação da Professora Patricia Peterle, do departamento de Língua e Literatura Estrangeiras da UFSC, o objetivo principal do projeto era oferecer um panorama da geografia e da cultura italiana para a comunidade não acadêmica, buscando ampliar o conhecimento de aspectos relativos à cultura e à língua italiana e disseminar a poesia italiana contemporânea. Tivemos a ideia então de trabalhar esses conteúdos a partir de poemas selecionados para que pudéssemos apresentar, ao mesmo tempo, alguns poetas, as características de suas poesias e também algumas cidades italianas que os inspiraram a escrever. Assim, o público alvo era composto principalmente por pessoas que tinham interesse pela literatura, língua ou cultura italianas, mas que não necessariamente estavam vinculadas a universidades ou ao meio universitário. Naquele momento, tínhamos justamente a intenção de divulgar a poesia italiana para pessoas de fora desses contextos, por isso propusemos um projeto de extensão que, por definição, tenta transpor os muros da universidade e compartilhar os conhecimentos que são produzidos dentro da academia.

Os módulos do projeto aconteceram a cada 15 dias, nos meses de junho, agosto, setembro e outubro daquele ano, e foram organizados e ministrados por duas ou três pessoas, no Círculo Ítalo Brasileiro (CIB), no centro de Florianópolis. Cada módulo teve duração de 4 horas e foi estruturado da seguinte forma: introdução sobre um autor e sua poesia, suas principais características, a cidade escolhida como tema dos poemas, de forma a situarmos o público em relação ao que estávamos tratando, além da leitura da versão italiana e da tradução dos poemas selecionados (geralmente, dois poemas por módulo) para, em seguida, propor uma discussão em conjunto (ministrantes e participantes), acompanhada finalmente da análise dos poemas. A análise era enfim um dos momentos mais interessantes e importantes do módulo, pois quem o estava ministrando procurava deixar a participação do público bastante livre, enfatizando sempre que a análise e a interpretação de poesia estão sujeitas a novos olhares e a diferentes possibilidades de leitura, principalmente se mantivermos em mente que não há apenas uma resposta correta para as perguntas que surgem durante esse processo.

Acredito que esse foi um dos fatores essenciais que contribuíram para que tivéssemos um feedback positivo por parte dos participantes, pois eles percebiam que, mesmo não estando na universidade e/ou não estudando aquele determinado assunto, tinham capacidade de fazer suposições, dar suas opiniões, analisar os poemas e se expressar para um grupo maior sobre um tema geralmente temido pela maioria das pessoas, como é a poesia. Era um momento de troca, em que falávamos e escutávamos o que todos tinham para compartilhar.

Estabelecer relações entre a geografia e a cultura italiana, partindo da leitura de textos poéticos, foi e continua sendo desafiador por alguns motivos. Um deles talvez seja o de tirar o texto literário da sala de aula e ver como ele pode falar e ser recebido por leitores menos especialistas, mas com sensibilidades diferentes, visto que pensar a geografia e a poesia de uma cidade implica também pensar a sua própria cultura, os habitantes que nela vivem e seus comportamentos. Também por isso os participantes se mostravam tão interessados, pois, ao mesmo tempo em que mostrávamos a eles realidades diferentes, a todo momento relacionávamos aquilo ao nosso contexto aqui no Brasil. Por exemplo, no primeiro minicurso sobre a Roma da poeta Patrizia Cavalli, discutimos sobre as diferentes concepções de praça para um italiano e para um brasileiro, o que gerou pensamentos e argumentos bastante interessantes e diversificados. Um deles foi que aqui no Brasil temos a praça como um espaço público utilizado para lazer, geralmente bastante arborizado, com bancos, parques para crianças, enquanto que na Itália a praça constitui-se historicamente como um lugar de fala, um espaço de lutas em que são feitas as manifestações políticas, e, em sua maioria, possuem fontes ou monumentos em seu centro, também como uma forma de criar aquele ambiente que faz parte da vida social dos cidadãos. Assim, pudemos dialogar a respeito dessas diferenças que fazem de cada país um lugar particular.

Para que esse tipo de diálogo com o público fosse possível, escolhemos algumas cidades já conhecidas, e também outras um pouco menos, como foi o caso da Milão periférica do escritor Milo de Angelis, que escreveu poemas a partir de sua experiência como professor no Presídio de Segurança Máxima de Milão, chamado Opera. Para escolher tais autores, fizemos um mapeamento de poetas que no século XX e XXI trataram e tratam em seus textos da cultura local, do espaço urbano, das periferias, e acabamos escolhendo Patrizia Cavalli, Giorgio Caproni, Franco Fortini, Milo de Angelis e Umberto Saba e as respectivas cidades de Roma, Gênova, Florença, Milão e Trieste.

As ministrantes dos módulos eram alunas de graduação e pós-graduação da UFSC que aceitaram fazer parte desse projeto, o qual tinha ainda uma bolsista principal responsável pela organização geral dos módulos. Além disso, destaco a importância de um projeto de extensão como esse e tantos outros que acontecem nas universidades e que permitem para a comunidade fora das universidades o acesso a diferentes conteúdos ditos “acadêmicos”, a divulgação das pesquisas científicas feitas pelos alunos e o contato com pessoas diferentes, possibilitando criar diálogos fora da Academia, o que é tão relevante no momento que vivemos hoje.

Fazer parte desse projeto me fez enxergar possibilidades de uma vida acadêmica fora da “Academia” e, mais, me fez perceber que todo o conhecimento produzido por nós estudantes se torna muito mais interessante quando compartilhado. Apresentar a poesia italiana para um público não universitário foi desafiador e gratificante, pois ao mesmo tempo em que eu estava ali para transmitir conhecimento, nossos encontros eram uma grande troca. O público percebeu que poderia estudar poesia e compreendê-la, pois a palavra poética toca a alma humana, e foi exatamente isso que tentamos fazer ao propor esse projeto. Nesse sentido, acredito que o movimento de ir além dos muros da universidade é essencial para ultrapassarmos limites e partilharmos os conhecimentos.